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Esperar que a elite detenha Bolsonaro é aceitar um golpe e milhares de mortes

Jair Bolsonaro anseia por um golpe (Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS)

Por Mario Sergio Conti* 

Aconteceu o previsto nos idos de março. Milhões se acotovelam para receber uma merreca. Os exames para detectar o corona são irrisórios. O SUS superlotou e os planos de saúde querem que os pobres se explodam. O Mitômano sabota o confinamento e prepara um golpe.

Os números sobre a peste são subestimados e suspeitos — exceto o dos mortos, que cresce de modo apavorante. É cada um por si e Messias contra todos. Está certo que ele não é mais lambido por Mouro e Maneta; por Joice Hellmann’s e Janaína del Fuego; por Frotão e Lobinho.

Mas os afagos testiculares da turma são largamente compensados pelo largo — bota largo nisso — derrière de Maia, que sentou numa pilha de pedidos de impeachment. E a debandada dos palacianos é reequilibrada pela subserviência de Toffoli, estafeta do PT transmutado em rábula de Bozo.

Por fim, há bois à beça no rebanho dos aduladores. Os zebus são pastoreados por Guedes, que na quinta-feira levou 15 reses pelo cabresto ao estábulo em frente ao Planalto. “Muuuu”, mugiram elas enquanto o dócil Toffoli lustrava as ferraduras do Cavalão indócil.

Guedes obedece aos donos do dinheiro. Cumpre ordens de gente fofa como o cervejeiro Jorge Paulo Lemann, que está amando de paixão a mortandade: “O que gosto mais é que toda crise é cheia de oportunidades” (O Globo, 16 de abril). Vai uma cervejinha?

Ou Guilherme Benchimol, o especulador classudo: “O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média alta”. E vaticinou: “Se as reformas continuarem avançando, a crise política não atrapalha” (Folha, 5 de maio). Invista em mim, que a crise é mansa!

A guarânia das reformas para atrair investimento externo não termina nunca por um motivo singelo: o investimento externo só chegará se — e quando — as reformas diminuírem o valor do trabalho. Vide a Ásia.

Os dólares virão se os direitos trabalhistas virarem pó, quando sindicatos e partidos populares forem anestesiados. Chegarão às mancheias se a liberdade e a democracia forem letra morta. Daí o conluio dos faria limers com o ferrabrás.

Não é verdade que a pandemia tenha feito Bolsonaro alucinar. O lado poltrão e pirado do Cavalão já era bem conhecido. Mas a Covid-19 fez com que acelerasse o galope rumo ao golpe e escoiceasse adoidado. Sua louca cavalgada tem duas constantes.

Primeiro o Mito pintou a Esplanada de verde-oliva. Com 3.000 milicos, o Executivo é hoje uma caserna.

Como os azeitonas têm expertise em destruir, foram incumbidos de gerir o féretro pandêmico. Receberam também a missão de atacar a Amazônia e acobertar agronegociatas.

As classes conversadoras solfejaram meses a fio a pia ladainha que generais iluminados tutelariam o Mitômano. Deu-se o contrário. Ele é o chefão inconteste das Forças Armadas. Vem encurralando o Supremo e o Congresso para, na hora agá, recorrer à força bruta e peitá-los.

Como faria isso? Messias tem vários cenários e pretextos à mão: descumprir uma ordem judicial; saques; a prisão de um filho; a sublevação de um setor da PM; um levante popular; inventar uma conspiração comunista.

Numa paisagem de caos, contando com a simpatia de Trump e a obediência da tropa, Bozo pode muito.

E tanto mais poderá se não for enfrentado. Mas, exceto por um ou outro juiz, os mandachuvas se limitam ao suave palavrório das notinhas de repúdio. O grosso da elite tem lavado as mãos.

A provocação, o incremento da divisão política, da discórdia e da depuração são traços do bonapartismo —essa trilha rumo à ditadura. Eles se coadunam com a segunda constante do governo Bolsonaro, que se acentuou nos últimos dias: a mobilização da escória para fins de intimidação física.

Foi o que se deu no 1º de maio: o presidente reuniu sua corja, que clamou pela ditadura e esmurrou jornalistas. O troco veio pouco depois, na mesma praça dos Três Poderes.

Chamados pelo seu sindicato, dezenas de enfermeiroscc  protestaram ali. Ao contrário dos bolsonaristas, usaram máscaras e mantiveram distância entre si. Atacados pela malta verde-amarela, eles se mantiveram firmes e altivos.

Houve protestos semelhantes nos dias seguintes. Todos eles respeitaram as normas de segurança da pandemia. Mostraram disposição em não ceder o espaço público aos bandidos e milicianos do presidente.

