Categorias
Artigo

Os extremos ideológicos e o “centro”

Por Ney Lopes*

Numa antevéspera de eleições gerais, a indagação é quem seriam os responsáveis pela crise política, econômica e social do Brasil?

A lúcida e competente entrevista dada pelo cientista político Antônio Lavareda alerta sobre a responsabilidade dos verdadeiros democratas fazerem um “mea culpa” e tentarem salvar as liberdades política, econômica, religiosas etc.

Tudo isso porque, com a pandemia, as sucessivas crises, a necessidade de preservação do meio ambiente e a guerra da Ucrânia, a democracia terá que se adaptar ao novo mundo que surge.

Na sua entrevista, o cientista político Antônio Lavareda deixou claro que a eleição de 2022 será diferente das demais.

Antecipou a mudança de posição do eleitor, que desejará candidatos com experiência comprovada e “ficha limpa”.

O voto será dado em função de avaliações, inclusive de cargos eventualmente ocupados anteriormente pelos candidatos e os resultados positivos obtidos.

Sem dúvida, um bom prognóstico.

As dificuldades na reconstrução da democracia são os extremos ideológicos, que geram fanatismos e incompreensões.

Torna-se muito difícil ter posição doutrinária de equilíbrio e de centro.

Os extremos da direita e esquerda, interpretam como sinônimo de mediocridade, não ter opinião e apelidam de “centrão”, o que, além de estar em cima do muro, significaria práticas de corrupção. Acusam até de comunismo e nazismo.

Em artigo passado, analisei a conjuntura sócio-política do Chile (ver AQUI) e opinei que as revoltas populares lá ocorridas tiveram como origem o país ter descuidado da prioridade social e concentrar-se na obsessão de adotar  medidas extremas para o controle inflacionário, através de privatizações em massa (inclusive na saúde, educação e previdência social) , sem critérios, abertura ao mercado externo e ações correlatas.

A afirmação feita jamais significou, que o governo deveria adotar políticas do “estado gastador”, descuidar do controle da inflação e avalizar a chamada esquerda bolivariana da América Latina, cujo fracasso é notório. O equilíbrio fiscal é absolutamente necessário.

O que se defende é a máxima do professor Ladislas Dowbor, titular da PUC de São Paulo, de que se impõe resgatar a função social da economia, como questão prioritária de respeito à dignidade humana.

Essa meta se alcança, a partir dos ensinamentos do filósofo grego Aristóteles, que na sua obra analisa a ética, moralidade e aponta a virtude do homem como justa medida entre os extremos, os chamados “vícios de excesso”.

A virtude está no meio, sem autodenominar-se centrismo. O desafio é o discurso sensato e moderno, que preserve a “responsabilidade social e a austeridade fiscal” e demonstre que o equilíbrio das contas públicas pode ser alcançado juntamente com as políticas responsáveis de redução das desigualdades sociais e investimento público, que incentivem a iniciativa privada e gerem empregos.

Tais diretrizes, ao invés de populistas, buscariam a estabilidade econômica e a distribuição justa da renda. Biden age assim.

Está provado, que a “mão invisível” do mercado de Adam Smith não é suficiente para equilibrar eficiência econômica e equidade econômica.

A recomendação do capitalismo americano é adotar a regulação econômica, de forma a permitir que os interesses público e privado busquem a forma de guiar, controlar e direcionar a “mão invisível” de Adam Smith.

As agências reguladoras, pessoas jurídicas de Direito Público, ocupam-se não só da regulação econômica, mas também da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Dessa forma são corrigidas as falhas da economia e criadas condições, que incentivem a concorrência, com o objetivo do crescimento econômico, redistribuição da renda e redução da pobreza.

Essa concepção não é direita, nem de esquerda. Traduz o caminho a ser seguido, por quem realmente acredite numa democracia estável, com paz social.

A resposta sobre quem é responsável pela crise brasileira, resume-se na classe dirigente ter coragem de reconhecer a “mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa” e corrigir a prática dos “vícios de excesso” (extremismos), de que falou Aristóteles.

