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Reportagem especial

De Província à Estado: o RN no contexto do golpe republicano de 1889

Há 132 anos o Brasil deixava de ser a única monarquia do continente americano e passava a ser uma República como seus vizinhos.

Nesta data o Rio Grande do Norte deixava de ser uma Província pobre para se tornar um Estado na mesma condição econômica.

O que mudou foi o poder que passou para uma nova elite que se misturou com uma parte da que dominava o RN nos últimos anos do Império.

As primeiras notícias sobre o golpe republicano chegaram através de telegramas assinados José Leão e Aristides Lobo, potiguares que residiam no Rio de Janeiro onde a história era descrita.

Todos pegos de surpresa ficaram meio sem saber o que fazer nas primeiras horas até que o último presidente provincial Antônio Basílio Ribeiro Dantas formou uma junta composta por chefes republicanos que indicou Pedro Velho de Albuquerque Maranhão chefe do governo provisório no RN no dia 17 de novembro. Nesta etapa de transição ele ficaria pouco tempo no cargo.

A mudança de regime ocorreu de forma pacífica no Rio Grande do Norte, sem a necessidade de envolvimento de militares, inclusive. “A República na província potiguar nascia tranquilamente, como se fosse a transmissão formal de cargo de um partido para outro, de acordo com a praxe imperial, e não uma mudança radical de um regime por outro, por definição, totalmente diferente”, afirma o professor Almir Bueno no livro Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1980-1895).

Diferente do que ocorreu em nível nacional, a chegada da República no Rio Grande do Norte teve protagonismo dos civis.

A costura política foi feita através de acordos entre elementos dos antigos partidos Liberal, Conservador e Republicano, inclusive com o acolhimento de ex-monarquistas.

A principal autoridade militar no RN era Felipe Bezerra Cavalcanti, que segundo Câmara Cascudo, em citação de Almir Bueno, teria recebido ordens de Benjamim Constant para empossar elemento local de confiança na chefia do governo.

Ele teve a oportunidade de assumir o governo provisório no Estado como aconteceu em outras unidades, mas não nutria ambições políticas e se julgava incapaz para o cargo.

“O fato é que no Rio Grande do Norte desde o início, os civis, republicanos e adesistas, controlaram a transição política para a República, confirmando a tradição civilista predominante na elite política imperial”, frisa Almir Bueno.

A seguir alguns tópicos da construção do Estado do Rio Grande do Norte Republicano.

Movimento republicano do RN nasce em Caicó

Nas vésperas do golpe republicano, o Rio Grande do Norte era uma província frágil, economicamente dependente e uma sociedade agrária e conservadora. Nada muito diferente dos seus vizinhos do que na época era chamado de “Norte”.

Somente 3.941 potiguares tinham direito ao voto, o que correspondia a apenas 1,4% da população na época.

As eleições nos tempos do imperador no RN eram marcadas pela corrupção e clientelismo.

Foi nesse contexto que surgiu o movimento republicano por estas bandas. Forjado no país a partir do manifesto republicano de 1870 e depois em 18 de abril de 1973 durante a Convenção de Itu, o Partido Republicano nunca foi dominante nas eleições. A agremiação estava concentrada nos atuais estados dos Sul e Sudeste enquanto que no “Norte” (que congregava os atuais Norte e Nordeste) só havia Partido Republicano formalizado no Rio Grande do Norte e em Pernambuco no dia do golpe republicano.

Ainda assim o movimento no RN era fraquíssimo se comparado com Pernambuco, que tinha uma tradição republicana que remonta as primeiras décadas do Século XIX.

Mossoró, protagonista no movimento abolicionista, teve participação apagada na defesa da mudança de regime. No interior do Estado esse protagonismo ficou com a então cidade de Vila do Príncipe, atual Caicó.

A cidade estava em decadência econômica nos anos 1880, mas detinha muita força política através dos grupos rivais lideradas pelas famílias Batista (Conservadores) e Medeiros (Liberais).

O protagonismo caicoense no movimento republicano pode ser representado na figura do jornalista Janúncio da Nóbrega Filho, redator da primeira coluna republicana em jornal monarquista no RN. Ele escrevia nas páginas de “O Povo”.

