Rogério Tadeu Romano*
Como bem lembrou Mirian Leitão, em artigo para O Globo, em 2 de maio do corrente ano, “o presidente da República ir pessoalmente ou mandar vídeo de apoio à manifestação convocada para ameaçar o Supremo Tribunal Federal é crime. É crime de responsabilidade ameaçar o funcionamento do Poder Judiciário. Previsto no artigo 85 da Constituição Federal que regula o impeachment.
Disse ainda:
“Primeiro de maio é dia do trabalhador. Manifestação tem que ser para apoiar o trabalhador, as causas do emprego, do emprego de qualidade e do salário. Ponto. As manifestações convocadas por Bolsonaro foram contra o STF”.
O fato apontado nos dá mostra de crimes contra a segurança nacional que devem ser apurados pela Procuradoria Geral da República, que até aqui tem demonstrado inércia, descumprindo o princípio da obrigatoriedade, que determina atuação do membro da Instituição ministerial diante de ilícito cometido. Não se aplica, de modo algum, conveniência e oportunidade com relação a essa atuação ou precaução com relação a eventuais abalos institucionais, de tal forma a não dar à Instituição o caráter de catalizador de crises.
Pregar intervenção armada é crime contra a segurança nacional. Pregar pela volta do AI-5 é crime, pregar por governo militar é crime. Incitar essas condutas é crime. Pregar pela violência contra a ordem democrática é crime grave.
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, cujo título é “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível”, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, mandou um recado claro ao presidente Jair Bolsonaro, que sinaliza que pretende ir às últimas consequências em suas ameaças de romper com as instituições democráticas no dia 7 de setembro. “No Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que ‘constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático’”, escreveu o ministro.
Houve uma verdadeira “cavalgada autoritária”, cujo apogeu se deu em 7 de setembro de 2021, mas ela foi desmoralizada em menos de 48 horas por ausência de materialidade.
Como lembrou a Folha, em editorial, no dia 31 de dezembro de 2021, Jair Bolsonaro ameaçou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, com algo que nem soube enunciar —porque não há nada que o chefe de Estado possa fazer contra a autonomia de um Poder sob a Constituição de 1988. O Judiciário não pode ser visto como anexo do Poder Executivo.
Lembrou ainda a Folha que o atual presidente “atiçou a massa de fanáticos com mentiras sobre a urna eletrônica e com bravatas sobre sair morto do Palácio do Planalto.”
A Nação tomou conhecimento de uma carta, que teria sido escrita pelo ex-presidente Temer, conhecedor da política em seus bastidores, em que o atual presidente disse que não havia nada de golpe.
Aconselhado por Temer, Jair Bolsonaro divulgou na quinta-feira, dia 9 de setembro, uma carta em que diz não ter tido “intenção de agredir” os poderes. O ex-presidente confirmou à TV Globo que foi ele quem escreveu o texto.
Mas, trata-se de um crime de ação penal pública incondicionada, cujo titular da ação aqui lembrada é o procurador-geral da República.
Até aqui, nada foi feito.
A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.
Sem o Poder Judiciário forte, o Poder Judiciário livre e o Poder Judiciário imparcial no sentido de não ter partes, não adotar atitudes parciais, não teremos uma democracia, que é o que o Brasil tem na Constituição e espera de uma forma muito especial dos juízes brasileiros para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos.
O que o presidente da República quis foi tentar “dar um golpe”. E parece que está ainda no anseio de fazê-lo.
Tentou-se, afrontando-se a segurança nacional, atingir as estruturas democráticas do país.
Entre os novos crimes tipificados no novo regime legal para o tema está o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
Tem-se então:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.
A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.
O crime é de perigo presumido.
Ocorre que essa previsão legal estava sob o regime da vacatio legis, em 7 de setembro de 2021, época daquele triste 7 de setembro.
O atual presidente da República incitou contra a paz pública, pregando contra o Judiciário.
Merecem ser estudadas as ocorrências na conduta, em redes sociais, de incitar (instigar, provocar, excitar), publicamente, a prática de crime. A publicidade da ação é um pressuposto de fato indispensável. Dela resulta a gravidade dessa conduta que, de outra forma, seria apenas um ato preparatório impunível. Pública é a incitação quando é feita em condições de ser percebida por um número indeterminado de pessoas, sendo indiferente que se dirija a uma pessoa determinada. A publicidade implica na presença de várias pessoas ou no emprego de meio que seja efetivamente capaz de levar o fato a um número indeterminado de pessoas (rádio, televisão, cartazes, alto-falantes, a internet). A publicidade é a nota nesse ilícito que surge pela indeterminação nos destinatários.
Exige-se a seriedade na incitação, que deve resultar das palavras e dos gestos empregados.
Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação à prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir. No direito comparado, aliás, há o exemplo do Código Penal alemão (§ 111) que classifica este delito entre as infrações que constituem resistência ao poder público, de tal sorte a considerar como bem jurídico tutelado o poder público.
O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime (fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.
Há, como disse o ministro Moraes, uma clara diferença entre liberdade de manifestação e liberdade de agressão. A agressão à democracia não é mera bravata: é crime.
É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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