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Reportagem

Relatório aponta que para evitar colapso RN precisa demitir 13 mil servidores ou aumentar 25% das receitas

O Governo que sai e o que entra se reúnem para discutir soluções. A receita é amarga (Foto: José Aldenir / Agora RN)

Tiago Rebolo

Agora RN

O relatório do Tesouro Nacional que apontou o Rio Grande do Norte como o estado do País com maior risco de insolvência, no que diz respeito a despesa com pessoal, evidenciou uma situação crítica nas contas públicas potiguares. O documento revelou que o Estado comprometeria 86% de sua receita corrente líquida com pagamento de funcionalismo – o maior índice de todo o Brasil.

O governo estadual contesta os números, mas confirma que a situação exige medidas drásticas para aumento de receitas e contenção de despesas. Números obtidos pelo Agora RN mostram que, para controlar a dívida, o Estado precisaria se desfazer de pelo menos 13 mil servidores ou, em contrapartida, elevar sua receita em cerca de 25%. Uma combinação das duas medidas levaria ao mesmo resultado.

A Controladoria-Geral do Estado explica que os 86% de comprometimento de receita apresentados pelo Tesouro Nacional divergem dos cálculos do governo local por duas razões. Primeiro: o índice do Tesouro se refere à soma dos gastos de todos os poderes do Rio Grande do Norte – Executivo, Legislativo e Judiciário, além de Ministério Público, Tribunal de Contas e demais órgãos com autonomia orçamentária –, enquanto no Estado cada instituição divulga seus balanços separadamente. Em segundo lugar, o método de contagem do Tesouro Nacional tem diferenças em relação ao que é praticado no Rio Grande do Norte, o que gerou a discrepância.

Considerando apenas o Poder Executivo, o último relatório de gestão fiscal, referente ao 2° quadrimestre de 2018, concluiu que o gasto com pessoal compromete 57,84% da receita corrente líquida. O índice está quase 10 pontos percentuais acima do limite estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é 49%.

Enquanto a despesa com pessoal extrapolar os limites legais, a LRF estabelece que o gestor fica proibido de conceder vantagens, aumentos, reajustes ou adequação de remuneração a qualquer categoria de servidor público; criar cargos ou funções; e alterar estruturas de carreiras; entre outras vedações. Se permanecer na situação por dois quadrimestres consecutivos, o ente não pode receber transferências voluntárias ou fazer empréstimos. Essas sanções já são aplicadas ao Rio Grande do Norte.

Enquanto no Executivo o limite para despesa com funcionalismo é 49% da receita corrente líquida, para os demais poderes e órgãos estaduais a legislação estabelece os seguintes índices: 6% para o Judiciário, 2% para o Ministério Público e 3% para Legislativo e Tribunal de Contas juntos.

Por ser o ente que arrecada, é o Executivo que repassa as verbas para manutenção dos demais poderes. Apesar disso, cada um tem autonomia para executar seu orçamento e organizar as contas.

No 2° quadrimestre de 2018, os demais órgãos e poderes tiveram despesa com pessoal dentro dos limites legais estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ministério Público atingiu 1,73% (máximo é 2%); o Tribunal de Justiça, 4,89% (pode ser até 6%); a Assembleia Legislativa, 2,22% (teto é 2,26%); e o Tribunal de Contas, 0,51% (limite legal é 0,62%).

Somadas as despesas com pessoal de todos os poderes do Rio Grande do Norte, chega-se ao índice de 67,19% de comprometimento de receita, 7,19 pontos percentuais a mais do que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas bem menos que os 86% calculados pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Particularidades do RN explicam divergência nos números

De acordo com a Controladoria-Geral do Estado, a diferença no cálculo da despesa com pessoal (86% contra 67,19%) pode ser explicada por duas diferenças na metodologia de cômputo dos gastos adotada pelos poderes no Rio Grande do Norte. O procedimento foi autorizado pelo Tribunal de Contas do Estado.

Uma das particularidades está no fato de que a corte de contas estadual autorizou os poderes a excluírem da despesa com servidores o valor do Imposto de Renda retido na fonte. “Cada tribunal de contas estadual tem competência legal para regrar esse demonstrativo fiscal. O Tribunal de Contas do RN decidiu que todos os poderes (Executivo incluído) podem abater o Imposto de Renda retido na fonte”, explica o controlador-geral, Alexandre Santos de Azevedo.

Ainda segundo a Controladoria-Geral do Estado, com exceção do Executivo, os demais poderes ainda têm autorização para abater do cálculo da despesa com pessoal, além do Imposto de Renda retido na fonte, o gasto com pessoal inativo e pensionistas. O Executivo também havia conseguido essa autorização por meio de uma liminar, mas a Justiça depois reformou a decisão.

