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Marielle e a agenda de lutas das(os) negras(os) no legislativo

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Mariele Franco era militante do movimento negro (Foto: Renan Olaz/Câmara Municipal do Rio de Janeiro)

Por Plúvia Oliveira*

No dia 14 de março de 2020 completaram-se 02 anos do assassinato brutal da jovem, mulher, LGBT e negra Marielle Franco, vereadora da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo com dois ex policiais militares (Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz) presos e acusados de participação, o crime continua impune. Um dos acusados, Lessa, foi preso em sua casa no Condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca (RJ), mesmo local onde o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) reside. Fica o sentimento de impunidade e o questionamento sobre “Quem mandou matar marielle?”.

O assassinato foi um ataque às ideias e valores que a vereadora Marielle Franco representava, por ser moradora e defensora dos direitos das periferias, que em sua maioria é negra e está às margens da sociedade devido a ineficiência das políticas públicas, como educação, saúde, falta de oportunidade de emprego e renda, informalidade e terceirização, falta de serviços públicos e o modelo militarizado de policiamento.

Num processo histórico, em que o estado brasileiro só se reconheceu estruturalmente racista em 1995 após diversos processos de lutas das/os negras/os, que culminou na Marcha Zumbi dos palmares e em conquistas posteriores, como o reconhecimento do dia 20 de novembro (dia nacional da consciência negra), na lei 10.639/2003 que obriga as escolas a inserirem o estudo da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares e o plano nacional de igualdade racial. Conquistas como estas motivam as(os) negras(os) a continuarem em luta, como é o caso das mulheres negras, que nas estatísticas do desemprego representam 16,6% em relação percentual dos homens, que representam 8,3%, segundo o levantamento feito pelo economista Cosmo Donato, da LCA Consultores, com base na média dos últimos quatro trimestres da Pesquisa nacional por amostras de domicílios contínua do IBGE.

Em todos os territórios, negras(os) resistem através de diversas estratégias. Em Mossoró, observamos que as(os) jovens negras(os) e periféricas(os) vêm resistindo e construindo alternativas coletivas, como a poesia, teatro, mobilização comunitária, capoeira, ocupação dos espaços culturais e economia solidária. Por outro lado, os dados do genocídio da juventude negra são alarmantes, estando Mossoró entre as 100 cidades que mais exterminam a juventude negra.

Em todas essas iniciativas, diversas de resistência, ecoam várias vozes que representam a continuidade da luta de Marielle e tantos outros símbolos, como Dandara e Zumbi dos palmares. Vozes essas que muitas vezes não são representadas em espaços, como no legislativo local, que é o caso da Câmara de Vereadores(as) de Mossoró. É fundamental que fortaleça-se nomes com o mesmo perfil combativo assim como o de Marielle Franco, tendo em vista que não basta ser negra(o), é preciso saber também quem representa o projeto #SomosTodasMarielle, considerando este caso uma das maiores demonstrações do Estado genocida do povo preto, fascista e um grave atentado ao estado de direito.

Coletivos, movimentos negros, frentes de resistência e partidos políticos precisam fomentar a auto-organização das(os) negras(os), que estão nos diversos espaços de resistência e de lutas, seja por educação, saúde, transporte, emprego, renda ou segurança. Neste sentido, propomos esse processo formativo, crítico e reflexivo sobre “Qual a Mossoró que queremos para as pessoas negras e periféricas?”. É fundamental pensarmos sobre a narrativa das(os) negras(os) nos diversos aspectos da cidade, que se não houver intervenção anti-racista, seguirá a lógica dominante, que é branca e de elite.

É feminista, militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM)e do Partido dos Trabalhadores (PT), sócia do Grupo Mulheres em Ação no Nova Vida e Estudante de Gestão Ambiental – UERN, Comunicadora Popular, apresenta o programa Espaço Lilás, aos sábados, na FM 98.7.

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Flor que rompe o asfalto

Mariele foi assassinada há dois anos (Foto: divulgação)

Por Sandro Pimentel*

Toda vez que chegamos ao dia 14 de março perdemos um pouco o fôlego, ficamos um pedaço mais tristes. Um luto que atormenta, pois já fazem dois anos desse crime brutal, e a justiça parece longe de ser feita. A dúvida martela e segue fundamental para o futuro do nosso estado democrático de direito: quem mandou matar Marielle? Certamente, o covarde jamais imaginou o símbolo que criaria, o poder do exemplo que uma mulher negra da favela moveu pelo mundo.

