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Liberdade de informar e fake news

Por Rogério Tadeu Romano*

Conforme noticiou o Consultor Jurídico, em 21 de outubro do corrente ano, o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apresentou na sexta-feira (21/10) ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra trechos da Resolução 23.714/2022 do Tribunal Superior Eleitoral. Ele pediu que o STF suspenda imediatamente a eficácia da norma

Aras questionou trechos do documento que dão ao TSE o poder de determinar de ofício (ou seja, sem provocação) a remoção de publicações de redes sociais, além de dispositivos que fixam multas de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento de decisões do tribunal. Ele também questionou a possibilidade de a corte eleitoral remover temporariamente perfis e páginas em redes sociais.

O texto diz que vários artigos da resolução são inconstitucionais. Entre eles, Aras cita “os artigos 5º, II, 22, I, e 37, caput (competência legislativa sobre direito eleitoral e exigência de tipicidade estrita como corolário do princípio da legalidade); os artigos 5º, IV, IX e XIV, e 220, caput (liberdade de expressão de manifestação do pensamento e de comunicação por qualquer veículo, independentemente de censura prévia); o artigo 5º, LIII, LIV e LV (princípio da proporcionalidade, deveres de inércia e de imparcialidade do magistrado, garantia do duplo grau de jurisdição e princípio da colegialidade, como expressões do devido processo legal substantivo); e os artigos 127, caput, e 129, II, VI e VIII (funções institucionais do Ministério Público Eleitoral).

Quanto ao caput do artigo 2º da resolução, que veda a divulgação ou o compartilhamento de”fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados”, Aras pede que seja conferida a ele interpretação de acordo com a Constituição, a fim de afastar do seu alcance a livre manifestação de opiniões e de informação acerca dos fatos a que se refere.”

Voltemo-nos a questão da censura como forma de restrição à liberdade de pensamento.

Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.

A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).

De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião.

A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação de forma desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação em consonância com o que ditam os incisos IV, V, IX, XII e XIV do artigo 5º, combinados com os artigos 220 a 224 da Constituição.

A liberdade de comunicação compreende, nos termos da Constituição, as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização e manifestação de pensamento, esta sujeita a regime jurídico que é especial. As formas de comunicação regem-se pelos seguintes princípios básicos: a) observado o disposto na Constituição, não sofrerão qualquer restrição qualquer que seja o processo ou veículo por que se exprima; b) nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; c) é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística; d) a publicação de veículo impresso de comunicação independe da licença da autoridade; e) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens depende de concessão, permissão e autorização do Poder Executivo federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional a que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, § 2º, e 4º(45 dias, que não correm durante o recesso parlamentar); f) os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio.

A Constituição-cidadã de 1988 não permite formas de “calar a boca”. Não se permite atividade de censores com esse desiderato antidemocrático.

Mas o que dizer de mentiras publicadas de forma descarada nas redes sociais provocando sensível papel nas eleições?

Internamente, integrantes do tribunal se queixam da omissão da Procuradoria-Geral Eleitoral. A essa altura da campanha presidencial, o órgão apresentou apenas uma representação de impacto relacionada à desinformação —quando pediu multa a Jair Bolsonaro (PL) por ele ter atacado as urnas diante de embaixadores estrangeiros.

Segundo reportagem da Folha, em 24 de outubro de 2022, “na visão de um membro do tribunal, a resolução da corte aprovada na última quinta preenche esse vácuo. Ainda segundo esse integrante, o MPE não está cumprindo seu papel de fiscal do sistema eleitoral, nem em relação à desinformação, nem ao assédio eleitoral de trabalhadores ou abuso de poder econômico.

A Procuradoria não tem acionado o tribunal para contestar o uso da máquina pública na campanha bolsonarista ou sobre a desinformação espalhada na disputa eleitoral.

Parece que a chefia do Ministério Público Eleitoral já escolheu o lado nas eleições. Sua peça é cercada de sofismas e se acresce a toda uma atuação em favor do atual governo.

A medida do Tribunal Superior Eleitoral representa um “combate à desordem informacional”.

Como acentuou Demétrio Magnoli, em artigo publicado na Folha, em 15 de fevereiro de 2020, no início, mais de uma década atrás, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos políticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ruído periférico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difusão globalizada de fake news.

