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Sebastianismo à brasileira

Morto em batalha e com corpo desaparecido, Dom Sebastião virou lenda (Foto: reprodução)

Por Thiago Medeiros*

Antes de tudo, vou esclarecer aos nossos leitores a origem dessa expressão.  Tudo começou em Portugal em fins do século XVI. Dom Sebastião, rei daquele País, desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, ali então despertou uma grande crise em Portugal. A notícia de que a empreitada liderada por Dom Sebastião ao Norte da África, a fim de estreitar as relações e reforçar o poder sobre os territórios do Magrebe, teria dado errado, começou a chegar a Portugal a partir do dia 10 de agosto de 1578. Segundo Jacqueline Hermann, primeiro tentou-se esconder o mensageiro, a fim de não alardear a notícia entre os que tinham ficado em Portugal. Depois, começou-se a buscar um sucessor para o trono, a fim de aquietar o povo. A ausência de um corpo foi o suficiente para alimentar as lendas que dali iriam surgir.

O momento conturbado e uma série de eventos que ocorria à época, faziam uma lenda prosperar. Ecoava que Dom Sebastião iria voltar com seu exército das águas e salvar o país do mal momento. Era uma esperança que muitos se agarravam, e alguns até como impostores surgiram para tentar reivindicar o trono. De fato, o rei nunca voltou a aparecer, e o sebastianismo virou uma lenda no imaginário do povo português, e também um imaginário na política daquele País.

No Brasil, o sebastianismo foi um messianismo adaptado às condições históricas e culturais regionais, traduzindo uma inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre. Euclides da Cunha escreveu sobre essa lenda heroica e o reflexo da esperança que provocava em momentos de angústia. Os devotos do líder, Antônio Conselheiro, de Canudos acreditavam, como ele (que utilizou o sebastianismo em seus discursos messiânicos), que suas vitórias contra as tropas enviadas pelo governo republicano resultavam da força divina. E que dom Sebastião, o jovem Rei de Portugal desaparecido em batalha trezentos anos antes, “das ondas do mar sairá com todo o seu exército” (Euclides da Cunha), assim ele iria restaura a monarquia no Brasil.

No Brasil, digamos que começamos uma busca frenética e irracional por um salvador da pátria desde sempre, mas vamos nos ater a 2018. Bolsonaro vem em seu cavalo branco para varrer todo o “mal” que o nosso País tinha adquirido nos últimos anos, os anjos também fazem parte do seu exército, aqueles que assim pensavam, depositaram toda a sua expectativa em um homem imaginário, uma construção de um sonho que não iria se realizar. Porém uma justiça precisa ser feita. Jair Bolsonaro está sendo quase que fiel ao seu plano de governo, embora a maioria não leu ou até mesmo crê que ele não existe, mas sim, existe e eu o li diversas vezes. Tirando uma “parte” da economia e do combate à corrupção, as demais áreas Bolsonaro têm colocado ou vem tentando colocar em prática. A lição que deveria ser aprendida: Olhou-se o messiânico e não seu conteúdo.

Já para 2022, praticamente 500 dias antes do pleito, parece que a população brasileira espera uma reinvenção do sebastianismo na figura de Bolsonaro, no mito Lula, ou ainda na condição messiânica de uma terceira via, que representaria uma figura imaginária, capaz de reunir a todos, um consenso entre os diferentes, que vai limpar o Brasil do lulismo e do bolsonarismo. Novamente caímos no mesmo conto do mito do herói e parece que vamos continuar olhando para homens e não para projetos.

Estamos mais preocupados em olhar para o sebastianismo, em olhar para pessoas, e esquecemos de olhar o conteúdo que elas apresentam ou representam. Nosso País, precisa estabelecer um nome em torno de um robusto programa de recuperação econômica, social, educacional, ambiental e cultural. Hoje o nome desse mensageiro não deve nos preocupar tanto, a importância maior é em construir essa proposta com diálogo, empatia e união. A política binária, do nós contra eles, tem provocado a erosão da nossa democracia, o ódio tem minado nosso amor ao próximo e ao bem comum. Mas tudo isso não justifica a busca de um sebastianismo, que nunca virá, só iremos quebrar a cara novamente.

