
Acordei hoje com uma sensação estranha. Um domingo de Copa do Mundo sem jogos do mundial na TV. Mas tinha uma missão de pai relacionada a competição: ir ao mercado persa que se torna a Banca de Ademar aos domingos nestes tempos.
Levei João Pedro com a missão de garantir as 29 figurinhas que completariam (e completaram) o álbum dele. Missão cumprida rapidamente. As repetidas que sobraram foram negociadas a preço de banana apenas para evitar o desperdício.
Mas no caminho fui pensando sobre minha relação com o futebol. A lembrança mais antiga que eu tenho de futebol foi de um jogo do ABC contra o Fluminense no finado Machadão lá pelos anos 1980. Nasci abecedista e me tornei vascaíno com o pé direito encantado com o timaço que venceu o São Paulo na final do brasileiro de 1989 um dia antes da eleição que levou Lula e Collor ao segundo turno.
Lembro bem daqueles dias. Morava com minha saudosa avó Dona Darquinha num apartamento pequenino no Centro de Natal. Ela não queria que eu gostasse de futebol, mas me deu o álbum do Campeonato Brasileiro daquele ano. Com a ajuda do meu primo Jorginho consegui completar a coleção. As repetidas fiz times com caixinhas de fósforo, depois criei o hábito de comprar times de futebol de botão. Cheguei a ter quase 200 times até o início da adolescência. Comprava times repetidos e colava escudos que encontrava mensalmente nas últimas páginas da Revista Placar, minha companheira de sempre e fonte de inspiração para me tornar jornalista. Quando não dava certo meu amigo Rabaida (outro natalense atualmente radicado em Mossoró), exímio desenhista, fazia os escudos. Eram tempos em que não tinha Internet nem canais de esportes aos montes. A TV por assinatura era coisa de rico. Não dávamos a mínima para o futebol europeu. No máximo a final da Champions League e o Campeonato Italiano aos domingos na hora do almoço com as narrações irreverentes de Sílvio Luiz.
O futebol de botão era mais legal que o vídeo game naquele tempo. A minha turma no Serrambi V levava o assunto tão a sério que formamos a FSB (Federação Serrambiense de Botão). O negócio era mais organizado que a CBF. Campeonatos de pontos corridos, copas e supercopas. Tínhamos uma temporada regular ao longo do ano e cada membro tinha seu time e o seu campo. Como aquele bando de menino conseguia fazer o óbvio e as federações eram tão bagunçadas?
Mais uma vez nosso designer Rabaida entrava em ação. O homem fazia o troféu do campeão, do vice, do goleiro menos vazado e do botão artilheiro. Eu organizava a tabela e os sorteios com Jefice (repare que nessa turma ninguém era chamado pelo nome). A gente mandava e desmandava nessa federação com “mão de ferro”.
Meu campo era apelidado de “Curral” porque num dia de chuva esqueci a janela aberta e ele ficou danificado pela água. Era o alçapão onde eu e meu irmão Gilsinho mandávamos os nossos jogos. Ganhar da gente não era tarefa fácil. Eu jogava com o Vasco meu irmão com o Guarani. “Gol do dez do Guarani” era o bordão dele.
Mas a nossa vida boleira não se resumia aos campos de madeira. Eram tempos de expansão de Nova Parnamirim, mas ainda existiam muitos terrenos ociosos. Tinha o campo dos adultos e o campinho da molecada. Desde cedo percebi que meu lugar era no gol. Não que jogasse ruim na linha. Até fazia meus golzinhos, mas não gostava de correr e era muito melhor no gol mesmo.
Todo mundo lá em casa levava o negócio muito a sério. Meu padrasto chegou a investir no que ele acreditava ser um talento que eu tinha. Com oito anos ganhei meu primeiro par de luvas dele. Minha avó a contragosto comprou as chuteiras, minha mãe os meiões e minha tia/madrinha a camisa de goleiro. Eles não lembram, mas guardo na memória o incentivo.
