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Violência contra as mulheres jornalistas: é preciso denunciar para não se tornar a notícia

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Izaíra Thalita da Silva Lima*

No ano 2000, eu tinha 21 anos e à época trabalhava como repórter no Jornal Gazeta do Oeste em Mossoró. Naquele ano, já fazendo parte da entidade sindical da categoria, decidi participar da I Conferência Latino Americana de Mulheres Jornalistas, em Brasília (DF) evento promovido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) no auditório Dom João VI, no Museu da Imprensa. Nunca esqueci que ao entrar no espaço, um grupo de mulheres estendiam, em silêncio, uma faixa que dizia: “JUSTIÇA PARA SANDRA GOMIDE!”.

A jornalista Sandra Gomide aos 32 anos foi assassinada com dois tiros, pelas costas, naquele mesmo ano pelo seu ex-namorado, Antônio Marcos Pimenta Neves que, à época, era analista da área de Economia e Finanças e diretor de Redação do jornal O Estado de S. Paulo, onde Sandra também trabalhava como repórter. Por não aceitar o fim da relação, Pimenta Neves assassinou Sandra Gomide em um haras em Ibiúna, interior de São Paulo. Antes do crime, Sandra havia recebido várias ameaças que registrou em boletins de ocorrência na polícia da capital paulista e por fim foi demitida da empresa jornalística. Pimenta Neves havia convencido a diretoria da empresa de que Sandra estava se valendo da relação com ele, para ascender profissionalmente, a atacou de forma misógina e pôs em cheque a competência dela como profissional. Dias depois ele tirou a vida da jornalista e virou um caso de ampla repercussão. A jornalista Sandra que noticiava, tornou-se a principal notícia na época.

O caso de Sandra por anos foi de impunidade e o seu assassino, foi preso somente 11 anos depois, conseguiu progressão, passou a pagar em regime semi-aberto e depois, regime aberto e como tantos outros casos em que homens matam suas esposas, namoradas, ex-namoradas, lembro de ouvir muito que a culpa era da vítima. A FENAJ se manifestou naquele congresso com o caso Sandra Gomide, mas, acabou por trazer à público uma discussão, até então silenciada pelas mulheres no interior das redações e veículos de mídia, não importando se eram do norte, nordeste, sul ou centro-oeste do país, se de veículos grandes ou pequenas empresas jornalísticas: a maioria das mulheres presentes no evento passaram a relatar que já haviam vivido situações de assédio moral e assédio sexual no ambiente de trabalho, por parte de colegas jornalistas, pelos diretores ou enquanto realizavam o trabalho junto à fontes.

No dia-a-dia da carreira, ao longo dos anos de atuação, era comum em rodas de cafezinhos e em outros espaços fora do ambiente de trabalho, ouvirmos das mulheres jornalistas a vivência de diversas situações de constrangimento, desde piadas machistas, tidas como ‘algo natural’ do ambiente profissional do jornalismo, assédios das mais diferentes formas, preconceito sobre que temas e assuntos em que as mulheres poderiam ou não cobrir (apurar jornalisticamente), sendo áreas quase que totalmente masculinas editorias como Política, Conteúdos Investigativos e de Esportes e dificuldades de ascenderem na profissão.

O mercado jornalístico passou por mudanças significativas nas últimas décadas, desde aquela primeira conferência, mas é importante ressaltar que mesmo se discutindo agora mais do que antes sobre violência e assédio nos veículos e empresas, as jornalistas ainda são vítimas recorrentes de assédios morais e sexuais nos ambientes de trabalho, porém por medo de perder os empregos, muitas vezes não denunciam.

As dificuldades de assumir postos de destaques na carreira também continuam. Esta semana, a FENAJ lembra a pesquisa feita sobre o Perfil dos Jornalistas no Brasil, onde afirma que as mulheres já são a maioria nas redações (64%), mas que ainda recebem salários menores que os seus colegas e não ascendem aos postos de comando. De acordo com a publicação ‘Mulheres Jornalistas e liberdade de expressão” elaborada pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), “as mulheres jornalistas estão duplamente expostas ao risco de sofrerem violências – por exercer a liberdade de expressão e por causa de seu gênero”. O documento foi lançado em 8 de março de 2019 – (Fonte: FENAJ).

