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Desfile de tanques foi patético, mas não deixou ser grave e simboliza retrocesso político

A ameaça a democracia também corre de forma patética (Foto: reprodução)

Uma coisa é a zoeira na internet com as imagens patéticas dos tanques fumacentos circulando em Brasília no dia em que o presidente estava prestes a ser derrotado na Câmara dos Deputados em sua cruzada pelo voto impresso.

Outra coisa é não separar isso da gravidade de um presidente que usa as forças armadas para fins políticos.

Isso por si só já é grave por termos em curso um retrocesso institucional no Brasil com o envolvimento de militares na política.

Nas democracias mais avançadas do planeta, militares não se envolvem em política.

Não adianta argumentar que a maioria dos militares são contra dar um golpe de estado. Com base em que podemos garantir isso? Não há levantamento que aponte para essa conclusão e as falas de insatisfação na imprensa são sempre em off. Pode-se argumentar que os militares não falam publicamente em nome da disciplina, mas para intimidar o STF no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula a fala foi em on e sem recriminação. Para não punir o ex-ministro Pazzuelo por participar de uma manifestação política (proibida) também não se furtaram.

A democracia morre aos poucos e o retorno dos militares à política, um retrocesso dos grandes, colabora para que isso ocorra lentamente.

O Brasil virou chacota mundial, os militares foram humilhados e ainda assim são com essas armas fubentas que eles podem golpear a democracia brasileira, o que torna tudo ainda mais patético.

Bolsonaro hoje não teria condições para dar um golpe, mas o precedente perigoso vai sendo aberto dia a dia e a queda das democracias são assim mesmo: de forma gradual.

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Bolsonaro é um ditador em potencial

Bolsonaro ameaça a democracia (Foto: Adriano Machado/REUTERS)

Já se tornou clichê escrever sobre o processo político atual no Brasil citando o livro “Como as Democracias Morrem”, mas o que estamos vendo em curso no país é exatamente o que é descrito na obra de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.

O processo de ruptura das democracias passa pela quebra das regras não escritas da democracia e o presidente Jair Bolsonaro quebrou várias delas e pelo menos duas criaram as condições para que ele flerte diariamente com o golpismo: 1) o fim da nomeação do procurador-geral da república a partir de uma lista de tríplice elaborada numa eleição entre seus pares; 2) o não envolvimento dos militares na política.

Nada disso está escrito em lei, mas eram ritos fundamentais da nossa democracia.

Outro ponto descrito na obra é a omissão das instituições democráticas e das elites. Tudo isso aconteceu sem grandes reações de quem tem poder e influência para conter os arroubos do presidente.

Quem leu este livro sabe que o roteiro está sendo escrito à risca. Naturalizamos o retorno dos militares à política quase que nos moldes do pré-1964. Aceitamos, porque a lei permite, o retrocesso no modelo de nomeações da PGR. O resultado é que hoje Bolsonaro se sente protegido para atacar diariamente a democracia porque tem um procurador-geral submisso e a parceria das forças armadas.

Isso sempre foi uma possibilidade real. Bolsonaro pode ser acusado de tudo, menos de ter nos enganado neste aspecto. Ele sempre deixou seus desejos golpistas expostos e muitos que acreditavam em lendas como “kit gay” não foram capazes de perceber o que realmente estava diante de si.

Hoje teremos um espetáculo deprimente da presença de tanques de guerra na porta do Palácio do Planalto durante a votação na Câmara dos Deputados da proposta do voto impresso. Diga-se de passagem, a apreciação nem deveria acontecer em plenário. É que em outra regra não escrita de nossa tradição democráticas propostas rejeitadas em comissões especiais não são levadas ao plenário.

A Marinha e o Ministério da Defesa alegam que a Operação Formosa é realizada desde 1988, mas esta é uma meia verdade. A operação nunca fez parte da rotina política do país, nunca entrou no coração do poder em Brasília e nunca coincidiu com o momento de uma votação de uma matéria de interesse do presidente.

Ignorar isso é coisa para fanático ou burro. Se bem que fanatismo e burrice estão sempre de mãos dadas.

Há quem diga que Bolsonaro apela aos tanques por estar enfraquecido politicamente, mas são justamente os fracos que apelam ao uso da força na política. Se os militares tivesse força para derrotar João Goulart no voto eles não teria dado um golpe de estado.

E foi justamente num dos últimos capítulos da ditadura militar que tivemos tanques circulando nas ruas de Brasília em dia votação importante. Era justamente o General Newton Cruz, um dos ídolos de Bolsonaro, quem estava liderando a intimidação contra os deputados que votavam a Emenda Dante de Oliveira que visava devolver pela via institucional aquilo que os militares nos tiraram pela força das armas: o direito de votar para presidente.

