Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs um bloqueio sobre as contas da empresa Starlink, que também pertence ao bilionário Elon Musk,
Diante disso informou o portal do jornal O Globo, em 3.9.24, por Lauro Jardim:
“O Partido Novo protocolou ontem ao STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) em que pede que o fim imediato da suspensão.
Por sorteio, a ação foi distribuída para Nunes Marques relatar. Justamente o ministro que é tido como um dos que, ao lado de André Mendonça, divergiam da decisão tomada na semana passada por Moraes.
O Novo pede a suspensão imediata da decisão de Moraes e que depois o plenário do STF julgue o caso em sessão física.
Na ação, de 29 páginas, os advogados do Novo sustentam que a decisão de Moraes é inconstitucional e desrespeita o princípio da liberdade de expressão:
“A decisão ora impugnada e proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, é violadora dos preceitos fundamentais da liberdade de expressão e da manutenção de qualquer veículo como meio para a manifestação de pensamento, na forma do artigo. 5º, inc. IV, e do art. 220, ambos da Constituição Federal. (…) As redes sociais, tal como a rede “X”, possuem essencialidade na vida cotidiana das pessoas para que elas possam se informar, interagir-se enquanto sociedade, conectar-se com conhecimentos e visões de mundo diferentes ou similares entre si e comunicar a sua forma de pensar livre de amarras de censura, sujeitando-se tão somente às hipóteses de responsabilização penal e cível em caso de abuso.”
Data vênia é incabível a ADPF aqui noticiada.
Cabe dizer que o citado partido político sequer tem legitimidade, por ser terceiro, para ajuizar um eventual agravo interno em processo em que se discute a medida tomada contra aquela empresa.
Com o devido respeito trago as seguintes anotações com relação a ADPF.
Cabe lembrar que a arguição de preceito fundamental é remédio constitucional subsidiário que só deve ser ajuizado à falta de remédio inserido no direito processual comum. É instrumento próprio do processo constitucional na defesa de preceitos fundamentais.
Pode-se entender que a arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato da autoridade pública.
A discussão que trago à colação diz respeito ao que o artigo 1º da Lei 9.882/89 chama de ato do poder público.
Disse o ministro Alexandre de Moraes que deve-se ver os fundamentos e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais.
Na linha de Klaus Schlaich, o ministro Alexandre de Moraes observou que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário.
Conforme entendimento iterativo do STF, meio eficaz de sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, devendo o Tribunal sempre examinar eventual cabimento das demais ações de controle concentrado no contexto da ordem constitucional global.
O ministro Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição constitucional) anotou que: “A primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manifestar, de forma útil, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria para retirar desse instituto qualquer significado prático.
Observou o ministro Alexandre de Moraes: “Note-se que, em face do art. 4º, caput, e § 1º da Lei nº 9.882/99 que autoriza a não admissão de arguição de preceito fundamental quando não for o caso ou quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF, na escolha das arguições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, em face seu caráter subsidiário, deixar de conhece-la quando concluir pela inexistência de relevante interesse público, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores.
Anotou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada) que “dessa forma, entende-se que o STF poderá exercer um juízo de admissibilidade discricionário para a utilização desse importantíssimo instrumento de efetividade dos princípios e direitos fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência de outros mecanismos jurisdicionais efetivos.”
Para tanto, afirmou o ministro Gilmar Mendes que a ADPF “é típico instrumento do modelo concentrado de controle de constitucionalidade (Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei 9.882, de 3.12.1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva,2011. p. 170).
A legislação, no que tange à modalidade direta de ADPF, foi enfática ao prever, em seu art. 1º, que caberá ADPF em face de ato do Poder Público. Note-se, aqui, a extensão desse termo, que não se circunscreve apenas aos atos normativos do Poder Público. Portanto, e como primeira conclusão, a ADPF poderá servir para impugnar atos não normativos, como os atos administrativos e os atos concretos, desde que emanados do Poder Público. Trata-se, já aqui, de atos não impugnáveis por via da ação direta de inconstitucionalidade como se sabe, a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente poderá ser utilizada, se se demonstrar que, por parte do interessado, houve o prévio exaurimento de outros mecanismos processuais, previstos em nosso ordenamento positivo, capazes de fazer cessar a situação de suposta lesividade ou de alegada potencialidade danosa resultante dos atos estatais questionados. Essa a conclusão de André Ramos (Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 57-72)
Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização de referida ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público. Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a arguição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato.
Será, portanto, o caso, naquele exemplo citado, de extinguir o feito, sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Uma das principais funções do Poder Judiciário mundo afora, e o Brasil não foge à regra, é realizar o controle (jurisdicional) da constitucionalidade das leis. À luz do direito comparado, existem dois modelos ou formas para realização desse mister: o difuso, conhecido como o modelo americano; e o concentrado, modelo desenvolvido na Europa continental.
As principais diferenças entre os dois modelos são as seguintes: o modelo americano é descentralizado porque o controle é confiado a todos os tribunais do país, concreto e por via de exceção, porque exercido por ocasião da aplicação da lei a um caso particular e a posteriori porque o controle recai sobre uma lei já promulgada; o modelo europeu, na sua feição clássica, é concentrado porque o controle é exercido por um tribunal único e especial, abstrato porque o juiz decide por via de ação contra a lei a despeito de qualquer outro litígio, podendo ser a priori (quando recai sobre uma lei ainda não promulgada) ou mesmo a posteriori (recaindo sobre uma lei já promulgada).
Todavia, embora bastante distintos na maneira de intervenção e poderes, eles podem coexistir em determinado ordenamento jurídico, como no caso exemplar do nosso país.
O controle difuso no Brasil tem caracteres bem próprios: (i) qualquer juiz ou tribunal pode apreciar a constitucionalidade de lei ou ato normativo; (ii) a apreciação pode ser requerida em qualquer processo, por qualquer das partes, por via de exceção na discussão do caso concreto; (iii) como efeito direto, há a não aplicação da norma tida por inconstitucional no caso concreto discutido em juízo, com eficácia, portanto, inter partes; (iv) de toda sorte, reserva-se ao STF a prerrogativa de atribuir repercussão geral ao julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; (v) há, também, a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF (CF, art. 52, X); (vi) e há a possibilidade, ainda, em conformidade com o art. 103-A da CF, de o STF, no controle difuso de constitucionalidade, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar “súmula” com efeito vinculante.
Já o controle concentrado, entre nós, dá-se através de cinco ações diretas: (i) ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual (CF, art. 102, I, “a”, primeira parte) ou municipal (CF, art. 125, § 2º), perante o STF (quando em confronto com a Constituição Federal) ou Tribunal de Justiça (quando em confronto com a Constituição Estadual); (ii) ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, I, “a”, in fine), perante o STF; (iii) a arguição de descumprimento de preceito fundamental (CF, art. 102, § 1º), perante o STF, para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; (iv) ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pela qual, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional pelo STF, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (CF, art. 103, § 2º) ou em prazo razoável, excepcionalmente; (v) e ação direta de inconstitucionalidade interventiva, visando, em virtude da existência de ato local que viole princípio sensível da Constituição, à intervenção federal em Estado ou no Distrito Federal, por proposta do PGR e de competência do STF (CF, arts. 36, III, 34, VII, 102, I “a” e 129, IV), e à intervenção estadual em Município, por proposta do PGJ e de competência do respectivo Tribunal de Justiça (CF, arts. 35, IV e 129, IV).
Embora bastante distintos na maneira de intervenção e poderes, como visto, os dois modelos têm há décadas coexistido e interagido no Brasil, com a prevalência – pelo menos deveria ser assim –, até porque produtor de decisões com eficácia erga omnes e efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para o Poder Executivo, do controle concentrado.
Mas essa mistura tem funcionado bem? Bom, isso é assunto para uma outra conversa.
*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL.
Rudolph Smend, jurista alemão a que se deve a chamada teoria da integração, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, eminentemente social-democrática, dizia que “o Estado é uma permanente realidade que se renova com a participação e a adoção de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum e em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções”.
Dizia ele: “O Estado vive de um plebiscito que se repete todos os dias. Este fato da vida estatal é, por assim dizer, a sua substância medular, e é este fato que eu denomino integração”.
Ou seja: o governante deve se legitimar junto ao povo, todos os dias.
Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.
Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.
Rudolf Smend via o Estado como integração.
Ensinou ele:
[…] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 62-63), como registrou
A “integração da realidade”, para Smend (obra citada, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”.
Como o próprio nome diz, a “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”, como bem resumiu André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11).