Nas contas do controlador-geral, se esses dois fatores entrassem para o cálculo geral – Imposto de Renda retido na fonte e inativos e pensionistas –, o Estado provavelmente atingiria os 86% a que chegou o Tesouro Nacional. Alexandre Santos de Azevedo frisa, entretanto, que não há “maquiagem” nos balanços financeiros divulgados no Rio Grande do Norte, haja vista que o tribunal de contas local avaliza os relatórios.

Não há outro caminho: corte de gastos e/ou aumento de receitas

Para equilibrar a despesa com pessoal do Executivo – onde se concentra o maior rombo nas contas, o controlador-geral aponta três alternativas: corte em massa de gastos, aumento da receita ou as duas medidas combinadas.

Atualmente, a folha de inativos do Rio Grande do Norte supera a dos ativos. Na última paga completamente – setembro –, aposentados e pensionistas consumiram cerca de R$ 260 milhões, enquanto os funcionários em atividade corresponderam a aproximadamente R$ 239 milhões dos gastos. A situação, diga-se de passagem, alimenta outro problema, o da Previdência estadual, já que a proporção recomendada é de 4 servidores ativos para cada beneficiário.

Considerando uma receita estável, o Executivo do Rio Grande do Norte precisaria eliminar por volta de R$ 75 milhões nessas despesas para se adequar aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isso, seria necessário dispensar no mínimo 13 mil servidores. Como o salário médio dos mais de 50 mil servidores é R$ 4,5 mil, o corte necessário poderia ultrapassar as 16 mil demissões.

O atual governador, Robinson Faria (PSD), optou por não demitir servidores, e a governadora eleita, Fátima Bezerra (PT), disse que também não o fará. A medida é considerada impensável, já que 90% do funcionalismo do Estado está lotado nas áreas de educação, saúde e segurança, essenciais do governo. Na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, para completar o drama, há um déficit de cerca de 10 mil agentes.

Além do impacto social e sobre os serviços públicos, as demissões agravariam o déficit da Previdência. Com o aumento da diferença entre a folha de ativos e inativos, o rombo nas contas previdenciárias – hoje estimado em R$ 120 milhões por mês – seria agravado. Para completar, a possibilidade de reforma da Previdência nacional poderia acelerar ainda mais a migração dos ativos que permanecessem para a inatividade. Atualmente, cerca de 30% dos funcionários estão com o abono de permanência implantado, ou seja, estão com tempo para se aposentar, mas seguem no serviço público.

Estabelecendo, por outro lado, uma despesa fixa – ou seja, sem demissões –, a situação seria igualmente impensável neste momento. Para que o Executivo recuasse de 57,84% para 46,65% (limite prudencial) em gastos com pessoal, a Controladoria-Geral do Estado calcula que seria necessário aumentar a receita em nada menos que 25%. Assim como a demissão de servidores, a medida é tida como impossível de ser executada por causa da crise financeira que atravessa o País.

Nos últimos quatro anos, a receita praticamente não avançou no Estado. A arrecadação de impostos (uma das fontes) aumentou, mas outras receitas, como transferências, caíram substancialmente. “A arrecadação própria – com ICMS, por exemplo –, aumentou e isso compensou a queda no repasse federal”, explica Alexandre Santos de Azevedo.

O controlador diz que as previsões mais otimistas para o próximo ano revelam uma expansão de até 4% na arrecadação. “Ou seja, não vai haver compensação por meio de arrecadação. Até porque, para isso, precisaria haver aumento de impostos, e isso só pode acontecer de forma moderada. Então, mesmo que haja um aumento de 4% da receita, ainda seria preciso fazer uma redução gigantesca da despesa, certamente demitir mais de 10 mil servidores”.

Para Alexandre Santos de Azevedo, a origem do problema está no passado, com concessões de vantagens exuberantes para funcionários públicos. “Isso é uma catástrofe, e não é culpa do atual governo e nem será do próximo. É um descalabro que vem acontecendo desde governos passados, que não tinham responsabilidade e cuidado. Fizeram aumentos salariais altamente generosos e incluíram benefícios excessivos em planos, com valores fora da realidade. Não vejo saída se não houver uma reviravolta geral”, acrescenta.

Na opinião do controlador-geral, é preciso o envolvimento de múltiplos setores da sociedade para contornar a situação de crise. “Será necessário um grande pacto pelo Rio Grande do Norte entre todos os setores envolvidos: poderes, órgãos e sociedade. É preciso formar uma frente voltada para o progresso”, comenta.