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Um grave problema no mundo moderno

Por Rogério Tadeu Romano*

Disse bem o jornal O Globo, em editorial:
“As plataformas digitais donas das redes sociais e aplicativos de mensagens abusam há anos da paciência de todos. Cúmplices, permitiram a proliferação de ódio e desinformação afetando diferentes esferas — dos direitos humanos à saúde pública, da segurança nas escolas à democracia.
Sob o argumento falacioso de defenderem a liberdade de expressão, elas permitiram que eleições fossem manipuladas por mentiras, campanhas de vacinação boicotadas por teorias conspiratórias e assassinos adestrados por racistas, neonazistas e outros extremistas. A cada nova onda de desinformação, a cada novo massacre em escola, ficava evidente que havia algo de errado. E as plataformas pouco — se algo — faziam em prol do bem comum. Daí a necessidade de uma regulação mais dura.”
Voltemo-nos a questão da censura como forma de restrição à liberdade de pensamento.
Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.
A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).
De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.
A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação de forma desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação em consonância com o que ditam os incisos IV, V, IX, XII e XIV do artigo 5º, combinados com os artigos 220 a 224 da Constituição.
A liberdade de comunicação compreende, nos termos da Constituição, as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização e manifestação de pensamento, esta sujeita a regime jurídico que é especial. As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo por que se exprima; b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe da licença da autoridade; e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens depende de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, § 2º, e 4º(45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio.
A Constituição-cidadã de 1988 não permite formas de “calar a boca”. Não se permite atividade de censores com esse desiderato antidemocrático.

Mas o que dizer de mentiras publicadas de forma descarada nas redes sociais?

Como acentuou Demétrio Magnoli, em artigo publicado na Folha, em 15 de fevereiro de 2020, no início, mais de uma década atrás, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos políticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ruído periférico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difusão globalizada de fake news.
Prosseguiu Demétrio Magnoli ao dizer que os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicitária obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilhões para US$ 18,3 bilhões. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana —e isso sem produzir uma única linha de conteúdo jornalístico original.
O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a abolição da verdade factual na esfera do debate público.
A fabricação de fake news tornou-se parte crucial das estratégias de Estados, governos, organizações terroristas e supremacistas.
A China, que prioriza o público interno, e a Rússia, que se dirige principalmente à opinião pública europeia e americana, são atores centrais nesse palco.
As megacorporações de tecnologia, donas das plataformas, estão no âmago da questão. Algoritmos viciados, sistemas de seguranças falhos, vazamento de dados de usuários, o lucro estratosférico e a falta de investimentos em conter fake news.
É o poder da mentira.
Lança-se a mentira e boa parte das pessoas sabe que são falsas, mas leem e acreditam nelas e a replicam.
Está feito o câncer que se prolifera tal como um tecido canceroso atingido todo o organismo social.
Como se lê do artigo fake news: uma verdade inquietante, Luis Augusto de Azevedo:

“A liberdade de expressão, uma conquista da balzaquiana democracia brasileira, se tornou a trincheira de quem acredita que pode falar ou escrever o que quiser sem ter consequências. Pessoas ou grupos se utilizam do artigo 5º da Constituição como escudo para difundir fake news. O tema se fortifica ainda mais quando a propagação de informações deturpadas e a utilização de contas inautênticas chegam à cúpula do poder.

