Por Bruno Barreto
As democracias não morrem do dia para noite. Elas caem quando as instituições não agem e se curvam aos candidatos a ditadores e são preservadas quando reagem à altura.
Sobre isso existem três livros fundamentais para entender o processo de colapso da democracia: “Como as Democracias Morrem” de Steven Levitsky, “Como a democracia chega ao fim” de David Runciman e o “Povo contra a Democracia” de Yascha Mounk.
Li os três ano passado num período do ano dedicado aos estudos sobre os processos de ruptura democrática. Até aqui as instituições têm funcionado, mas há alguns sintomas que precisam nos deixar em alerta.
O presidente Jair Bolsonaro está testando as instituições a cada provocação. Há quem diga que ele não tem inteligência ou sofisticação para fazer essa experiência. Ele pode até ser inculto, mas ninguém preside um país de 210 milhões de habitantes sem ter algum tipo de inteligência. A estupidez do presidente é um método que o levou ao poder num momento em que povo perdeu a crença na política.
Um dos princípios que servem de alerta é a quebra das regras não escritas. Foi o que Bolsonaro fez ao ignorar a lista tríplice na hora de escolher o procurador-geral da república. A gritaria se restringiu a notas. O mesmo aconteceu quando ele se envolveu no comercial do Banco do Brasil que abordava a diversidade. No fim, ficou por isso mesmo. Ele censurou a peça.
Bolsonaro vai avançando na intolerância aos costumes para manter a assustadora parcela de reacionários do país mobilizados.
Em outros episódios Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) funcionaram como contrapeso barrando medidas absurdas como a proposta de excludente de ilicitude para policiais ou a nomeação de Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) como embaixador nos EUA, mas o presidente segue aumentando a aposta contra os poderes e quando o assunto se restringe as palavras tudo fica por isso mesmo. No máximo alguma crítica pública das autoridades, uma nota de repúdio e uma zoada na Internet.
Enquanto isso, Bolsonaro vai mobilizando seus apoiadores, fazendo crescer a presença dos militares no círculo do poder e eles vão tomando gosto pelo mando fora da caserna.
Povo na rua quem bota é Bolsonaro. A população não tem tanto apreço pela democracia como se imagina. É uma aposta ingênua achar que as pessoas estão preocupadas com o regime político quando a prioridade é botar um prato de comida na mesa.
Um líder carismático e autoritário com o atual presidente pode intimidar as instituições e usar sua massa de apoiadores como escudo. Foi isso que Bolsonaro fez em outros momentos e é nisso que ele pensa quando convoca uma manifestação espalhando vídeo (ver abaixo) em grupo de Whatasapp.
As manifestações estão no contexto da luta do presidente contra o Congresso provocada pela inclusão de emendas impositivas para as bancadas, o que na prática tira o Governo o real controle do orçamento da União (entendeu que as instituições por enquanto funcionam?). Primeiro o general Augusto Heleno acusou os parlamentares de chantagear o Governo, depois o tenebroso motim dos policiais militares no Ceará. Agora o vídeo (ver acima). Não tem como não se preocupar porque nada disso foi por acaso.
Para piorar, a esquerda não tem a mesma capacidade de mobilização de outrora. As mudanças no capitalismo tiraram dos sindicatos a influência sobre a classe trabalhadora.
O centrão é uma piada de péssimo gosto e não gera empatia popular por mais que setores da grande mídia se esforcem para isso.
Bolsonaro tem seu pessoal mobilizado, a elite econômica satisfeita (uma das estratégias de ditadores é controlar as elites) e está enchendo de militares nos postos de comando. Nos Estados, o presidente conta com a simpatia dos quarteis das Polícias Militares.
Não dá para brincar.
Quem tem apreço pela democracia precisa fazer muito mais do que apenas dar declarações de repúdio ou divulgar notas formais. É fundamental despertar no povo o sentimento de apreço aos valores democráticos.
Por enquanto, Bolsonaro ataca tudo e todos sem ser incomodado de fato. Suas tentações autoritárias são inegáveis. Se as instituições funcionarem ele vai ter que disputar reeleição em 2022. Senão o risco tende a aumentar. Por enquanto ele xinga jornalistas para passar o tempo.
As democracias não morrem do dia para noite, mas sobrevivem quando a reação das instituições são mais duras.