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Transferência de documentos inspira teorias conspiratórias

Arquivista foi interceptada pela polícia (Foto: cedida)

Ontem uma transferência de documentos antigos da Prefeitura de Mossoró como memorandos e requerimentos interceptada pela polícia  deu asas para a imaginação no submundo dos grupos de Whtasapp.

A arquivista Nadjara Dias Bezerra ao ser abordada pela Polícia Militar explicou que estava levando a documentação das secretarias para o arquivo municipal e que não era material que tenha influência no processo de transição.

Os advogados do prefeito eleito Allyson Bezerra (SD) e a procuradora Karina Ferreira acompanharam o caso de perto.

O delegado Roberto Moura concluiu que o caso não tinha nenhuma ilegalidade e encerrou o assunto (ver vídeo abaixo).

Ficou claro que não houve nenhuma tentativa de esconder documentos necessários para o processo de transição. Se assim fosse a prefeita Rosalba Ciarlini (PP) correria riscos de ser processada e perder os direitos políticos.

Mas tudo não passou de um mal entendido provocado pelo fato de a aquivista ter feito a transferência em um carro particular.

Fim de papo!

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Mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita

Demétrio Magnoli*

Na sua reta final, a campanha de Donald Trump à reeleição entrelaça-se ao culto online QAnon. O fenômeno inscreve-se numa longa história e descortina as tendências evolutivas do discurso da extrema direta, nos EUA e mundo afora.

O QAnon nasceu como narrativa conspiratória singular. Segundo ela, o Partido Democrata americano é o núcleo de um complô de líderes pedófilos que organiza o sequestro de crianças para escravizá-las a redes de exploração sexual. Sob o comando de figuras como Joe Biden, Hillary Clinton e Barack Obama, operam Angela Merkel, Emmanuel Macron, Xi Jinping e outros “globalistas” engajados no negócio diabólico da pedofilia. Nessa moldura, Trump ocuparia o papel de salvador providencial das famílias, o derradeiro escudo protetor da cristandade ameaçada.        O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se encontrou com o presidente americano Donald Trump,                              durante visita aos EUA no sábado (7). Jim Watson/AFP/

O mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita. A estrutura gramatical do QAnon recupera e atualiza a narrativa dos Protocolos dos Sábios do Sião, fabricada pela polícia secreta da Rússia czarista para impulsionar o antissemitismo. Os Protocolos contam a história de um complô multissecular dos judeus destinado a assumir o controle dos bancos, das escolas e dos veículos de comunicação, o que propiciaria a conquista dos poderes estatais. A lenda, inventada em 1903, fez seu caminho até o movimento nazista e, mais tarde, foi adotada pelos negacionistas do Holocausto.

Nos Protocolos, os judeus encarnam o cosmopolitismo, o liberalismo, o agnosticismo e a depravação. O QAnon simplesmente substitui os judeus pelos “globalistas”. Os judeus dos Protocolos imolariam crianças para extrair o sangue usado no cozimento do matzá da Páscoa; os “globalistas” sacrificariam crianças puras nas engrenagens da luxúria.

A novidade está na plasticidade do QAnon —isto é, na sua natureza agregadora. Ao longo de poucos anos, o mito original foi incorporando outras lendas difundidas no ciberespaço. Obama não nasceu nos EUA e é um muçulmano disfarçado como cristão. Osama Bin Laden não morreu, mas foi escondido pelo governo americano. A Terra esférica é uma mentira carimbada pela Nasa. O coronavírus foi produzido num laboratório chinês e exportado ao Ocidente com a cumplicidade dos “globalistas”, que querem destruir as economias e submeter as nações a perversas instituições multilaterais. A “vacina chinesa” é um vetor de controle biológico dos indivíduos.

Acostumados a um universo extremo de fantasias, os seguidores do QAnon tendem a assimilar as sub-teorias conspirativas adventícias. Já os crentes dessas sub-teorias nem sempre compram o complô dos pedófilos, mas não se importam em consumir seletivamente as teses delirantes que circulam nas mesmas praças discursivas.

