Segundo informações da Agência Brasil, a Polícia Federal (PF) cumpriu ontem (15), mais de 100 mandados de busca e apreensão contra suspeitos de organizar atos antidemocráticos que contestam o resultado da última eleição no país.
“As medidas estão sendo cumpridas nos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e no Distrito Federal, em face de pessoas físicas e jurídicas identificadas pelas forças federais e locais de Segurança Pública”, adiantou a PF. Outros 23 mandados estão em cumprimento por um segundo delegado no estado do Espírito Santo.
Apesar da manutenção de atos antidemocráticos em Natal, em frente ao 16° Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército (16 RI), e em Mossoró, em frente ao Tiro de Guerra (TG), até o momento não foram expedidos mandados no Rio Grande do Norte. É possível que o estado só seja incluído na operação posteriormente.
Em nota divulgada na manhã de ontem (15), a PF fala em 81 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal, “em apuração que tramita na Corte acerca dos bloqueios de rodovias após a proclamação do resultado das Eleições Gerais de 2022”.
A ação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Além dos mandados, também foram autorizados bloqueio de contas e quebra do sigilo bancário dos investigados, que não tiveram os nomes revelados.
A Procuradoria também encaminhou à primeira instância casos envolvendo pessoas que não têm foro especial.
Segundo a manifestação enviada pela PGR à corte, a Polícia Federal não conseguiu encontrar provas da participação dos parlamentares envolvidos nos supostos crimes e, por isso, a apuração deve ser encerrada.
Em janeiro deste ano, a PF pedira autorização da PGR para investigar pelo menos 6 linhas adicionais nesse inquérito. Segundo relatório parcial da instituição, a solicitação não foi aprovada. As informações são da Rede Globo, que teve acesso aos documentos do inquérito, conforme o site Poder 360.
Parece-nos que não seria caso para tal pedido de arquivamento cuja decisão homologatória para tal não cria a coisa julgada.
Com base nesses indícios, a PF pediu que novas linhas investigativas fossem autorizadas. Entre elas, sobre o material encontrado na casa do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Um bilhete dizia: “Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos“.
Também foram interceptadas mensagens sobre uma articulação para evitar que um sócio de Allan dos Santos depusesse na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Fake News na Câmara dos Deputados. Além disso, a PF identificou pagamentos de servidores públicos ao canal de Allan dos Santos na internet.
Observe-se que sobre o financiamento dos atos antidemocráticos, a PF indicava a necessidade de investigar supostos repasses de verbas federais para sites e outros canais bolsonaristas. O objetivo dos repasses seriam a produção de conteúdos que atacassem as instituições democráticas.
O financiamento da produção da identidade da Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tentou criar, também era um dos pontos para os investigadores. A Inclutech Tecnologia, do empresário Sérgio Lima, recebeu R$ 1,7 milhão de reais pelo projeto. Mas também recebeu R$ 30.300 de cota parlamentar dos deputados General Eliéser Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Bia Kicis (PSL-DF), ainda conforme informado no site Poder 360.
É certo que há jurisprudência na matéria e lições doutrinárias sobre a mera decisão homologatória de arquivamento diante de pedido do chefe do Ministério Público. Afinal, ele é o titular da ação penal pública.
O ministro Luiz Fux, relator do Mandado de Segurança (MS) 34730, observou que “não há previsão legal para que a determinação do procurador-geral seja submetida ao controle do Judiciário”.
“Se houver irresignação contra o arquivamento, a última palavra é do procurador-geral de Justiça” afirmou. Para o ministro, o arquivamento de PIC determinado pelo procurador-geral de Justiça não necessita de prévia submissão ao Judiciário, “pois pode ser revisto caso apareçam novos meios de prova, ou seja, não acarreta coisa julgada material”.
O ministro Fux anotou que, como o procurador é a autoridade própria para aferir a legitimidade do arquivamento desses procedimentos, “não há motivo para que sua decisão seja objeto de controle jurisdicional”.
Ora, bem ensinou Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, volume I, 6ª edição, pág. 243) que o pedido de arquivamento, nos crimes de ação penal pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente este é que poderá requerer ao Juiz seja arquivado o inquérito, e, caso o magistrado acolha as razões invocadas por ele, determina-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o artigo 28 do CPP.
A opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente a investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor.
O exercício da ação penal pública cabe ao Ministério Público. Se este concluir pela não-propositura da ação penal, não mais fará senão manifestar a vontade do Estado, de que é órgão, no sentido de não haver pretensão punitiva a ser deduzida. O mais que o juiz poderá fazer será exercer aquela função anormal, a que se referiu Frederico Marques, fiscalizando o princípio da obrigatoriedade da ação penal, evitando, assim, o arbítrio do órgão do Ministério Público. Ora, se o juiz submeteu o caso à apreciação do Chefe do Ministério Público e este entendeu que o Promotor estava com a razão, cessou o arbítrio, arquiva-se então o inquérito.
Assim o Ministério Público tem “o poder de ação”, e o juiz o “poder jurisdicional”.
Como bem disse ainda Fernando Tourinho Filho (obra citada, pág. 352), de notar-se que o titular da ação penal pública é o Estado, e o órgão incumbido de promover a ação penal é o Ministério Público. A este cumpre verificar se é caso de promove-la. Do contrário, estaria o Juiz (aí, sim) invadindo seara alheia, pois exerceria, de maneira obliqua o poder de ação. Mesmo na França, onde a ação penal é sempre pública, o procurador da República pode, quando julga infundada a noticia criminis, deixar de iniciar a ação penal.
Ainda trago à colação:
Artigo 18 do CPP e Procedimento Investigatório no MP
“A investigação foi instaurada sem estar instruída com provas, na medida em que requisitadas cópias de ambos os procedimentos anteriores. As diligências determinadas por ocasião da instauração consistiram na solicitação de documentos a órgãos públicos e na renovação do pedido de assistência internacional determinado no anterior inquérito civil. Disso se conclui que, em parte, o Ministério Público do Estado de São Paulo retomou as investigações iniciadas no inquérito civil, desta feita sob a roupagem criminal. (…) O fato de o Ministério Público ter extraído dos fatos uma suspeita maior quanto ao período e quanto aos crimes não é relevante. As provas existentes e o contexto fático são os mesmos. Essas novas definições são simples tentativa de dar nova roupagem às investigações. O Ministério Público não pode simplesmente arrepender-se do arquivamento de investigação, mesmo por falta de provas. Sem que surjam novas provas, ou ao menos meios de obtê-las, não é cabível retomar as pesquisas.
[Rcl 20.132 AgR-Segundo, rel. min. Teori Zavaski, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 23-2-2016, DJE 82 de 28-4-2016]”
Acrescento que em manifestação na Petição (PET) 8892, o ministro Celso de Mello afirmou que o monopólio da titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público (MP), não cabendo ao Poder Judiciário ordenar o oferecimento de acusações penais pelo MP, “pois tais providências importariam não só em clara ofensa a uma das mais expressivas funções institucionais do Ministério Público, a quem se conferiu, em sede de persecutio criminis, o monopólio constitucional do poder de acusar, sempre que se tratar de ilícitos perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, mas, também, em vulneração explícita ao princípio acusatório, que tem no dogma da separação entre as funções de julgar e de acusar uma de suas projeções mais eloquentes”.
É uma tradição que requerido o arquivamento dos autos do procedimento do inquérito pelo procurador-geral da República o Supremo Tribunal Federal acompanhe tal pedido, homologando-o.
No entanto, em 2019, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, negou o arquivamento do inquérito que apura ameaças e ofensas contra ministros e o tribunal.
É certo que o inquérito para investigar atos antidemocráticos tem se baseado em circunstâncias heterodoxas, pois aberto e, após, conduzido pelo próprio STF, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes.
É o Inq. 4.781. ali foi dito pelo ministro relator:
“Não se configura constitucional e legalmente lícito o pedido genérico de arquivamento da Procuradoria Geral da República, sob o argumento da titularidade da ação penal pública impedir qualquer investigação que não seja requisitada pelo Ministério Público, conforme reiterado recentemente pela SEGUNDA TURMA do STF (Inquérito 4696, Rel. Min. GILMAR MENDES), ao analisar idêntico pedido da PGR, em 14/08/2018”.
