Por Rogério Tadeu Romano*
Ditadura é um dos regimes não democráticos ou antidemocráticos, ou seja, governos regidos por uma pessoa ou entidade política onde não há participação popular, ou em que essa participação ocorre de maneira muito restrita. Na ditadura, o poder está em apenas uma instância, ao contrário do que acontece na democracia, onde o poder está em várias instâncias.
Ditadura é uma forma de autoritarismo.
Como explicou Juliana Bezerra (O que é ditadura?, in Toda matéria), uma ditadura se caracteriza por ter censura, falta de eleições transparentes, de liberdade partidária e um intenso controle do Estado na vida dos cidadãos.
Ditadura é um regime de governo onde o poder está concentrado nas mãos de um indivíduo ou grupo. A sociedade é vigiada e controlada.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse em um comício no dia 17.7.24, que o país pode enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não seja reconduzido ao cargo nas eleições marcadas para o dia 28 de julho.
Isso não é palavra de um democrata, ameaçando o povo caso perca as eleições.
María Corina Machado, a principal opositora de Maduro, denunciou, no dia 18.7.24, um atentado contra ela e sua equipe. “Vandalizaram nossos carros e cortaram a mangueira dos freios”, disse Machado. Favorita nas pesquisas, ela foi impedida em janeiro de concorrer à eleição. Isso é grave.
Pouco depois da denúncia de María Corina, o diplomata Edmundo González Urrutia, candidato de consenso da oposição para enfrentar Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho, disse que “a comunidade internacional não pode ficar à margem frente a esses fatos”. Nas redes sociais, ele afirmou que esses atos “atentam contra o desenvolvimento do processo eleitoral”.
Na Venezuela não há separação de poderes e independência entre eles.
A partir disso, há grave ameaça à liberdade de expressão dos cidadãos e aos defensores dos direitos humanos, com supressão sistemática dos direitos políticos da população.
O Poder Judiciário é, de forma cristalina, subordinado ao Poder Executivo, aplicando um abusivo direito penal, que gera naqueles cidadãos insegurança. Essa acumulação de poderes do Executivo, com a eliminação de direitos e garantias fundamentais, é um convite ao totalitarismo. O Ministério Público está a serviço dos interesses do governo.
Assembleia Nacional, Judiciário, Conselho Nacional Eleitoral, Procuradoria Geral, Controladoria Geral e Defensoria Pública estão sob controle do governo Maduro e apoiadores.
Há uma investigação em curso por parte do Tribunal Penal Internacional. O órgão, sediado em Haia, já recebeu cerca de nove mil denúncias de pessoas e entidades jurídicas contra o governo Maduro. A legislação em vigor restringe atuação de organizações da sociedade civil, a exemplo do que acontece na Nicarágua.
As Forças Armadas são usadas como ator econômico e político fundamental. Alto comando defende que a oposição não tenha poder político.
Se isso não bastasse, para aumentar o clima de terror contra a população, há “os “coletivos” não são tão grandes quanto as forças armadas da Venezuela, mas eles ajudam a explicar como o ditador Nicolás Maduro tem permanecido no poder nos últimos meses, mesmo com a economia em queda livre, apoio popular à oposição, pressão internacional e uma crise elétrica que deixou boa parte do país no escuro e sem água potável. Esta força paramilitar é ágil e comprometida – e tem uma capacidade extraordinária de semear o terror” (Gazeta do Povo, em 3.4.2019).
Esse o quadro de uma ditadura que precisa ser denunciada.
Para o chavismo, cujo propósito é perpetuar-se no poder, a política econômica não é um mecanismo para gerar riqueza e prosperidade a todos, mas um instrumento para sustentar seu projeto de dominação. O empobrecimento generalizado — consequência direta do modelo econômico aplicado pelo regime —é considerado pelo oficialismo como positivo e funcional para a materialização de seu projeto, porque torna o cidadão mais dependente do Estado e, assim, mais controlável e manipulável. Aplicam a fórmula empregada em Cuba para, coma repressão, consolida ruma ditadura.
Com 80% dos votos apurados, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) apontou a reeleição do atual presidente, Nicolás Maduro
Contra todas as pesquisas de urna e contra os fatos, o Conselho Nacional Eleitoral, órgão do poder executivo da Venezuela, proclamou a vitória de Mauro, um ditador, em circunstâncias difíceis de acreditar e contra todas as expectativas matemáticas, em menos de 24 horas das eleições.
Há uma evidente sublevação na Venezuela, prestes a entrar num banho de sangue.
Entendo que já se deve analisar, no âmbito internacional medidas para reconhecimento de um novo Estado, pós-chavismo, com a possível saída de Maduro do poder. Isso pode transbordar em guerra civil de péssimas consequências para a população.
Celso Duvivier de Albuquerque Melo (Curso de direito internacional público, 2007, pág. 363) trouxe a concepção política de Estado de acordo com a teoria de Max Weber que o qualifica como:
- a) uma ordem administrativa e jurídica;
- b) um aparato administrativo que é regulamentada por uma legislação;
- c) autoridade legal sobre as pessoas;
- d) autoridade legal sobre pessoas e atos praticados no seu território;
- e) legitimidade para o uso da força
Ensinaram Hildebrando Aciolly e Geraldo Eulálio do Nascimento Silva (Manual de direito internacional público, 15.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 99.) que “se se tratar de um Estado surgido de um movimento de sublevação, o reconhecimento será prematuro enquanto não cessar a luta entre a coletividade sublevada e a mãe-pátria, a menos que esta, após luta prolongada, se mostre impotente para dominar a revolta e aquela se apresente perfeitamente organizada como Estado; 2º) desde que a mãe-pátria tenha reconhecido o novo Estado, este poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de um Estado perfeitamente organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do direito internacional. 3º) se se tratar de um Estado surgido de outra forma, ele poderá ser reconhecido logo que apresente todas as características de um Estado perfeitamente organizado e demonstre, por atos, sua vontade e sua capacidade de observar os preceitos do direito internacional.”