O peso do movimento republicano na então Vila do Príncipe se deu através da influência de fazendeiros seridoenses que estavam insatisfeitos com a decadência econômica da região.

A antecipação do republicanismo de Caicó em relação à capital também se deu pelo investimento que a elite agrária fez na educação dos filhos que eram enviados para estudar em grandes centros urbanos onde conheciam as ideias republicanas como explica Almir Bueno:

“Aparentemente surpreendente, dentro dos marcos dessa sociedade tradicional, foi a decisão de alguns fazendeiros da região, que teria uma importante consequência no desenvolvimento republicano seridoense, a ponto de fazê-lo antecipar-se ao próprio republicanismo da capital. Com efeito, apesar de serem constantemente criticados pela falta de iniciativa e pelo espírito rotineiro e infenso ao progresso e à modernização, esses sertanejos tomaram uma atitude à primeira vista  contraditória com a imagem de conservadorismo que tinham: em meados da década de 1880, enviaram seus filhos para estudar fora, não apenas nos seminários de formação religiosa, como era comum, mas principalmente nas faculdades de direito do Recife e medicina na Bahia”.

Entre esses jovens estava Janúncio da Nóbrega que fundou o primeiro núcleo republicano no Rio Grande do Norte em 1886 quando tinha apenas 17 anos. Mais tarde esse grupo seria chamado de Centro Republicano Seridoense.

Para Almir Bueno o pioneirismo do Seridó em relação a Natal se deu também pela falta de tradição de independência da capital, bem diferente dos coronéis sertanejos.

A influência dos potiguares emigrados no movimento republicano

Como demonstramos no caso de Janúncio Nóbrega foi através do envio de jovens da elite para estudar nos grandes centros do país que as ideias republicanas chegaram ao Rio Grande do Norte.

Em Recife, o Janúncio conheceu o natalense Braz Mello e os dois integraram o movimento republicano na capital pernambucana, inclusive assinando um manifesto.

Eles conheceram e se tornaram discípulos do líder republicano incendiário Silva Jardim, que pregava a execução da família imperial.

No Rio de Janeiro, João Avelino e José Leão eram os contatos com os republicanos do RN. Eles faziam parte de uma pequena colônia de 2.104 potiguares que habitavam a corte.

A eles se juntavam Daniel Ferro Cardoso e Tobias do Rego Monteiro, que se tornaria braço direito de Rui Barbosa e opositor da oligarquia Maranhão nos primeiros anos da República.

Mas o mais famoso republicano potiguar seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que se formou em medicina no Rio de Janeiro de 1881. Primeiramente ele se dedicou à causa abolicionista e só depois se entregou ao republicanismo. Somente no final de 1888 e após hesitar bastante ele decidiu se colocar a frente do movimento republicano no RN.

Ele fundaria o Partido Republicano do Rio Grande do Norte em janeiro de 1889, seria o primeiro governador do Estado e líder da oligarquia Albuquerque Maranhão que ficaria a frente dos destinos dos potiguares por quase 30 anos.

Os primeiros anos da República no RN e a primeira oligarquia

A chegada da República alterou a forma como os representantes políticos se elegiam. O novo regime acabou com o voto censitário que se baseava em critérios de renda.

Passavam a votar todos os homens alfabetizados com idade acima de 21 anos. O voto de cabresto foi a fórmula encontrada pela elite agrária para se manter no poder.

O comando do RN ficou nas mãos de políticos do Seridó e da capital. Seria Pedro Velho de Albuquerque Maranhão o maior beneficiário da troca de regime, mas para se consolidar e fundar a primeira oligarquia familiar no RN republicano foi necessário enfrentar alguns percalços.

O primeiro governador do Rio Grande do Norte assumiu a função de forma provisória de curta duração. Foi acusado de perseguir adversários pelo jornalista Hermógenes Tinôco na Gazeta do Natal.

Pedro ficaria na chefia de governo por apenas 20 dias sendo substituído pelo paulista Adolfo Gordo, mudança que foi considerada um ato de desprestígio do Governo Provisório com a elite política potiguar. Essa passagem pelo cargo foi tumultuada e ele seria substituído em 8 de fevereiro de 1890 pelo também paulista Joaquim Xavier da Silveira Junior que embora viesse de fora era afinando com Pedro Velho.

