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Primeiro a tragédia, segundo a farsa: o que a expulsão das(os) quiosqueiras(os)

Da Praia da Redinha nos revela sobre o modus operandi colonial

Por Andersonn Henrique Araújo*

Conta-nos Câmara Cascudo que durante a conquista das terras dos potiguares pelos portugueses, as terras ao norte do Rio Potengi, entre os bairros da Redinha e Igapó, eram ocupadas por aldeamentos indígenas.

Para repelir os franceses que já estavam por essas bandas e eram aliados dos nativos, os portugueses saíram do Forte de Cabedelo, na Paraíba, na intenção de conquistar as margens do Rio Potengi. O intento só foi possível após firmada uma aliança com o grande líder indígena Felipe Camarão (Potiguaçu ou Grande Camarão), que recebeu inúmeras honrarias e cargos no governo português. Essa aliança permitiu tanto a construção do Forte dos Reis Magos (1598) quanto a operacionalização do decreto de fundação da cidade do Natal (1599) na margem oposta do Rio Potengi, onde era localizado o aldeamento comandado por Potiguaçu.

Depois das diversas batalhas ao lado dos portugueses, ocorridas durante os séculos XVI e XVII, dentre elas as ligadas a expulsão dos holandeses da costa do Nordeste, o povo “selvagem” potiguar recebeu do rei de Portugal a “graça” ou o “convite compulsório” de se mudar do seu território para receber “instrução” nos aldeamentos jesuítas. Um desses aldeamentos, o Guajiru, localizava-se na região onde hoje está situada a cidade de Extremoz.

Após batalhas travadas pelos povos indígenas em favor da coroa portuguesa, na sanha de também ocupar as terras ao norte das margens do Rio Potengi, os colonos portugueses, autoconsiderados culturalmente “superiores”, começaram a expulsar os nativos potiguares da Redinha para os Aldeamentos Jesuítas, onde receberiam “instrução”. Esse talvez tenha sido o primeiro caso de expropriação de terras no Rio Grande do Norte, mas com certeza foi o primeiro caso de “presente de grego” baseado na ingratidão dada pelos governantes ao povo potiguar. A história do bairro da Redinha nos conta que após essa expropriação, o local foi ocupado pelas famílias da elite natalense que durante todo o século XIX construíram as suas casas de veraneio.

Os remanescentes indígenas e descendentes de escravizados exerciam diversas ocupações, como a de pescadores, e conviviam com os veranistas. Sobre essa época, há, inclusive, belas narrativas nas crônicas de Newton Navarro, publicadas nos jornais da capital norte-rio-grandense sobre uma Redinha idílica, boêmia, “selvagem”, quase “intocada”. Os verões regados a uísque, violões, foliões e clubes carnavalescos conviviam com os festejos de caboclinhos, pastoril e de reisado. A Redinha dos veranistas do século XIX, festiva e insular, que se chegava apenas através de barcos e de balsas, pouco parecia se lembrar do seu passado indígena, ligado a história de Felipe Camarão de lutas e de resistências. A Redinha “se embranqueceu”, ou pelo menos era esse um dos intentos coloniais. Bons tempos? E os verdadeiros donos das terras da Redinha que foram expulsos para o Aldeamento do Guajiru?

Os caminhos foram muitos, alguns continuaram ocupando as cidades do entorno de Natal, outros juntaram-se aos escravizados no trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar. Durante os séculos XX e XXI, a população que vivia próxima dos antigos aldeamentos Jesuítas e das zonas de plantação de cana-de-açúcar (Extremoz, Touros, São José do Mipibu, Nísia Floresta, Ceará-Mirim, e etc.) migrou de volta para Redinha, concentrando-se na Comunidade da Redinha de Dentro, pois a orla já estava quase toda ocupada pelas casas de verão. Além dos conjuntos habitacionais do final do século XX, também foram construídas casas em situações precárias pelos próprios moradores. Essa é uma das histórias da (re)ocupação da Redinha de Dentro e da Comunidade da África, localizadas no bairro. As ligações entre a Redinha e as demais zonas da cidade, seja através da antiga “Estrada da Redinha” ou da mais “recente” Ponte Newton Navarro, fizeram com que a população começasse a vislumbrar a atividade comercial do turismo como um mecanismo de sobrevivência. As quiosqueiras, os pescadores, os permissionários do Mercado da Redinha, os nativos – moradores antigos e recém migrados, e os ambulantes que vendem alimentos e bebidas no bairro, são herdeiros não apenas de uma tradição mercantil ligada ao turismo, como também são pessoas injustiçadas pelo processo histórico que incidiu sobre seus antepassados.