Acentuo ainda que a gravidade de condutas que ainda precisam ser investigadas, acentuam a necessidade da continuidade daquela investigação que envolve o zelo à ordem democrática do Brasil, uma vez que há propósitos graves de incentivar o retorno a ditadura, via um novo AI-5, o fechamento do Congresso Nacional e do STF, algo que não se concebe no regime democrático.
Novos documentos do inquérito da Polícia Federal que investiga os responsáveis por atos antidemocráticos realizados no ano passado apontam que membros de um grupo bolsonarista discutiam com o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten a criação de um departamento de “comunicação estratégica e contrainformação” para assessorar o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, segundo o G!, o que cada vez mais demonstram a necessidade de aprofundamento das investigações.
Portanto é temerário o pedido de arquivamento do inquérito.
Em via doutrinária, pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerda que atuaram na década de 1970 na Alemanha.
Se assim for, por tal fundamento, poderá o ministro Alexandre de Moraes indeferir o pleito ministerial de arquivamento e solicitar o prosseguimento das investigações.
No entanto, tendo havido pedido de arquivamento das investigações não caberia falar em ação penal privada subsidiária da pública por parte do ofendido ou ofendidos.
Discute-se a ação penal privada subsidiária da pública.
São aqueles casos em que, diversamente das ações penais privadas exclusivas, a lei não prevê a ação como privada, mas sim como pública (condicionada ou incondicionada). Ocorre que o Ministério Público, titular da Ação Penal, fica inerte, ou seja, não adota uma das três medidas que pode tomar mediante um Inquérito Policial relatado ou quaisquer peças de informação (propor o arquivamento, denunciar ou requerer diligências). Para isso o Ministério Público tem um prazo que varia em regra de 5 dias para réu preso a 15 dias para réu solto. Não se manifestando (ficando inerte) nesse prazo, abre-se a possibilidade para que o ofendido, seu representante legal ou seus sucessores (art. 31, CPP c/c art. 100, § 4º., CP), ingressem com a ação penal privada subsidiária da pública. Isso tem previsão constitucional (artigo 5º., LIX, CF) e ordinária (artigos 100, § 3º., CP e 29, CPP).
É certo que recentemente a Lei nº 13.869/19, que trata do crime de abuso de autoridade,
“Art. 3º. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.
1º. Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
2º. A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.”
As razões do veto foram as seguintes:
“A ação penal será sempre pública incondicionada, salvo quando a lei expressamente declarar o contrário, nos termos do art. 100 do Código Penal, logo, é desnecessária a previsão do caput do dispositivo proposto. Ademais, a matéria, quanto à admissão de ação penal privada, já é suficientemente tratada na codificação penal vigente, devendo ser observado o princípio segundo o qual o mesmo assunto não poderá ser disciplinado em mais de uma lei, nos termos do inciso IV do art. 7º da Lei Complementar 95, de 1998. Ressalta-se, ainda, que nos crimes que se procedam mediante ação pública incondicionada não há risco de extinção da punibilidade pela decadência prevista no art. 103 cumulada com o inciso IV do art. 107 do CP, conforme precedentes do STF (v.g. STF. RHC 108.382/SC. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. T1, j. 21/06/2011).”
Ocorre que o Parquet não ficou propriamente inerte. Manifestou-se pelo arquivamento. Com isso não cabe falar nessa modalidade de ação penal.
O que fazer então, a menos que o ministro relator, de forma heterodoxa, determine a reabertura de investigações?
Definido o entendimento do Parquet, pelo órgão que o presenta perante o Supremo Tribunal Federal talvez fosse o caso de o Supremo Tribunal Federal acionar os meios institucionais do MPF, para estudar a possibilidade de ação de improbidade por ofensa ao art. 11, II, da Lei 8429/92 (“deixar de praticar indevidamente ato de ofício”) ou mesmo de provocar apuração de crime de responsabilidade, por enquadramento no art. 40, item 2, da Lei 1079/50 (“recusar-se à prática de ato que lhe incumba”).
Isso porque a Constituição de 1988 deu ao Ministério Público o monopólio da acusação criminal, não cabendo falar em vias outras.
Não se pode obrigar o PGR a denunciar em relação a quem ele diz não identificar provas.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
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