Apesar das lindas homenagens que seu nome cativa, todos trocaríamos as placas de rua, os girassóis e os atos em sua defesa por mais tempo com Marielle. Ela viva, pulsante, arrastando as pessoas pela potência de sua prática política. Mas o tempo não é correto, não aceita a volta, nem a troca. Como queria ter visto a Marielle ter terminado seu primeiro mandato. Sem dúvidas que estaria na linha de frente do combate ao fascismo de Bolsonaro, denunciando, com face destemida, a truculência e os abusos destes governos que tentam extrair capital político do sofrimento do povo pobre e trabalhador.

O legado de Marielle é inquestionável, virou símbolo no Brasil e no mundo porque carregava em si as marcas do nosso povo. Mulher negra, LGBT, nascida na Favela da Maré, estudou em cursinho popular, se formou e conseguiu ocupar uma vaga na Câmara Municipal do Rio. Um lugar majoritariamente destinado aos filhos do poder e aos apadrinhados de poderosos. Defendeu a população contra os abusos da polícia, mas também deu apoio a família de policiais mortos em operações. Tinha em sua militância o real sentido da defesa dos direitos humanos. Esse termo que anda sendo tão distorcido, mas que nada mais é do que a defesa dos nossos direitos essenciais, contra a truculência do estado e do poder econômico.

Reservo ainda um tempo para pensar sobre eles, as pessoas que reagem com virulência a nossa defesa por elucidação para as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes. Estes que divulgam mentiras, que atacam sua memória. Estes que a matam pela segunda vez. Fazem isso porque não toleram a imagem que Marielle representa, do acesso das mulheres como ela aos espaço de voz e de poder. Rangerão os dentes, pois novas Marielles todos os dias estão rompendo o asfalto, como flores que não pedem licença. Uma multidão de mulheres que não aceitam o retrocesso, nem o reacionário. Todas elas levantam a voz para nunca mais serem interrompidas por ninguém.

Marielle é gigante, cabe muito bem em todos que lutam em defesa dos direitos humanos, que acreditam em justiça social e denunciam a truculência do Estado. Segue presente, pois as suas lutas não cessam enquanto estivermos nas ruas defendendo sua memória. Viva a Marielle Franco.

*É deputado estadual pelo PSOL.

Texto extraído da Agência Saiba Mais.

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Mossoró terá homenagens a Mariele Franco

 

Programação em homenagem a Mariele Franco será realizada em Mossoró (Imagem: Divulgação)

Com o lema “Marielle perguntou, eu também vou perguntar. Quantos mais tem que morrer para essa guerra acabar?”, movimentos sociais de Mossoró realizam uma série de atividades em homenagem a vereadora carioca Mariele Franco (PSOL) assassinada há exatamente um ano.

No dia 14 de março do ano passado, a parlamentar foi executada juntamente com o motorista Anderson Gomes no Rio de Janeiro em atentado sob encomenda das milícias que atuam naquela cidade.

Organização é organizado pelo diretório mossoroense do PSOL, NEM, AMB, LSR e grupos independentes.

Confira a programação do evento:

 

 

14/03, 7h (manhã), Alvorada por Marielle, Praça do PAX- Panfletagem de Mobilização para o 14M

 

14/03, 16h (concentração), Praça do PAX- Ato político unificado em Memória de Marielle Franco

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Caso Mariele começou a ser elucidado a partir de Mossoró

Blog do Dina

No dia 1º de novembro de 2018, o jornal O Globo se viu obrigado a antecipar em seu site uma reportagem que seria destaque na edição impressa do dia seguinte.

Assinada pelos jornalistas Chico Otávio e Vera Araújo, a matéria jogava ao público a reviravolta no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, introduzindo, pela primeira vez, a suspeita da participação do ‘Escritório do Crime’, grupo de matadores de aluguel formado por milicianos.

Até então, os principais suspeitos pelo homicídio da vereadora, assassinada há um ano, em 13 de março de 2018, eram o vereador Marcelo Siciliano e o miliciano Orlando da Curicica.