Silveira Junior soube fazer acomodações políticas nomeando Pedro Velho 1º vice-governador ficando no cargo até o mês de setembro. Foi nesse período que ele conseguiu formar a chapa vencedora para compor a Constituinte. Passada a eleição, Silveira Junior deixou o Governo para o vice, Pedro Velho, até que um novo governador fosse nomeado. O escolhido foi João Gomes Ribeiro, um sergipano com atuação política abolicionista e republicana em Alagoas. Ele tomou posse em novembro de 1890 para concluir o processo de transição. A relação política dele com a elite política potiguar não foi das melhores e ele montou uma equipe com adversários de Pedro Velho.

O líder político potiguar conseguiu virar o jogo menos de um mês depois obtendo a troca de João Gomes pelo juiz Manuel do Nascimento Castro e Silva.

Em menos de um ano, Pedro Velho derrubara dois governadores, mas ele passaria os meses seguintes em situação de desprestígio com o poder central por ter votado em Prudente de Morais na eleição que manteve Deodoro da Fonseca pela via indireta no poder.

Somente em 12 de julho de 1891 o primeiro governador constitucional do RN seria eleito. Miguel Castro, um deputado federal, foi escolhido pelos deputados estaduais em um pleito indireto.

A queda de Deodoro da Fonseca permitiu a ascensão de Pedro Velho que liderou um golpe para derrubar Miguel Castro em 28 de novembro de 1891 com a ajuda de tropas militares e correligionários armados.

Foi montada uma junta governativa liderada pelo Coronel Lima e Silva que permaneceu no poder até a eleição indireta de Pedro Velho pela Assembleia Legislativa em 31 de janeiro de 1892. A posse ocorreu em 28 de fevereiro daquele ano.

“O período em que Pedro Velho esteve a frente do governo estadual, porém não foi fácil, como poderia parecer à primeira vista. A oposição, normalmente dividida em correntes irreconciliáveis por motivos que vinham do Império, constatando não ter chances eleitorais reais, passou a apostar que só uma solução golpista, ao sabor das alterações da conjuntura nacional, poderia proporcionar-lhe a volta ao poder”, afirma o pesquisador Almir Bueno.

Ainda assim Pedro Velho elegeria o sucessor Joaquim Ferreira Chaves 1895. Este seria o primeiro governador do RN eleito pelo voto direto. Pedro Velho permaneceria no Senado até morrer em 9 de dezembro de 1907. Ele fundou a primeira oligarquia familiar do Estado elegendo o irmão Alberto Maranhão e o genro Tavares de Lyra governadores.

Por 16 anos Fabrício Gomes de Albuquerque Maranhão, um de seus irmãos, foi presidente da Assembleia Legislativa, então conhecida como Congresso Estadual.

A oligarquia Albuquerque Maranhão dominaria o RN por quase 30 anos quando foi sucedida pela liderança política de José Augusto Bezerra de Medeiros, do Seridó, região pioneira no movimento republicano. Ele ascendeu ao poder turbinado pela força da economia algodoeira.

Para saber mais sobre o nascimento da República no Rio Grande do Norte sugerimos a leitura das fontes pesquisadas para esta reportagem:

BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas no Rio Grande do Norte (1880/1895). Natal: Edfurn – editora da UFRN, 2002.

MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte – 4 Ed. – Natal, RN: Flor do Sal, 2015.

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15 de novembro, Proclamação da República: por que historiadores concordam que monarquia sofreu um ‘golpe’

O quadro ‘Proclamação da República’, de Benedito Calixto; movimento que questiona rompimento com a monarquia ganhou força com as redes sociais

Vinícius Mendes

De São Paulo para a BBC Brasil

Meses após o Marechal Deodoro da Fonseca enganar a própria mulher, burlar as recomendações médicas e levantar da cama – onde havia passado a madrugada daquele 15 de novembro febril – para proclamar a República brasileira, o país já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder em 1889.

Escrito pelo advogado paulistano Eduardo Prado, o livro Fastos da Ditadura Militar no Brasil, de 1890, argumentava que a Proclamação da República no Brasil tinha sido uma cópia do modelo dos Estados Unidos aplicada a um contexto social e a um povo com características distintas.

