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Reportagem

Nos infiltramos no grupo do “zap” dos golpistas da porta do TG de Mossoró e pasme: eles acreditam que Lula morreu e que seremos governados por um clone do petista

Com ajuda de um leitor infiltrado descobrimos o que se discute no grupo de WhatApp dos manifestantes golpistas que estão na porta do Tiro de Guerra de Mossoró desde 1º de novembro.

Eles se organizam num grupo chamado “Patriotas Mossoró” onde se movimentam para arrecadar dinheiro para custear as manifestações e produzem as maiores sandices.

Os bolsonaristas são motivados por teorias conspiratórias das mais cabeludas como a que o presidente eleito Lula da Silva (PT) estaria morto e que os “globalistas” teriam colocado em seu lugar um clone, que inclusive teria “dez dedos” (veja o print abaixo)

Em outro momento eles discutem a respeito de técnicas para disfarçar a presença do dedo mindinho no que acreditam ser um clone de Lula e citam um tal de “Pastor Sandro” do Paraná.

Em seguida eles discutem sobre a “nova ordem mundial” e defendem que seja investigada a suposta clonagem de Lula.

É bom lembrar que essas histórias já vêm sendo reproduzidas em outros grupos bolsonaristas pelo país que são importadas dos grupos supremacistas brancos dos Estados Unidos e adaptadas ao Brasil.

O movimento estadunidense QAnon é a base do surgimento destas teorias conspiratórias como a de que alguns políticos foram substituídos por clones como é o caso do ditador norte-coreano Kim Jong-um.

Reclamações

O grupo Patriotas Mossoró tem 214 pessoas, um número bem superior a quantidade de pessoas que tem ido a porta do TG pedir golpe de estado. Isso também tem gerado discussões e insatisfações como você pode ouvir nos áudios e print abaixo:

Os bolsonaristas sentem que estão perdendo força nas movimentações.

Arrecadação

Pelo que consta nas conversas do grupo não existe empresários financiando as movimentações golpistas, diferente do que acontece em outras regiões do país. A mobilização é feita na base da cotinha que é direcionada para a conta de um dos “patriotas”.

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Artigo

Mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita

Demétrio Magnoli*

Na sua reta final, a campanha de Donald Trump à reeleição entrelaça-se ao culto online QAnon. O fenômeno inscreve-se numa longa história e descortina as tendências evolutivas do discurso da extrema direta, nos EUA e mundo afora.

O QAnon nasceu como narrativa conspiratória singular. Segundo ela, o Partido Democrata americano é o núcleo de um complô de líderes pedófilos que organiza o sequestro de crianças para escravizá-las a redes de exploração sexual. Sob o comando de figuras como Joe Biden, Hillary Clinton e Barack Obama, operam Angela Merkel, Emmanuel Macron, Xi Jinping e outros “globalistas” engajados no negócio diabólico da pedofilia. Nessa moldura, Trump ocuparia o papel de salvador providencial das famílias, o derradeiro escudo protetor da cristandade ameaçada.        O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se encontrou com o presidente americano Donald Trump,                              durante visita aos EUA no sábado (7). Jim Watson/AFP/

O mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita. A estrutura gramatical do QAnon recupera e atualiza a narrativa dos Protocolos dos Sábios do Sião, fabricada pela polícia secreta da Rússia czarista para impulsionar o antissemitismo. Os Protocolos contam a história de um complô multissecular dos judeus destinado a assumir o controle dos bancos, das escolas e dos veículos de comunicação, o que propiciaria a conquista dos poderes estatais. A lenda, inventada em 1903, fez seu caminho até o movimento nazista e, mais tarde, foi adotada pelos negacionistas do Holocausto.

Nos Protocolos, os judeus encarnam o cosmopolitismo, o liberalismo, o agnosticismo e a depravação. O QAnon simplesmente substitui os judeus pelos “globalistas”. Os judeus dos Protocolos imolariam crianças para extrair o sangue usado no cozimento do matzá da Páscoa; os “globalistas” sacrificariam crianças puras nas engrenagens da luxúria.

A novidade está na plasticidade do QAnon —isto é, na sua natureza agregadora. Ao longo de poucos anos, o mito original foi incorporando outras lendas difundidas no ciberespaço. Obama não nasceu nos EUA e é um muçulmano disfarçado como cristão. Osama Bin Laden não morreu, mas foi escondido pelo governo americano. A Terra esférica é uma mentira carimbada pela Nasa. O coronavírus foi produzido num laboratório chinês e exportado ao Ocidente com a cumplicidade dos “globalistas”, que querem destruir as economias e submeter as nações a perversas instituições multilaterais. A “vacina chinesa” é um vetor de controle biológico dos indivíduos.

Acostumados a um universo extremo de fantasias, os seguidores do QAnon tendem a assimilar as sub-teorias conspirativas adventícias. Já os crentes dessas sub-teorias nem sempre compram o complô dos pedófilos, mas não se importam em consumir seletivamente as teses delirantes que circulam nas mesmas praças discursivas.

A lenda mais recente está adaptada à hipótese realista do fracasso de Trump na disputa pela Casa Branca —e é proclamada pelo próprio presidente americano. O resultado adverso decorreria de vasta fraude eleitoral e anunciaria uma ofensiva avassaladora do “Estado profundo”, por meio de uma “revolução colorida” que confiscaria as armas e as liberdades dos cidadãos.

Como qualquer discurso conspiratório que se preze, o QAnon triunfa nos dois cenários. Se Trump perder, a profecia cataclísmica realizou-se, impondo uma resistência ilimitada contra o governo dos pedófilos. Se, no fim das contas, Trump vencer, a exposição do maligno complô evitou o pior, provando a necessidade de uma guerra inclemente diante do ardiloso inimigo.

Há outra distinção relevante. No tempo dos Protocolos, a narrativa da conspiração movia-se exclusivamente de cima para baixo, ou seja, das lideranças políticas rumo ao grande público. Hoje, na era das redes sociais, ela transita nas duas direções, que se retroalimentam. Engana-se quem pensa que a “guerra da vacina” é, apenas, uma expressão da rivalidade eleitoral de Jair Bolsonaro com João Doria.​

*É sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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