Categorias
Artigo

Chacina ou operação policial?

Renato Moura/A Voz das Comunidades

Por Ney Lopes*

A Polícia Civil do RJ realizou operação na favela do Jacarezinho, uma das mais violentas da cidade.

O fato vem provocando debates na mídia e de instituições ligadas aos direitos humanos.

De início cabe lembrar que o artigo 144 da Constituição define a “segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

Essa segurança, segundo a CF, “é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

As ações da segurança devem se nortear pela chamada “inteligência policial”, que consiste no conhecimento prévio dos locais, onde se realizarão operações de combate ao crime.

No caso específico do RJ, foi realizado durante dez meses trabalho de inteligência.

Nas redes sociais e na internet, a polícia identificou os responsáveis por repetidas ações criminosas dentro da comunidade (muitas vezes com o apoio dos habitantes, que são ajudados pelos marginais).

Foram feitos os perfis dos acusados com a liberação de autorização judicial para a operação ser realizada.

Constatou-se que estavam sendo planejados, assassinatos, roubos frequentes e até mesmo o sequestro de trens da Supervia, que serve a centenas de milhares de cariocas.

Foi confirmado que o narcotráfico do Jacarezinho adota técnicas de guerrilha, armas pesadas e até mesmo tem soldados com fardas.

A decisão foi a realização da operação policial, agora denominada pela mídia de chacina.

Devia o Poder Público ficar parado e nada fazer?

A chacina é um assassinato coletivo, massacre, de pessoas desarmadas.

Em Jacarezinho houve combate entre a Polícia Civil e bandidos fortemente armados e com orientação de resistir até o último homem à ação do Estado.

Descritos os fatos, caberá a um internauta raciocinar e formar juízo sobre o que ocorreu no Rio de Janeiro.

Em qualquer hipótese, todos devem lamentar os mortos, que afinal são seres humanos.

Porém, no mínimo, o bom senso recomendará, que ainda é cedo para considerar “chacina” o trabalho da polícia.

Se ao final verificarem-se excessos, ou culpados, que sejam punidos.

O que não se justifica e a condenação prévia e unilateral da Policia, responsabilizando- a pôr uma chacina.

Afinal, as investigações não foram ainda concluídas.

*É advogado, jornalista e ex-deputado federal.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Chacina do Jacarezinho: não podemos deixar esse resultado falando sozinho

Chacina do Jacarezinho chocou o país (Foto: reprodução)

Por Jean Paul Prates*

Vinte e cinco mortos, nove horas de terror, granadas, cartuchos de balas e rastros de sangue pelas ruas e até no quarto de uma criança de nove anos.
O terror vivido pelos 40 mil moradores da Comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro sacudiu o País, nesta última quinta-feira (6): uma lembrança amarga de que a bocarra da necropolítica não se sacia com 417 mil mortes evitáveis na pandemia.
Não basta esperar sentado, prescrevendo placebos, ridicularizando cuidados, negando oxigênio e vacinas, e deixando que o vírus faça a sua parte.
É preciso ir buscar as vítimas em casa, sempre nas moradias precárias das periferias desassistidas de tudo — e que ninguém acuse a necropolítica de passividade.
E o resultado está aí: 25 mortos (entre eles um policial), nove horas de terror, balas, sangue e mais um trauma para esse país exausto de ver o fundo do poço sendo mais e mais escavado—e logo quem, as autoridades, que deveriam zelar pelo bem-estar, saúde e segurança de um povo atônito e atirado às feras.
Numa tragédia como a registrada no Jacarezinho esta semana, não há como destacar uma “pior parte”. Mas é fundamental ecoar o alerta de ativistas antirracistas como o advogado e filósofo Silvio Almeida, que classificou a entrevista coletiva pós-chacina da polícia do Rio de Janeiro como “o grau zero da barbárie”.
“O recado foi dado de forma límpida e clara: não haverá lei ou tratado internacional que pare essa gente. Eles já definiram quem merece morrer”, advertiu Silvio Almeida.
Ele tem razão. E é por isso que esta nova chacina não pode ser assistida como algo distante de quem não vive no Rio, não mora no Jacarezinho e não passou nove horas sob o zumbido das balas e o matraquear dos helicópteros.
Na entrevista coletiva, divulgada acriticamente pelos meios de comunicação mainstream, ouve-se um representante da polícia afirmar que os 24 mortos da comunidade “não eram suspeitos. Eram bandidos” — e dane-se o devido processo legal.
Mais alarmante foi ouvir outro representante da polícia criticarem o “ativismo judicial” que “não está do lado da Polícia Civil nem da sociedade de bem”, numa clara alusão à determinação do Supremo Tribunal Federal de suspender operações nas comunidades durante a pandemia.
Segundo esse delegado da polícia Civil do Rio de Janeiro que quer “o bem da sociedade”.
Parece a Lava Jato, que sequestrou a lei, as instituições e o Estado de Direito para fazer valer sua concepção celerada de combate à corrupção.
Só que é muito pior, porque esse é um sequestro armado até os dentes, onde as vítimas estão mortas e não serão reivindicadas com o passo da História e o arrefecimento da histeria.
Não se enganem: a explicação da chacina por seus autores deixa claro que quinta-feira foi no Jacarezinho. Amanhã pode ser em qualquer lugar, enquanto perdurar essa besta faminta da necropolítica.
Numa coisa os representantes da Polícia Civil têm toda razão: o resultado da operação no Jacarezinho “fala por si só”.
A sociedade minimamente saudável que está do lado de cá não pode deixar esse resultado falando sozinho.