Toda terça e quinta tinha treino no Aspetro sob a batuta do professor Geraldo. Lá dei meus primeiros passos. Treino para mim era jogo e o jogo uma guerra. Esse perfil competitivo sempre foi um traço de minha personalidade. Como disse, meu padrasto levava o negócio a sério, ia a todos os treinos e dava seus pitacos. Se eu levasse um gol defensável, mesmo com dez anos de idade, a volta para casa era acompanhada de batidos por mais atenção.
A pelada com a turma para mim era a final de copa do mundo. Os goleiros fixos eram eu e Renan. Sujeito frio como um alemão e com muita qualidade embaixo das traves. A gente se entendia bem a ponto de termos um acordo em relação as traves. Cada um tinha a sua. Querer jogar no gol nessa pelada era um desafio que só o chato do Simpson praticava. A primeira “próxima” sempre era dele. Antes de os times da primeira partida se formarem por volta das 15h30 ele já dizia: “a próxima é minha”. Simpson, a próxima sempre será sua.
O jogo era 15 minutos ou dois gols no campinho. Sempre no par ou ímpar eu perdia de propósito para Renan (sempre eu botava dois e ele um) para deixar ele escolher Júlio, conhecido também como Mingau. Atacante habilidoso e goleador. Sempre preferia enfrentá-lo do que tê-lo ao meu lado. Pelada era treino para mim. Gostava de montar boas defesas meu zagueiro sempre era Alex, o melhor jogador de nossa turma que chegou a jogar o estadual Sub-20 pelo Atlético Potiguar. Meu outro zagueiro sempre era Jonny Fumo. Jogava duro como Odvan. O jogador mais habilidoso da turma era Deyner, o mais firulento era Bettega. Os dois eram irmãos e os nomes homenageiam respectivamente um jogador polonês e outro italiano dos anos 1970.
A pelada era um treino sempre porque tinha os campeonatos entre os conjuntos e condomínios de Nova Parnamirim. Nosso adversário mais temido era o Conjunto Zona Sul do canhoto Narigue (imagine o tamanho da venta) e dos irmãos Rafael e Ralph. Nos amistosos a gente sempre perdia deles, mas quando valia três pontos a história era outra. Eu era técnico e capitão do Serrambi. Comandava o time aos berros. Acho que por isso a gente sempre crescia quando era de “vera”, rs.
Disso aí ao JERN’s foi um pulo. A competição para mim era a Copa do Mundo. Escolhi o futebol de salão porque achava mais emocionante. Primeiro fui cortado no peneirão. Nunca entendi o motivo, mas certamente não estava preparado para um nível maior. Fui terceiro goleiro, reserva e depois titular e capitão. Joguei em bons times e cheguei a receber em 1999 uma premiação de ninguém mais ninguém menos que Roberto Dinamite na Copa 400 anos de Natal. Nos JERN’s vivi o céu e o inferno da disputa de título a decepção. Ganhei bolsas que ajudaram minha mãe a economizar nos custos dos meus estudos e achei que dava para ser jogador. Só sonho mesmo, claro. Baixinho e míope ser goleiro profissional estava fora de cogitação.
Restou o plano B: estudar. Corri atrás ao final do ensino médio. Dedicação na semana e peladas (e farras) no final de semana. Resultado: aprovado em história na UFRN e jornalismo na UERN. Eram os dois cursos que eu queria fazer e fiz. Naquele momento meu sonho era ser jornalista esportivo e trabalhar na Placar.
Depois veio a mudança para Mossoró a estreia no jornalismo e na medida que me aprofundava no jornalismo jogar futebol ia ficando para depois. O lazer passou a ser mais a balada do que pelada e assim a barriga de tanquinho foi virando “bucho de chopp” e o pretenso atleta continuou apenas torcedor apaixonado pelo Vasco e ABC. Seleção mais em Copa pela Copa. Faz uns três anos que não jogo uma partida de futebol. Algo estranho para quem jogava de domingo a domingo. Talvez seja uma mistura de comodismo sedentário com recados do inconsciente para não trocar as boas lembranças do passado pelos frangos do presente.
Assim meu domingo de copa sem copa vai ficando pelas memórias dos bons tempos da infância, adolescência e início da fase adulta até a hora da raiva chegar com o ABC em campo pela terceira divisão.