Na correção de rumos, inclui-se o eleitor estar consciente de ter em mãos um importante instrumento de “mudança”, que é o seu voto.

Sem decisão madura e refletida nas urnas de outubro próximo, a consequência inevitável será a continuidade da crise política, econômica e social do Brasil.

Não haverá como evitar!

*É jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano (PARLATINO); e- Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; procurador federal; professor de Direito Constitucional da UFRN – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Análise

Oposição reproduz dilema do “centro” no RN

Na disputa presidencial o chamado “centro” político faz muito barulho e conta com prestígio na mídia, mas isso não se converte em votos.

A insistência no discurso “nem Lula nem Bolsonaro” só reforça a crença de que o ex-presidente e o atual vão polarizar na eleição de 2 de outubro.

Aqui no RN o dilema se reproduz com algumas diferenças. Uma delas diz respeito ao contexto. Temos uma governadora candidata a reeleição que vê uma lista de adversários não emplacar nas pesquisas. O mais forte deles, o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT), caminha para ser candidato ao Senado em sua chapa.

A semelhança entre o “centro” na disputa presidencial e a oposição potiguar está no enfileiramento da candidaturas natimortas com muita mídia e pouco voto.

A falta de projeto em ambos os casos também salta aos olhos. Se no plano nacional insistem em achar que não basta não ser Lula nem Bolsonaro para vencer, aqui no RN todas as fichas são jogadas num antipetismo visceral em um Estado onde Lula tem mais de 50% de intenção de votos e demonstra forte capacidade de transferência de votos.

Lá como cá o dilema está na falta de projeto, mensagem frágil e na ausência de cheiro de povo.

Categorias
Artigo

O fetiche do centro

Por Raul Jungmann*

Brada a oposição: “precisamos construir, agora, um centro para se contrapor eleitoralmente ao atual governo, sob pena de as chances da reeleição do presidente serem crescentes”. Mas é preciso lembrar que nas sete eleições presidenciais, de 89 para cá, isso nunca ocorreu, mesmo quando o incubente do turno disputava a reeleição.

O menor número de concorrentes foi em 2002, num total de seis, que foram 22 em 1989. Ao longo desses mais de trinta anos, todos os players que se acreditavam capazes estiveram na disputa, mesmo que remota fosse a chance, ou para se cacifarem a pleitos futuros. E assim, julgo, se repetirá em 2022.

Em um regime democrático de livre competição e com eleições em dois turnos, a aglutinação de partidos e candidatos em um “centro” não tem incentivos suficientes para se concretizar num primeiro turno.

Reunião de todos, de um e de outro lado, governo versus oposição, só aconteceu durante o regime militar, fruto do bipartidarismo. Que, afinal, teve que ser implodido pelo próprio regime em 1979.

A preocupação das forças ditas de centro, tanto de esquerda, quanto de direita, se justificaria pela chance concreta de um segundo turno ser disputado pelo Partido dos Trabalhadores e o bolsonarismo – o que é uma possibilidade real – e ter pela frente uma escolha de Sofia.

Acresce às angústias dos “centristas” o fato de até aqui nenhum dos pretensos candidatos de centro ter despontado como alternativa eleitoralmente viável e com capacidade de unir os diversos partidos e tribos distribuídas pelo seu vasto espectro.

Essa ansiedade por uma candidatura desde já com potencial de polarização tem sua razão de ser, mas ela é precoce e sinônimo de insegurança, face o tempo que resta para a disputa presidencial, além das eleições municipais no meio do caminho.

É cedo para tal e, por ora, melhor seria investir na formação de uma frente democrática que firmasse o compromisso de uma aliança em torno do candidato que chegar ao segundo turno. Tal frente poderia se propor um programa mínimo, comum a todos os competidores tidos como de centro.