A lenda mais recente está adaptada à hipótese realista do fracasso de Trump na disputa pela Casa Branca —e é proclamada pelo próprio presidente americano. O resultado adverso decorreria de vasta fraude eleitoral e anunciaria uma ofensiva avassaladora do “Estado profundo”, por meio de uma “revolução colorida” que confiscaria as armas e as liberdades dos cidadãos.

Como qualquer discurso conspiratório que se preze, o QAnon triunfa nos dois cenários. Se Trump perder, a profecia cataclísmica realizou-se, impondo uma resistência ilimitada contra o governo dos pedófilos. Se, no fim das contas, Trump vencer, a exposição do maligno complô evitou o pior, provando a necessidade de uma guerra inclemente diante do ardiloso inimigo.

Há outra distinção relevante. No tempo dos Protocolos, a narrativa da conspiração movia-se exclusivamente de cima para baixo, ou seja, das lideranças políticas rumo ao grande público. Hoje, na era das redes sociais, ela transita nas duas direções, que se retroalimentam. Engana-se quem pensa que a “guerra da vacina” é, apenas, uma expressão da rivalidade eleitoral de Jair Bolsonaro com João Doria.​

*É sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Como argumentar com quem acredita em teorias conspiratórias

Manifestantes exibem bandeira da teoria da conspiração QAnon, em um protesto em 22 de agosto em Los Angeles (Foto: KYLE GRILLOT / AFPcos)

Por Oliver Stuenkel

El País

Durante uma recente caminhada pelo centro de Berlim, deparei com um grupo de manifestantes portando faixas críticas à política oficial de contenção ao novo coronavírus. Ao me aproximar, percebi que eram seguidores de várias teorias da conspiração relacionadas à covid-19. Uma faixa chegava a afirmar: “Não existe o vírus”. Outro afirmava: “Nós dizemos ‘não’ a Bill Gates.” Quando perguntei ao senhor que o levantava onde obter mais informações sobre o tema, ele respondeu apenas que a imprensa acobertava o fundador da Microsoft.

Quem tenta discutir com seguidores de teorias da conspiração —seja  um membro da família que compartilha um vídeo negando a mudança global do clima, seja um colega de trabalho que acredita ser o novo coronavírus um complô comunista— frequentemente se frustra e dificilmente consegue mudar a opinião de seu interlocutor. Isso normalmente acontece  porque a pessoa busca demonstrar a falta de lógica ou as incoerências dessas teorias —ou seja, foca nos argumentos em si. Tal estratégia, porém, costuma estar fadada ao fracasso porque se baseia em uma pressuposição errada sobre o que são teorias conspiratórias e por que elas são tão populares. Enquanto teorias do mundo científico articulam uma hipótese testável sobre a realidade (e que, portanto, pode ser comprovada ou não), teorias da conspiração não têm o objetivo de ser cientificamente comprováveis, e é justamente por isso que são imunes a uma argumentação lógica baseada em fatos.

Diferentemente de uma teoria científica —que busca esclarecer um assunto específico— uma teoria conspiratória é um recurso inconsciente para aliviar vários tipos de ansiedade: por meio de dois mecanismos, ela atende à necessidade existencial de segurança e funciona como uma injeção de autoconfiança em seus seguidores.

Primeiramente, tranquiliza quem se sente sufocado pela complexidade, incerteza e aleatoriedade da vida. Conviver com o conhecimento limitado e incompleto faz parte do processo de aceitar as próprias limitações e, em última instância, a mortalidade. Pessoas profundamente incomodadas com essa realidade podem ser mais susceptíveis às teorias conspiratórias, pois elas oferecem uma explicação clara e elegante (apesar de equivocada), sem margem para dúvidas. A pessoa adepta de uma ou mais teorias da conspiração costuma imaginar a realidade como ameaçadora, pois inclui quase sempre um indivíduo ou uma entidade com intenções nefastas —mas, como compensação, a incerteza que tanto a incomoda é mitigada por explicações simplistas, que transmitem a sensação de ordem e segurança em um mundo confuso e imprevisível.