*É publicitário e sociólogo.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Mais que um Fla X Flu

Clássico do futebol simboliza a polarização política (Foto: Web/autor não identificado)

Por Thiago Medeiros*

Mais que um Fla x FLu, uma polarização política não pode ser comparada a um jogo de entretenimento que mexe apenas com as emoções. O jogo de futebol, uma paixão nacional que encanta, diverte e aborrece milhões de brasileiros. Cada um tem seu ritual para assistir à partida do seu time, já está com a piada pronta para caso seu time vença, mas também se prepara para a defesa, se prevenindo das “brincadeiras” dos amigos.

Até aí tudo bem, sabemos que vence o melhor, e o mais importante é vencer mesmo, mas vamos nos lembrar de algumas condutas morais que norteiam uma partida de futebol: se o jogador entra de forma violenta ou xingar é punido e pode até ser expulso. Pois é, parece que nesse quesito a partida (clássico) do nosso futebol está mais organizada que a nossa política. E com relação às torcidas? Ninguém fica feliz quando está assistindo na tv (quando se tinha torcida nas arquibancadas) e vê cenas de violência, todos nós (seres humanos normais) repudiamos qualquer ato violento. Mas, por exemplo, nas redes sociais vemos cada coisa, né? A agressão pode não ser física, mas pode machucar tanto quanto.

Até aqui, me parece que qualquer partida tem tudo para ser mais organizada do que nosso ambiente político é hoje. Mas assim como no futebol, o ambiente político também tem seus personagens com posições mais ou menos definidas – os políticos seriam os atletas desse espetáculo e cada um dos eleitores que escolhem seus grupos, compõem as TOP (Torcida Organizada Política). As duas principais organizadas são TOPE, Torcida Organizada Política da Esquerda, e a TOPD, Torcida Organizada Política da Direita. Correndo por fora, outras agremiações brigam mais ao centro para somar alguns pontinhos, mas ainda precisam encontrar uma narrativa alternativa a esse Fla x Flu para não ser esmagada pelo duelo Esquerda X Direita.

Cada uma dessas torcidas tem seus líderes, ou melhor traduzindo para o mundo digital, seus influenciadores. Eles criam as narrativas que vão ser copiadas pelos seguidores, os comandos são passados de modo hierárquico e rapidamente vão inundando as redes sociais com ataques aos seus opositores, ao invés de rojões, pau, pedra, as palavras, imagens e vídeos são usados para atacar, aqui o palco é digital e a comunicação é a principal arma de combate.

O problema com tudo isso, além do desgaste social, são as mazelas deixadas por essa polarização sem limites. O duelo político sempre existiu, o período eleitoral deveria ser o suficiente para que cada lado possa duelar… uma espécie de janela onde, respeitando os limites éticos e morais, tudo estaria permitido. Mas passado isso o País, Estados e Municípios precisam deixar essa rivalidade de lado e andar. Vivemos tempo atípicos, onde os líderes maiores (Políticos), ou melhor, alguns deles, querem levar essa disputa como forma de manter acesa a chama de sua torcida organizada.

Aqui em nosso Estado, vemos cenas lamentáveis de uma disputa política em meio ao maior caos que já vivemos. Não adianta o Prefeito com sua recém criada torcida organizada (pouco fiel) tentar tumultuar, ele precisa dar exemplo para os natalenses, precisa dialogar. O mesmo vale para nossa Governadora (não vou poupar ninguém), que também faz questão de trazer alguns elementos que acirram os ânimos políticos ideológicos. A governadora Fátima vinha sozinha, nadando para uma reeleição em 2022, mas com essa polarização Álvaro vai gostando e encontrando um espaço para quem sabe, se lançar candidato.

A disputa sempre vai acontecer, as estratégias são montadas para a vitória, as torcidas estarão sempre lá, algumas fieis, outras de momento. Não quero eu ser contra, mas agora não é hora para isso. Vamos olhar com mais empatia para o próximo, aqui não estamos vivendo uma disputa ou partida de campeonato, o que está em jogo é algo muito maior do que três pontos ou um troféu. O que está em jogo são vidas, e elas importam mais do que sua eleição, mais que tudo. Que tenhamos equilíbrio em nossas decisões.