André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores) afirmou que “num período de profunda crise política e econômica na Alemanha do Primeiro Pós-Guerra (VERDÚ, 1987, p. 31 e ss.), vinha à lume a obra fundamental de Rudolf Smend: “Constituição e Direito Constitucional” (Verfassung und Verfassungsrecht, Duncker & Humblot, München und Leipzig, 1928).
O autor considera que o objeto do Estado e do Direito Constitucional é o Estado como parte da “realidade espiritual”. De acordo com o último, as formas espirituais coletivas não são estáticas, sendo unidades de sentido da realidade espiritual em constante atualização funcional, em constante reprodução. Nas suas próprias palavras: […] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (SMEND, 1985, p. 62-63), como ainda ponderou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.
A “integração da realidade”, para Smend (1985, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”
A “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (SMEND, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”.
A “integração funcional” se consubstancia nas “eleições”, “formações de governos”, “referendos”.
A “integração material” pressupõe o reconhecimento da dependência recíproca (já mencionada) entre os valores e a existência política de uma comunidade que os “vivencia” e a que estes “atualizam”: sem “comunidade”, não há “valores” e sem “valores”, não há “comunidade”, como lembrou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.
Rudolf Smend apresentou o chamado método científico espiritual, que lida com a interpretação da norma constitucional a partir da ótica da ciência humana social. Esse método considera a Constituição como um tecido elástico tal qual a trama social, é necessária, portanto, a análise do espírito humano integrador dessa sociedade para compreender a norma constitucional.
A teoria de Smend nos traz à discussão a questão da mutação constitucional.
Para Dau-Lin (1998, p. 29-31), segundo André Luiz Fernandes Fellet (Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11) mutações constitucionais são “incongruência[s] que existe[m] entre as normas constitucionais por um lado e a realidade constitucional por outro”, ao que acrescenta: Se o problema da mutação da Constituição se lastreia na relação entre a Constituição escrita [texto constitucional] e a situação constitucional real, é dizer, entre normas e realidade no campo do direito constitucional – a mutação constitucional é a relação incorreta entre ambas – então se podem diferenciar quatro classes da mutação da Constituição: 1. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição; 2. Mutação da Constituição mediante a impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente; [caso da “Constitucionalização Simbólica”, teorizada por Marcelo Neves.] 3. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal contraditória com a Constituição; 4. Mutação da Constituição mediante sua interpretação.
Analisando o processo de integração, Smend cria todo um sistema de Direito que se denominou “integração jurídica”, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, como disse Miguel Reale(Teoria do Direito e do Estado, 5ª edição, pág. 45).
Acompanho a lição de Smend:
“Dessarte, o Estado não é um todo passivo que deixe escapar as diversas manifestações de vida, leis, atos diplomáticos, sentenças, medidas administrativas. O Estado encontra-se, contudo, sobretudo, em cada uma dessas manifestações de vida, enquanto são demonstrações de uma totalidade espiritual coerente, na qual verificam-se renovações e progressos cada vez mais importantes, tendo sempre como objetivo final essa mesma coerência”.
O Estado é, pois, um ser incessante, uma realidade espiritual que permanentemente se renova com a participação e adesão de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções.
Data vênia, com o devido respeito, a doutrina de Smend não faz descambar o Estado para o totalitarismo. Muito ao contrário.
Essa doutrina contribuiu para a assunção, pela Corte Constitucional, de “metodologia científico-espiritual de interpretação da Constituição”.
A partir da sentença proferida em 23 de outubro de 1952 (vale ressaltar que a Corte Constitucional alemã foi instalada no ano de 1951) sobre a proibição de um partido político, o Partido Socialista do Império (Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE) (2,1)) em que o Tribunal enfrenta a vedação constitucional aos partidos contrários à “ordem liberal democrática” e entende que isso é uma referência aos “valores fundamentais supremos do Estado constitucional, baseados nas ideias de liberdade e democracia”, entre outras questões, é que se reconhece o rumo que a jurisprudência daquela Corte ia tomando nesse sentido, como disse André Luiz Fernandes Fellet(obra citada).
O Estado, pois, não é estático, é um movimento contínuo. O governo deve legitimar-se todos os dias junto à população sob pena de danos inestimáveis ao processo democrático.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Ano 1987, a Campanha da Fraternidade tinha o Lema, “Quem acolhe o menor, a mim acolhe…”. Tinha então 9 anos de idade, perguntei ao meu irmão se podia ir para o microfone falar o que eu achava do tema. Ele disse que eu podia ir.
De 1987 para cá, continuo cristão, fui catequista da primeira eucaristia e crisma, onde doutrinei muitas pessoas. Nas Missas e novenas também, quando me convidaram nestes meus 45 anos de vida, para dar meu testemunho, pregar.
O que um professor faz é diferente de um padre ou pastor, é incrível como algumas pessoas não sabem diferenciar isto e ainda tentam fazer com que as pessoas acreditem que professores são doutrinadores.
O que rege a Fé de alguém? Depende da religião, mas os cristãos usam a Bíblia.
E a Educação? Bem, dentre os vários documentos, há a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), no caso do IFRN, o PPP (Projeto Político Pedagógico).
E para todos, cristãos, religiosos de outros credos, ateus, homens, mulheres, galera LGBTQIAP+, crianças, adultos, todos estão sujeitos (ou protegidos) pela Carta Magna.
Nas minhas aulas, alunos ouvem e veem críticas que faço à direita e esquerda, a Lula e Bolsonaro, ao cristianismo e outras religiões, inclusive também criticar o ateísmo. Tudo isso, quando necessário, em sala de aula não sou o cristão, mas o professor. Este usa a ciência, no meu caso, a História.
Leciono tem mais de 20 anos e sou cristão há mais de 40 anos, sei separar ambas as identidades que cultivo. Mas sei também que não cabe fazer da sala de aula um lugar de doutrinação, assim como púlpito partidário. Falaram sobre a Escola Sem Partido, mas ela tem que ter partido sim.
Deve tomar partido contra o racismo, homofobia, em relação à violência contra a mulher, não pode se calar de violências contra crianças, animais, dentre tantas outras temáticas.
A Educação é um processo holístico, sistêmico, o entender requer estudos, onde os Professores são parte de uma categoria que nunca para de estudar.
Tenho Bíblia, base que me protege na Fé e no meu íntimo. Mas também tenho também a Carta Magna, onde tenho direitos e deveres, num Estado Laico que respeito e amo!
*É Professor do IFRN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
O artigo 295 do Código de Processo Penal concede prisão especial às pessoas, que, pela relevância do cargo, função, emprego ou atividade desempenhada na sociedade nacional, regional ou local, ou pelo grau de instrução, estão sujeitas à prisão cautelar, decorrente de infração penal.
Com relação a magistrados e juízes de paz a matéria é tratada nos artigos 33, III, e 112, § 2º, respectivamente, da Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979. Quanto aos advogados e procuradores, aplica-se o artigo 6º, V, da Lei 8.906, de 5 de julho de 1995. Já os membros do Ministério Público têm esse benefício a teor do artigo 18, II, ¨e¨, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 e ainda do artigo 40, V, da Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
A Lei 5.256/67 determinava que o juiz, considerando a gravidade das circunstâncias do crime, ouvido o representante do Ministério Público, autorize a prisão domiciliar do réu ou indiciado (acusado), nas localidades em que não houver estabelecimento prisional adequado ao recolhimento dos beneficiários da prisão especial.
Prevê o artigo 295 do Código de Processo Penal que há o cumprimento da prisão especial, em local distinto da prisão comum, e que não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este seria recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. De toda sorte, o preso especial não seria transportado juntamente com o preso comum.
Adito que a referida cela especial pode consistir em um alojamento coletivo, abrangendo vários presos especiais, desde que atendidos requisitos como de salubridade do ambiente, pela concorrência de fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico, adequados à existência humana (artigo 295, § 3º, CPP).
Ora, há casos em que a separação dos agentes públicos presos, que lidam com a segurança, deve ser feita para garantir a sua incolumidade física e não representa um privilégio.
Andou certo projeto que tramitou no Senado Federal, e ali foi aprovado ao aduzir que ¨é proibida a concessão da prisão especial, salvo a destinada a preservação da vida e da incolumidade física e psíquica do preso, assim reconhecida por decisão fundamentada da autoridade judicial ou, no caso de prisão em flagrante ou cumprimento e mandado de prisão, da autoridade policial encarregada do cumprimento da medida¨. Todavia, afastou a Câmara dos Deputados a modificação referida, mantida a redação do artigo 295, já referenciado.