A praga da desinformação é brutal e causa prejuízos incalculáveis. Não há, porém, vacina para esse mal: A tentativa de legislar.”
É isso que fez o Tribunal Superior Eleitoral que tem poderes para legislar em matéria eleitoral.
Não sejamos hipócritas. Temos que enfrentar o problema. A mentira não pode ser uma forma de proteção da liberdade de pensamento.
Disse o ministro Fachin, em pronunciamento:
“Portanto, uma eleição com influência abusiva do poder econômico não é normal nem legítima, vale dizer, não é livre nem democrática. Quando essa abusividade se materializa no regime da informação, recalcando a verdade e compondo-se de falsos dados e de mentiras construídas para extorquir o consentimento eleitoral, a liberdade resta aprisionada em uma caverna digital”, acrescentou o ministro.
Vem um projeto de lei objetivando coibir essas fake news na internet.
O Google, segundo se disse, como as demais big techs, partiram para cima, mostrando poder de pressão.
Houve reação do Judiciário que determinou a remoção de ataques ao projeto de lei das fake news.
Mas a pressão foi de tal impacto que, mesmo com pedido de urgência, a votação do projeto de lei teve votação suspensa. Foi uma derrota da sociedade para o momento com relação a algo que representa o disciplinamento necessário dessas redes.
A principal novidade do PL é torná-las corresponsáveis pelas consequências do que fizerem circular em suas redes.
Será exigido que as plataformas ajam de forma preventiva para evitar disseminar conteúdo ilegal. Contas inautênticas e automáticas anônimas serão proibidas.
De acordo com o projeto de lei, as plataformas são obrigadas a apresentar relatórios semestrais sobre o tratamento das reclamações de conteúdos puníveis criminalmente. Esses relatórios devem conter informações, por exemplo, sobre o volume de denúncias e as providências tomadas pela empresa, bem como sobre as equipes responsáveis pelo tratamento dos conteúdos denunciados.

Sabe-se que as plataformas se beneficiam de conteúdos polêmicos, desinformativos e falsos porque geram engajamento e, consequentemente, monetização.
Fala-se, no entanto, que autores de conteúdos jornalísticos ou artísticos terão de ser remunerados, mas não se pode extirpar o papel da chamada mídia alternativa na veiculação de um noticiário plural. Esse um dos problemas do projeto de lei aqui trazido à colação.
Isso é uma problemática mundial.
Amália Batocchio, Paola Cantarini e Samuel Rodrigues de Oliveira(Regulação de redes sociais: uma perspectiva internacional, in Conteúdo Jurídico, em 15 de junho de 2021) nos disseram:
“A Alemanha foi um dos primeiros países a legislar de maneira mais rigorosa sobre a responsabilização das redes sociais por conteúdos publicados em suas plataformas. Tendo como marco principal o chamado Network Enforcement Act (NetzDG), a experiência germânica quanto à moderação de redes sociais, apesar de relativamente recente, tem sido um importante referencial para demais ordenamentos jurídicos, tanto para países da própria União Europeia quanto para países de fora do bloco.”

A Alemanha, determinou um canal de denúncias na própria plataforma que seja de fácil acesso para os usuários, de modo que eles próprios possam pedir, questionar a remoção, receber uma justificativa clara e fundamentada pela remoção ou não.
A União Europeia aprovou a chamada Lei dos Serviços Digitais, que deve ser totalmente implementada nos países do bloco até fevereiro de 2024, com a previsão de multas de até 6% do faturamento global da empresa.
A Austrália também tem uma legislação para controlar o que é publicado em redes sociais, que foi criada para fazer com que grandes plataformas de tecnologia que operam no país paguem aos editores de jornais locais pelo conteúdo de notícias replicado pelas empresas(R7).
Mister se faz, outrossim, tratar essa atuação dessas plataformas dentro do que chamam de abuso de poder econômico contra o consumidor.
Rizzatto Nunes(Curso de Direito do Consumidor, 3ª edição, pág. 487) ensinou que é “abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que inclui a violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou segurança”.
Para aferição dessa abusividade não é necessário que o consumidor seja aquele real, concretamente considerado; basta que seja potencial, abstrato.

Para tanto, caberá ao Ministério Público, por exemplo, trazer ao Judiciário, por conta do princípio da demanda, razões e fundamentos para aplicação de sanções, na linha da lei, a essas plataformas.

É certo que a matéria está em discussão no STF em que se discute a aplicação do artigo 19 da Lei Marco Civil da Internet. Ali se diz:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

  • 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
  • 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. da Constituição Federal.
  • 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
  • 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Prescreve o marco civil a indispensabilidade de ação judicial ao dizer, repita-se:

“…. o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Tal responsabilização deverá se dar por uma ação inibitória.

