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O processo de-civilizador do Brasil

Moradores reagem à tragédia do Jacarezinho (Foto: Márcia Folleto/Agência O Globo)

Por Andrade Jr*

O Brasil mal teve tempo de chorar a morte do ator e humorista Paulo Gustavo, falecido no dia 04 de maio, os 410 mil mortos por Covid-19, a tragédia de Saudades em Santa Catarina onde morreram 3 bebês e duas heroínas que foram atacadas e conseguiram salvar tantos outros. No dia, 06 de maio o país fica mais uma vez atônito, bestializado logo pela manhã, quando temos a notícia de mais uma chacina, dessa vez na comunidade do Jacarezinho na cidade do Rio de Janeiro.

Ao abrir o Twitter, o bombardeio de tuites falando da tragédia encomendada pelo governo do estado era o que se via de forma mais corriqueira ao movimentar a tela, para ver as postagens que tinham sido feitas. Além da quantidade absurda de imagens, vídeos e depoimentos de moradores da comunidade, a hashtag #ChacinaNoJacarezinho estava entre os assuntos mais comentados do Brasil.

Mas, diria um incauto leitor que isso já é algo corriqueiro, existe desde sempre na cidade maravilhosa, onde 57,2% do território é comandado por milícias e 15,4% pelo tráfico de drogas e 25,2% eles disputam ou fazem parceria. Há um elemento interessante nesse mapeamento das áreas fora do controle do Estado, é que as milícias nunca conseguiram entrar na comunidade do Jacarezinho (sacaram?).

Um dado relevante ao caro leitor e que nem sempre fica claro, miliciano é bandido e do pior tipo, visto que ele usa o aparato estatal para ganhos próprios e tocar o terror na população do território que domina, usam o cargo dentro do aparato estatal para aterrorizar a população e  chantageá-la. Outro dado relevante é que aquelas autoridades, uns senhores carecas que deram uma “coletiva” (ou confissão?), esdrúxula são suspeitos de envolvimento com as milícias cariocas, um deles, o  secretário da polícia civil, Allan Turnowski quando chefe da polícia civil, lacrou a Delegacia de Repressão contra o Crime Organizado (Draco) especializada em investigar milícias e acusou o delegado Cláudio Ferraz, esse sim um herói, de praticar irregularidades na Operação Guilhotina em 2011, onde prendeu o então delegado Carlos Oliveira, ex sub chefe operacional da Polícia Civil, que respondia na hierarquia apenas a Turnowski. Outra figura estranha é o delegado Rodrigo Oliveira, sim ele mesmo, o que disse que estava “preocupado com as crianças dos trabalhadores” que estavam sendo aliciadas pelo tráfico de drogas, segundo informações teria pretensões políticas e não é uma escolha ao acaso, foi escolhido a dedo por seu superior para a tarefa. Há relatos de execuções sumárias de pessoas já rendidas, conduta essa proibida até mesmo em guerras, desde a instituição da Convenção de Genebra que torna esse tipo de conduta crime de guerra, e o Estado Democrático de Direito taxa como homicídio e com agravante, visto que o sujeito já estava rendido. Além de crime de guerra é covardia, e uma população majoritariamente cristã não tolera covardia. Ou, não era para tolerar.

Aquela entrevista pavorosa, foi o supra sumo da boçalidade que tomou de conta deste país, que não deixaria a dever a qualquer autocrata sanguinário, ela remete ao pensamento de Hannah Arendt, filósofa judia que cunhou o termo banalidade do mal, que ocorre onde a falta de reflexão e a tendência de culpar terceiros por seus atos gera o mal banal, o mal corriqueiro, como se fosse normal matar alguém na cama de uma criança de OITO anos como ocorreu. O delegado, chefe da operação, tem a audácia de criticar a decisão de um ministro da Suprema Corte, por impedir operações nas comunidades cariocas, sendo possível apenas em casos excepcionais e com aviso prévio ao Ministério Público, o que não ocorreu, isso apenas reitera o conceito da autora judia acima explicitado. É preciso que os bons não fiquem em silêncio, que gritem alto, muito alto, na defesa da Constituição e do Estado de Direito.

Mas, vendo o que ocorre no país, ao invés de avançar no processo civilizador da sociedade brasileira, estamos dando um largo passo contrário e caminhando rumo a de-civilidade e a barbárie. E isso, nós cidadãos de bem não podemos tolerar. O Brasil não deveria ser uma republiqueta terceiro mundista onde policiais adulteram cenas de crime, não recolhe armas usadas pela força e pelos suspeitos, não periciam as cenas de crime e executam qualquer um a sangue frio. Isso tudo vai contra o que manda as melhores práticas internacionais, chanceladas pelo Brasil em convenção das Nações Unidas.

O antropólogo francês Loïc Wacquant em sua obra As Prisões da Miséria, aponta que o neoliberalismo impõe às sociedades que  são geridas sob esta nefasta gestão neoliberal, que os centros periféricos do mundo, o Brasil, tem como  características a violência endêmica, a união do Estado com o crime organizado, a precarização do emprego, uma cruzada simbólica da população que tende a apoiar medidas como a chacina do Jacarezinho, um capitalismo de pilhagem que retira as riquezas daqui para serem usufruídas no exterior, cria uma zona cinzenta entre o poder oficial e o poder criminoso (as milícias), a criação de ilhotas de opulência num oceano de miséria, medo e desprezo pelo outro. Como vimos, o neoliberalismo imposto ao país, está no cerne desta cruzada da de-civilidade que repito nos é imposta há tempos e que nos impede de evoluir como sociedade.

A gestão neoliberal que o Estado Brasileiro incorporou e transformou em política pública, como por exemplo a fracassada guerra às drogas, e aqui não está-se pedindo um libera geral, que fique claro, embora países que estão no imaginário das pessoas como exemplo de civilidade já o façam com algumas substâncias. Ora, é preciso dar um basta nessa necropolítica como tão bem aponta o Dr. Sílvio Almeida, é preciso que a sociedade brasileira acorde de sua catatonia e cobre as autoridades constituídas o respeito à lei, às instituições, aos tratados internacionais e aos Direitos Humanos.

Embora não se vislumbre que isso ocorra no curto médio prazo, não custa nada alertar ao caríssimo leitor sobre o que está no cerne da violência que assola nosso país. Se não temos a cobrança dentro do país e por parte da sociedade civil, felizmente o mundo está de olho vide as declarações do Departamento de Estado dos EUA que as autoridades americanas “tem conhecimento da operação no RJ e dos relatos de execuções extrajudiciais”. Além da atenção dada à chacina pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que pede uma investigação isenta e rápida por parte do Estado brasileiro. Não bastando isso a Alta Comissária, M. Bachelet, mandou um promotor da ONU investigar esse massacre bárbaro, que é crime do agente do estado, que o pratica.

Esse tipo de prática deixa nossa imagem no exterior ainda mais queimada e em baixa, do que já está. Assim como na questão indígena, estamos dependentes da comunidade internacional e dos órgãos multilaterais para que as tragédias sociais no Brasil tenham alguma resolutividade ou sejam impedidas. Um certo alento, para uma sociedade em estado de catatonia.

*É mestrando e estuda os espaços urbanos

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