A população duvidar de um processo golpista quando ele está no curso também está no roteiro dos golpes que se impõe na força. João Goulart tinha certeza que não seria apeado do poder se confiando num dispositivo militar que lhe apoiava.

Aqui recorro a outro livro fundamental para entender os problemas de hoje: “O Povo Contra a Democracia” de Yascha Mounk que mostra ser fundamental para o golpista ter uma parcela da sociedade que não tem apreço pelos valores democráticos e não Brasil não falta esse ingrediente dos ressentidos que Bolsonaro acalenta todos os dias.

Não sei se tudo isso ainda é suficiente para ter golpe que se consolide. Bolsonaro tem o apoio dos militares? Acho que tem. Os militares nunca adotaram publicamente uma postura decente contra o golpismo do presidente. Ele tem o apoio do “centrão”? Para reformas antipovo creio que sim, mas para derrubar a democracia é outra história. E as elites empresariais? Tenho minhas dúvidas sobre o real apreço à democracia no baronato nacional.

O grande entrave a meu ver é a conjuntura internacional.

Bolsonaro teme as eleições, teme sair do poder derrotado por Lula, teme sofrer um impeachment, teme que ele ou os filhos sejam presos…

É do seu medo e da sua fraqueza política que emerge o desejo de dar um golpe de estado empurrando o Brasil num caos maior.

Temos um presidente que tem na democracia a sua maior adversária e por isso ele é um ditador em potencial.

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Sinais

Por Natália Bonavides

Sou autora da ação popular em que houve a decisão que proibiu o governo federal de celebrar o golpe militar de 1964. Essa decisão foi recém-suspensa pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. O ministro entendeu que chamar o golpe de 1964 de “marco para a democracia brasileira” seria de direito do seu ex-assessor e hoje ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Considerou que seria censura limitar o conteúdo de uma “simples ordem do dia” (documento endereçado a todas as Forças Armadas e que externa a posição institucional de seus comandos).

A decisão do ministro fala em interferência de um Poder em outro. Que fique explicado para quem nos lê: nossa ação popular não fala em fechar o STF com um cabo e um soldado, nem nada do tipo! Fala, sim, que é um absurdo usar a estrutura do Estado brasileiro para fazer apologia à ditadura criminosa que destruiu famílias, censurou, assassinou, estuprou, sequestrou e ocultou cadáveres de brasileiras e brasileiros.

Outro dia li que a democracia não costuma avisar quando está morrendo. Verdade. Cabe a nós atentarmos aos sinais. Está acontecendo no Brasil, dia após dia, uma escalada autoritária, e os sinais gritam tão alto quanto o presidente mandando um jornalista calar a boca.

Os sinais chegam tão perto quanto os aglomerados das manifestações que, com a presença do presidente Jair Bolsonaro, pedem golpe militar. Os sinais são tão transparentes quanto o filho do presidente falando de AI-5. Os sinais são tão estridentes quanto o barulho de um caixão sendo aberto para que um parente confira se o corpo está lá mesmo, dúvida plantada pelas milícias virtuais que manipulam o debate público. Os sinais chegam em nossa cara como se fossem o hálito putrefato de 1964 e o bafio terrível de 1968, como Lima Duarte falou em sua homenagem a Flávio Migliaccio. Enfim, os sinais são tão escandalosos como uma ordem do dia em que o ministro da Defesa afirma que, no golpe de 1964, as instituições se moveram para sustentar a democracia.

E seria justamente às instituições brasileiras —às quais não abriremos mão de recorrer para defender a democracia— que caberia acolher esses sinais e tomar um lado.

Há quase exatos 56 anos, meu avô (que eu não conheci porque morreu de câncer antes de eu nascer) descrevia no seu diário como foi receber a primeira visita da família no local onde estava preso, no Ceará, por ser comunista. Não pretendo que minhas netas leiam nada desse tipo.

Sim, é longo o caminho em defesa da memória e da verdade. Em 2019 (!), ainda estava o Tribunal Europeu de Direitos Humanos a referendar que a negação do Holocausto não estava protegida pelo direito à liberdade de expressão –por constituir-se, na verdade, em falseamento da história. O presidente da África do Sul, há poucas semanas, teve que assinalar que o apartheid foi um crime contra a humanidade. E cá estamos a lembrar, a registrar, a reafirmar que o Brasil viveu uma ditadura e que permitir que isso seja negado somente serve a quem adoraria ver um novo AI-5, uma intervenção militar, fechar o Congresso e fechar o STF (palavras tiradas de cartazes de uma manifestação de dias atrás).

O caminho é longo. Mas não deixaremos de trilhá-lo.

O caminho é duro, mas é nosso papel sacudir o ambiente para que se acorde desse nocaute que a democracia sofre.