Ao que parece, a história se repete. Se nos séculos XVI e XVII a intenção era civilizar os nativos, os expulsando de suas terras, e nos séculos XIX e XX o objetivo era a ocupação da Redinha através da construção das casas de veraneio, hoje, em pleno século XXI, a intenção do Município de Natal é “reurbanizar” a região da orla do bairro expulsando justamente os verdadeiros “donos” da terra. A situação vivenciada pelos trabalhadores é terrível. Querem passar por cima das histórias de vida que as pessoas construíram ao longo de anos: trabalhar no quiosque é fazer amizades, é a forma como os pais de alguns permissionários foram criados, os quais, por

sua vez, hoje sustentam seus filhos e criam seus netos. Em uma região escassa de equipamentos públicos comunitários, as crianças filhas e netas das quiosqueiras e de pescadores brincam de “tica-tica” por entre os bancos já deteriorados da orla. Retirar os trabalhadores é passar o trator por cima de histórias e modos de viver inseridos em redes de sociabilidades com a intenção de “civilizar” a orla, repetindo os mesmos argumentos coloniais dos séculos XVI e XVII, desapropriando os verdadeiros donos da Redinha.

Segundo as trabalhadoras dos quiosques, foi prometida uma indenização no valor de oito mil reais por cada quiosque derrubado. Em apenas um dos quiosques trabalham três famílias, e em uma dessas famílias três gerações. As trabalhadoras dos quiosques são em grande maioria mulheres, chefes de família, negras e pardas, que em conjunto com outras famílias fazem funcionar toda a dinâmica de compra de insumos, preparo, manutenção e serviços de atendimento aos clientes. Depois de dividido o valor da indenização entre todas as famílias que trabalham em um mesmo quiosque, o montante indenizatório não conseguiria viabilizar uma estrutura mínima de comércio em outro local. Isso sem falar da relação de confiança/amizade edificada entre os frequentadores da praia, os banhistas, os moradores e as quiosqueiras ao longo de décadas. São pessoas que vão lá há anos para se encontrarem, bater um papo a beira do Potengi, tomar um

banho de mar, praticar esportes, pescarem mariscos, comer o peixe com macaxeira frita de dona Cida*, o caldinho de dona Nina*, a batatinha com carne de sol de dona Francisca*, e a famosa ginga com tapioca de dona Inês*. Se a alternativa financeira oferecida pela prefeitura já é precária em si, ela desconsidera todas as questões que envolvem o lado afetivo, humano e histórico por trás do trabalho das quiosqueiras.

A Redinha precisa ser um lugar democrático: lugar de veranista, de turista, como também do morador das Comunidades; lugar de respeito as tradições e lugar de progresso; lugar de diversão-descanso e lugar de trabalho. Gerenciar dinâmicas que parecem ser opostas, mas não são, deveria ser parte do agir político que orienta as ações da política pública, isso ajudaria a fazer que a máquina governamental não fosse utilizada como instrumento opressor de pessoas que já foram marcadas por processos históricos de exclusão.

Mulheres, negras, pardas, descendentes de indígenas e de escravizados sendo expulsas do lugar onde ganham seu sustento com o argumento do “progresso”, me parece ser, ao menos, uma repetição tosca de um passado de expropriações de terras e de apagamentos de histórias de vidas do povo potiguar. Se há problemas de regularização e de melhorias da infraestrutura, não é destruindo vidas e memórias que se constrói um futuro possível em uma cidade humana e que (re)conhece seu passado. Um filósofo escreveu que a história se repete, em uma primeira vez como tragédia e na segunda vez como farsa. No caso da Redinha, a tragédia não pode ser esquecida para que a farsa não seja repetida.

