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Reportagem especial

Uern e Ufersa foram alvos de espionagem do SNI durante a ditadura militar

Por Bruno Barreto

Engana-se quem acredita que a repressão da ditadura militar se limitou aos grandes centros urbanos do país. Havia muita coisa acontecendo em todos os lugares do Brasil e Mossoró não era exceção.

Estava dentro da regra.

Documentos do Arquivos Nacional revelam que a então Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN), atual Uern, e a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), atual Ufersa, foram alvos de espionagem do Serviço Nacional de Informações (SNI).

O SNI demonstrou preocupação com o evento “Partidos Operários no Brasil, ontem e hoje”, realizado em 3 de maio de 1982 na Faculdade de Filosofia da então URRN. Naquela época a ditadura estava em processo de abertura e dali a seis meses faria a primeira eleição para governadores em 16 anos.

O evento recebeu de Salomão Malina e Haroldo Lima, filiados ao PCB e PCdoB, respectivamente.

No ano seguinte o mesmo evento voltou a ser espionado pelo SNI. O alvo foi o professor João Batista Xavier, figura que assombrou a política local no ano anterior quando equilibrou a disputa eleitoral contra Dix-huit Rosado, perdendo a eleição para prefeito de Mossoró por apenas 6.044 votos de diferença e se tornando uma alternativa ao poder dos Rosados, aliados do regime.

Em 1984, em pleno período das “Diretas Já”, o SNI espionou a “V Semana de Filosofia do Rio Grande do Norte”, ocorrida entre 1º e 5 de maio.

Outro ponto de preocupação do SNI foi a greve dos estudantes da Esam em junho de 1985, quando a ditadura já tinha acabado formalmente com a volta dos civis ao poder, mas o entulho autoritário permanecia.

A situação política de Mossoró também foi objeto de atenção do SNI, conforme revela o documento “Informação nº 2519” de 30 de novembro de 1983.

Mas não foi apenas quando estava moribunda que a ditadura olhou para Mossoró. O documento aponta uma discriminação imposta à família Rosado e ao então vice-governador Geraldo Melo no processo eleitoral de 1982. O aliado do regime, José Agripino Maia (na época no PDS) é acusado de se beneficiar da corrupção para ser eleito governador. “De um lado, o PDS experimentou sérias dissensões internas a defecção de algumas lideranças significativas (Vice-Governador CERALDO JOSÉ DA ÇÃMARA PERREIRA_DE MELO.; família ROSADO, do Oeste potiguar; Senador JOSÉ DE SOUZA MARTINS FILHO) decorrentes da forma discriminatõria e impositiva com que foi decidida, pela família MAIA, a sucessão do Governo do Estado, privilegiando o Sr JOSÉ AGRDMIO ex-Prefeito de NATAL. Viveu o RIO GRANDE DO NORTE um clima de corrupção em que seus dirigentes empregaram todos os meios (recurso públicos, poder de intimidação, empreguismo, etc) para concretizar seu objetivo de eleger seu candidato”, afirma o relatório.

Sobre Mossoró o relatório do SNI analisa a liderança da família Rosado por meio da proximidade de Vingt e Dix-huit com o então ministro da justiça Ibrahim Abi-Ackel. O jornal O Mossoroense, que pertence ao clã até hoje, é lembrado por ter baixa popularidade fora de Mossoró e ser dirigido por “elemento de esquerda”, numa referência ao jornalista Dorian Jorge Freire. “A situação política de MOSSORÓ caracteriza-se pela supremacia dos interesses pessoais sobre os partidários. O Deputado Federal VINGT ROSADO atua de forma a que seu grupo seja beneficiado, mesmo que, a tal tenha que realizar negociações e conchavos políticos”, conclui o relatório.

Panfleto recolhido na prisão de ativistas feita em Mossoró (Foto: reprodução)

Em 1º de maio de 1970, nomes que caíram no esquecimento da memória coletiva da cidade, foram presos pela repressão. O grupo era formado por Ricardo Torres de Carvalho, Jonas Rufino de Paiva, Francisco Aurélio de Araújo, Lourival Alves da Silva e José Henrique da Fé. Eles estavam espalhando panfletos considerados “subversivos” pelo regime.

O panfleto denunciava a ditadura militar e os seis anos de perseguição em curso no país.

O SNI celebrou a prisão em relatório: “Estão os subversivos dispostos a tudo e procura solapar a ordem pública e induzir o povo contra a lei e os poderes constituídos”.

Amanhã o golpe militar completa 61 anos. No último dia 15 de março o país completou 40 anos de democracia, vivemos o mais longo período democrático de nossa história, mas por pouco esse processo histórico não foi interrompido com o golpe tramado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e um grupo de militares que planejaram matar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Engana-se quem pensa que uma eventual ditadura pouparia os divergentes nos lugares mais distantes do eixo Rio/São Paulo/Brasília.

No próximo dia 2 de abril, o Ministério Público Federal realizará uma audiência pública com o tema “61 Anos do Golpe Militar e os Persistentes Legados da Ditadura: a atuação do Serviço Nacional de Informação (SNI) na Uern e na Esam em Mossoró”.

O evento será às 19h no auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (Fafic) no Campus Central da Uern.