Curicica, até meados do ano passado, estava preso no sistema prisional do Rio de Janeiro. As investigações identificaram que seu nome foi associado de maneira maledicente ao crime.

Por essa razão, na tarde de 1º de novembro, o ministro da Segurança, Raul Jungman convocou coletiva de imprensa para anunciar que a Polícia Federal iria entrar no caso pois descobriu fortes indícios de que a Polícia Civil do Rio de Janeiro conduzia o caso ignorando realmente quem estava por trás do assassinato.

Mossoró

Mas, apesar dessa reviravolta só ter vindo a público em novembro passado, ela começou em agosto, pelas mãos da procuradora da República Caroline Maciel, do Ministério Público Federal do Rio Grande do Norte.

Após o envolvimento no caso, Orlando da Curicica foi transferido para o presídio federal de Mossoró. Em solo potiguar, ele decidiu colaborar para provar sua inocência, e começou a entregar aos investigadores federais o caminho que poderia levar à resolução do caso, revelando o ‘Escritório do Crime’.

Curicica pediu ao juiz Walter Nunes da Silva Júnior, corregedor do presídio federal em Mossoró, que o pusesse em contato com um procurador do Ministério Público Federal. Queria falar o que sabia. Por orientação do juiz, o advogado de Curicica formalizou o pedido, e Silva Júnior encaminhou o documento à procuradora Caroline Maciel,

A história está contada na revista Piauí deste mês, em uma reportagem estarrecedora denominada ‘Metástase’ e que explora como o caso de Marielle representa a falência moral das instituições do Rio de Janeiro ao desnudar o comprometimento do Poder Público com o estado paralelo das milícias.

O depoimento de Curicica a Maciel durou mais de uma hora. O conteúdo era explosivo, mas não veio a público naquele momento. Ao retornar de Mossoró, a procuradora transcreveu as palavras do miliciano em um documento e o encaminhou, em sigilo, para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Procurada pelo Blog do Dina, Maciel confirmou os fatos. Informou, no entanto, que não poderia dispor do depoimento, mas se prontificou a dar entrevista, dentro de seus limites. A entrevista foi marcada para a próxima semana.

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Reportagem

O que são direitos humanos e por que há quem acredite que seu propósito é a defesa de ‘bandidos’?

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Na semana passada, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) fez com que brasileiros debatessem o que significam exatamente os direitos pelos quais ela lutava, gerando acaloradas discussões online.

De um lado, aqueles que lamentavam a perda de uma política ativa na defesa dos negros, dos homossexuais e dos moradores de comunidades carentes, e do outro insinuações de que como defensora dos direitos humanos ela “defendia bandidos” e que isso poderia ter uma relação com seu assassinato.

Mas afinal, o que são direitos humanos? Defender os direitos humanos é defender bandidos? E há razões para o conceito ser comumente relacionado a determinados grupos políticos?

Direitos humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos, como, simplesmente, o direito à vida. Mas estão incluídos neles também o direito à moradia, à saúde, à liberdade e à educação.

“São muitos direitos – civis e políticos, como o direito ao voto, à liberdade. E o direito ao devido processo legal”, diz a advogada especialista em direitos humanos Joana Zylbersztajn, doutora em direito constitucional pela USP e consultora da Comissão Intramericana de Direitos Humanos na OEA (Organização dos Estados Americanos).

Para Maira Zapater, professora de Direito Penal da FGV e doutora em Direitos Humanos pela USP, “a democracia é praticamente sinônimo dos direitos humanos”.

“A escolha do representante se dá pelo método da maioria. Para que essa escolha aconteça, há diversas premissas: o direito ao voto, por exemplo, e que as minorias tenham seus direitos resguardados”, afirma. “É o único regime em que é possível assegurar os direitos humanos.”

Direitos e impunidade

Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2016, apontou que 57% da população de grandes cidades brasileiras concorda com a frase “bandido bom é bandido morto”. Na prática, a afirmação é uma violação aos direitos humanos. Significa que mais da metade da população de grandes cidades defende a justiça feita pelas próprias mãos, atropelando o devido processo penal do Estado democrático de direito e defendendo o fim da vida de alguém, ou seja, violando o princípio mais básico dos direitos humanos: o direito à vida.