 

*É Publicitário e Sociólogo

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Polarização é nova “Uma escolha muito difícil” enrustida

Bolsonaro e Lula serão os protagonistas em 2022

Por Kennedy Alencar*

PT e PSDB polarizaram disputas presidenciais em seis oportunidades seguidas, entre 1994 e 2014. Era uma polarização bem aceita pela grande imprensa e o mercado. Com a moderação do PT ao centro em 1995, no rescaldo de uma derrota para Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno no ano anterior, passou a se enxergar uma maturidade institucional que deixava nas mãos do eleitor uma escolha racional, que colocaria o país num rumo sem risco de aventuras políticas e econômicas.

Desde 2018, a coisa mudou. A polarização entre o PT e Jair Bolsonaro passou a ser vista como a sagração da divisão do país, uma armadilha que evitaria uma escolha sensata. Trataram como ameaça semelhante a Bolsonaro um partido que governou democraticamente e aceitou um golpe parlamentar porque o STF covardemente o convalidou. Colocaram o PT ao lado de Bolsonaro. A tal da falsa equivalência ganhou a praça.

No segundo turno de 2018, o telejornalismo estava interessado nos compromissos de Fernando Haddad e do genocida com a democracia. Parece piada, ainda mais feita pela parcela da imprensa que atuou como assessoria de imprensa da Lava Jato _essa, sim, uma ameaça à democracia por ter corrompido a lei processual penal.

Mas a coisa mais caricata daquele segundo turno foi o editorial de 8 de outubro do jornal “O Estado de S.Paulo”, intitulado “Uma escolha muito difícil”. No texto, estavam todos os falsos argumentos para acalmar a consciência de quem quisesse apertar 17 ou anular o voto, o que significava socorrer Bolsonaro.

Muitas pessoas esclarecidas dizem que não poderiam avalizar “a-roubalheira-do-PT”. Ajudaram direta ou indiretamente a eleger o defensor do Ustra contra um professor universitário democrata, preparado e moderado. Há aqueles que anularam e agora dizem que escolheram Haddad, mas basta ler o que diziam e escreviam na época para desconfiar disso. O voto nulo foi o esconderijo de muitos democratas de pandemia. Outros votaram mesmo em Bolsonaro e não ousam dizer o nome desse amor eleitoral porque pega mal depois do vexame de Sergio MoroPaulo Guedes e da tragédia do coronavírus. Óleo de peroba e tentativa de reescrever biografias estão em alta no jornalismo brasileiro. Essa gente que cobra autocrítica de todo mundo tem queixo de vidro quando se menciona o que fizeram no verão passado.

Com a decisão do ministro do STF Edson Fachin que devolve Lula ao jogo eleitoral, pois, na prática, anula duas sentenças e uma denúncia contra o petista, volta-se com o fantasma da polarização que vai acabar com o país, projeto no qual Bolsonaro está bastante empenhado.

Vemos ex-ministros de Bolsonaro, que toparam servir ao genocida e foram escanteados, alertando contra o risco de cisão social do Brasil. O palestrante por vocação Deltan Dallagnol, que não deveria ser autorizado a conduzir mais nenhuma investigação no Ministério Público, está preocupado com o combate a corrupção. Quem achou que Bolsonaro ressignificaria a política no Brasil passou recibo do medo de enfrentar Lula na cédula eleitoral. Moralistas sem moral querem dar aula de democracia.

Jornalistas voltaram a dizer que a polarização é um risco danado, que o mercado que encheu as burras no governo Lula está arisco e que o Brasil, coitado, está fadado a escolher entre dois extremos e vai desaparecer da face da terra. A ladainha não para.

Ora, se a imprensa tivesse feito o seu trabalho em 2018, Bolsonaro não teria sido eleito. Mas certo jornalismo profissional queria muito ter os superministros Moro e Guedes alojados em Brasília. O “risco da polarização” é a velha “Uma escolha muito difícil” enrustida, aquela que atirou o Brasil no abismo. Lembram?