Fala-se que o advogado ficaria recolhido em Sala do Estado-Maior, para efeito da prisão especial, até o trânsito em julgado da condenação. Já se entendeu que tal recolhimento em sala, com ou sem grades, na Polícia Militar, atendia ao requerido ( HC 99.439 e Reclamação 5.192), e até mesmo o recolhimento em cela individual em ala reservada de presídio federal se mostrava hábil a tanto, como se vê do julgamento na Reclamação 4.733. Mas é mister que se registre que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 116.384, Relatora Ministra Rosa Weber, na esteira da Reclamação 6.387, entendeu que o essencial é que o local ofereça instalações e comodidades condignas, como se lê dos julgamentos nas Reclamações 4.535 e 6.387, consideradas as limitações decorrentes da prisão do agente.
Em nossos dias, quando nas prisões se amontoam sem as mínimas condições de dignidade, há quem pondere que seria inconcebível que pessoas bem-educadas, pais de família, fossem sujeitas à iniquidade da prisão.
Em verdade, o status quo vigente dificilmente iria admitir que advogados, outros profissionais de nível superior como médicos, engenheiros etc, outros doutores, fossem abrigados com outras centenas de detentos, amontoados em celas que mais parecem um cenário de inferno.
A prisão especial é uma afronta ao princípio da igualdade, uma afronta ao princípio republicano, que repugna privilégios. Mas ela segue, sob diversos argumentos, muitos deles que repugnam a razão em nome de uma repulsa ao desconforto e aversão a uma realidade: a falência do sistema penitenciário brasileiro.
Pois bem.
Como informou o site de notícias do STF, em 30.3.2023, o Plenário do Supremo Tribunal formou maioria para declarar que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado).
O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 295, inciso VII, do CPP, que prevê esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”. Segundo a PGR, a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma “a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”.
O Plenário do Supremo Tribunal formou maioria para declarar que o dispositivo do Código de Processo Penal (CPP) que concede o direito a prisão especial a pessoas com diploma de ensino superior, até decisão penal definitiva, não é compatível com a Constituição Federal (não foi recepcionado). O tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o artigo 295, inciso VII, do CPP, que prevê esse tratamento a “diplomados por qualquer das faculdades superiores da República”.
Segundo a PGR, a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal e reafirma “a desigualdade, a falta de solidariedade e a discriminação”.
O ministro lembrou o fenômeno do bacharelismo no Brasil, em que a posse de um título acadêmico legitimava o exercício da autoridade. A seu ver, ainda persiste, na sociedade brasileira, um ranço ideológico desse fenômeno. “A extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei”, concluiu.
O voto do relator foi seguido pelas ministras Rosa Weber (presidente) e Cármen Lúcia e pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, dentre outros.
Os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli apenas fizeram uma ressalva sobre o tema, anotando que declarar a inconstitucionalidade da prisão especial para quem tem diploma de curso superior não implica dizer que o preso “não poderá em hipótese nenhuma ficar segregado em local separado de outros”. “Aplica-se, no caso, a regra geral. Assim, se constatado, pelas autoridades responsáveis pela execução penal, que determinado preso, possuidor ou não de diploma de curso superior, tem sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos, esse ficará segregado em local próprio separado dos demais, como prevê a Lei de Execução Penal”, apontou Fachin.
Em síntese, disse o ministro Moraes: “Trata-se, na realidade, de uma medida discriminatória, que promove a categorização de presos e que, com isso, ainda fortalece desigualdades, especialmente em uma nação em que apenas 11,30% da população geral tem ensino superior completo e em que somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma universidade.”
A decisão do STF não significa, porém, o fim das prisões especiais. Com base no próprio Código de Processo Penal ou em legislações específicas, ministros de Estado, do Tribunal de Contas, governadores, prefeitos, parlamentares, oficiais das Forças Armadas, delegados, magistrados, integrantes do Ministério Público, advogados, entre outras categorias, ainda poderão ocupar cela especial em prisões provisórias.
O debate, pois, continua em aberto. Isso em um momento em que os presídios são controlados por facções criminosas.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
O vereador Raério Araújo (PSD) ao comentar a ação do Ministério Público (ver AQUI) que pede indenizações para as crianças que ficaram sem estudar ou ficaram matriculadas em escolas distantes de casa em 2023 disse ser um absurdo que os alunos tenham que estudar perto de onde moram.
O vereador não levou em consideração que o direito de estudar perto de casa no ensino público é uma estratégia para conter a evasão escolar que atinge as crianças pobres. “Falar hoje que o colégio hoje tem que ser próximo a residência do aluno, isso aí é até um absurdo”, disparou.
O parlamentar alega que falou isso porque os professores falaram que não se admite que tenha mais alunos que carteiras nas escolas. “É só política”, frisou.
Ele ainda criticou a greve dos professores da rede municipal que cobram o reajuste de 14,95% do piso da categoria. Raério reproduziu o discurso do Palácio da Resistência (sede da Prefeitura de Mossoró) de que o piso de R$ 4.420,55 já pago. “Eu defendo o aumento até que seja… que desse aumento ao servidor. Ano passado deram aumento de 33%. Se cobrasse aumento eu ficava calado. Não tenho nada contra professores, ao contrário, tenho até familiares que são professores”, argumentou.
O vereador Raério Cabeção (PSD) ao comentar a denúncia do MP sobre o descaso com a educação em Mossoró disse ser um absurdo os alunos pobres estudarem perto de casa. Aí entende de educação. pic.twitter.com/cv2SezxM9J
O vereador demonstrou completo desconhecimento acerca da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que garantes as crianças o direito de estudar perto de casa.
Diz a Lei Nº 11.700 , de 13 junho de 2008:
Art. 1º O caput do art. 4º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso X:
“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
………..
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor em 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua publicação”.
“A fome é inconstitucional, pois decorre de um direito não atendido, e a tributação dos super-ricos é a forma constitucional mais direta para enfrentar esta tragédia social. Além, é claro, da implementação de políticas de desenvolvimento sustentável e distributivo.” Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Instituto Justiça Fiscal.
Por Dão Real Pereira dos Santos*
O problema é a fome, não os números. A repercussão sobre a fala da ministra Marina Silva no Fórum Econômico de Davos é um exemplo de como se pode tirar o foco daquilo que é o essencial. Ela disse que cerca de metade da população brasileira estaria em situação de fome, e estava, obviamente, se referindo à insegurança alimentar e não à fome especificamente, mas foi duramente atacada por setores da mídia tradicional.
Podemos divergir em relação aos números ou às metodologias de cálculo, mas não há dúvida de que o Brasil voltou ao mapa mundial da fome e isso não pode ser naturalizado ou minimizado.
As imagens chocantes do povo Yanomami, literalmente abandonado para morrer de fome, de doenças e de contaminação por mercúrio, expropriado das suas terras e das condições mínimas de subsistência, numa estratégia deliberada de extermínio humano em favor dos interesses de mercado, dizem muito mais sobre a fome do que os relatórios, os números ou os discursos, com a ressalva de que, nesse quadro vergonhoso e desumano, com quase 600 crianças mortas, a fome, para além de ser reflexo da inação do Estado, se converteu em arma poderosa de destruição.
A fome realmente aumentou nos últimos anos, mas há quem insista em reduzir o problema a uma questão metodológica.
Para os velhos defensores do Estado mínimo, os direitos negados constituem necessidades humanas não atendidas, que podem se transformar em ganhos para o mercado, e essa é uma das razões pelas quais defendem insistentemente a redução e a precarização das políticas públicas. Mas não vivemos num Estado mínimo. Independentemente das crenças, preferências ou ideologias de cada um, o Brasil está constituído como um Estado social e, neste País, a fome, além de ser desumana, é claramente inconstitucional.
A Constituição Federal, de 1988, é taxativa ao determinar que a alimentação é um direito social, assim como a saúde, a educação, a moradia, a renda básica, a previdência, entre outros. Logo, precisa ser garantida a todos, independente de terem ou não condições de pagar por isso, e, se houvesse hierarquia entre os direitos, a manutenção da vida deveria, sem dúvida, preceder aos demais. Negar acesso aos direitos, em algumas situações, é uma arma que serve para matar, e os Yanomami são a prova, ainda viva, disso.
Mas não é necessário referir os Yanomami, de Roraima. Basta andar pelas ruas das grandes cidades para perceber o aumento significativo na quantidade de pessoas pedindo comida nas esquinas ou disputando os restos nas portas dos bares e restaurantes, e até mesmo nas lixeiras e lixões.
Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, o Brasil teria, em 2022, 58,7% da população em situação de insegurança alimentar e 33,1 milhões de pessoas já estariam em situação de fome. Para contestar a fala da ministra utilizaram o recente estudo da ONU, que aponta números mais modestos de incidência de fome no Brasil, cerca de nove milhões.