Não bastasse as lutas internas, socialmente as profissionais também encontram outras batalhas. No atual cenário em que o jornalismo profissional como um todo tem sido alvo diário de ataques do Presidente da República, Jair Bolsonaro (atualmente sem partido), comprovadamente utilizador da indústria de fake news e responsável por 121 dos mais de 200 ataques contra jornalistas formalmente registrados pela FENAJ no ano passado, as mulheres jornalistas são duplamente afetadas. Antes mesmo de ocupar o cargo de maior importância do executivo, o atual presidente já colecionava episódios de machismo, sexismo, lgbtfobia e misoginia. Não por acaso, o número de feminicídios no país em 2019, teve um aumento de 12% em relação aos anos anteriores. Os agressores se sentem encorajados quando veem de autoridades, um reforço a todas essas práticas de violência. As declarações machistas e misóginas do presidente Bolsonaro foram novamente reforçadas quando em fevereiro deste ano, decidiu atacar a jornalista Paula Campos Mello, em pronunciamento com falas de conotação sexual, gravadas em vídeos transmitidos ao vivo. Uma rede de fake news entrou em campo para devassar a vida pessoal e profissional da jornalista, espalhar memes atrelando a atividade de mulheres jornalistas com conotação sexual (violência de gênero), gerando em toda a categoria profissional uma grande indignação.

Sabemos que a violência ainda está longe de cessar. Ainda lutamos pela própria vida, pelo direito à liberdade e respeito às nossas escolhas. No entanto, é preciso quebrar o silêncio que subnotifica, encobre as violências e dificuldades enfrentadas pelas mulheres jornalistas no fazer do seu trabalho cotidiano dentro e fora das redações, instituições e empresas. Além disso, se faz necessário repudiar veementemente declarações de autoridades, como as do presidente, que ferem não só as jornalistas, mas todas as mulheres brasileiras alvos dessa cultura machista.

Neste 08 de março é importante que se fale da luta de todas as mulheres, mas que as jornalistas possam pensar e dar ênfase às questões de gênero em nossa própria atividade profissional, para que não sejamos parte das estatísticas de violência e portanto, inseridas no contexto que tanto noticiamos. Que a comunicação e o jornalismo, tão bem utilizados para dar voz às denúncias e aos anseios da sociedade como um todo, possam ser também as áreas para suscitar o debate, a educação e a transformação dessa cultura do assédio e do machismo. Chega de silêncio!

jornalista com mais de vinte anos de atuação profissional, professora e mestre em Ciências Sociais e Humanas.

 

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As várias faces da violência contra as mulheres

Mulheres seguram cartaz em protesto contra a violência contra as mulheres. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
(FOTO: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL)

Por Nazaré Lima

A violência contra as mulheres representa violação de direitos humanos que ocorre independente de raça, credo religioso, etnia, orientação sexual e faixa etária. Dentre essas violações estão o estupro, o abuso sexual, o feminicídio, o lesbocídio, a violência física, familiar, obstétrica, patrimonial, institucional e ainda a violência moral caracterizada por qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Sua presença tão marcante na sociedade brasileira é reflexo da ausência de políticas públicas eficazes no enfrentamento e prevenção da violência. Os governos em suas diversas esferas: Federais, Estaduais e Municipais, precisam comprometer-se com essa pauta, tão essencial para a qualidade de vida, principalmente das mulheres, que perdem seus direitos básicos, como até mesmo o de trabalhar. Como exemplo, cito o fato de recentemente ocorrido em Marituba, região metropolitana de Belém do Pará, onde várias mulheres foram violentadas sexualmente por homens que praticavam crimes de estupro, sendo que destas, duas foram assassinadas, quando elas estavam indo para o trabalho.

MARCHA DAS MULHERES NEGRAS CONTRA O RACISMO, A VIOLÊNCIA E PELO BEM VIVER (FOTO: TIAGO ZENERO/PNUD BRASIL)

Na Amazônia, crimes que violam os direitos humanos, sobretudo das mulheres são comuns, em virtude de ser uma região invisibilizada e as autoridades não tomam providências para resolução e enfrentamento destas violações. O Marajó é um exemplo no qual ocorre exploração sexual de crianças e adolescentes nas balsas e nas ilhas de cidades ribeirinhas. Os grandes projetos como a Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira no Pará, trouxeram para a região a promessa de progresso e riqueza, que no final das contas, contribuiu para o aumento de exploração humana, com mulheres em situações de subemprego, vulneráveis à exploração sexual, aumentando inclusive a incidência de infecções sexualmente transmissíveis entre as mulheres no estado nos últimos anos.