PS: Os nomes das cozinheiras foram alterados para não orientar a escolha das experiências

gastronômicas do leitor.

*É Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Doutorando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: andersonnaraujo@uern.br.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Reportagem especial

De Província à Estado: o RN no contexto do golpe republicano de 1889

Há 132 anos o Brasil deixava de ser a única monarquia do continente americano e passava a ser uma República como seus vizinhos.

Nesta data o Rio Grande do Norte deixava de ser uma Província pobre para se tornar um Estado na mesma condição econômica.

O que mudou foi o poder que passou para uma nova elite que se misturou com uma parte da que dominava o RN nos últimos anos do Império.

As primeiras notícias sobre o golpe republicano chegaram através de telegramas assinados José Leão e Aristides Lobo, potiguares que residiam no Rio de Janeiro onde a história era descrita.

Todos pegos de surpresa ficaram meio sem saber o que fazer nas primeiras horas até que o último presidente provincial Antônio Basílio Ribeiro Dantas formou uma junta composta por chefes republicanos que indicou Pedro Velho de Albuquerque Maranhão chefe do governo provisório no RN no dia 17 de novembro. Nesta etapa de transição ele ficaria pouco tempo no cargo.

A mudança de regime ocorreu de forma pacífica no Rio Grande do Norte, sem a necessidade de envolvimento de militares, inclusive. “A República na província potiguar nascia tranquilamente, como se fosse a transmissão formal de cargo de um partido para outro, de acordo com a praxe imperial, e não uma mudança radical de um regime por outro, por definição, totalmente diferente”, afirma o professor Almir Bueno no livro Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1980-1895).

Diferente do que ocorreu em nível nacional, a chegada da República no Rio Grande do Norte teve protagonismo dos civis.

A costura política foi feita através de acordos entre elementos dos antigos partidos Liberal, Conservador e Republicano, inclusive com o acolhimento de ex-monarquistas.

A principal autoridade militar no RN era Felipe Bezerra Cavalcanti, que segundo Câmara Cascudo, em citação de Almir Bueno, teria recebido ordens de Benjamim Constant para empossar elemento local de confiança na chefia do governo.

Ele teve a oportunidade de assumir o governo provisório no Estado como aconteceu em outras unidades, mas não nutria ambições políticas e se julgava incapaz para o cargo.

“O fato é que no Rio Grande do Norte desde o início, os civis, republicanos e adesistas, controlaram a transição política para a República, confirmando a tradição civilista predominante na elite política imperial”, frisa Almir Bueno.

A seguir alguns tópicos da construção do Estado do Rio Grande do Norte Republicano.

Movimento republicano do RN nasce em Caicó

Nas vésperas do golpe republicano, o Rio Grande do Norte era uma província frágil, economicamente dependente e uma sociedade agrária e conservadora. Nada muito diferente dos seus vizinhos do que na época era chamado de “Norte”.

Somente 3.941 potiguares tinham direito ao voto, o que correspondia a apenas 1,4% da população na época.

As eleições nos tempos do imperador no RN eram marcadas pela corrupção e clientelismo.

Foi nesse contexto que surgiu o movimento republicano por estas bandas. Forjado no país a partir do manifesto republicano de 1870 e depois em 18 de abril de 1973 durante a Convenção de Itu, o Partido Republicano nunca foi dominante nas eleições. A agremiação estava concentrada nos atuais estados dos Sul e Sudeste enquanto que no “Norte” (que congregava os atuais Norte e Nordeste) só havia Partido Republicano formalizado no Rio Grande do Norte e em Pernambuco no dia do golpe republicano.

Ainda assim o movimento no RN era fraquíssimo se comparado com Pernambuco, que tinha uma tradição republicana que remonta as primeiras décadas do Século XIX.

Mossoró, protagonista no movimento abolicionista, teve participação apagada na defesa da mudança de regime. No interior do Estado esse protagonismo ficou com a então cidade de Vila do Príncipe, atual Caicó.