Recorreremos da decisão e buscaremos um julgamento célere —e não apenas esperaremos a história julgar. Esta, sim, será dura.

Mais uma vez relembro Lima Duarte, agora quando citou Brecht: “Os que lavam as mãos o fazem numa bacia de sangue”.

*É Deputada federal (PT-RN), advogada e mestre em direito constitucional.

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Ou as instituições reagem ou vai ter golpe

Bolsonaro testa instituições (REUTERS/Adriano Machado)

Por Bruno Barreto

As democracias não morrem do dia para noite. Elas caem quando as instituições não agem e se curvam aos candidatos a ditadores e são preservadas quando reagem à altura.

Sobre isso existem três livros fundamentais para entender o processo de colapso da democracia: “Como as Democracias Morrem” de Steven Levitsky, “Como a democracia chega ao fim” de David Runciman e o “Povo contra a Democracia” de Yascha Mounk.

Li os três ano passado num período do ano dedicado aos estudos sobre os processos de ruptura democrática. Até aqui as instituições têm funcionado, mas há alguns sintomas que precisam nos deixar em alerta.

O presidente Jair Bolsonaro está testando as instituições a cada provocação. Há quem diga que ele não tem inteligência ou sofisticação para fazer essa experiência. Ele pode até ser inculto, mas ninguém preside um país de 210 milhões de habitantes sem ter algum tipo de inteligência. A estupidez do presidente é um método que o levou ao poder num momento em que povo perdeu a crença na política.

Um dos princípios que servem de alerta é a quebra das regras não escritas. Foi o que Bolsonaro fez ao ignorar a lista tríplice na hora de escolher o procurador-geral da república. A gritaria se restringiu a notas. O mesmo aconteceu quando ele se envolveu no comercial do Banco do Brasil que abordava a diversidade. No fim, ficou por isso mesmo. Ele censurou a peça.

Bolsonaro vai avançando na intolerância aos costumes para manter a assustadora parcela de reacionários do país mobilizados.

Em outros episódios Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) funcionaram como contrapeso barrando medidas absurdas como a proposta de excludente de ilicitude para policiais ou a nomeação de Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) como embaixador nos EUA, mas o presidente segue aumentando a aposta contra os poderes e quando o assunto se restringe as palavras tudo fica por isso mesmo. No máximo alguma crítica pública das autoridades, uma nota de repúdio e uma zoada na Internet.

Enquanto isso, Bolsonaro vai mobilizando seus apoiadores, fazendo crescer a presença dos militares no círculo do poder e eles vão tomando gosto pelo mando fora da caserna.

Povo na rua quem bota é Bolsonaro. A população não tem tanto apreço pela democracia como se imagina. É uma aposta ingênua achar que as pessoas estão preocupadas com o regime político quando a prioridade é botar um prato de comida na mesa.

Um líder carismático e autoritário com o atual presidente pode intimidar as instituições e usar sua massa de apoiadores como escudo. Foi isso que Bolsonaro fez em outros momentos e é nisso que ele pensa quando convoca uma manifestação espalhando vídeo (ver abaixo) em grupo de Whatasapp.

As manifestações estão no contexto da luta do presidente contra o Congresso provocada pela inclusão de emendas impositivas para as bancadas, o que na prática tira o Governo o real controle do orçamento da União (entendeu que as instituições por enquanto funcionam?). Primeiro o general Augusto Heleno acusou os parlamentares de chantagear o Governo, depois o tenebroso motim dos policiais militares no Ceará. Agora o vídeo (ver acima). Não tem como não se preocupar porque nada disso foi por acaso.

Para piorar, a esquerda não tem a mesma capacidade de mobilização de outrora. As mudanças no capitalismo tiraram dos sindicatos a influência sobre a classe trabalhadora.

O centrão é uma piada de péssimo gosto e não gera empatia popular por mais que setores da grande mídia se esforcem para isso.

Bolsonaro tem seu pessoal mobilizado, a elite econômica satisfeita (uma das estratégias de ditadores é controlar as elites) e está enchendo de militares nos postos de comando. Nos Estados, o presidente conta com a simpatia dos quarteis das Polícias Militares.

Não dá para brincar.

Quem tem apreço pela democracia precisa fazer muito mais do que apenas dar declarações de repúdio ou divulgar notas formais. É fundamental despertar no povo o sentimento de apreço aos valores democráticos.

Por enquanto, Bolsonaro ataca tudo e todos sem ser incomodado de fato. Suas tentações autoritárias são inegáveis. Se as instituições funcionarem ele vai ter que disputar reeleição em 2022. Senão o risco tende a aumentar. Por enquanto ele xinga jornalistas para passar o tempo.

As democracias não morrem do dia para noite, mas sobrevivem quando a reação das instituições são mais duras.