Os principais pontos desse compromisso devem ser a defesa e o fortalecimento da democracia, a redução das desigualdades e a manutenção da saúde fiscal do Estado. E, desde já, procurando associar as críticas ao atual governo a propostas e soluções factíveis para os problemas vividos pelos brasileiros e brasileiras, sobretudo os mais vulneráveis.

*É ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Este artigo não representa a mesma opinião do blog. Se não concordar, faça um rebatendo que publique como uma segunda opinião sobre o tema.

Categorias
Artigo

Em busca do centro perdido

Por João Feres Júnior

Entre as muitas novidades trazidas pela eleição presidencial de 2018, uma das mais importantes do ponto de vista político foi a derrota fragorosa do centro, ou melhor, das forças e partidos que ocupavam o centro do espectro ideológico. O representante dileto da centro-direita, Geraldo Alckmin, conseguiu pouco mais de 4% dos votos válidos no primeiro turno. Se ainda valesse o paradigma comunicacional que vigorou por toda Nova República, quem tem estrutura partidária, recursos financeiros, tempo de Horário da Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e apoio da grande mídia, teria grande probabilidade de chegar ao segundo turno. Alckmin teve tudo isso e fracassou.

O PT, seja por ser historicamente o partido líder isolado em identificação popular ou pelo carisma e popularidade de Lula, conseguiu chegar ao segundo turno. Mas ninguém ocupou o lugar que antes era do PSDB. Pelo contrário, a vitória coube a Jair Bolsonaro, candidato que era fraquíssimo em todos os elementos do paradigma antigo: partido e coligação insignificantes, parco financiamento oficial, tempo pífio de televisão e tratamento desfavorável da imprensa – ainda que no longo prazo a grande mídia tenha criado as condições ideológicas para sua vitória.

Passado o tsunami eleitoral, as forças políticas que não compõem o bolsonarismo parecem ainda estar operando em conformidade com o paradigma antigo, ou seja, estão em busca do centro. O PT planejando uma política de alianças que segure sua sangria eleitoral nos municípios e os partidos da velha centro-direita lançando candidatos balões. Todos, contudo, continuam trabalhando com o pressuposto mais básico do paradigma antigo: a distribuição normal do universo de eleitores ao longo do espectro ideológico. Em palavras menos técnicas, isso quer dizer que as preferências ideológicas do eleitorado se distribuem ao longo de uma curva em formado de sino, com poucos radicais à esquerda e direita e a massa de eleitores em torno do centro.

Essa premissa é a base da teoria do eleitor mediano, segundo a qual, em sistemas bipartidários, aquele candidato que capturar o eleitor no meio da distribuição (a mediana), vence. Tal teoria da Ciência Política, feita para explicar originalmente o sistema político americano, parecia ser tão boa que funcionava também para outros sistemas políticos, inclusive o nosso. Ora, a Carta aos Brasileiros foi uma estratégia que Lula usou para capturar o centro com a finalidade de vencer a eleição. Deu certo.

Mas sinais de que havia algo de errado com a premissa em que se baseava tal cálculo já se tornaram evidentes com a vitória do candidato republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore em 2000. Bush não se preocupou em nenhum momento durante a campanha em fazer concessões ao centro, adotando em uma agenda neoliberal e criptoracista, enquanto Gore insistia em parecer o candidato mais moderado, prometendo combinar os interesses do mercado aos da sociedade. Em termos de distribuição ideológica do espectro eleitoral, Bush apostou em consolidar uma “montanha” à direita que fosse maior que a montanha da esquerda. Ao invés de uma curva em forma de sino, ou de corcova de dromedário, tivemos uma curva no formato das costas de um camelo.

Trump empregou essa tática, radicalizando ainda mais o discurso à direita, e deu certo novamente. E em 2018 assistimos à chegada dessa inovação no Brasil. O país que até há pouco não tinha um partido sequer que assumia a identidade de direita, de repente viu um candidato de extrema-direita ganhar a eleição. Bolsonaro, como seus predecessores americanos, apostou que a consolidação de uma base de direita por meio de um discurso radicalizado, poderia lhe garantir a vitória. Deu certo.