A situação de insegurança alimentar grave, em que muitos brasileiros se encontram, é muito mais relevante do que a precisão em relação aos números, até porque, é absolutamente inconcebível que haja fome num país onde o “agro é pop” e que se vangloria de ser um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Poderia haver fome no “celeiro do mundo”?
Assim como a saúde e a educação, os alimentos também podem ser comprados ou vendidos como mercadorias. No entanto, por constituírem direitos sociais, ninguém poderia ser privado dos alimentos, da saúde, nem da educação por falta de condições financeiras. Vale também para os demais direitos sociais e é isso que faz do Brasil um Estado de bem-estar social, como determina nossa Constituição Federal, onde os direitos são universais e devem ser financiados coletivamente: “de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades”.
Na escassez, natural ou provocada, de recursos públicos, os defensores do equilíbrio fiscal a qualquer custo não titubeiam em promover cortes dos gastos, mesmo aqueles que são essenciais para a vida, em flagrante descumprimento da Constituição Federal, mas esses mesmos, por outro lado, não aceitam, nem em nome do equilíbrio fiscal, medidas ampliem a arrecadação aumentando tributos sobre os setores mais ricos da sociedade.
Portanto, se a disponibilidade e a suficiência de recursos públicos, para a plena garantia dos direitos sociais, são necessárias, não é possível continuar aceitando a manutenção dos privilégios fiscais para os setores mais ricos da sociedade, na forma de renúncias, nas facilidades para sonegar tributos ou mesmo na forma de subtributação das altas rendas e grandes patrimônios.
A fome é inconstitucional, pois decorre de um direito não atendido, e a tributação dos super-ricos é a forma constitucional mais direta para enfrentar esta tragédia social. Além, é claro, da implementação de políticas de desenvolvimento sustentável e distributivo.
*É presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha Tributar os Super-Ricos.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Disse Alexandre de Rezende Nicolaidis (Pec do senador vitalício é inconstitucional, in Consultor Jurídico, em 3 de novembro de 2021) que “nos últimos dias, alguns setores de mídia veicularam a informação de que membros do Parlamento estariam articulando a votação de uma proposta de emenda à constituição (PEC) que visaria a conceder aos ex-presidentes da República assento permanente no Senado Federal, com finalidade honorífica.”
II – O HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Na Constituição de 1824, tinha-se um Poder Legislativo que era exercido pela assembleia geral, composta de duas câmaras: a dos deputados, efetiva e temporária, e a dos senadores, integrada de membros vitalícios nomeados pelo Imperador, que detinha o Poder Moderador, em uma monarquia parlamentar, e dentre os componentes de uma lista tríplice eleita como os deputados (art. 43). A eleição era censitária. Além disso tínhamos ali um Estado Unitário. Os requisitos de brasileiro nato e católico não eram exigidos para os senadores, ao contrário dos deputados (idade mínima de 25 anos, ser leitor, ter renda mínima de Cr$400). O pleiteante ao Senado deveria ter idade mínima de 40 anos e renda de Cr$800.00 (artigo 45). Pimenta Bueno (Direito Público Brasileiro e Analyse da Constituição do Império, 1857), um dos primeiros comentaristas no Direito Constitucional do Brasil, justificava pela natureza diversa das duas Câmaras, uma popular (dos deputados), outra territorial(senadores).
A Constituição de 1891 instituiu a Federação no Brasil e a República, após a deposição do Imperador D. Pedro II, em novembro de 1889.
Com a República, tivemos, ab initio, a Constituição de 1891, que, assim dispunha:
“Art 30 – O Senado compõe-se de cidadãos elegíveis nos termos do art. 26 e maiores de 35 anos, em número de três Senadores por Estado e três pelo Distrito Federal, eleitos pelo mesmo modo por que o forem os Deputados.
Art 31 – O mandato do Senador durará nove anos, renovando-se o Senado pelo terço trienalmente.
Parágrafo único – O Senador eleito em substituição de outro exercerá o mandato pelo tempo que restava ao substituído.
Art 32 – O Vice-Presidente da República será Presidente do Senado, onde só terá voto de qualidade, e será substituído, nas ausências e impedimentos, pelo Vice-Presidente da mesma Câmara.
Art 33 – Compete, privativamente ao Senado julgar o Presidente da República e os demais funcionários federais designados pela Constituição, nos termos e pela forma que ela prescreve.
1º – O Senado, quando deliberar como Tribunal de Justiça, será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
2º – Não proferirá sentença condenatória senão por dois terços dos membros presentes.
3º – Não poderá impor outras penas mais que a perda do cargo e a incapacidade de exercer qualquer outro sem prejuízo da ação da Justiça ordinária contra o condenado.
Ainda a Constituição de 1891 limitava o mandato de senador a nove anos com renovação trienal de 1,3(artigo 31).
Com a Constituição de 1934, o Senado foi transformado em órgão de colaboração da Câmara dos Deputados (artigos 22 e 88 e seguintes).
Getúlio Vargas, um ditador, conviveu com a Constituição de 1934, progressista para a época, por pouco tempo.
A Carta de 1937 subverteu a tradição política do Brasil em matéria de representação embora tenha mantido os mesmos requisitos, em linhas gerais que a Constituição de 1934, restaurou o voto indireto e o sistema majoritário (artigo 46 a 48). Os deputados eram eleitos pelos vereadores das Câmaras Municipais e mais 10 cidadãos escolhidos pelo povo (artigo 47), num máximo de 10 por Estado-membro (artigo 48).
Com a Constituição de 1937, de natureza autoritária, o Senado era composto de conselheiros federais, eleitos pela Assembleia Legislativa de cada Estado e 10 nomeados pelo presidente da República, com mandatos de 6 anos(artigo 50). A escolha ou nomeação só podiam recair em que já houvesse exercido por espaço nunca menor de quatro anos, “cargo de governo” na União ou nos Estados(artigo 51), ou, se se tivesse distinguido em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional(artigo 52). Segundo Paulino Jacques (Curso de direito constitucional, 9ª edição, pág. 236) essa corporação tinha algo de senado bonapartista, instituído pela Constituição do ano VIII, o qual ficava à mercê do Imperador, solicito às suas determinações e prestes aos seus desejos, embora devesse fiscalizar seus atos por dever de oficio. A Constituição de 1937 deixou nas mãos do presidente o exercício da atividade legislativa. Além a histórica “queima das bandeiras” representou um silêncio nas autonomia dos Estados administrados por interventores como já se tinha desde a chamada Revolução de 1930, pois como disse Rafael Navarro Costa (A Revolução de 1930 e a mudança política no Estado do Rio de Janeiro), “com a posse de Getúlio Vargas, foi oficializado o sistema de interventoria federal nos estados.”
Com a redemocratização, o Brasil teve a Constituição de 1946.
A renovação senatorial trienal e de 1/3 de 1891, que passara a quadrienal e pela metade em 1934 (artigo 89, § 1º), permaneceu quadrienal e por um por dois terços alternativamente (artigo 60, § 3º). A proporcionalidade de representação na Câmara é a mesma estabelecida na Constituição de 1934(artigo 58); e, no Senado, restaurou-se a tradição de 1891(artigo 60, § 1º).
Dizia-se no artigo 60 da Constituição de 1946:
Art 60 – O Senado Federal, compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.
1º – Cada Estado, e bem assim o Distrito Federal, elegerá três Senadores,
2º – o mandato de Senador será de oito anos.
3º – A representação de cada Estado e a do Distrito. Federal renovar-se-ão de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e por dois terços.
4º – Substituirá o Senador, ou suceder-lhe-á nos termos do art. 52, o suplente com ele eleito.
A Constituição de 1967 manteve essas normas e estipulou para o Senado Federal:
Art 43 – O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados, eleitos pelo voto direto e secreto, segundo o princípio majoritário.
1º – Cada Estado elegerá três Senadores, com mandato de oito anos, renovando-se a representação, de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e por dois terços.
2º – Cada Senador será eleito com seu suplente.
Art 44 – Compete privativamente ao Senado Federal:
I – julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado, havendo conexão;
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, nos crimes de responsabilidade.
Parágrafo único – Nos casos previstos neste artigo, funcionará Como Presidente do Senado o do Supremo Tribunal Federal; somente por dois terços de votos poderá ser proferida a sentença condenatória, e a pena limitar-se-á à perda do cargo com inabilitação, por cinco anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo de ação da Justiça ordinária.