A monarquia, segundo ele, ainda era o modelo mais adequado para a sociedade que se tinha no país. Prado também foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um “golpe de Estado ilegítimo” aplicado pelos militares.

Hoje, 129 anos depois, o tema ainda suscita debates: enquanto diversos historiadores apontam a importância da chegada da República ao Brasil, apesar de suas incoerências e dificuldades, um movimento que ganhou força nos últimos anos – principalmente nas redes sociais – ainda a contesta.

“A proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo”, disse à BBC News Brasil o empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro 2º, o último imperador brasileiro, e militante do movimento de direita Acorda Brasil.

“Quando há ilegitimidade na proclamação de qualquer modelo de governo, não se consegue estabelecer autoridade e, dessa forma, não se tem ordem. É exatamente isso que aconteceu na República: removeram o monarca e, no momento seguinte, foi um caos”, completa Orleans e Bragança, justificando a partir da história os solavancos recentes da democracia brasileira.

Retrato do Marechal Deodoro da Fonseca por Henrique Bernardelli
Retrato do Marechal Deodoro da Fonseca por Henrique Bernardelli; ele proclamou a República no Brasil após uma madrugada febril

O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, deu novo gás ao movimento pró-monarquia, impulsionado pelas redes sociais e pela presença de grupos monarquistas nas manifestações contra o governo petista, entre 2015 e 2016 – muitos deles, empunhando bandeiras do Brasil Império.

Um movimento de elites

A ideia de que a Proclamação da República foi um “golpe” é engrossada pelo historiador José Murilo de Carvalho, que escreveu um livro sobre os períodos monárquico e republicano do Brasil: O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo). Um dos intelectuais mais respeitados no país, Murilo também admite que é possível discutir a legitimidade do processo, como reivindicam os monarquistas atuais.

“Para se sustentar (a reivindicação de legitimidade da proclamação), ela teria que supor que a minoria republicana, predominantemente composta de bacharéis, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, alunos das escolas superiores, além dos cafeicultores paulistas, representava os interesses da maioria esmagadora da população ou do país como um todo. Um tanto complicado”, avalia.

Ainda de acordo com Murilo, não apenas foi um golpe, como ele não contou com a participação popular, o que fortalece o argumento de ilegitimidade apresentado pelos atuais monarquistas. Para ele, a distância da maior camada da população das decisões políticas é um problema que perdura até hoje.

“Embora os propagandistas falassem em democracia, o pecado foi a ausência de povo, não só na proclamação, mas pelo menos até o fim da Primeira República. Incorporar plenamente o povo no sistema político é ainda hoje um problema da nossa República. Pode-se dizer que as condições do país não permitiram outra solução e que os propagandistas eram sonhadores. Muitos realmente eram”, conta.

Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro IIDireito de imagemANA CAROLINA CAMARGO/BBC NEWS BRASIL
Image caption‘A proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo’, diz Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Especialista no período, o jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 18081822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”. Para ele, no entanto, o debate sobre a legitimidade da República é sobre “quem legitima o quê”, o que está ligado ao processo de consolidação de qualquer regime político.

“O termo ‘legitimidade’ é muito relativo. Depende do que se considera o instrumento legitimador da nossa República. Se ele for o voto, ela não é legítima, porque o Partido Republicano nunca teve apoio nas urnas. Agora, se considerar esse instrumento a força das armas, foi um movimento legítimo, porque foi por meio delas que o Exército consolidou o regime”, diz.

Para Laurentino, a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de “proclamação” e não de “golpe”.

“O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu”, argumenta.

Para o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), é possível, sim, falar em golpe na fundação da República. Já questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível.

“Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas”, explica.

Mulher segura bandeira do BrasilDireito de imagemREUTERS
Image captionApós 129 anos, Proclamação da República ainda é alvo de debates

Segundo José Murilo de Carvalho, é possível afirmar que a proclamação foi obra quase totalmente dos militares, assim como conta o jornalista Laurentino Gomes em seu livro 1889.