A cidade estava em decadência econômica nos anos 1880, mas detinha muita força política através dos grupos rivais lideradas pelas famílias Batista (Conservadores) e Medeiros (Liberais).

O protagonismo caicoense no movimento republicano pode ser representado na figura do jornalista Janúncio da Nóbrega Filho, redator da primeira coluna republicana em jornal monarquista no RN. Ele escrevia nas páginas de “O Povo”.

O peso do movimento republicano na então Vila do Príncipe se deu através da influência de fazendeiros seridoenses que estavam insatisfeitos com a decadência econômica da região.

A antecipação do republicanismo de Caicó em relação à capital também se deu pelo investimento que a elite agrária fez na educação dos filhos que eram enviados para estudar em grandes centros urbanos onde conheciam as ideias republicanas como explica Almir Bueno:

“Aparentemente surpreendente, dentro dos marcos dessa sociedade tradicional, foi a decisão de alguns fazendeiros da região, que teria uma importante consequência no desenvolvimento republicano seridoense, a ponto de fazê-lo antecipar-se ao próprio republicanismo da capital. Com efeito, apesar de serem constantemente criticados pela falta de iniciativa e pelo espírito rotineiro e infenso ao progresso e à modernização, esses sertanejos tomaram uma atitude à primeira vista  contraditória com a imagem de conservadorismo que tinham: em meados da década de 1880, enviaram seus filhos para estudar fora, não apenas nos seminários de formação religiosa, como era comum, mas principalmente nas faculdades de direito do Recife e medicina na Bahia”.

Entre esses jovens estava Janúncio da Nóbrega que fundou o primeiro núcleo republicano no Rio Grande do Norte em 1886 quando tinha apenas 17 anos. Mais tarde esse grupo seria chamado de Centro Republicano Seridoense.

Para Almir Bueno o pioneirismo do Seridó em relação a Natal se deu também pela falta de tradição de independência da capital, bem diferente dos coronéis sertanejos.

A influência dos potiguares emigrados no movimento republicano

Como demonstramos no caso de Janúncio Nóbrega foi através do envio de jovens da elite para estudar nos grandes centros do país que as ideias republicanas chegaram ao Rio Grande do Norte.

Em Recife, o Janúncio conheceu o natalense Braz Mello e os dois integraram o movimento republicano na capital pernambucana, inclusive assinando um manifesto.

Eles conheceram e se tornaram discípulos do líder republicano incendiário Silva Jardim, que pregava a execução da família imperial.

No Rio de Janeiro, João Avelino e José Leão eram os contatos com os republicanos do RN. Eles faziam parte de uma pequena colônia de 2.104 potiguares que habitavam a corte.

A eles se juntavam Daniel Ferro Cardoso e Tobias do Rego Monteiro, que se tornaria braço direito de Rui Barbosa e opositor da oligarquia Maranhão nos primeiros anos da República.

Mas o mais famoso republicano potiguar seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que se formou em medicina no Rio de Janeiro de 1881. Primeiramente ele se dedicou à causa abolicionista e só depois se entregou ao republicanismo. Somente no final de 1888 e após hesitar bastante ele decidiu se colocar a frente do movimento republicano no RN.

Ele fundaria o Partido Republicano do Rio Grande do Norte em janeiro de 1889, seria o primeiro governador do Estado e líder da oligarquia Albuquerque Maranhão que ficaria a frente dos destinos dos potiguares por quase 30 anos.

Os primeiros anos da República no RN e a primeira oligarquia

A chegada da República alterou a forma como os representantes políticos se elegiam. O novo regime acabou com o voto censitário que se baseava em critérios de renda.

Passavam a votar todos os homens alfabetizados com idade acima de 21 anos. O voto de cabresto foi a fórmula encontrada pela elite agrária para se manter no poder.

O comando do RN ficou nas mãos de políticos do Seridó e da capital. Seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão o maior beneficiário da troca de regime, mas para se consolidar e fundar a primeira oligarquia familiar no RN republicano foi necessário enfrentar alguns percalços.

O primeiro governador do Rio Grande do Norte assumiu a função de forma provisória de curta duração. Foi acusado de perseguir adversários pelo jornalista Hermógenes Tinôco na Gazeta do Natal.