Na zona urbana, o reflexo da violência na vida das mulheres repercute em diversos espaços sociais, até mesmo onde deveria ser de proteção e cuidado, como o próprio lar, lugar onde é praticada principalmente pelo marido ou companheiro. Geralmente, esta mulher que sofre violência doméstica tem uma dependência financeira, sobretudo, como também emocional que contribuem para que a mesma não denuncie e permaneça neste ciclo de violências que se repetem, trazendo repercussões na saúde física e mental.

Soma-se a isso, a cegueira no debate público que finge não ver essa realidade, ou quando ela se mostra manifesta busca atenuar com formas de tentar justificar o injustificável, atribuindo à responsabilidade da agressão ao tipo de vestimenta de mulher, a exemplo do motorista do aplicativo em um estado do Sul do país, o qual culpou o short “à la Anita” da vítima do assédio, ou ainda quanto ao horário em que ela estava na rua, como que acusando as mulheres pelo mal provocado a si próprias. Afinal, “homem é assim mesmo”.

A culpa nunca é da vítima, como sempre é dito incansavelmente pelos movimentos de mulheres. Parece óbvio, mas sempre procuram formas de colocar o violentador como alguém que teve justificativa para violar o corpo e a saúde mental das mulheres.

Uma cegueira que encoberta a violência contra crianças no ambiente doméstico, praticada em sua grande maioria por homens pertencentes ao seio familiar. Mulheres nascem muitas vezes em um ambiente inseguro e passam a vida com esse alvo nas costas, mas para essa sociedade machista, lesbofóbica, racista e patriarcal,  a violência se justifica colocando a culpa nas mulheres ou fechando os olhos.  Pois eu sou mais uma voz, entre muitas, que insiste em dizer: a culpa não é nossa. Mulher, a culpa não é sua!

O intuito de colocar a mulher como a culpada da própria violência é uma estratégia do patriarcado de duplamente violentar as mulheres, deixando-as à margem da sociedade, minimizando a auto estima, provocando danos irreparáveis na sua saúde física e mental, fazendo que muitas delas não reconheçam a violência que estão expostas ou sintam-se culpadas, o que as leva a não denunciar e não conseguir sair da situação de violência. Nota-se ainda a dúvida paira quando se trata de homem branco e com elevado poder econômico, destacando-se aqui que homens pobres e negros parecem, para a sociedade, mais tendenciosos a praticar a violência.

A violência de gênero, não escolhe cor, etnia ou classe social, atinge todas as mulheres, porém, o tipo de violência que a mulher negra pobre da periferia, lésbica e transexual vivenciam são carregadas de marcadores sociais que transcendem o limite do fenômeno de gênero, tranversalizando pela questão de raça, classe e sexualidade, ou seja, para além do machismo, as mulheres também sofrem com o racismo, transfobia e lesbofobia, as quais devem ser pontuadas enquanto problema a ser enfrentado pelas políticas públicas.

A urgência dos homens debaterem masculinidade

NA FOTO, ATO NO RIO DE JANEIRO CONTRA A VIOLÊNCIA SOFRIDA PELAS MULHERES, REALIZADO EM JUNHO DE 2016

É preciso que os homens discutam a masculinidade e compreendam a sua responsabilidade nessa pauta. Não adianta apenas se indignar como uma mulher ou criança que foi violentada ou agredida, se não repreendem o amigo que assedia mulheres na festa, aquele “brother” que bate na esposa, aquele que adora desprezar as colegas de trabalho em rodas de conversas masculinas privadas. Não adianta se indignar, mas não se manifestar, pois é briga de marido e mulher, e não se quer perder a amizade. Entendemos que a prática de misoginia, do assédio e do abuso, quer físico ou moral, tem a ver com a estrutura sobre a qual foi organizada a sociedade. Em alguns países mais que em outros, mas sempre presente, o patriarcado ainda apresenta raízes fortificadas.

Isso é tão patente e a postura machista chega a ser ratificada inclusive pelo presidente do Brasil, o qual desqualificou a jornalista que investiga e questiona a sua eleição. Nesse caso, trata-se de violência moral por difamação, haja vista a conotação sexual que visa abalar, inclusive, sua credibilidade como jornalista, como profissional. Imaginem a pressão pela qual passa a mulher violentada, principalmente quando essa violência vem da maior autoridade do país, eleita para governar para todas e todos, promovendo igualdade e justiça. Muito mais que dizer que é solidário às demandas das mulheres, é preciso pôr em prática o discurso contra a violência, pois o silêncio em meio a uma situação de violação expressa o discurso, não de solidariedade, mas da conivência. No caso da jornalista, omissão foi a tônica.