Contudo, não se pode descartar a hipótese do reconhecimento prematuro de um Estado, o que pode ser perigoso, devendo ser realizado com extrema cautela, uma vez que sua prática poderá ser interpretada como ingerência indevida em assuntos internos do Estado. Segundo alguns autores o reconhecimento da Croácia por parte de certos membros da Comunidade Europeia, e Suíça (ocorrido em 15 de janeiro de 1992), foi prematuro, eis que a Croácia, a época, controlava apenas um terço de seu próprio território, como ensinou Valério de Oliveira Mazzuolli (Curso de direito internacional público, 2009, pág. 400).
A doutrina majoritária faz referência a duas teorias relativas ao reconhecimento de governo:
1) Doutrina Tobar. Instituída pelo Ministro das Relações Exteriores do Equador, Carlos Tobar (1853-1920), em 1907, pregava que a única forma de evitar golpes de Estado no continente americano seria a comunidade internacional se recusar a reconhecer os governos golpistas como legítimos, rompendo relações diplomáticas e apresentando a eles uma declaração de não-reconhecimento, até que aquele governo fosse confirmado de forma democrática. Esta tese esteve presente na América Latina, inclusive na Venezuela, que aplicou-a rompendo relações com Estados cujos governos não concordava, inclusive o Brasil.
2) Doutrina Estrada. Em 1930, o Ministro das Relações Exteriores do México, Genaro Estrada (1887-1937), proferiu uma declaração sustentando que o reconhecimento de uma nova soberania é uma prática afrontosa, e de desrespeito à soberania da nação preexistente, pois o reconhecimento é um elemento dispensável para que o Estado inicie suas atividades. Em outras palavras, quer dizer que se um Estado não concorda com determinado governo, basta simplesmente não manter relações diplomáticas com ele. Mas emitir um juízo de valor seria considerado uma ofensa.
Na prática, percebe-se que esta teoria obteve maior aceitação na América Latina. Pode haver, para o caso, um reconhecimento especial que são alternativas que podem ser estudadas pela Organização dos Estados Americanos e, se for o caso, apesar da posição do Uruguai, pelo Mercosul, em grau de economia local:
- a) Reconhecimento de beligerância. Ocorre quando parte da população de um Estado desencadeia uma revolução contra o governo, com a finalidade de criar um novo Estado ou modificar a forma de governo existente. A beligerância é um estado jurídico “precário”, dada a existência de duas situações distintas, onde ou o governo preexistente retomará ao poder, ou os rebeldes tomarão o poder definitivamente e instituirão um novel governo, baseado em seus ideais revolucionários. Como exemplo, cabe mencionar o caso da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela que reconheceram a Frente Nacional de Libertação Sandinista como beligerante na guerra civil da Nicarágua, em junho de 1979.
- b) Reconhecimento de insurgência. A insurgência (insurgency, em inglês, ou insurgence em francês), é deflagrada no momento em que uma revolta de proporções consideráveis, mas sem a qualidade de guerra civil, com fins políticos, comandada por um movimento armado com o fim de impedir a soberania e as relações exteriores de um Estado. Esta espécie de reconhecimento faz com que os atos praticados pelos “insurretos” deixem de serem de serem qualificados como atos criminosos, de banditismo, terroristas ou de pura violência. A base de uma insurgência pode ser política, econômica, religiosa, étnica, ou uma combinação de fatores. Podem ser citadas insurgências históricas, como a Guerra Civil Russa (1918-1921), e a Guerra Civil Angolana (1975-2002).
- c) Reconhecimento como Nação. Ocorre quando um ou mais Estados admitem que determinado grupo reúne todos elementos necessários para ser considerado como verdadeira Nação. O termo “Nação” refere-se a um conjunto de pessoas que possuem a mesma origem, as mesmas tradições, os mesmos costumes e aspirações comuns. Comumente os membros de uma nação falam a mesma língua e habitam o mesmo território, podendo, entretanto, haver exemplos em sentido contrário. O que liga o povo de uma nação é um laço puramente moral, ao passo que no Estado, existe uma relação política. O reconhecimento como Nação teve origem na primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, gerando efeitos mais políticos do que jurídicos, por tratar-se de uma espécie de “promessa” de reconhecimento, quando a respectiva Nação tornar-se formalmente um Estado soberano, após reunidos os requisitos que lhe são inerentes.
Explicou, por fim, Josué Scheer Drebes (O estado no direito internacional: formação e extinção) que o Direito Internacional comporta também os chamados “reconhecimentos especiais”. Tais atos jurídicos tem lugar a partir da emergência de situações peculiares como, por exemplo, um processo revolucionário, em que parte da população se levanta contra o governo com intuito de modificar o poder central ou até mesmo criar um novo Estado (reconhecimento de beligerância); quando se verifica um sublevação de caráter eminentemente político, não comparada aos atos de guerra civil (reconhecimento de insurgência); na situação em que se confere a determinado povo a qualidade de Nação politicamente organizada (reconhecimento como Nação). Como revelou José Scheer Drebes, esses “reconhecimentos” são de suma importância não apenas para o Direito Internacional como também para a Ciência Política, uma vez que seus efeitos alcançam esta disciplina.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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