Pedro ficaria na chefia de governo por apenas 20 dias sendo substituído pelo paulista Adolfo Gordo, mudança que foi considerada um ato de desprestígio do Governo Provisório com a elite política potiguar. Essa passagem pelo cargo foi tumultuada e ele seria substituído em 8 de fevereiro de 1890 pelo também paulista Joaquim Xavier da Silveira Junior que embora viesse de fora era afinando com Pedro Velho.

Silveira Junior soube fazer acomodações políticas nomeando Pedro Velho 1º vice-governador ficando no cargo até o mês de setembro. Foi nesse período que ele conseguiu formar a chapa vencedora para compor a Constituinte. Passada a eleição, Silveira Junior deixou o Governo para o vice, Pedro Velho, até que um novo governador fosse nomeado. O escolhido foi João Gomes Ribeiro, um sergipano com atuação política abolicionista e republicana em Alagoas. Ele tomou posse em novembro de 1890 para concluir o processo de transição. A relação política dele com a elite política potiguar não foi das melhores e ele montou uma equipe com adversários de Pedro Velho.

O líder político potiguar conseguiu virar o jogo menos de um mês depois obtendo a troca de João Gomes pelo juiz Manuel do Nascimento Castro e Silva.

Em menos de um ano, Pedro Velho derrubara dois governadores, mas ele passaria os meses seguintes em situação de desprestígio com o poder central por ter votado em Prudente de Morais na eleição que manteve Deodoro da Fonseca pela via indireta no poder.

Somente em 12 de julho de 1891 o primeiro governador constitucional do RN seria eleito. Miguel Castro, um deputado federal, foi escolhido pelos deputados estaduais em um pleito indireto.

A queda de Deodoro da Fonseca permitiu a ascensão de Pedro Velho que liderou um golpe para derrubar Miguel Castro em 28 de novembro de 1891 com a ajuda de tropas militares e correligionários armados.

Foi montada uma junta governativa liderada pelo Coronel Lima e Silva que permaneceu no poder até a eleição indireta de Pedro Velho pela Assembleia Legislativa em 31 de janeiro de 1892. A posse ocorreu em 28 de fevereiro daquele ano.

“O período em que Pedro Velho esteve a frente do governo estadual, porém não foi fácil, como poderia parecer à primeira vista. A oposição, normalmente dividida em correntes irreconciliáveis por motivos que vinham do Império, constatando não ter chances eleitorais reais, passou a apostar que só uma solução golpista, ao sabor das alterações da conjuntura nacional, poderia proporcionar-lhe a volta ao poder”, afirma o pesquisador Almir Bueno.

Ainda assim Pedro Velho elegeria o sucessor Joaquim Ferreira Chaves 1895. Este seria o primeiro governador do RN eleito pelo voto direto. Pedro Velho permaneceria no Senado até morrer em 9 de dezembro de 1907. Ele fundou a primeira oligarquia familiar do Estado elegendo o irmão Alberto Maranhão e o genro Tavares de Lyra governadores.

Por 16 anos Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão, um de seus irmãos, foi presidente da Assembleia Legislativa, então conhecida como Congresso Estadual.

A oligarquia Albuquerque Maranhão dominaria o RN por quase 30 anos quando foi sucedida pela liderança política de José Augusto Bezerra de Medeiros, do Seridó, região pioneira no movimento republicano. Ele ascendeu ao poder turbinado pela força da economia algodoeira.

Para saber mais sobre o nascimento da República no Rio Grande do Norte sugerimos a leitura das fontes pesquisadas para esta reportagem:

BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas no Rio Grande do Norte (1880/1895). Natal: Edfurn – editora da UFRN, 2002.

MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte – 4 Ed. – Natal, RN: Flor do Sal, 2015.

