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Ódio e nojo

Por Sílvio de Almeida*

O ódio é um afeto que se apresenta na política das mais diversas formas. Da mesma maneira que o ódio pode conduzir à morte e à destruição, é também um sentimento capaz de, paradoxalmente, nos levar a lutar por libertação ou a estabelecer formas ativas de solidariedade para com aqueles que sofrem.

Dito de outra forma, foi preciso odiar a escravidão e seus institutos para que ela pudesse ter fim; foi preciso odiar os nazistas e seus símbolos para derrotá-los. É imperioso odiar o fascismo e todos que o celebram. É imprescindível repudiar visceralmente e com todas as forças aqueles que humilham e destroem a vida de trabalhadores e de minorias.

É importante pensar nisso quando observamos o fato de que estamos sob o domínio de assassinos, racistas, tarados, genocidas, sociopatas, omissos, oportunistas e argentários. E não me refiro apenas aos notórios milicianos que hoje nos governam, mas a toda uma lógica de violência e de assassinato que comanda a institucionalidade brasileira.

Pela segunda vez em pouco mais de um ano, a polícia do Rio de Janeiro patrocinou uma chacina em que ao menos 23 pessoas consideradas “suspeitas” foram assassinadas em Vila Cruzeiro. Não era uma operação clandestina e nem uma ação de grupos paramilitares.

Era uma operação policial oficial que contou com o beneplácito do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, com o costumeiro silêncio do sistema de justiça e com apoio de setores da sociedade, incluindo parte da mídia.

Um dia depois do massacre no Rio de Janeiro, policiais rodoviários federais, na cidade de Umbaúba, interior de Sergipe, imobilizaram e trancaram dentro de um camburão Genivaldo de Jesus Santos. Não sendo suficiente, os policiais jogaram uma bomba de gás no interior do veículo, o que resultou na morte de Genivaldo por asfixia. Ou seja: os policiais criaram uma câmara de gás improvisada e a utilizaram a vista de todos.

Em nota sobre o caso, disse a direção da PRF que, em razão da “agressividade” do homem, “foram empregadas técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil em Umbaúba”.

Para além do evidente cinismo contido na expressão “menor potencial ofensivo”, a mim me parece cristalino que essa declaração é parte de um sistema institucionalizado de execuções extrajudiciais.

Se alguém tinha alguma dúvida sobre o que é necropolítica, eis dois exemplos genuinamente brasileiros. Não se trata apenas de produzir a morte física, mas também a morte das possibilidades existenciais. Tirar a vida biológica é insuficiente; é preciso eliminar a memória que se tem sobre os mortos.

É necessário impedir homenagens e bloquear todos os ritos que possam dar algum sentido para a vida dos assassinados. Por este motivo, a polícia retorna aos territórios em que matou para destruir homenagens ou para tumultuar velórios.

Aterrorizar parentes, amigos, vizinhos dos mortos é parte crucial desse processo que visa não só garantir a impunidade, mas também a extirpar toda esperança de uma vida decente. A necropolítica é, afinal, esta mistura macabra de biopolítica, estado de exceção e estado de sítio que leva para favelas e periferias as técnicas de controle criadas nas plantations e nos campos de extermínio.

Para quem tem alguma dúvida sobre o que foi dito até aqui, serei ainda mais explícito: o Brasil, que há muito flertava, agora beija o nazismo na boca. Há setores da sociedade civil e da burocracia estatal que não tem mais qualquer pudor em defender o extermínio de populações inteiras, de deixar as pessoas morrerem de fome, de advogar o encerramento de serviços públicos essenciais, enfim, de matar pobres e minorias.

Com nazismo não se pode vacilar. Quem faz uso de símbolos, técnicas ou de discursos do nazismo é nazista, e nazistas devem ser tratados com todo o rigor possível, porque sua única serventia é provocar dor e sofrimento, sua única especialidade é matar.

Como disse Ulisses Guimarães é preciso ter ódio e nojo à ditadura —ditadura aliás, que muito se utilizou das lições nazistas de tortura e extermínio—, é preciso cultivar ódio e nojo a estes nazistas, assassinos e omissos aninhados no Estado brasileiro.