Entender que a sociedade, do jeito que se formou, é injusta e além da sensibilização dos adultos, a educação de crianças e adolescentes é importante para a desconstrução de atitudes, padrões hegemônicos de poder, heteronormativos e tóxicos que violentam as mulheres não só fisicamente, mas também simbolicamente.

 

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A ofensa mais antiga

Por Mariliz Pereira Jorge*

O espetáculo de baixeza e misoginia protagonizado por Hans River na CPI das Fake News apenas acendeu um holofote sobre o que acontece nos bastidores, nas caixas de comentários das redes sociais, em mensagens privadas de centenas de jornalistas.

O que chocou muita gente e deixou os urubus alvoroçados é rotina dolorosa para a maioria de nós.
Acredito que nenhuma de minhas colegas se acostume, embora duvide que fiquem surpresas com esse tipo de agressão. Assédio sexual e moral e insultos são expedientes comuns em nossas vidas. Todo dia alguém nos chama de puta, mas não no Congresso.

As acusações execráveis feitas a Patrícia Campos Mello ganharam contorno perigoso ao serem feitas num palco daquela importância, com a conivência de parlamentares. Dizer que uma jornalista ofereceu sexo em troca de informação é uma violência, uma tentativa de intimidar e calar não apenas ela, mas todas nós que trabalhamos na área. E isso acontece o tempo todo.

Pouco os  leitores das piores nojeiras que acabo lendo, mas sintam o gostinho do que enfrentamos. Descontente com um texto, um senhor questionou como a Folha mantém uma colunista como eu. Está em seu direito. Mas vejam os comentários que se seguiram. Sexo com graúdos. A tal vitamina B. Filha ou esposa de alguém.

Não há semana que não sejamos destratadas. Recebo fotos pornográficas, provocações obscenas e todo tipo de xingamento tentando me diminuir como mulher e profissional. Quando não dei para alguém para estar onde estou, sou infantilizada. Uma bobinha que não sabe o que diz.

O que Hans River fez foi escancarar a misoginia e o desprezo que parte da sociedade tem por mulheres que se destacam. Insultou não apenas uma, mas centenas de profissionais. A maioria das pessoas faz isso por simples desprezo. River mentiu numa CPI, o que é crime. Resta saber por que e o que ele ganhou com isso.

*É jornalista e roteirista de TV.

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Bolsonaro é a reação patriarcal à primavera feminista

Bolsonaro tem discurso que considera feminismo “mimimi”

Por Rodrigo Almeida*

Portal 360

Os recentes números das pesquisas divulgadas por Datafolha e Ibope mostram que a excepcionalidade da disputa presidencial de 2018 não está apenas na liderança de um candidato aprisionado e virtualmente inelegível. Há um sopro de novidade numa eleição na qual o desinteresse é o mais alto desde 1994: pela primeira vez, existe uma enorme distância de gênero registrada por um candidato com chances reais de ir ao segundo turno – Jair Bolsonaro.

Sim, a rejeição feminina ao ex-capitão do Exército é tão eloquente quanto a solidez dos números do ex-presidente Lula, cujos 39% e 37% –respectivamente no Datafolha e no Ibope – devolveram a empáfia autoconfiante com que petistas e simpatizantes costumam analisar a candidatura do seu líder maior.

Nos dois casos (o voto de gênero antiBolsonaro e o voto apaixonado ou indignado pró-Lula), vítimas e algozes se retroalimentam.

Com sua teimosia calculada, Lula vem protelando o enterro quase inevitável de sua candidatura em favor de Fernando Haddad. Ao fazê-lo, porém, capitaneou grande parte da indignação popular atual e se manteve com força na mesma mídia que acusa de persegui-lo. Favorecem-lhe tanto a profunda crise econômica em curso quanto a dúvida espalhada sobre a lisura das instituições.

Enquanto isso Bolsonaro vem subindo nas sondagens espontâneas – embora alguns analistas-torcedores digam que ele está estagnado há algum tempo. O fato principal é que sua oscilação positiva se dá justamente em meio à primavera feminista no país.