“Só poucos dias antes do golpe é que líderes civis foram envolvidos”, explica Murilo. Para o professor Marcos Napolitano, porém, o fato de ter sido uma minoria a responsável por derrubar a monarquia não retira do movimento a sua legitimidade.

“Qualquer processo político está ligado à capacidade de minorias ativas ganharem o apoio de maiorias, ativas ou passivas, e neutralizarem outros grupos que lhes são contra. Nem sempre um processo político que começa com uma minoria ativa redunda em falta de democracia. Esta é a medida de legitimidade de um processo político. Muitos processos políticos democratizantes, que mudaram a história mundial, começaram assim. O que não os exime de serem processos muitas vezes traumáticos e conflitivos”, explica Napolitano.

Monarquia como opção de regime político?

Orleans e Bragança expressa uma alternativa que já existe há algum tempo entre um grupo restrito de historiadores. O mais militante deles é o professor Armando Alexandre dos Santos, da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

Frequentemente convidado pela Casa Real para palestras e eventos, ele é amigo pessoal de D. Luiz Gastão de Orleans e Bragança – que seria o imperador do país caso fosse uma monarquia – desde os anos 1980.

Para Santos, a República representou a instauração de uma ditadura jamais vivida até então no Brasil.

“Foi uma quartelada de uma minoria revoltosa de militares que não teve nenhum apoio popular. A própria proclamação foi um show de indecisões: Deodoro da Fonseca, por exemplo, só decidiu proclamá-la porque foi pressionado pelos membros do seu grupinho que precisavam de um militar de patente para representá-los. Foi, acima de tudo, um modismo, uma imitação servil dos EUA”, argumenta.

Santos, no entanto, não encontra apoio para sua tese na maior parte da academia. Para os historiadores ouvidos pela BBC News Brasil, o retorno à monarquia não está definitivamente no horizonte político do país.

“O plebiscito de 1993 (para determinar a forma de governo do país) mostrou que há sólida maioria favorável à República, apesar das trapalhadas do regime. Fora do Carnaval, a imagem predominante da monarquia ainda é a de regime retrógrado”, afirma José Murilo de Carvalho, seguido por Gomes.

“Em um momento de discussão da identidade nacional, se somos violentos ou pacíficos, corruptos ou transparentes, vamos em busca de mitos fundadores. Um deles é D. Pedro, que era um homem culto e respeitado. Esse movimento monárquico atual é freudiano. É a busca de pai que resolva tudo sem que a gente se preocupe”, finaliza.

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O pai dos golpes brasileiros

 

Pedro II era satirizado pelos jornais em nossa primeira experiência com imprensa livre
Pedro II era satirizado pelos jornais em nossa primeira experiência com imprensa livre

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hoje se comemora mais um aniversário da proclamação da república. Proclamação é um pomposo substantivo feminino que significa “declarar solenemente algo”, mas em relação a data de hoje seu uso serve para esconder o que de fato aconteceu em 15 de novembro de 1889: um golpe militar de muitos que aconteceriam nas 12, quase 13, décadas seguintes.

No Brasil as decisões sempre foram tomadas de cima para baixo sem participação popular como vemos, por exemplo, na tentativa de independência da Catalunha. O povo assistiu bestializado como bem atestou o republicano Aristides Lobo que viria a ser ministro do Governo Provisório (1889/91) de Deodoro da Fonseca, um monarquista convicto que foi forçado na última hora a derrubar o imperador D. Pedro II e se tornar primeiro presidente do Brasil.

Venderam para nós mais uma história distorcida. Com nosso último imperador vivemos nossa primeira experiência de liberdade de imprensa. Os jornais tinham tanta independência que o monarca era apelidado de “Pedro Banana”.

A monarquia brasileira que foi implantada pelo herdeiro da coroa portuguesa, se sustentava graças a um acordo com os escravocratas, mas o imperador gozava de popularidade. No livro 1889 de Laurentino Gomes mostra que o Partido Republicano teve um desempenho pífio na última eleição parlamentar do império. E olhe que eram pleitos em que apenas a elite participava.

Dom Pedro II caiu por diversos fatores, não apenas pela abolição da escravidão, mas também porque a elite econômica e os militares entenderam que a monarquia não servia mais.

O povo ficou de fora nesse e em outros golpes.