Art 45 – Compete ainda privativamente, ao Senado:
I – aprovar, previamente, por voto secreto, a escolha de magistrados, quando exigido pela Constituição; do Procurador-Geral da República, dos Ministros do Tribunal de Contas, do Prefeito do Distrito Federal, dos Governadores dos Territórios, dos Chefes de Missão Diplomática de caráter permanente quando determinado em lei, e de outros servidores;
II – autorizar empréstimos, operações ou acordos externos, de qualquer natureza, aos Estados, Distrito Federal e Municípios;
Ill – legislar sobre o Distrito Federal, na forma do art. 17, § 1º, e, com o auxílio do respectivo Tribunal de Contas, nele exercer as atribuições, mencionadas no art. 71;
IV – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto, declarados inconstitucionais. por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
V – expedir resoluções.
Com o governo militar tivemos a Emenda Constitucional n. 1, de 1969, outorgada, que estabeleceu a representação na Câmara, em função do número de eleitores, com o mínimo de três deputados por estado membro. Com relação a esse órgão aquela emenda tratou nos artigos 41 e 42. Estabelecia, pois, o artigo 41, caput:
Art. 41. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados, eleitos pelo voto secreto e direto, dentre os cidadãos maiores de trinta e cinco anos, no exercício de seus direitos políticos, segundo o princípio majoritário.:
Entretanto, em 1977, vieram os chamados “senadores biônicos”, uma forma pejorativa criada pela oposição ao regime militar para denominar os senadores escolhidos a partir das mudanças estabelecidas por Ernesto Geisel através do Pacote de Abril.
Esses senadores ficaram conhecidos como “senadores biônicos”, por figurarem como “agentes do governo”, garantindo a hegemonia dos militares através do quórum majoritário. Mas eles tinham mandato. Observe-se o artigo 41, § 2º, da Constituição com a redação dada pela Emenda 8, de 1977, promulgada pelo presidente da República.
Art. 41. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados, eleitos dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos e no exercício dos direitos políticos.
1º Cada Estado elegerá três senadores com mandato de oito anos, renovando-se a representação, de quatro em quatro, alternadamente por um e por dois terços.
2º Na renovação do terço e, para o preenchimento de uma das vagas, na renovação por dois terços, a eleição far-se-á pelo voto direto e secreto, segundo o princípio majoritário. O preenchimento da outra vaga na renovação por dois terços, far-se-á mediante eleição, pelo sufrágio do colégio eleitoral constituído, nos termos do § 2º do artigo 13, para a eleição do Governador de Estado, conforme disposto em lei.
3º Cada senador será eleito com dois suplentes.
Fala-se, pois, mesmo se tratando de senador biônico, na palavra “renovação”, que não ocorre diante do instituto do senador vitalício.
III – A CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil.
Tenha-se, como disse José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 441) que “a dogmática federalista firmou a tese de necessidade do Senado no Estado Federal como câmara representativa dos Estados federados. Fundado nisso é que a Constituição de 1988, tal como as anteriores republicanas, declara que o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, elegendo, cada um, três senadores (com dois suplentes cada), pelo princípio majoritário, para um mandato de oito anos, renovando-se a representação de quatro em quatro anos, alternativamente, por um e dois terços(artigo 46).”
Prosseguiu José Afonso da Silva aduzindo que “o surgimento da representação dos Estados pelo Senado se fundamentava na ideia, inicialmente implantada nos EUA, de que se formava de delegados próprios de cada Estado, pelos quais estes participavam das decisões federais. Há muito que isso não existe nos EUA e jamais existiu no Brasil, porque os Senadores são eleitos diretamente pelo povo, tal como os deputados, por via de partidos políticos. Ora, a representação é partidária. Os senadores integram a representação dos partidos tanto quanto os deputados, e dá-se o caso não raro de os senadores de um Estado, eleitos pelo povo, serem de partido adversário do governador, portanto defendem, no Senado, programa diverso deste, e como conciliar a tese da representação do Estado com situações como esta?”
Como ainda disse Alexandre de Rezende Nicolaides(obra citada):
“O Senado Federal simboliza a representação dos Estados-membros na esfera federal. Trata-se da representação política dos Estados-federados nas discussões de competência federal, possibilitando a manifestação dos interesses regionais nos assuntos de âmbito nacional, solidificando dessa maneira um dos pressupostos da nossa forma federativa de Estado.
Autorizar a manutenção de agentes mandatários estranhos a essa natureza representativa, alterando o quórum de composição e votação, desequilibra a discussão política na casa parlamentar, sem fundamentação idônea que estivesse alinhada com os preceitos que dão razão à manutenção do sistema bicameral legislativo na esfera da União (como sabemos, nas dimensões regionais e locais, o Poder Legislativo se consagra sobre o sistema unicameral).”
Tem-se a Constituição de 1988:
Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.
1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.
2º A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços.
3º Cada Senador será eleito com dois suplentes.
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros
A Constituição de 1988, respeitando o princípio republicano, do mandato para exercício de função por agente político, eleito pelo voto popular, determinou um mandato de 8 anos, na linha de todas as Constituições anteriores durante a República. Tem-se como cláusula pétrea o voto direto, secreto, universal e periódico. Essa é a forma de acesso de cargo no Poder Legislativo.
Respeite-se o princípio republicano.
O princípio republicano não deve ser encarado do ponto de vista puramente formal, como algo que vale por sua oposição à forma monárquica. Ruy Barbosa já dizia que o que discrimina a forma republicana não é apenas a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, mas, sim, a condição de que, sobre existirem os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, os dois primeiros derivem, realmente, de eleições populares.
Com responsabilidade: em nossa República, os exercentes de funções executivas respondem pelas decisões políticas que tomarem.
IV – A CLÁUSULA PÉTREA
Estamos diante de uma cláusula pétrea que impede uma “aventura constitucional” de, através de emenda constitucional, por Poder Constituinte Derivado, afrontarmos o princípio do sufrágio popular.
É impróprio em uma República o exercício de cargo público, na estrutura do Poder Legislativo e do Poder Executivo, que seja perpétuo, vitalício.
No Brasil, as cláusulas pétreas são encontradas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.
Ali se diz:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Ora, qualquer proposta de emenda tendente a excluir os limites materiais do poder reformador se afigura inconstitucional, porquanto as cláusulas pétreas são imprescindíveis e insuperáveis.
Há, pois, limites materiais à revisão constitucional que devem ser respeitados.
O poder de revisão constitucional é um poder constituinte, porque diz respeito a normas constitucionais. Mas é poder constituinte derivado, não originário, porque não consiste em fazer nova Constituição, introduzindo princípios fundamentais em vez de outros princípios fundamentais.
A revisão constitucional sofre o efeito dos chamados limites materiais.
Os limites materiais não podem ser violados ou removidos, sob pena de se deixar de fazer revisão para se passar a fazer Constituição nova. Uma coisa é remover os princípios que definem a Constituição em sentido material e que se traduzem em limites de revisão, outra coisa é remover ou alterar as disposições específicas do articulado constitucional que explicitam num contexto histórico determinados alguns limites.
Fala-se que não há limites absolutos. Absoluto deve ser o respeito de todos os limites, de todas as regras, tanto materiais como formais, enquanto estiverem em vigor.
Os limites materiais de revisão não se confundem com os limites materiais do poder constituinte originário; estes vinculam o órgão constituinte na formação da Constituição; aqueles apenas o órgão de revisão constitucional; estes são constitucionais ou, se preferirem constitutivos do ordenamento.
Esses limites de revisão são, ao mesmo tempo, explícitos e implícitos.
As regras de processo de revisão são suscetíveis de modificação como quaisquer outras normas.
Fala-se que não há limites absolutos. Absoluto deve ser o respeito de todos os limites, de todas as regras, tanto materiais como formais, enquanto estiverem em vigor.
Para Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 421), os limites materiais da revisão não se confundem com os limites materiais do poder-constituinte (originário); estes vinculam o órgão constituinte na formação da Constituição, aqueles apenas o órgão da revisão constitucional; estes são constituintes ou, se ainda constitutivos do ordenamento; aqueles constituídos.
Esses limites de revisão são, ao mesmo tempo, explícitos e implícitos.
Para Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 421), os limites materiais da revisão não se confundem com os limites materiais do poder-constituinte (originário); estes vinculam o órgão constituinte na formação da Constituição, aqueles apenas o órgão da revisão constitucional; estes são constituintes ou, se ainda constitutivos do ordenamento; aqueles constituídos.
As regras de processo de revisão são suscetíveis de modificação como qualquer outras normas.
Há limites imprescindíveis e insuperáveis instituídos pelas cláusulas pétreas pelo constituinte originário.