Dado esse estado de coisas, será que a estratégia de recompor o centro seria razoável, ou mesmo factível?

Uma análise sólida dessa questão precisa levar em conta dois elementos fundamentais da democracia contemporânea, a representação política e a opinião pública. A representação, feita por partidos e políticos, domina as análises chamadas institucionalistas. Já a opinião pública tende a frequentar análises mais preocupadas com o aspecto deliberativo da democracia, isto é, como as pessoas formam suas preferências ou aderem a valores e visões de mundo. Infelizmente, a maior parte das análises produzidas pelos publicistas de plantão focam exclusivamente em um ou outro elemento.

Onde está o centro no plano da representação? Levantamento recente feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (http://olb.org.br) das votações nominais no Congresso brasileiro mostra altíssimo nível de governismo na Câmara e no Senado. Os únicos partidos na Câmara consistentemente oposicionistas são o PT e o nanico PSOL. O centro é habitado por Rede, PDT e PSB. Todo o resto da Câmara vota com o governo, quase sempre. Em uma escala de governismo de 1 a 10, 73,4% dos deputados tiveram nota maior que 7 e 50% alcançaram 9 ou 10.

No Senado a polarização é ainda mais aguda. À esquerda temos PT, REDE, PDT e PSB e à direita todo o resto do espectro partidário. Simplesmente não há centro.

Se na eleição assistimos ao derretimento da centro direita, que produziu um segundo turno no qual a centro-esquerda enfrentou a extrema direita, depois da eleição, quando a política nacional se centra na relação executivo e legislativo, reproduz-se uma polarização entre uma pequena esquerda, liderada pelo PT, com uma massacrante maioria governista, que inclui os partidos da antiga centro-direita, como o PSDB e o DEM.

Onde estaria o centro no âmbito da opinião pública? Para tentar responder essa pergunta precisamos desconstruir um pouco o conceito de opinião pública, sempre tão fugidio. Ele na verdade só se justifica contrafactualmente, isto é, sem o assentimento da opinião pública, as instituições teriam que se sustentar exclusivamente pela coerção nos períodos entre eleições. Como isso não se verifica, então devemos supor que há um clima de legitimidade, seja ela passiva ou ativa, que permite que as coisas funcionem minimamente. Na verdade, há uma ocasião periódica em que a opinião pública se consubstancia e pode ser observada, ainda que em forma limitada: as eleições – quando são instadas a expressar suas vontades e preferências, que então são quantificadas.

Se pensarmos na eleição de 2018 por esse ângulo, colocando nossa pergunta central, veremos que parte do centro opiniático apoiou o candidato do PT, Fernando Haddad, e parte dele migrou para a proposta de extrema direita de Bolsonaro, deixando então sua posição inicial. O antipetismo pode ter tido papel fundamental neste segundo fenômeno. Ainda assim, o PT continuou onde estava, ou seja, ocupando a banda esquerda do centro-político, mas a centro direita derreteu eleitoralmente, e escorreu para o lado de Bolsonaro.

Leia também:  Políticos de todas as posições alertam para autoritarismo de Bolsonaro e risco à democracia

Qual seria, então, a probabilidade desse centro ser recomposto? O que faria com que o eleitorado abandonasse o modelo do camelo e voltasse ao dromedário? Quais seriam as ações necessárias para que esse empreendimento de recomposição do centro dê certo, seja em benefício da velha centro-direita, seja do PT?

Termino esse curta reflexão com essas indagações. A mim parece que os velhos tempos, quando partidos, horário eleitoral, cobertura da imprensa e debates tinham um papel decisivo na eleição, se foram para nunca mais voltar. Penso que houve mudanças importantes nos padrões de comunicação política que não podem mais ser ignoradas. Mas isso é assunto para um próximo artigo.

*É professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ. É coordenador do GEMAA – Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (http://gemaa.iesp.uerj.br/) e do LEMEP – Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público.