Disse-nos Marinoni (Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito): “A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu. Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana. Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é muito mais difícil constatar a probabilidade do ilícito sem poder considerar qualquer ato anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita.

Deve-se dar ao artigo 19 referenciado uma interpretação conforme, preservando-se princípios como a dignidade da pessoa humana e ainda a infância, que a Constituição preserva e protege.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet deve ser interpretado conforme a Constituição, excluindo-se do dispositivo postagens envolvendo menores de idade e usuários que “envolvem risco sistêmico”. É o caso, por exemplo, de pessoas que têm perfil alterado na plataforma e se tornam vítimas sociais por atos nocivos que elas não praticaram na verdade. Nesses casos a atuação do provedor deve ser imediata, cessando o ilícito de forma preventiva, não havendo necessidade de decisão judicial específica para o caso.

A resistência delas tem uma razão evidente: a lei lhes custará dinheiro.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Um país em queda livre

Presidente Jair Bolsonaro não governa o país (Foto; Sérgio Lima/Poder360)

Por Jean Paul Prates*

Desde 1º de janeiro de 2019, é raro o dia em que o Brasil não vai dormir espantado com algum despautério, desaforo, abuso ou infração cometida pelo homem a quem 57 milhões de eleitores decidiram confiar o posto de presidente da República.
Ameaças à ordem constitucional? Temos. Desfile de tanques, xingamentos à mãe de um ministro da Suprema Corte? Idem. Descrédito ao processo eleitoral que o elegeu? Vazamento de inquérito sigilosos da Polícia Federal? Tem, sim senhor.
E o bufão, o que é? É o sujeito que deveria estar governando o País, mas acha que tomar posse foi um movimento que se completou naquele desfile em carro aberto com um filho adulto na cadeirinha, protegido por snipers postados nos telhados da Esplanada e repórteres confinados em cercadinhos, sem direito a água ou toalete.
E lá se vão 956 dias sem que o Brasil tenha um governante de fato — um fastio pelo trabalho que fica ainda mais incompreensível diante da compulsão em tramar enredos para se perpetuar no cargo.
O País está em queda livre. Nunca é demais lembrar: são 567 mil os mortos na pandemia. A inflação nos últimos 12 meses é de 9%. O contingente de desempregados é de 15 milhões de trabalhadores. Os famintos são 19 milhões e nada menos do que metade da população — 110 milhões de pessoas — vivem a angústia da insegurança alimentar, ou seja, não têm certeza da próxima refeição.
O homem eleito para governar o País dá de ombros diante de toda essa tragédia. “Quer que faça o quê?”. Afinal, ele não é coveiro, não é economista, nem é governante de fato.
Como sempre esperei o pior de Bolsonaro, não me espanto. Ainda que ele se finja de inimputável, não vai conseguir evitar o momento de prestar contas à nação pelos atos e omissões que que foram decisivos para escavar esse abismo.
Tão grave quanto os descalabros do presidente é a condescendência que ele encontra em setores não-bolsonaristas da imprensa, dos Poderes e da elite.
Neste coliseu de horrores, há três tipos de plateia. Há os francamente indignados, lutando pelo fim da encenação, há a turba extasiada que pede bis e há os constrangidos com a estética, mas não exatamente ofendidos com o enredo.
Afinal, para cada tanque na Esplanada sobra um hectare de floresta queimada para soltar a boiada. Para cada xingamento sobeja uma tungada nos direitos de quem vive do trabalho, para cada ameaça à democracia salta um naco de patrimônio público entregue a preço de banana.
Para esse terceiro grupo, a turma dos camarotes, a pantomima é feia, mas é lucrativa.
E são eles, os encabulados com a aparência e contemplados pelos resultados, os grandes responsáveis pela sobrevivência do mandato do homem que não governa.
A esses condescendentes, um alerta: a conta vai chegar.

*É senador pelo PT/RN.

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