Imprescindíveis porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora depositados pela própria manifestação constitucional originária, é usurpar o caráter fundacional do poder criador da Constituição.
Insuperáveis, pois alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover uma fraude à Constituição.
Essa fraude à Constituição consiste numa agressão à superioridade de atividade constituinte de primeiro grau, colocando em risco a ordem jurídica estabelecida.
As cláusulas pétreas são as que possuem uma super eficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso dos incisos I a IV já traçados. Daí não poderem usurpar os limites expressos e implícitos do poder constituinte secundário.
Logram eficácia total, pois contém uma força paralisante de toda a legislação, que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma. Ultrapassá-las significa ferir a Constituição.
São ainda ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo.
Tem efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, e logrando incidência imediata.
Possuem ainda efeito negativo pela sua força paralisante absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las. Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre uma ruptura da ordem jurídica para se instaurar uma outra.
A natureza do preceito enfocado é declarativa. Ele declara, não cria limites materiais; estes decorrem da coerência dos princípios constitucionais, sua função é de garantia, que respeita os princípios e não a preceitos. Obrigatória, enquanto vigora, mas reversível. O que os afeta é atingirem-se os princípios nucleares da Constituição.
Por fim, se dirá que a inconstitucionalidade material da revisão é fenômeno homólogo ao da ilegalidade da lei.
É certo que há quem negue a própria possibilidade de inconstitucionalidade material da revisão; pois, ficando as normas por ela criadas no mesmo plano hierárquico das normas constitucionais, seria contraditório indagar da conformidade com a Constituição de atos destinados a modifica-la. Para Jorge Miranda (obra citada, pág. 427) tudo está em compreender a função da revisão constitucional e a subordinação da competência para levar a cabo à Constituição. Ora, se ela implica em preservar os princípios vitais da Constituição, como lei fundamental, será certo que tem de ser sempre ajuizada em face desses princípios e não em face desta ou daquela norma que intente modificar ou substituir, como disse Hauriau, ao arguir o que se chama de legitimidade constitucional que estaria acima da própria supralegalidade.
Será inconstitucional a revisão que:
a) Estabeleça normas contrárias a princípios constitucionais que devam reputar-se limites materiais de revisão, embora implícitos, como será o caso de uma lei de revisão que estabeleça discriminação em razão da raça, infringindo o princípio da igualdade;
b) Estabeleça normas contrárias a princípios constitucionais elevados a limites materiais expressos (como é o exemplo de uma lei de revisão que estabeleça censura à imprensa, afetando assim o conteúdo essencial de um direito fundamental de liberdade);
c) Estabeleça normas contrárias a princípios constitucionais elevados a limites materiais expressos, com concomitante eliminação ou alteração da respectiva referência ou cláusula;
d) Estipule como limites materiais expressos princípios contrários a princípios fundamentais da Constituição.
Por outro lado, havendo além da preterição dos limites materiais, preterição de limites formais há ainda afronta à Constituição:
a) A preterição de limites materiais de primeiro grau ou de limites do poder constituinte (originário) por forma inconstitucional equivale a uma revolução, algo dantesco dentro do sistema constitucional, como seria o caso da restauração da Monarquia por maioria simples do Congresso Nacional;
b) A preterição de limites materiais de segundo grau por forma inconstitucional equivale a uma ruptura em sentido estrito (eliminação da fiscalização da constitucionalidade por omissão por maioria simples).
No Brasil, já tivermos exemplos tristes de fraudes à Constituição, com preterição de limites materiais de primeiro grau, como nos chamados Atos Institucionais a partir de 1964.
O órgão de revisão não faz senão formalizar ou emprestar credibilidade, numa conjuntura de exceção, a uma operação política em curso ou mesmo já consumada por partes daqueles que venham, de forma ilegítima, deter o poder.
A não reação à inconstitucionalidade material de revisão constitucional ou a não reação em tempo útil irá conduzir à perda da efetividade da norma ou do princípio constitucionalmente infringido.
Na Constituição Imperial de 1824 tínhamos os “senadores vitalícios”, amigos ou aliados do Imperador. Pela Emenda Constitucional n. 8, de 1977, os “senadores biônicos”, amigos ou aliados do ditador para poder garantir uma representatividade ideal no Senado Federal.
A proposta de emenda constitucional que se quer articular afronta o inciso II do artigo 60, parágrafo quarto, da Constituição, que elenca as chamadas cláusulas pétreas.
Como disse Uadi Lammêgo Bulos (Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 855) “não há norma semelhante na Constituição pretérita. Sua preocupação foi impedir reformas constitucionais em assuntos relacionados, direta e indiretamente, com a participação popular”, como ainda salientou Christian Stark (El concepto de ley em la Constitucion alemana, Madri, 1979). E vem a pergunta: Esse senador vitalício representaria qual unidade da federação? Nenhuma. Afronta-se com isso uma tradição constitucional republicana de representação dos senadores com relação a esses estados membros. Como ficariam os ex-presidentes Collor de Melo e Dilma Roussef, que foram impedidos de governar?
Se isso, não bastasse, somente através de uma nova Assembleia Constituinte, no exercício do poder constitucional originário, poderia modificar nossa forma federativa(artigo 60, § 4º, inciso I) e ainda a já citada cláusula do artigo 60,§ 4º, inciso II.
Na discussão estabelecida em 2015, por meio da Emenda Aglutinativa nº 56/2015, apresentada pelo deputado Leonardo Picciani, buscava-se acrescentar os §§4º e 5º ao artigo 46 da Constituição Federal que continham a seguinte redação: “§4º. O Presidente da República, desde que eleito pelo voto direto, tornar-se-á Senador vitalício assim que concluir seu mandato; §5º. O Senador vitalício não terá direito a voto e terá atribuições definidas em lei complementar”.
Em tentativa mais antiga, na PEC 445/2001, de autoria do deputado José Carlos Martinez, acrescia-se ao artigo 46 da CF/88 o §4º, com a seguinte redação: “Os ex-Presidentes da República que tiverem concluído seus mandatos e estiverem com seus direitos políticos preservados ocuparão cargo de Senador vitalício, gozando de todas as prerrogativas, com exceção do direito de voto”.
Por esses fatos aqui ainda narrados o projeto ainda peca por inconstitucionalidade, pois afronta o princípio, como disse Alexandre de Rezende Nicolaidis (obra citada): “:”Migrar” um outrora ocupante máximo do Poder Executivo para o Poder Legislativo causa estranheza”.
V – A REVOGAÇÃO DA SÚMULA 394 DO STF
Trata-se de fórmula para “driblar” a questão da prerrogativa de foro para presidentes que encerram o seu mandato quanto a ilícitos penais que lhe sejam imputados.
A experiência não é nova no Brasil.
Trago à colação o fato de que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a concessão de foro especial para ex-autoridades. O julgamento aconteceu em Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797-2 – DF, que questionava a Lei 10.628, de 2002. A norma questionada acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal e estabeleceu foro especial para ex-detentores de cargo público, por ato de improbidade administrativa. Essa lei, de 24 de dezembro de 2002, é do fim do governo Fernando Henrique Cardoso.
Trata-se assim de mais uma tentativa para “ressuscitar” a revogada Súmula 394, mantendo a prerrogativa de foro para os que têm mandato presidencial já concluído.
Diz a Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal:
“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício.”
Essa orientação jurisprudencial da Corte resultou de interpretação dos artigos 59, I, 62, 88, 92, 100, 101, I, “a”, “b” e “c”, 104, II, 108, 119, VII, 124, IX e XII, da Constituição Federal de 1946, e, ainda, das Leis nºs 1.079/50 e 3.258/59.
Mas entendo razoáveis as razões traçadas pelo STJ, no Inquérito 687-SP:
“33. Nem se deve presumir que o ex-titular de cargo ou mandato, despojado da prerrogativa de foro, fique sempre exposto à falta de isenção dos Juízes e Tribunais a que tiver de se submeter.
E, de certa forma, sua defesa até será mais ampla, com as quatro instâncias que a Constituição Federal lhe reserva, seja no processo e julgamento da denúncia, seja em eventual execução de sentença condenatória.
E sempre restará a esta Corte o controle difuso de constitucionalidade das decisões de graus inferiores. E ao Superior Tribunal de Justiça o controle de legalidade. Além do que já se faz nas instâncias ordinárias, em ambos os campos.
Por todas essas razões, proponho o cancelamento da Súmula 394.”
VI – A EXPERIÊNCIA CONSTITUCIONAL ITALIANA E O CASO CHILENO
É certo, porém, que, em países como a Itália, há os chamados senadores vitalícios.