Essa conversa de que a volta de Lula ao jogo é uma forma de fortalecer os extremos e alijar o centro da disputa é desonestidade intelectual e/ou burrice pura. Que centro? A centro-direita e a direita?

Se houve um político que aplicou uma política de centro no Brasil, tentando uma reforma negociada do capitalismo selvagem brasileiro, a tal conciliação por cima com as elites, esse político foi Lula.

O cenário político está cheio de possíveis presidenciáveis. Que se apresentem e deixem o eleitor escolher. É legítimo criticar o PT e apontar um rumo diferente para o Brasil. Mas é legítimo que Lula, que não teve um julgamento imparcial e foi alijado de uma disputa na qual era líder nas pesquisas, possa, se tiver condições de concorrer, decidir se quer tentar a Presidência novamente. O nome disso é democracia.

Tem uma turma que não aprendeu nada e continua fazendo o jogo do obscurantismo no Brasil.

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Jogos de guerra, até quando?

Por Thiago Medeiros*

Atualmente vivemos em meio a uma guerra de narrativas, que se tornou mais importante do que a verdade. A obediência dos membros pertencentes a um determinado grupo passou a ter mais valor do que a razão. Não é possível debater ou construir, mas, sobretudo, destruir e vencer. E sabe o por quê não conseguimos construir? Pela simples razão de que os dois lados sempre têm razão.

Quando temos dois lados bem definidos (polarização) em seus valores, ideias, crenças, temos uma disputa na qual o objetivo é saber qual narrativa vai prevalecer. Essa é a dinâmica natural. Esse fenômeno não é novo na política e, aqui, para não tomar partido ou lado, não iremos citar nomes, nem atores políticos, mas é fundamental se registrar esta constatação: a guerra, o ódio, a perseguição não é algo que surgiu após as eleições presidenciais de 2018.

As disputas têm gerado um investimento cada vez maior na desqualificação moral e na deslegitimação do adversário. A tentativa é tirar a credibilidade do meu inimigo para que no campo das ideias eu possa prevalecer. Mais do que fazer triunfar as próprias ideias, o objetivo final é a destruição do outro. Não importa se esse outro até mesmo é meu amigo ou membro da família, pois os laços sociais pouco importam nesta guerra. A “irmandade de lado” é o que nos une.

As redes sociais tiveram um papel crucial para acirramento deste processo, em que a negociação não existe. Tomadas pelo ódio maniqueísta e por discursos frequentemente vitimistas, sobra pouco espaço para se pensar em saídas negociadas e menos traumáticas, uma vez que ninguém quer parecer derrotado.

Precisamos, primeiramente, reconhecer que as narrativas são parciais: todas contêm verdades e mentiras, distorções e omissões, deliberadas ou inocentes, motivadas pelo cinismo. Elas realmente vivem para que um lado conte sua história com os fatos que lhe convém e ganhem espaço na polarização.

O que assistimos hoje no Brasil é que essa polarização, o ambiente de guerra de narrativas se alastrou não só para política nos Poderes Executivo e Legislativo, mas quase todas as instituições entraram nesta guerra, principalmente por meio de seus representantes, que utilizam dos poderes dados e promovem ataque deliberados.

O resultado disso tudo é que nossa democracia anda machucada, meio que perdida no campo das ideias, busca uma saída que somente as urnas poderão dar, mas se aqueles que escolherão os próximos governantes parecem ser refém também das narrativas, então o que esperar? Enquanto isso, assistimos instituições sendo atacadas, reputações sendo destruídas, pessoas sendo canceladas.

A propaganda política negativa teve sua origem lá na terra do Tio Sam, quando em 1964, na campanha presidencial, aproveitando a penetração da televisão nos lares americanos, a campanha de Lyndon Johnson “destruiu” com seus anúncios negativos o seu oponente Barry Goldwater, o estigmatizando de tal forma que sua fama perdurou por muitos anos.

