Por Plúvia Oliveira*
Mossoró, como município central da região Oeste, tem, historicamente, um papel de protagonismo na cultura popular. Desde o cordel, teatro, a carnaval de rua. Foi, por muito tempo, um arsenal de arte feita do povo, para o povo. Prova disso é a presença resistente, no imaginário popular, da boneca Maria Ispaia Brasa, os carnavais de bairros, como Carnabuco (Rua Joaquim Nabuco), Carnacocota, Zé da Porteira, Sapo da Lagoa (Lagoa do Mato) e Os Ursos, tradição inteiramente nossa, que denota, desde sempre, a espontânea vontade de pintar Mossoró com nossas cores.
De início, é importante resgatarmos como nossas histórias se encontram e como se deu o surgimento de alguns dos nossos símbolos carnavalescos, especialmente Maria Ispaia Brasa, que surge com um tom de justiça social, ao ocupar o carnaval da cidade com pessoas que sempre foram retiradas desses espaços. Idealizada em 2001, pela atriz Tony Silva e a socióloga Ivonete Soares, Maria Ispaia Brasa era uma tentativa de resgate das tradições dos bonecos gigantes no carnaval de Mossoró e da cultura negra. A boneca foi uma criação do Raízes – Movimento Negro de Mossoró e passou a ser cuidada pelo grupo Amigos da Boneca e do Centro de Estudos, Pesquisas e atividades Culturais “Negro e Lindo”. Um diferencial da boneca Maria Ispaia Brasa é que ela saia apenas às terças-feiras de carnaval, num trajeto que se iniciava na casa da atriz Tony Silva e em seu percurso visitava a casa de todos os foliões que fizeram história no carnaval de Mossoró.
Nesse remonte, Os Ursos aparecem como protagonistas. Tradição popular movimentada principalmente por jovens da periferia que rodam as ruas de seus bairros com uma roupa feita de retalhos e máscaras assustadoras que imitam um urso ou algum monstro. Os ursos dançam e pulam ao som de tambores e taróis para pedir dinheiro a quem estiver nas calçadas, para financiamento ou dos blocos ou do próprio carnaval do grupo de urso. O momento mágico para as crianças era quando acontecia um encontro entre ursos: dois ou mais grupos fechavam a rua em que estivessem e os ursos brincavam no meio de uma roda feita pelas bandas que os acompanhavam. Os ursos fazem parte da prévia de carnaval, começando a rodar já depois do 6 de janeiro e indo até os dias de Momo.
Para além disso, muito fortemente nas décadas de 1970 e 1980, o carnaval de rua em Mossoró era trajeto central, com os carnavais de clubes e associações como Clube Ypiranga e a Associação Cultural e Desportiva Potiguar (ACDP), além da AABB e BNB Clube que organizaram os primeiros “Blocos de Salão” nas sedes dessas agremiações. A diferença é que esse modelo reúne a elite mossoroense no carnaval até a década de 70, com o desfile dos blocos acontecendo na Coronel Gurgel, que promovia competições de fantasias.
Com um processo de abandono e esvaziamento do fomento à cultura popular, a partir do poder executivo da cidade, o carnaval de Mossoró ficou sem possibilidade de ir às ruas ou de se movimentar por conta própria, sem investimentos. Isso denota o interesse político de silenciar, de maneira direta, a periferia da cidade que não consegue acessar os espaços elitizados, que escolhem quem pode ou não viver a cidade (em fevereiro e durante todo o ano). O desfile de bonecos, as saídas das escolas de samba e os carnavais de bairros foram, aos poucos, sendo extintos. Mossoró, antes pintada de povo, se acinzentou.
No entanto, a cultura popular, não podendo ser diferente, resiste. Prova disso é a tentativa contínua de resgatar as expressões do povo nas ruas. Em 2024, o Bloco Alô Frida completa 10 anos de sua criação. Surgindo como alternativa feminista, auto-organizada por mulheres e possibilidade da população mossoroense ocupar a cidade, dizendo não a todas as opressões e gritando qual o mundo, a sociedade e o carnaval dos nossos sonhos, este ano, na quinta-feira que antecede os festejos carnavalescos, o bloco trouxe de volta às ruas, com apoio do Governo do Estado, o desfile dos bonecos e outras tradições que construíram, por muito tempo, a nossa identidade. Fazer de Mossoró, novamente, uma cidade pintada de povo, é resistir ao projeto político de marginalização dos nossos corpos e vidas.
*É gestora ambiental.
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