Na Itália, o mandato de senador vitalício é aquele ao qual os ex- Presidentes da República acedem por direito (ao Senado da República), a menos que o renunciem (art. 59, parágrafo 1 da Constituição Italiana) e até cinco cidadãos nomeados pelo Presidente da República por terem “honrado a Pátria pelos seus eminentes méritos nos domínios social, científico, artístico e literário” (art. 59, n.º 2, const.).
Na doutrina, levantou-se a questão de saber se o limite de cinco senadores vitalícios estabelecido pelo artigo 59, parágrafo 2 da Constituição italiana deve ser entendido como um limite máximo de nomeações disponíveis para cada Presidente da República ou como um limite máximo de senadores vitalícios presentes simultaneamente no Senado .
O referendo constitucional de 2020 resolveu esse estado de coisas, impondo um máximo de cinco senadores vitalícios com assento simultâneo, excluindo os ex-presidentes da República.
Tal situação foi possibilitada pela Constituição democrática da Itália, naquele país, no pós-guerra.
Isso não passa por aversão na sociedade italiana.
Beppe Grillo, fundador do partido Movimento Estrelas (M5S), que faz parte da base aliada do governo italiano, já disse:
“Senadores vitalícios nunca morrem ou morrem tarde’”, argumentou. “Que coragem vocês têm”.
É certo que a Itália não é uma república federativa. Amolda-se a um Estado Unitário com divisão por regiões, algo que não ocorre em nosso estado federal, assim como nos Estados Unidos, na Alemanha, por exemplo.
O Chile, de Pinochet, cogitou desses senadores. Augusto José Ramón Pinochet Ugarte foi um general do exército chileno e ditador do seu país de 1973 a 1990, servindo posteriormente como senador vitalício, cargo que foi criado exclusivamente para ele, por ter sido um ex-governante. O próprio Chile anos depois decidiu acabar com tal experiência de tornar todos os presidentes senadores pelo resto da vida.
No Paraguai os ex-presidentes estão protegidos pela prerrogativa de foro.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.
Na versão do relatório válida atualmente, há revisão de privilégios de servidores, mas membros do Poder Judiciário e do Ministério Público são protegidos. O tema chegou a ser tratado nas chamadas “emendas anti-privilégio”, mas não entrou no parecer apresentado pelo deputado Arthur Maia (DEM-BA). Segundo o relator, uma análise técnica da Casa indicou que a inclusão na reforma de juízes, desembargadores, procuradores e promotores seria inconstitucional.
II – O PODER DE INICIATIVA
Com o devido respeito essa inclusão de magistrados e membros do Ministério Público na chamada reforma administrativa é inconstitucional, por vício formal.
O processo legislativo é um conjunto de atos preordenados visando a criação de normas de Direito. Esses atos são: a) iniciativa legislativa; b) emendas; c) votação; d) sanção e veto; e) promulgação da lei.
Como ensinou José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 452) a iniciativa legislativa é a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. A rigor, não é ato do processo legislativo. É conferida concorrentemente a mais de uma pessoa ou órgão, mas, em certos casos expressos com exclusividade a um deles apenas.
A discussão com relação ao poder de iniciativa das leis começa com a Constituição de 1934, pois o modelo da Constituição de 1891 não tratou sobre o tema, dentro de um ideário liberal.
A Constituição de 1967 artigo 57, assim se pronunciou: “ Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados, do Senado e dos tribunais federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem empregos em serviços existentes, aumentem vencimentos ou modifiquem, no decurso de cada legislatura, a lei de fixação das Forças Armadas”.
Por sua vez, assim determinou a redação da Emenda Constitucional nº 1/69:
Art. 57. É da competência exclusiva do Presidente da República a iniciativa das leis que:
I – disponham sôbre matéria financeira;
II – criem cargos, funções ou empregos públicos ou aumentem vencimentos ou a despesa pública;
III – fixem ou modifiquem os efetivos das fôrças armadas;
IV – disponham sôbre organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração do Distrito Federal, bem como sôbre organização judiciária, administrativa e matéria tributária dos Territórios;
V – disponham sôbre servidores públicos da União, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;
VI – concedam anistia relativa a crimes políticos, ouvido o Conselho de Segurança Nacional.
.
Bernardo Rohden Pires(Aspectos polêmicos do processo legislativo) fala em uma divisão recorrente na doutrina brasileira entre iniciativa comum, também dita concorrente, e a reservada, que pode ser bifurcada em privativa e reservada. As matérias de iniciativa legislativa comum podem ser objetos de proposituras de projetos de lei por qualquer dos partícipes do processo legislativo. Essas matérias compreendem tudo, excluindo-se apenas os temas expressamente reservados a determinado ente legislativo.
Diverso ao poder de iniciativa é o poder de emendar.
Emendas são proposições apresentadas como acessórias a outras.
Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis ( RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa ( ADI 865/MA , Rel. Min. CELSO DE MELLO), desde que – respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República – as emendas parlamentares ( a ) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, ( b ) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e ( c ) tratando-se de projetos orçamentários ( CF , art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º da Carta Política.
Ao princípio da iniciativa concorrente, a Constituição opõe algumas exceções em relação a determinadas matérias, estatuindo que é da competência exclusiva do presidente da República. Tem-se do artigo 61, § 1º, da Constituição Federal:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II – disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;
f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Do mesmo modo a Constituição reserva ao Poder Judiciário essa iniciativa.
Art. 96. Compete privativamente:
I – aos tribunais:
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados,
velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver.
O vício de iniciativa pode ser considerado como a inconstitucionalidade formal de uma propositura de lei resultante de usurpação de reserva de iniciativa legislativa, quando esta previamente delineada no texto constitucional, como ainda lembrou
Trata-se de vício formal.
O vício formal que ocorre com mais frequência é o vício de iniciativa, no qual o projeto de lei sobre matéria privativa ou reservada a uma determinada autoridade é proposto por pessoa que não tem a competência exigida, como lembrou ainda Bernardo Rohden Pires.
Tem-se que o vício de iniciativa é insanável, incorrigível.
III – UMA AFRONTA À CLÁUSULA PÉTREA
Essa noticiada proposta fere o processo legislativo e ademais afronta cláusula pétrea, que é cláusula de inamovibilidade, porquanto diante dela o legislador não poderá remover elenco específico de matérias, quais sejam:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
4ºNão será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
Isso porque a proposta afronta a chamada divisão de poderes.
São ainda ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo.
Tem efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, e logrando incidência imediata.
Possuem ainda efeito negativo pela sua força paralisante absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las. Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre uma ruptura da ordem jurídica para se instaurar uma outra.
A natureza do preceito enfocado é declarativa. Ele declara, não cria limites materiais; estes decorrem da coerência dos princípios constitucionais, sua função é de garantia, que respeita os princípios e não a preceitos. Obrigatória, enquanto vigora, mas reversível. O que os afeta é atingirem-se os princípios nucleares da Constituição.
Afronta-se, pois, uma garantia institucional.
A garantia institucional não pode deixar de ser a proteção que a Constituição confere a algumas instituições, cuja importância reconhece fundamental para a sociedade, bem como a certos direitos fundamentais, providos de um componente institucional que os caracteriza. Temos uma garantia contra o Estado e não através do Estado. Estamos diante de uma garantia especial a determinadas instituições, como dizia Karl Schmitt. A vitaliciedade é uma garantia constitucional que protege o Judiciário e o Ministério Público e sua perda enfoca a instituição. Ora, se assim é a garantia institucional na medida em que assegura a permanência da instituição, embaraçando a eventual supressão ou mutilação, preservando um mínimo de essencialidade, um cerne que não deve ser atingido ou violado, não se pode conceber o perecimento desse ente protegido.
J.H. Meirelles Teixeira(Curso de Direito constitucional) prefere chamar de direitos subjetivos, uma vez que eles configuram verdadeiros direitos subjetivos. Tais direitos se configuram quando a Constituição garante a existência de instituições, de institutos, de princípios jurídicos, a permanência de certas situações de fato. São características desses princípios, consoante apontados por Karl Schmitt: a) são, por sua essência, limitados, somente existem dentro do Estado, afetando uma instituição juridicamente reconhecida; b) a proteção jurídico‐constitucional visa justamente esse círculo de relações, ou de fins; c) existem dentro do Estado, não antes ou acima dele; d) o seu conteúdo lhe é dado pela Constituição; Penso que a Constituição não deixa margem de mudança dos direitos institucionais, garantias institucionais, por emenda constitucional, e muito mais ainda por lei ordinária. A vitaliciedade é, pois, instituto que o Constituinte originário cristalizou , impondo o seu acatamento in totum. As garantias institucionais, direitos institucionais, constituem direitos fundamentais.