*É Advogado, professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Instituto Luiz Gama. Texto extraído da Folha de S. Paulo.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

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Reportagem

PF investiga caso de apologia ao nazismo no RN

Um dos 110 casos de apologia ao nazismo investigados no Brasil é no RN (Foto: reprodução)

No último dia 7 de agosto o Jornal O Globo revelou que em 2020 aumentou 59% a quantidade de inquéritos abertos para investigar casos de apologia ao nazismo no Brasil.

Foram 110 casos somente no ano passado, um deles no Rio Grande do Norte.

Assim que tomou conhecimento do caso, o Blog do Barreto entrou em contato com a Polícia Federal no RN para saber mais sobre as investigações.

A corregedora regional da PF no RN Larissa Freitas Carlos Perdigão confirmou a informação por meio do ofício Nº 173/2021/COR/SR/PF/RN e alegou que não poderia repassar detalhes por se tratar de uma investigação sob sigilo.

Diz a resposta:

  1. O acesso a possíveis informações relacionadas a investigações criminais ou inquérito da Polícia Federal não está abrangido pela Lei de Acesso a Informação – LAI (art. 22, caput, da Lei nº12.527/2011 e art. 6º, inc. I, do Decreto 7.724/2012), pois o tema é regido por legislação específica, no caso o art. 20 do CPP, que prevê o sigilo da investigação criminal como regra, com inteligência da Súmula 14 do Supremo Tribunal Federal, de modo que a Polícia Federal não se manifesta sobre investigações em andamento.

1.2. Ademais as informações pessoais de investigados estão protegidas por sigilo nos termos do art. 31, § 1º, inc. II, da Lei de Acesso a Informação, cabendo aos órgãos públicos resguardá-las na forma do art. 6º, inc. III, do mesmo diploma legal.

  1. Desta forma, esse tipo de requerimento não pode ser atendido com base na legislação já explicitada.

Entre 2010 e 2018 o Brasil registrou uma média anual de 13 inquéritos para investigar apologia ao nazismo. A situação começou a mudar a partir de 2019 quando 69 casos foram registrados, chegando a 110 em 2020.

A maior parte das investigações transcorre no Sul e Sudeste do país.

Fator Bolsonaro

Bolsonaro de sorriso arreganhado com Beatrix von Storch(Foto: reprodução)

Mas em 2021 o caso mais explícito de apologia ao nazismo no Brasil aconteceu no Nordeste, mais precisamente em Caruaru (PE) onde um jovem de 17 anos foi expulso de um shopping por ostentar uma suástica no braço.

O crescimento dos casos de apologia ao nazismo no Brasil coincide com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Em janeiro de 2020, o então secretário nacional de cultura Roberto Alvim foi demitido do cargo após ele gravar um vídeo que claramente fazia alusão a um discurso de ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.

Mais recentemente a antropóloga Adriana Dias encontrou uma carta de saudação a um site do grupo neonazista Econac assinada por Bolsonaro.

O presidente não se constrange em encontrar figuras ligadas a extrema direita alemã como Beatrix von Storch, deputada do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) que é investigada por propagar ideias neonazistas em seu país.

Ela é neta do ministro das Finanças de Adolf Hitler, Lutz Graf Schwer e segue defendendo o legado do avô.

Apologia ao nazismo é crime

No Brasil a apologia ao nazismo é crime previsto no Art. 20, §1°, Lei 7.716 DE 1989.

Confira a redação da lei:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.Pena: reclusão de um a três anos e multa.

  • 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

  • 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Para saber mais

https://oglobo.globo.com/brasil/numero-de-inqueritos-abertos-pela-pf-sobre-apologia-ao-nazismo-cresce-59-em-2020-1-25145142

https://theintercept.com/2021/07/28/carta-bolsonaro-neonazismo/

https://jus.com.br/artigos/79128/divulgacao-e-enaltecimento-ao-nazismo-e-crime