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Centenário de Aluízio Alves é celebrado, mas é necessário contar o seu verdadeiro papel no golpe de 1964

Aluízio é o maior líder político do RN no século XX, apesar das falhas (Foto: reprodução)

É quase unânime que Aluízio Alves seja considerado o maior líder político do Rio Grande do Norte no Século XX. Tenho para mim que sem ditadura militar ele certamente seria eleito governador e senador várias vezes, mas a bagunça institucional do Brasil da República de 1946 que naturalizou a presença de militares na política prejudicou a carreira dele e de outros políticos talentosos (e com votos) daquela época.

No entanto, percebo neste 11 de agosto de 2021 quando Aluízio completaria 100 anos se estivesse vivo que a história dele precisa ser revisitada com certa urgência.

Ele fez um governo à frente do seu tempo desde a memorável campanha eleitoral de 1960 quando ele utilizou técnicas de marketing político que deixaram seus adversários atordoados. A gestão modernizou o Rio Grande do Norte em todos os aspectos. Nosso Estado tem um antes e depois de Aluízio Alves que criou os primeiros conjuntos habitacionais por estas bandas, trouxe energia para todos, criou a Telern e fez investimentos a partir da aliança para o progresso em parceria com o Governo estadunidense, cujos detalhes de bastidores foram revelados numa primorosa reportagem do jornalista Paulo Nascimento no The Intercept (ver AQUI).

No entanto, uma coisa sempre me incomodou: as manchas do “cigano feiticeiro” que foram apagadas da memória potiguar num passe de mágica.

A principal delas é a sua participação no golpe de 1964. Ele apoiou o arbítrio, promoveu perseguições que estão documentadas no Relatório Veras e participou da deposição do prefeito do Natal Djalma Maranhão, um episódio dramático demais para ser tão esquecido no Rio Grande do Norte.

Com a instituição do bipartidarismo, Aluízio Alves não fundou o MDB como muitos imaginam. Ele resgatou suas origens na conservadora UDN e foi disputar prestígio junto aos ditadores na Arena. Ele compôs a “Arena verde” que rivalizava com a, pasmem, “Arena Vermelha” de Dinarte Mariz.

Aluízio perdeu a queda de braço com seu ex-líder e, junto com os irmãos, foi cassado pela ditadura militar. Ficou sem direitos políticos não por suas ideias, mas por uma questão local com Dinarte. Aluízio ainda assim teve algum poder preservado podendo colocar o filho Henrique e o sobrinho Garibaldi na política além de ser consultado em todos os processos de escolhas dos governadores biônicos no período, inclusive protagonizando o acordão com o regime conhecido como “paz pública” em que mesmo cassado se juntou aos algozes para apoiar a candidatura de Jessé Freire ao Senado em 1978.

Em 1982 finalmente pode ser candidato ao Governo e perdeu para um garoto chamado José Agripino por 106 mil votos de diferença.

Após a redemocratização ele ainda foi duas vezes ministro (administração no governo Sarney e integração nacional no de Itamar Franco), mas não tinha mais o mesmo brilho eleitoral de antigamente.

Aluízio fez história, mas não podemos romantizar sua relação com a ditadura militar.

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Reportagem especial

O Golpe Militar no RN: quem aderiu, quem resistiu e as consequências políticas

Por Bruno Barreto

A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.

Tudo isso há exatamente 55 anos.

Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.

No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.

Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.

O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.

Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.

Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.

Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.

Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.

Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI.  Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.

Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.

Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.

Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.

Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.

Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.

Mossoró no contexto do Golpe

Cesário Clementino: resistência em Mossoró

 

Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.

Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.

Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.

O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.

O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.

O relatório Veras

 

Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.

Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.

Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.

No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.

A política no RN durante a Ditadura Militar

 

Aluízio Alves acabou punido pela ditadura que ajudou a instalar (Foto: reprodução/Youtube)

Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).

No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.

Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.

Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.

A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.

Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.

A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.

PAZ PÚBLICA

Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.

A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.

Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN

Anatália de Melo Alves morreu torturada (Foto: reprodução)

Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.

Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.

Gileno Guanabara também foi preso.

Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.

Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.

Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.

Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar  atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

SEQUESTRO

Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.

A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.

Vítima do “Cabo Anselmo”

Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.

Bibliografia consultada

O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.

Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano

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Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.

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História do Rio Grande do Norte

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Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.

 

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Bastidores do Poder: memórias de um repórter.

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