Se a política negativa existe há tanto tempo, qual seu problema agora? Infelizmente vivemos tempos atípicos, que pedem mais racionalidade, mais negociação e mais visão com relação ao futuro. Alguns recados foram dados pelos eleitores no pleito municipal de 2020. Boa parte da população rejeitou, em seu território local, um clima de guerra, de disputa acirrada no discurso e recusou o clima de confronto permanente que alguns querem impor. Se vamos encontrar esse mesmo movimento para as eleições presidenciais ainda é cedo para afirmar, mas precisamos concordar que o diálogo é preciso, pois a instabilidade política tem gerado sequelas para o nosso Brasil.

Cada lado projetou em seus líderes uma imagem, um mito. A grande realidade que parece que ninguém quer ceder, que pessoas, e os próprios mitos erram e precisam ser avaliados, mas seria demais reconhecer isso. Por isso vamos, cada vez mais, nos aprofundando em disputas e discussões intermináveis. O sentimento que tenho é que precisamos trazer mais racionalidade para o debate, colocar discussões realmente importantes e lidar de maneira eficiente com os problemas. Somos todos brasileiros e, queiram ou não, o ganha-ganha ainda será a melhor opção. Vamos deixar a “guerra”, se possível, apenas para o período eleitoral e vamos governar.

*É Publicitário e Sociólogo

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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A falsa simetria que tenta igualar o autoritário e quem combate o autoritarismo

A polarização na política existe desde que a própria política existe. Sempre existiram e vão existir lados antagônicos e disputas de poder nos bastidores.

Na Roma Antiga Júlio César rivalizou com Pompeu. Eles resolveram as diferenças no campo de batalha. No final da Idade Média com o poder absoluto dos reis se consolidando as polarizações se davam entre países como França e Inglaterra que guerrearam por 116 anos, além claro, das disputas menores no seio da nobreza.

Com a democratização se formaram partidos políticos. Nos EUA a polarização entre Democratas e Republicanos é centenária. No Reino Unido conservadores e trabalhistas travam disputas que durante o século XIX eram entre conservadores e liberais.

No Brasil pós-ditadura militar a polarização estabelecida sempre foi entre o PT e um oponente da direita. Primeiro foi com Fernando Collor, depois por 20 anos com o PSDB até que em 2018 Jair Bolsonaro absorveu o eleitorado tucano e passou a rivalizar com o petismo.

Se na polarização PT x PSDB valores civilizatórios como racismo, direitos dos LGBTs e das mulheres não entravam em questão com o bolsonarismo ocupando o espaço do tucanato se deu margem para o debate civilização x barbárie tendo em vista os absurdos que o presidente profere diariamente diante de câmeras de TV e redes sociais.

Na mídia em busca de uma suposta imparcialidade se ajuda a legitimar o bolsonarismo traçando um falso paralelo entre um campo autoritário e outro, ainda que com todos os questionamentos válidos, democrático.

Não se pode comparar figuras que pregam a extinção de quem pensa diferente com as que denunciam isso. É um paralelismo que serve para legitimar quem prega a barbárie política.

Além de raso soa como falta de coragem em assumir posições. A disputa política tem que ser no campo das ideias e não eliminação do outro como nos tempos da Roma Antiga. Não se pode tolerar a intolerância em nome de uma ideia que visa se blindar de críticas vindas de reacionários.

Não há equivalência entre quem denuncia o autoritarismo e quem é autoritário.

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Polarização e o jornalismo despolitizado

Cresci acompanhando disputas polarizadas entre Alves e Maias no Rio Grande do Norte. Iniciei a carreira jornalística acompanhando a polarização Rosado x Rosado em Mossoró.

Durante 20 anos PT e PSDB polarizaram as disputas políticas no Brasil.

A polarização no Rio Grande do Norte se quebrou quando Wilma de Faria venceu no histórico pleito de 2002 e se tornou nossa primeira governadora. Em pouco tempo ela passou a polarizar com Alves e Maias que se uniram para enfrenta-la em 2006 e 2010. Hoje a política potiguar caminha para uma polarização esquerda x direita.

Em Mossoró, os Rosados, outrora divididos, estão unidos em seus dois núcleos mais tradicionais. A polarização de 2020 será no mesmo sentido de 2016 com Rosado x Não-Rosado. Até outubro do ano que vem alguém vai ocupar este espaço da alternativa de poder sem o sobrenome tradicional.