*É senador da República pelo Rio Grande do Norte e líder da Minoria no Senado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

Categorias
Artigo

O processo de-civilizador do Brasil

Moradores reagem à tragédia do Jacarezinho (Foto: Márcia Folleto/Agência O Globo)

Por Andrade Jr*

O Brasil mal teve tempo de chorar a morte do ator e humorista Paulo Gustavo, falecido no dia 04 de maio, os 410 mil mortos por Covid-19, a tragédia de Saudades em Santa Catarina onde morreram 3 bebês e duas heroínas que foram atacadas e conseguiram salvar tantos outros. No dia, 06 de maio o país fica mais uma vez atônito, bestializado logo pela manhã, quando temos a notícia de mais uma chacina, dessa vez na comunidade do Jacarezinho na cidade do Rio de Janeiro.

Ao abrir o Twitter, o bombardeio de tuites falando da tragédia encomendada pelo governo do estado era o que se via de forma mais corriqueira ao movimentar a tela, para ver as postagens que tinham sido feitas. Além da quantidade absurda de imagens, vídeos e depoimentos de moradores da comunidade, a hashtag #ChacinaNoJacarezinho estava entre os assuntos mais comentados do Brasil.

Mas, diria um incauto leitor que isso já é algo corriqueiro, existe desde sempre na cidade maravilhosa, onde 57,2% do território é comandado por milícias e 15,4% pelo tráfico de drogas e 25,2% eles disputam ou fazem parceria. Há um elemento interessante nesse mapeamento das áreas fora do controle do Estado, é que as milícias nunca conseguiram entrar na comunidade do Jacarezinho (sacaram?).

Um dado relevante ao caro leitor e que nem sempre fica claro, miliciano é bandido e do pior tipo, visto que ele usa o aparato estatal para ganhos próprios e tocar o terror na população do território que domina, usam o cargo dentro do aparato estatal para aterrorizar a população e  chantageá-la. Outro dado relevante é que aquelas autoridades, uns senhores carecas que deram uma “coletiva” (ou confissão?), esdrúxula são suspeitos de envolvimento com as milícias cariocas, um deles, o  secretário da polícia civil, Allan Turnowski quando chefe da polícia civil, lacrou a Delegacia de Repressão contra o Crime Organizado (Draco) especializada em investigar milícias e acusou o delegado Cláudio Ferraz, esse sim um herói, de praticar irregularidades na Operação Guilhotina em 2011, onde prendeu o então delegado Carlos Oliveira, ex sub chefe operacional da Polícia Civil, que respondia na hierarquia apenas a Turnowski. Outra figura estranha é o delegado Rodrigo Oliveira, sim ele mesmo, o que disse que estava “preocupado com as crianças dos trabalhadores” que estavam sendo aliciadas pelo tráfico de drogas, segundo informações teria pretensões políticas e não é uma escolha ao acaso, foi escolhido a dedo por seu superior para a tarefa. Há relatos de execuções sumárias de pessoas já rendidas, conduta essa proibida até mesmo em guerras, desde a instituição da Convenção de Genebra que torna esse tipo de conduta crime de guerra, e o Estado Democrático de Direito taxa como homicídio e com agravante, visto que o sujeito já estava rendido. Além de crime de guerra é covardia, e uma população majoritariamente cristã não tolera covardia. Ou, não era para tolerar.