Prosseguiu Demétrio Magnoli ao dizer que os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicitária obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilhões para US$ 18,3 bilhões. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana —e isso sem produzir uma única linha de conteúdo jornalístico original.

O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a abolição da verdade factual na esfera do debate público.

A fabricação de fake news tornou-se parte crucial das estratégias de Estados, governos, organizações terroristas e supremacistas. A China, que prioriza o público interno, e a Rússia, que se dirige principalmente à opinião pública europeia e americana, são atores centrais nesse palco.

As megacorporações de tecnologia, donas das plataformas, estão no âmago da questão. Algoritmos viciados, sistemas de seguranças falhos, vazamento de dados de usuários, o lucro estratosférico e a falta de investimentos em conter fake news.

É o poder da mentira.

Lança-se a mentira e boa parte das pessoas sabe que são falsas, mas leem e acreditam nelas e a replicam.

Está feito o câncer que se prolifera tal como um tecido canceroso atingido todo o organismo social.

Como se lê do artigo fake news: uma verdade inquietante, Luis Augusto de Azevedo:

“A liberdade de expressão, uma conquista da balzaquiana democracia brasileira, se tornou a trincheira de quem acredita que pode falar ou escrever o que quiser sem ter consequências. Pessoas ou grupos se utilizam do artigo 5º da Constituição como escudo para difundir fake news.

O tema se fortifica ainda mais quando a propagação de informações deturpadas e a utilização de contas inautênticas chegam à cúpula do poder.

A praga da desinformação é brutal e causa prejuízos incalculáveis. Não há, porém, vacina para esse mal: A tentativa de legislar.”

É isso que faz agora o Tribunal Superior Eleitoral que tem poderes para legislar em matéria eleitoral.

Esse é o momento diante de uma eleição em que o fascismo poderá vencer e derrubar a democracia no Brasil.

Não sejamos hipócritas. Temos que enfrentar o problema. A mentira não pode ser uma forma de proteção da liberdade de pensamento.

A produção de fake news é crime eleitoral.

Vejamos o que diz o Código Eleitoral:

Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado: (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021)

Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão.

(Revogado)

Parágrafo único. Revogado. (Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021)

  • 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)
  • 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime: (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

I – é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real; (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia. (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

Trata-se de crime formal, instantâneo, de perigo, que exige o dolo como elemento subjetivo do tipo.

Veja-se que o tipo penal permite a transação penal e o  sursis processual, sendo a ação penal pública incondicionada de titularidade do Ministério Público Eleitoral.

De acordo com a legislação eleitoral, o candidato que difundir notícias falsas pode ser penalizado com multa de propaganda irregular ou sofrer processo por abuso de poder, acarretando em inelegibilidade e perda do mandato.

A Justiça Eleitoral dispõe, na Resolução Nº 23.610/2019 que trata sobre propaganda eleitoral e as condutas ilícitas em campanha, seção específica alertando candidatos em relação à disseminação de informações inverídicas. O artigo 9º do documento diz que a utilização de conteúdos veiculados, inclusive por terceiros, “pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin rejeitou o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, de vetar a norma do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ampliou os poderes da Corte no combate às fake news. Em decisão publicada no dia 22 de outubro do corrente ano, o magistrado disse que não encontrou elementos que pudessem comprovar a inconstitucionalidade da ação da Justiça Eleitoral.

O magistrado destacou a importância de combater a desinformação na reta final da campanha do segundo turno. “A poucos dias do segundo turno das Eleições Gerais de 2022, importa que se adote postura deferente à competência do TSE, admitindo, inclusive, um arco de experimentação regulatória no ponto do enfrentamento ao complexo fenômeno da desinformação e dos seus impactos eleitorais. Assim, parece-me, nesta primeira apreciação, que deve-se prestigiar a autoridade eleitoral no exercício de sua atribuição normativa de extração constitucional”, disse.

“Portanto, uma eleição com influência abusiva do poder econômico não é normal nem legítima, vale dizer, não é livre nem democrática. Quando essa abusividade se materializa no regime da informação, recalcando a verdade e compondo-se de falsos dados e de mentiras construídas para extorquir o consentimento eleitoral, a liberdade resta aprisionada em uma caverna digital”, acrescentou o ministro.

A Corte já formou maioria para acompanhar o voto do ministro Fachin.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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