Em segundo lugar, uma teoria conspiratória eleva a autoestima e oferece aos que acreditam nela um sentimento de pertencimento: seus adeptos acreditam fazer parte de uma comunidade seleta, com acesso privilegiado a informações sigilosas. Acreditar em uma teoria da conspiração é, portanto, um ato de autoempoderamento. Convictos  da existência de entidades supostamente ultrapoderosas —os comunistas, os judeus, George Soros ou a CIA— capazes de ludibriar o mundo, os entusiastas das teorias conspiratórias acreditam que todos, inclusive a imprensa, estão engolindo mentiras ou simplesmente fazendo parte do esquema. Apenas alguns poucos privilegiados, extremamente perspicazes, teriam percebido a trama. Quem acredita em conspirações, portanto, julga-se detentor de segredos valiosos e goza de relação especial com outros iniciados que também se distinguiram por desmascarar o complô. Vê-se como um Robert Langdon (protagonista dos best-sellers de Dan Brown, como O Código Da Vinci Anjos e Demônios) diante da honrosa responsabilidade de salvar um código secreto.

Teorias conspiratórias costumam ganhar mais aderência em momentos de crise e trauma coletivo, instabilidade ou grande avanço tecnológico —qualquer situação que deixe parte da população insegura ou com dificuldades de encontrar sentido ou explicar uma nova realidade de maneira satisfatória. Não há crise econômica, pandemia, atentado terrorista, golpe de estado ou guerra sem que pessoas fantasiem tramoias, com o fim de  eliminar a angústia de não saber tudo o que gostariam sobre o ocorrido. Enquanto há teorias de conspiração inócuas ou até engraçadas —como, por exemplo, a de que alienígenas construíram Stonehenge ou Machu Picchu, ou que os desembarques na Lua de 1969 a 1972 foram encenados em estúdios de Hollywood, outras representam riscos. Adolf Hitler, por exemplo, defendia que judeus tinham um plano secreto para dominar o mundo, semeando, assim, desconfiança na população alemã, tática crucial para viabilizar o Holocausto.

Da mesma maneira, teorias que questionam o aquecimento global, a existência da pandemia de covid-19 ou se opõem a campanhas de vacinação geram elevado custo humano e financeiro, além de reduzir a capacidade de um país de lidar com desafios globais de maneira racional. Durante praticamente todas as pandemias nos últimos séculos, médicos sofreram ameaças de adeptos de alguma teoria da conspiração, os quais dificultaram, com seu fanatismo, o trabalho de salvar vidas.

Líderes com pendor autoritário empregam correntemente teorias conspiratórias para justificar seus delírios ideológicos — como a luta contra um suposto “marxismo cultural”, os Illuminati ou as Nações Unidas. Em geral, tais teorias estão longe de ser recentes e originais. Por exemplo, hipóteses defendidas em redutos da extrema direita brasileira sobre uma suposta ameaça representada pela ONU nada mais são do que uma versão tupiniquim de ideias da John Birch Society, grupo americano de direita radical que argumentava, nos anos 1960, que as Nações Unidas atacariam os EUA com helicópteros negros para assumir o controle do país.

Como, então, argumentar com aquele parente adorável, porém terraplanista? Em vez de bater boca e romper relações, convém tentar entender as razões de sua susceptibilidade  a teorias conspiratórias. Segundo profissionais de Psicologia, como Karen Douglas, da Universidade de Kent, no Reino Unido, adotá-las geralmente revela insegurança, solidão ou dificuldade para processar ou explicar as profundas mudanças pelas quais o mundo está passando. Como a adesão a essas teorias não tem relação direta com o assunto em si, mas com a busca frustrada pelo pertencimento e a sensação de segurança intelectual, um debate no sentido clássico não costuma ser o melhor caminho. Deixar de acreditar em uma teoria da conspiração significa bem mais do que apenas mudar de opinião. Requer abrir mão de uma muleta psicológica —um processo longo e difícil que requer apoio emocional e muita dedicação de amigos e familiares.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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