Aquela entrevista pavorosa, foi o supra sumo da boçalidade que tomou de conta deste país, que não deixaria a dever a qualquer autocrata sanguinário, ela remete ao pensamento de Hannah Arendt, filósofa judia que cunhou o termo banalidade do mal, que ocorre onde a falta de reflexão e a tendência de culpar terceiros por seus atos gera o mal banal, o mal corriqueiro, como se fosse normal matar alguém na cama de uma criança de OITO anos como ocorreu. O delegado, chefe da operação, tem a audácia de criticar a decisão de um ministro da Suprema Corte, por impedir operações nas comunidades cariocas, sendo possível apenas em casos excepcionais e com aviso prévio ao Ministério Público, o que não ocorreu, isso apenas reitera o conceito da autora judia acima explicitado. É preciso que os bons não fiquem em silêncio, que gritem alto, muito alto, na defesa da Constituição e do Estado de Direito.

Mas, vendo o que ocorre no país, ao invés de avançar no processo civilizador da sociedade brasileira, estamos dando um largo passo contrário e caminhando rumo a de-civilidade e a barbárie. E isso, nós cidadãos de bem não podemos tolerar. O Brasil não deveria ser uma republiqueta terceiro mundista onde policiais adulteram cenas de crime, não recolhe armas usadas pela força e pelos suspeitos, não periciam as cenas de crime e executam qualquer um a sangue frio. Isso tudo vai contra o que manda as melhores práticas internacionais, chanceladas pelo Brasil em convenção das Nações Unidas.

O antropólogo francês Loïc Wacquant em sua obra As Prisões da Miséria, aponta que o neoliberalismo impõe às sociedades que  são geridas sob esta nefasta gestão neoliberal, que os centros periféricos do mundo, o Brasil, tem como  características a violência endêmica, a união do Estado com o crime organizado, a precarização do emprego, uma cruzada simbólica da população que tende a apoiar medidas como a chacina do Jacarezinho, um capitalismo de pilhagem que retira as riquezas daqui para serem usufruídas no exterior, cria uma zona cinzenta entre o poder oficial e o poder criminoso (as milícias), a criação de ilhotas de opulência num oceano de miséria, medo e desprezo pelo outro. Como vimos, o neoliberalismo imposto ao país, está no cerne desta cruzada da de-civilidade que repito nos é imposta há tempos e que nos impede de evoluir como sociedade.

A gestão neoliberal que o Estado Brasileiro incorporou e transformou em política pública, como por exemplo a fracassada guerra às drogas, e aqui não está-se pedindo um libera geral, que fique claro, embora países que estão no imaginário das pessoas como exemplo de civilidade já o façam com algumas substâncias. Ora, é preciso dar um basta nessa necropolítica como tão bem aponta o Dr. Sílvio Almeida, é preciso que a sociedade brasileira acorde de sua catatonia e cobre as autoridades constituídas o respeito à lei, às instituições, aos tratados internacionais e aos Direitos Humanos.

Embora não se vislumbre que isso ocorra no curto médio prazo, não custa nada alertar ao caríssimo leitor sobre o que está no cerne da violência que assola nosso país. Se não temos a cobrança dentro do país e por parte da sociedade civil, felizmente o mundo está de olho vide as declarações do Departamento de Estado dos EUA que as autoridades americanas “tem conhecimento da operação no RJ e dos relatos de execuções extrajudiciais”. Além da atenção dada à chacina pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que pede uma investigação isenta e rápida por parte do Estado brasileiro. Não bastando isso a Alta Comissária, M. Bachelet, mandou um promotor da ONU investigar esse massacre bárbaro, que é crime do agente do estado, que o pratica.

Esse tipo de prática deixa nossa imagem no exterior ainda mais queimada e em baixa, do que já está. Assim como na questão indígena, estamos dependentes da comunidade internacional e dos órgãos multilaterais para que as tragédias sociais no Brasil tenham alguma resolutividade ou sejam impedidas. Um certo alento, para uma sociedade em estado de catatonia.

*É mestrando e estuda os espaços urbanos

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.