Zylbersztajn lembra que “uma pessoa que comete crime tem direito à defesa, ao devido processo legal, e que cumpra pena à qual ela foi julgada”.

“Os direitos humanos não vão garantir impunidade, vão garantir que a pessoa tenha defesa, tenha um processo justo. Isso é difícil de entender, às vezes”, diz, citando os sentimentos de “vingança”, de “não querer que criminosos tenham direitos protegidos”.

“É natural para o ser humano sentir isso. Mas o Estado não pode oficializar o direito de vingança.”

A proteção dos direitos humanos de criminosos garante que os direitos humanos sejam universais.

“Criminosos também têm esses direitos, o que não tira sua responsabilidade pelos crimes que cometeram. Eles têm direito à vida, de não ser torturados. Direitos humanos são de todos”, diz Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladmir Herzog que foi secretário nacional de Direitos Humanos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).

Zylbersztajn cita um estudo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República feito há dez anos que mostrou que a percepção negativa dos direitos humanos era algo muito mais “vociferado” do que de fato percebido dessa maneira pelas pessoas.

Ou seja, direitos humanos serem coisa de “bandido” seria muito mais um discurso do que uma crença verdadeira. Quando questionadas, as pessoas identificaram direitos básicos como o que são de fato: saúde e educação para todos, entre outros.

História

Não há consenso sobre a origem dos chamados direitos humanos. Estudiosos citam diversos momentos da história em que determinados direitos foram reivindicados ou garantidos por diferentes grupos. Mas há alguns momentos-chave citados pela maioria.

Filósofos da Idade Média e do início da Idade Moderna já falavam em seus livros que humanos tinham direitos fundamentais, explica à BBC Brasil o americano Samuel Moyn, professor de direito e história da Universidade Yale e autor do livro The Last Utopia: Human Rights in History (A Última Utopia: Direitos Humanos na História, em tradução livre).

Mas ele diz que só nas revoluções que levaram à independência dos Estados Unidos em 1776 e a Francesa, em 1789, normatizaram esse conceito.

Mais citado entre todos os especialistas, o documento que organizou e internacionalizou essas normas foi a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, da ONU, criada depois da Segunda Guerra Mundial.

“No Holocausto, não era uma verdade que todas as pessoas tinham os mesmos direitos por serem pessoas. Os homossexuais, os negros, os judeus eram considerados como não pessoas e, portanto, não tinham direito à vida. Pelo simples fato de serem quem eram, deveriam ser retirados da sociedade”, diz Zapater.

“É com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que surge a noção contemporânea de que determinados direitos não podem ser retirados das pessoas por ninguém sob qualquer pretexto”, afirma. “Quando a pessoa é condenada por um crime, ela tem seu direito de ir e vir restringido, mas não perde outros direitos porque não deixou de ser uma pessoa.”

Disputa ideológica

Desde sua sistematização, porém, os direitos humanos sempre foram disputados por diferentes forças: a progressista, de um lado, e a conservadora de outro, por exemplo.

“Em todos os lugares, direitos humanos são usados para defender minorias. E em todos os lugares direitos humanos são então tratados retoricamente como um plano partidário”, afirma Moyn.

Ele explica que a esquerda e a direita, como ideias, têm origem na Revolução Francesa, quando os direitos humanos estavam associados à redefinição de o que significava ser um cidadão moderno. “Muitas pessoas prefeririam viver em uma sociedade em que os direitos humanos não precisassem ser garantidos, porque interferem na hierarquia da sociedade”, afirma.

No século 18, diz Zapater, surge o posicionamento de que o Estado não tem o direito de tirar a vida, de restringir a liberdade religiosa ou a de ir e vir. A defesa dessas liberdades era encampada pela direita em seu início. “Os liberais, que falam que o Estado não deve intervir, são aqueles que historicamente defendiam o direito à liberdade” – portanto, os que, no início, defendiam direitos humanos.

O papel do Estado na garantia dos direitos humanos divide, então, os campos ideológicos.

“A esquerda, alinhada com o marxismo do século 19 e 20, diz que o Estado tem sim que realizar intervenções porque o fato de as pessoas serem iguais perante a lei não quer dizer que vão ser iguais na prática. O Estado tem que assegurar os direitos, tais quais o direito à educação, tomando determinadas medidas.”