No Brasil, o PSDB foi substituído pelo bolsonarismo na polarização com o PT.

Como o leitor pode perceber com o que mostrei até aqui que a  polarização é um elemento do processo político. Ela pode ser mais ou menos radical, mas não existem disputas eleitorais sem isso.

A imprensa, de modo geral, explora muito mal o tema. Trata como algo novo ou ruim. Não é nenhuma coisa nem outra. A polarização é natural nos regimes democráticos e sempre existirá.

O que existe é um discurso para incluir quem está de fora dentro da polarização, mas está doido para entrar nesse embate que traz protagonismo aos envolvidos.

A mídia nacional insiste em tentar despolitizar a política porque ainda não aprendeu as lições do estrago que esse tipo de posição fez ao país.

O problema não é a polarização em si, mas o tipo que temos em curso. Daí quando o jornalismo contribui para despolitizar a política presta um desserviço.

 

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Uma agenda para além da polarização brasileira

Amaro Grassi e Lucas Calil

Nexo Jornal

O impacto da internet e das redes sociais tem se tornado uma das principais questões nas eleições deste ano. A polarização extremada e o fenômeno da desinformação, que mobilizam robôs, trolls e notícias falsas para distorcer o processo político, são algumas das preocupações mais recorrentes. Menos observado, no entanto, é o fato de que, na dinâmica das interações entre milhões de usuários brasileiros, vem se delineando uma agenda pública que permite antever alguns dos desafios que o próximo governo brasileiro deverá enfrentar.

De acordo com a análise do debate público nas redes sociais realizada em tempo real pela FGV-DAPP, corrupção, economia e segurança pública são os três temas que mais têm motivado menções nas redes por parte dos brasileiros em associação aos candidatos. Nos primeiros 15 dias de agosto — que se encerraram com o fim do prazo de registro de candidaturas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na última quarta (16) —, o debate sobre os presidenciáveis relacionado à temática da corrupção gerou 677 mil menções no Twitter, seguido por economia (577 mil) e segurança pública (414 mil).

Ainda que a discussão nas redes sociais responda a eventos específicos, é possível observar uma estabilidade entre esses três grandes temas, que não por acaso têm se tornado eixos do debate político (e agora eleitoral).

O combate à corrupção se tornou um elemento de radicalização do debate nos últimos anos, opondo os principais campos em torno da defesa ou da crítica da Operação Lava Jato e seus desdobramentos. Mas, para além disso, é possível afirmar que a pauta do combate a desvios e mau uso de recursos públicos veio para ficar, estabelecendo um novo parâmetro para a gestão pública e os órgãos de controle.

No plano econômico, a persistência de altas taxas de desemprego, mesmo após a reforma trabalhista, e o descontentamento genérico com “altos impostos” têm mobilizado recorrentemente as discussões nas redes sociais. Em maio, a greve dos caminhoneiros serviu de guarda-chuva para uma explosão de insatisfação social em relação a esses dois pontos (e também à corrupção).

A segurança pública, por sua vez, é a maior “novidade” nesse cenário, sendo alçada ao primeiro plano de preocupação dos brasileiros. A crise da segurança em várias das capitais e a percepção de insegurança também no interior tornaram urgente uma ação efetiva por parte dos governos. Esse contexto já se refletiu na criação do Ministério da Segurança Pública e será sem dúvida fonte de pressões da sociedade sobre o Estado brasileiro.

As recentes más notícias na área da saúde pública, o onipresente discurso (nem sempre efetivo) de prioridade à educação e a legitimidade de políticas sociais como o Bolsa Família decerto trarão destaque para essas agendas durante a campanha eleitoral. Mas são os temas da corrupção, economia e segurança que despontam hoje como eixos de uma agenda pública que começa a tomar forma, para além da polarização e das acirradas disputas à primeira vista que parecem “capturar” o debate nas redes sociais.

Amaro Grassi é mestre em sociologia e coordenador na FGV-DAPP.

Lucas Calil é doutorando em linguística e pesquisador na FGV-DAPP.