Os protestos deram carne às palavras do ator Lima Duarte, que citou Brecht para homenagear seu amigo Flávio Migliaccio, que se suicidara de desgosto dias antes: “Os que lavam as mãos o fazem numa bacia de sangue.”

*Texto publicado na Folha de S. Paulo em 8 de maio.

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Desafiada a responder às mazelas, elite escolhe tiro, porrada e bomba

Por Reinaldo Azevedo*

Quando os liberais brasileiros foram convocados ao desafio de mobilizar as forças de mercado para responder com políticas públicas às demandas da nossa ainda formidável pobreza, parte deles não hesitou em escolher o caminho do tiro, porrada e bomba.

Liberais nada! Trata-se de uma gente grotescamente reacionária, que tem ódio e medo de pobre e de preto. Não importa o resultado das urnas, ou se guardam as garruchas, ou vamos constatar que países não conhecem o fundo do poço. Jair Bolsonaro quer aulas de Educação Moral e Cívica para o povo.

Quem educará as elites?

O petista Fernando Haddad estará no segundo turno por obra, em parte, da Lava Jato, da direita xucra e de quantos assistiram inermes, quando não com aplausos, às duas tentativas de deposição de Michel Temer. Antevi o resultado neste espaço (http://folha.com/no1859510), em fevereiro do ano passado: “Se todos são iguais, Lula é melhor”. No reverso da moeda, a resposta é outra: “Se todos são iguais, viva a pistola!”

Mas falta um dado à equação. O PT chega a essa posição também por seus méritos, não porque praticou as esbórnias do mensalão e do petrolão.

Abstraindo-se o desastre do governo Dilma, os muito pobres sabem por que votam no partido. E é por bons motivos —bons para eles, os muito pobres, realidade que está distante de nós, meu querido leitor, “meu semelhante”. Os oito anos de Lula forneceram para aquela gente, tratada com desdém pelos brucutus das redes sociais, um prenúncio ao menos de distribuição de renda.

É questão de número, não de gosto. E foi coisa pouca.

Não posso avançar sem que emende: os muito ricos, que hoje veem no PT o sinônimo do mal, não tinham do que reclamar nem no governo Dilma.

Alguns, aliás, aproveitaram a tibieza e a irresponsabilidade da gestão da governanta para arrancar renúncias fiscais abusivas, que contribuíram para expulsá-la do poder. Sob o aplauso dos beneficiários das mamatas.

“Mudou de lado? E os textos e os livros contra os petralhas?” Eu os subscrevo a todos ainda hoje. Procurem um só artigo meu atacando medidas para minorar a pobreza —“cotismo” é outra conversa. Eu me recusei —e me recusarei sempre— a trocar inclusão social por um projeto de hegemonia política, que cometeu o erro adicional de instrumentalizar o Ministério

Público e setores do Judiciário contra seus adversários. O PT alimentou o Leviatã de toga que hoje tenta destruir o espaço público. Não se deve dar nem a fardados nem a togados o gostinho da política.

Eles engolem seus patronos. Os primeiros cassaram Carlos Lacerda. Os outros meteram Lula na cadeia. O PT é o principal responsável por haver procuradores e juízes que ignoram a Constituição, não é mesmo, Roberto Barroso? Na prática, esses valentes inimputáveis criaram um novo partido. E com poder de polícia. Nem os stalinistas cometeram essa sandice. Os nazistas sim.

Vamos ver o que o futuro governante, qualquer que seja, vai fazer do mapa eleitoral que herdar. Será, por si, um grave sinal de advertência. É constrangedor ter de escrever isto em 2018, mas nós estamos ainda, em muitos aspectos, no universo de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Pausa: é a hora em que certo tipo retira as duas mãos do chão, vai ao Google para saber quem é esse e corre à área de comentários: “Reinaldo está citando um comunista; coisa do Foro de São Paulo”. Há quem pense, inclusive, que o tal foro é um prédio que pode ser demolido… De volta ao romance.

Sinhá Vitória só se dava ao direito de sonhar com uma cama de ripas quando chovia. Quando chovia, Fabiano mudava sua economia de palavras. É espantoso que parte considerável das elites brasileiras ignore as razões por que os muito pobres votam no PT, reduzindo-os à categoria dos “mortadelas” preguiçosos. A mortadela sem metáfora ainda não chegou aos grotões do Vale do Ribeira, em São Paulo, ou do Vale do Jequitinhonha, em Minas, para ficar em dois estados ricos.

Não há solidão maior no Brasil do que a de um liberal. Os esquerdistas têm, ao menos, aqueles a quem chamam “companheiros”. Já fui brasileiro como eles. “Mas há uma hora em que os bares se fecham/ e todas as virtudes se negam.”

*É jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.