Moyn diz que atualmente a revolução se dá de outra forma. “Hoje, os direitos humanos atraem uma nova forma de mobilização: não a revolução política, mas a informação sem violência e o ativismo legal”, afirma.

O debate no Brasil

O debate sobre a expressão dos direitos humanos chega ao Brasil no fim da ditadura militar no país (1964-1985), quando se começa a denunciar a violação dos direitos dos presos políticos, segundo Zapater. A transição da ditadura para a democracia foi o período em que se discutiu as limitações do uso abusivo da força policial. Foi quando ativistas passaram a reivindicar a proteção aos direitos humanos dos presos políticos.

E os direitos fundamentais, da vida, das liberdades civis, segurança, o direito de não ser acusado de forma arbitrária, tudo isso foi incorporado à Constituição de 1988.

Como a defesa aos direitos humanos, porém, se tornou no Brasil e outros lugares sinônimo de defesa a “bandidos”?

Especialistas têm diferentes hipóteses para explicar o fenômeno.

Na visão do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, e de Zapater, da FGV, essa associação se consolidou após o fim da ditadura.

Adorno diz que durante a transição, houve “uma verdadeira explosão de conflitos” no Brasil, “homicídios associados com quadrilhas que disputavam territórios no controle do crime organizado onde habitam trabalhadores de baixa renda e a polícia”.

“Foi gerando a percepção que a democracia não era suficiente para conter a violência. Com isso, aqueles que eram herdeiros da ideia de que havia segurança na ditadura mobilizaram de maneira eficaz a ideia de que direitos humanos era para bandidos, e não para cidadãos.”

A consolidação dessa associação teria se dado no fim dos anos 1980 e ao longo dos 1990.

Zapater cita o papel da imprensa sensacionalista como propagadora da mensagem. “Quando se tem a democratização em 1985, se libera uma série de programas (de TV) sensacionalistas, que exploram crime violentos com o discurso de que ‘direitos humanos são direitos de bandidos’, reformulando a ideia que já vinha se disseminando no senso comum nos anos 1970”, diz.

A mensagem transmitida, segundo ela, era a seguinte: “Se os direitos dessa pessoa que roubou, matou ou estuprou não tivessem sido defendidos, ela não estaria em liberdade, não teria praticado esse crime”. Apresentadores de programas de rádio sensacionalistas comumente se elegeram para cargos como de vereadores ou de prefeitos encampando esse discurso, lembra ela.

“Se elegeram falando: ‘Vou colocar a Rota (grupo de operações especiais da Polícia Militar de São Paulo) na rua’ para dizer ‘aqui a gente não dá direitos humanos para bandido'”, diz, citando frase notória do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, hoje preso em Brasília.

O discurso é convincente, segundo ela, porque explora o medo legítimo das pessoas. A ideia é: “Vou fazer o medo e a sua sensação de insegurança diminuir, perseguindo os bandidos”.

“As pessoas não entendem que a garantia de seu direito à vida depende do direito à garantia à vida de todos, inclusive de quem é acusado de um crime. E que muitas vezes isso vai atingir quem não é acusado de crime.”

Sottili, do Instituto Vladmir Herzog, também cita a mídia como causadora dessa percepção. “A mídia brasileira é muito elitista, e acaba produzindo uma visão que privilegia um olhar. Seu controle social estabelece que determinados grupos não devem ter direitos. Qualquer pessoa ou movimento que tente defendê-los são discriminados”, afirma.

‘Amadurecimento’

Mas, ao longo dos anos 1990 e 2000, observa Adorno, houve um “amadurecimento da militância dos direitos humanos” frente ao discurso vigente, que passou a tratar também “dos temas ligados à segurança e polícia, condenando o uso abusivo da força, mas dizendo que era preciso ter condições de trabalho adequadas aos policiais”. Ou seja: articulando interesses sociais diferentes para “construir uma sociedade com controle legal da violência”.

“Isso teve um impacto muito grande e confesso que até muito recentemente considerava essa questão de ‘direitos humanos são para bandidos’ como algo superado”, desabafa.

Marielle Franco, por exemplo, foi assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde prestou auxílio jurídico e psicológico a familiares de vítimas de homicídio ou de policiais mortos.