Ainda, tal opinião desconhece o princípio da separação de poderes.
O princípio da separação de poderes significa um entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e desempenho independente das respectivas funções e ainda de que cada órgão colabora com os demais órgãos de diferente natureza ou pratica certos atos que não pertenceriam a sua esfera de competência. Cita-se a conhecida lição de Cooley, no sentido de que os poderes devem conservar-se tão distintos e separados quanto possível, exceto na medida que a ação de um for estabelecida para constituir uma restrição sobre a ação do outro, a fim de conservá-lo em seus limites apropriados, e impedir a ação intempestiva ou imprevidente.
Portanto, é inconstitucional que se inclua na proposta de reforma administrativa os chamados membros de poder, à vista do que foi detalhado, e, por fim, do princípio da divisão de poderes, cláusula pétrea.
*É procurador da república com atuação no RN aposentado.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.
Segundo o site do jornal Correio Braziliense, no dia 17 de agosto de 2021, ,o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, afirmou que a interferência das Forças Armadas no sistema democrático brasileiro atual pode ocorrer. “O artigo 142 é bem claro, basta ler com imparcialidade. Se ele (artigo) existe no texto constitucional, é sinal de que pode ser usado”, afirmou em entrevista ao programa Direto ao ponto, da Rádio Jovem Pan, na noite desta segunda-feira (16/8).
A opinião foi dada após uma jornalista que participava da entrevista questionar o ministro se a intervenção militar é uma possibilidade no cenário atual. Apesar de balancear o discurso e dizer não acreditar que uma intervenção ocorra no momento, ele reiterou, por diversas vezes, que militares poderiam agir “em momento mais grave”.
“Na situação atual, não acredito que haverá intervenção. Estão acontecendo provocações, de uma parte e outra parte, isso não é aconselhável porque cria um clima tenso entre os Poderes; e entra ainda o Legislativo como mais um complicador da situação”, opinou. “Acho importante criarmos um ponto de equilíbrio e o cuidado de não cometer excessos. Nenhum dos poderes. A intervenção poderia acontecer em momento mais grave”, frisou.
Noticiou ainda o Correio Braziliense, que questionado se, para os militares, é claro como agiriam na intervenção, o general afirma que não acredita que exista um planejamento anterior a uma intervenção. “O artigo não diz quando os militares devem intervir, mas diz que é para manter a tranquilidade do país. E pode acontecer em qualquer lugar. Não há planejamento”, diz.
O ministro afirma que é preciso “torcer” para que o “poder moderador” não seja utilizado. “Mas o ideal é que isso não venha ser utilizado. O que a gente tem que torcer é que ele não seja empregado porque será algo inédito e com todas as circunstâncias desse ineditismo”, frisa.
II – A POSIÇÃO DA OAB
Volto-me a recente parecer da OAB sobre a matéria.
O documento divulgado, no dia 2 de junho de 2021, pela OAB destaca que “compreender que as Forças Armadas, inseridas inequivocamente na estrutura do Poder Executivo sob o comando do Presidente da República, poderiam intervir nos Poderes Legislativo e Judiciário para a preservação das competências constitucionais estaria em evidente incompatibilidade com o art. 2o, da Constituição Federal, que dispõe sobre a separação dos poderes. Afinal, com isso, estabelecer-se-ia uma hierarquia implícita entre o Poder Executivo e os demais Poderes quando da existência de conflitos referentes a suas esferas de atribuições”.
A Constituição de 1988 não admite um poder moderador.
“Concluímos pela inexistência do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas, bem assim pela inconstitucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício independente dos Poderes da República”, afirma o parecer, assinado pelo presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.
O documento também é subscrito pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e por Gustavo Binenbojm, membro da comissão.
Para a OAB, a Constituição não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição”.
“Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”, destaca o parecer.
Destaco ainda daquela douta manifestação:
“Ao contrário, como muito bem exposto por Seabra Fagundes (As Fôrças Armadas na Constituição. RDA 9/1947, p. 1-29, jul./set., 1947. p. 12) com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição. Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”
Ainda se destaca daquele parecer:
“Ao contrário, como muito bem exposto por Seabra Fagundes, com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição. Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”
A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.
Esse entendimento levaria ao retorno das ideias de 1937 e dos Atos Institucionais que rasgaram a Constituição de 1946, no sentido de que as Forças Armadas seriam a garantia dos poderes institucionais tendo poder de intervir. Ora, isso não se amolda à Constitução-cidadã de 1988, que renega a ideia de que o poder civil é uma concessão do poder militar. Ficaria a sociedade entregue aos ditames militares, o que é uma afronta à democracia.
III – A INCABÍVEL INTERVENÇÃO MILITAR
Os episódios de triste memória ocorridos entre 1964 e 1985 são um alerta.
Militar é carreira de Estado. Não de governo.
O art. 142 está inserido num sistema normativo que prevê a independência e harmonia entre os Poderes, sem que haja um Poder Moderador que exerça supremacia sobre os demais. Os controles recíprocos são a forma de composição de eventuais conflitos. As Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei e da ordem.
No Estado Democrático de Direito, acolhido pela Constituição de 1988, em atenção e homenagem ao sistema de Freios e Contrapesos, a última palavra dada ser dada pelo Judiciário, pela voz de ser guardião maior, que é o Supremo Tribunal Federal, à luz do que dita o artigo 102 da Constituição.
Hoje, a garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.
Lembro que Alfred Stepan (Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira, pág. 1975) apontou que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atuado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 1946-1964, tendo em vista as intervenções militares “cirúrgicas” nos momentos de graves crises nacionais ocorridos em 1954, 1955 e 1961. Nessa leitura, as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem, responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise.
Na mesma linha, na Alemanha tinha-se a posição de Schmitt,. Para ele, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força. Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.
Ora, como poderiam as Forças Armadas, naquele triste momento da história brasileira, exercer o papel de árbitro, uma vez que defendia nítidos interesses em prol do capitalismo, do anticomunismo, e estava em aliança com as grandes elites econômicas?
As estreitas vinculações entre setores civis e militares, e especialmente entre elites jurídicas e militares, pavimentaram o caminho para a consolidação do regime ditatorial pós-1964, inclusive, levando em conta que as elites econômicas manifestaram seu apoio a edição do AI-5, pelo governo militar, em expressivo registro daquele período histórico.
A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.
Esse entendimento levaria ao retorno das ideias de 1937 e dos Atos Institucionais que rasgaram a Constituição de 1946, no sentido de que as Forças Armadas seriam a garantia dos poderes institucionais tendo poder de intervir. Ora, isso não se amolda à Constituição-cidadã de 1988, que renega a ideia de que o poder civil é uma concessão do poder militar. Ficaria a sociedade entregue aos ditames militares, o que é uma afronta à democracia.
Os episódios de triste memória ocorridos entre 1964 e 1985 são um alerta.
Militar é carreira de Estado. Não de governo.
Diante desse quadro, segundo o ex-presidente Fernando Henrique, ele e o senador José Richa (PMDB-PR), quando dos trabalhos da Constituinte de 1988, participaram pessoalmente das negociações com os militares. —O que o senador Richa e eu introduzimos de novo no texto foi que qualquer dos três Poderes poderia convocar as Forças Armadas para assegurar a lei e a ordem. Era usual (como é) convocá-las, em certas regiões do país, para garantir, por exemplo, que as eleições ocorram pacificamente. Nada se pensava em termos de tutela —disse Fernando Henrique ao GLOBO.
A Constituição, pois, não pode ser interpretada por tiras, como ensinava Hesse. Ademais, cabe ao intérprete fazer sobre ela uma interpretação sistemática.
Nesse bojo, não há como dissociar a solução do problema, sem levar em conta a teoria da separação de poderes, exposta no artigo2 da Constituição, de que esses poderes são harmônicos e independentes, e ainda de que o presidente, como chefe supremo da Nação, deve respeito à Constituição e às leis, estando as Forças Armadas sujeitas a sua obediência (art. 84, XIII e art. 142). Esse desrespeito por parte do presidente da República o levará a ser impedido, na forma da lei.
O art. 142 está inserido num sistema normativo que prevê a independência e harmonia entre os Poderes, sem que haja um Poder Moderador que exerça supremacia sobre os demais. Os controles recíprocos são a forma de composição de eventuais conflitos. As Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei e da ordem.
Os militares rasgaram a Constituição de 1946. Não podem fazer o mesmo com a Constituição-cidadã de 1988.
*É procurador da república com atuação no RN aposentado.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.