UM TOTEM DE VIRILIDADE CHAMADO BOLSONARO

Já está cristalizada a tendência do voto em Bolsonaro: vem majoritariamente do eleitorado masculino, branco e rico. (São também relevantes, para ele, os eleitores jovens, abaixo de 35 anos.)

O novo aí é a resistência feminina numa eleição presidencial. Conforme mantém ou aumenta sua força eleitoral, maior tem sido o peso feminino contrário ao capitão.

Esse é um típico movimento decorrente de forças centrífugas e centrípetas que atingem a sociedade em diferentes épocas e diferentes temas. Neste caso, uma geração cada vez mais forte e politicamente ativa (e altiva) de mulheres feministas resulta no movimento contrário: uma reação adversa masculina.

Como afirmou a antropóloga e cientista social Rosana Pinheiro-Machado, em providencial artigo no The Intercept, Bolsonaro é fruto de penúria econômica, de falência democrática, mas também da crise do macho. Sua figura parece ser, como ela escreveu, um totem de virilidade em tempos de medo, violência e insegurança.

Nada mais sintomático, portanto, do que a identificação masculina com a sua figura agressiva e ao mesmo tempo vazia.

FEMINICÍDIO AUMENTA. MAS PARA ELE É SÓ UM MIMIMI

Só há muito pouco tempo suas exibições explícitas de machismo, racismo, misoginia, homofobia e agressividade em geral deixaram de ser vistas como mera aberração de um candidato-sem-chance.

Ainda que muitos analistas façam questão de tornar favas contadas a desidratação iminente de sua candidatura, a ameaça Bolsonaro é, de um modo crescente, tão grave à democracia, à sensatez e à civilidade quanto os episódios de violência contra a mulher que insistem em se repetir país afora.

Feminicídios – aqueles crimes nos quais o gênero da vítima é determinante para o delito – subiram 22% entre 2016 e 2017, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de feminicídio no Brasil é a quinta mais alta do mundo.

Não custa lembrar o que disse Bolsonaro sobre o tema, adornando seu vasto portfólio de declarações assombrosas: “Nós temos que acabar com o mimimi, acabar com essa história de feminicídio”. A frase é do ano passado, segundo a lembrança do jornalista Mário Magalhães.

Neste mês, ele disse: “Se uma pessoa matar o meu pai ou a minha mãe, eu vou me sentir triste de qualquer maneira”; “não tem que ter Lei do Feminicídio”. Como se o padrão não fosse companheiro matar companheira.

Para não mencionar o embate de Marina Silva com ele sobre as diferenças salariais que atingem homens e mulheres – o único bom momento de Marina nesta campanha.

O GÊNERO PODE CONTAR EM 2018

Na pesquisa do Ibope, Bolsonaro é o único dos oito primeiros colocados que não exibe no eleitorado feminino nem metade da intenção de votos que obtém no masculino. Ele colhe 13% entre as mulheres e 28% entre os homens, no cenário que Lula lidera. No Datafolha, tem 27% de intenção de votos entre homens e 12% entre mulheres.

Historicamente, as eleições presidenciais brasileiras costumam apresentar uma separação razoavelmente evidente entre o candidato dos mais ricos e o candidato dos mais pobres. Até hoje não existiu o candidato dos homens e o candidato das mulheres a ponto de decidir uma eleição.

Em 2018 isso é possível.

De maneira inédita, reafirme-se, a divisão de gênero pode ajudar a decidir uma eleição. Se hoje Bolsonaro exibe musculatura suficiente para ir ao segundo turno, o voto feminino pode tirar dele a intenção de instalar-se no Palácio do Planalto.

Os números explicam a possibilidade: as mulheres compõem 52,5% do eleitorado. Têm peso para fazer a diferença num segundo turno, especialmente num país em que o desemprego atinge mais mulheres do que homens (14,2% contra 11%) e o conservadorismo patriarcal estrebucha sua raiva e sua pequenice diante das vozes femininas contra a injustiça e a covardia.

* é jornalista e cientista político.

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Fatos da semana mostram que família Bolsonaro vai além dos estereótipos

Bolsonaro e filhos políticos se envolvem em constantes polêmicas nas redes sociais
Bolsonaro e filhos políticos se envolvem em constantes polêmicas nas redes sociais

O que caracteriza a extrema direita? Dentre outras está o empenho no isolamento de minorias como negros e gays, mas também no preconceito escrachado contra as mulheres.