“Com suas bandeiras, ela defendia muito mais nossos policiais do que nós fomos capazes de compreendê-lo e de fazê-lo”, escreveu no Facebook o coronel Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio. Marielle contava ter ingressado na militância por direitos humanos depois que perdeu uma amiga vítima de bala perdida num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré, no Rio.

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Direitos humanos a quem, se poucos os têm?

Há outras hipóteses para a percepção negativa dos direitos humanos. Adorno, por exemplo, observa que a sociedade não conseguiu universalizar os direitos fundamentais e que isso teria aprofundado o desgaste em relação ao conceito.

“Nas democracias consolidadas, há um fundo de valores que é comum, como a vida, que é direito de todos”, diz. “A nossa é uma sociedade que não se reconhece nos direitos universais. A classe média acha que os direitos que ela desfruta são prerrogativas enquanto mérito pessoal, de classe – e isso tem vem da história das sociedades modernas, tem a ver com o liberalismo, o individualismo.”

Zylbersztajn tem opinião semelhante. Primeiro, ela diz achar que há um problema básico de comunicação. “Se as pessoas não entendem o que são direitos humanos, é porque não se está explicando direito”, opina.

Ela também lembra que é difícil identificar os direitos humanos como universais se o Estado não os garante para todos. “O Estado democrático de direito não está presente na vida de todo mundo o tempo todo”, diz. “A população não gosta de direitos humanos porque não se identifica como sujeito de direitos humanos. Mais do que isso, ela não identifica o que são direitos.”

Para Sottili, uma questão central é que “a cultura da violência é base de todas as relações sociais” no Brasil. “Há pessoas que experimentam no seu dia a dia a discriminação, a subalternidade, o preconceito, a violência física.”

Por outro lado, diz ele, quem tem uma “condição de vida razoável acha que seus direitos estão garantidos”. “Pelo processo de privatização, ela garante seus direitos, estuda na melhor escola da cidade, tem direito à cultura porque paga por isso. A pessoa mais pobre depende da atuação do Estado.”

Para Zapater, há quem não acredite na universalidade dos direitos humanos por causa do “preconceito racional e econômico que falam bem alto”.

“Existe a ideia de que pessoas negras, periféricas, de classe econômica mais baixa estariam automaticamente associadas ao crime. Então garantir direitos humanos a essas pessoas significa garantir direitos humanos a bandido” – que também deveria ter seus direitos garantidos, de todo modo.

Soluções

Se a causa do problema é diferente na percepção de especialistas, a solução é unânime: educação.

De acordo com Sottili, “é preciso uma construção cultural, um processo de longo prazo. (…) Depois da redemocratização do Brasil, as políticas públicas foram muito intensificadas, mas não conseguiram promover uma mudança cultural que pudesse mudar a percepção dos direitos humanos. Uma cultura de 500 anos você não desconstrói em cinco, dez anos”.

Zapater defende educação sobre direitos humanos desde o início, na escola, até a formação dos operadores de direito para que eles também conheçam melhor a questão.

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Marielle às avessas

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Enquanto o Brasil ainda chora a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), assassinada ao que tudo indica pelas causas que defendia, surge na contramão o que há de pior no país: a toscagem da nossa elite.

Após publicar notícias falsas sobre o crime, a desembargadora Marília Castro Neves publicou num grupo de magistrados no Facebook ataques grosseiros à professora Débora Seabra:

“Voltando para casa […] ouço que o Brasil é o primeiro em alguma coisa. Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de Síndrome de Down. Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social… Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”

A resposta de Débora Seabra não poderia ser melhor: “Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais. (…) O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo pra acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso”.

A desembargadora Marília virou em um clique uma espécie de versão às vessas de Marielle Franco. A mulher permeia sentimentos de setores de nossa atrasada elite. Se a vereadora carioca resumia em si a luta contra a opressão de mulheres, negros e homossexual, a magistrada pintou como o inverso ao expor um preconceito nojento e ignorante tão comum na nossa elite medíocre e mesquinha.

Nossa sociedade está permeada de Marielles que são todos os dias silenciadas pela violência simbólica de Marílias. O país está cada vez mais polarizado e a comparação entre as duas tem que servir como divisor de águas para quem acha que o caminho do ódio é algo legal rever suas posições.

A desembargadora resume bem boa parte da nossa elite insensível.