Nos últimos anos, por meio de programas sensacionalistas da Rede TV e memes nas redes sociais, o bolsonarismo expressado pelo deputado federal Jair Bolsonaro ganhou tanta força que fez de seu maior ícone um candidato competitivo a ponto de ser líder nas pesquisas que excluem o nome do ex-presidente Lula.

Bolsonaro e seus meninos (o deputado estadual fluminense Flávio, o vereador carioca Carlos e deputado federal por São Paulo Eduardo) formam uma dinastia extremista cuja pregação nas redes sociais e em entrevistas repete chavões tão simplórios quanto nocivos à quem preza pela liberdade.

Quando a polêmica explode sempre fazem questão de negar que sejam homofóbicos, racistas e machistas. O recurso retórico da “brincadeira” é sempre a ferramenta verbal para justificar aberrações que se repetem.

Nesta semana, Jair Bolsonaro foi denunciado por racismo por se referir de forma jocosa a comunidades quilombolas. O filho dele, Eduardo, está enrolado em outra denúncia por crime de ameaça registrada por prints do aplicativo Telegram. O alvo era a jornalista Patrícia Lélis.

Os dois agora são alvos de ação da Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal (STF). Certamente seus apoiadores irão minimizar dizendo que ele não responde a escândalos de corrupção. Mas não custa nada lembrar que Bolsonaro admitiu desvio de finalidade do auxílio moradia para fins sexuais. Não deixa de ser corrupção.

No meio da discussão que se converteu em ação no STF, Eduardo Bolsonaro expôs toda a educação recebida do pai e respeito as instituições ao mandar Patrícia Lélis enfiar a “Justiça no c…”.

As falas e ações dos Bolsonaros tem ajudado na propaganda negativa e aos poucos a sociedade brasileira vai vendo que esse papo de “mimimi” e “vitimismo” não pode servir de justificativa para o preconceito nosso de cada dia.

Todo mundo pode dizer uma besteira ou se exceder em algum momento da vida, mas a família Bolsonaro já extrapolou todos os limites e isso ganha contornos ainda maiores quando se trata de uma extremista dinastia política.

Agora, os Bolsonaros irão entender que a Justiça (por mais desacreditada que esteja atualmente) não serve para ser enfiada em nenhum orifício corrugado.

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Caso de mossoroense atingida por golpes de tesoura abre uma pergunta: até quando vamos tratar violência contra mulher como “vitimismo”?

Meme ajuda a estimular justificativas para violência contra mulher
Meme ajuda a estimular justificativas para violência contra mulher

A professora Márcia Regina Fernandes Lopes foi vítima de 12 golpes de tesoura pelo marido Genildo Duarte. As perguntas sempre são: “qual o motivo?”, “ela traia ele?” ou a leviana e vazia afirmação “aí tem coisa!”.

O fato é que a violência sofrida por Márcia é reproduzida todos os dias em vários lares. Todos nós conhecemos alguma história de mulheres agredidas por homens e alguns tratam isso como “mimimi”, “vitimismo” ou usa frases feitas como “ela gosta de apanhar” para esconder um problema que deveria provocar revolta na sociedade.

Aprendi com minha saudosa avó dona Darquinha que em mulher não se bate nem como uma flor e isso ficou no fundo do meu inconsciente.

O combate à violência contra a mulher precisa ser levado à sério e receber a adesão dos homens conscientes do tamanho dessa covardia. Isso tem que ser ensinado aos nossos filhos como fez comigo a minha avó, mas as filhas precisam ser conscientizadas a resistir a qualquer tipo de discriminação por elas serem meninas. Sabemos que o preconceito já começa na infância.

Mas também precisamos reagir contra esse e qualquer outro tipo de violência. O que aconteceu com Márcia é revoltante pela covardia, mas, infelizmente, não é um fato isolado. Se reproduz em vários lares.

Nós homens que rejeitamos a violência contra a mulher precisamos censurar nossos amigos que praticam esse tipo de crime. A crítica nas rodas de amigos a frases como “dei uma ‘mãozada’ para ela baixar a crista” precisa ser motivo até mesmo para se desfazer amizades e de denúncia.

A tolerância à violência contra mulher entre os homens estimula que essa prática nefasta se perpetue. Precisamos fazer a nossa parte para que não tenhamos novas Márcias.