A vinda da Porcelanatti para Mossoró sempre foi um símbolo da ação de Rosalba Ciarlini e outros prefeitos no campo da geração de empregos.
A empresa, que na terceira passagem de Rosalba pelo Palácio da Resistência seria modelo de uma política de geração de empregos, virou mico para ela, Fafá Rosado e outros que passaram pelo cargo.
A Porcelanatti gerou mais propaganda que resultados ao longo de mais de 15 anos.
Mico na política, elefante branco na paisagem da estrada que liga Mossoró a Tibau, a empresa segue causando dissabores por meio de calotes no comércio e não pagamento de direitos trabalhistas.
Mas com todo esse histórico a prefeita topou explorar politicamente a promessa de retorno das atividades. Se colocou com fiadora do acordo que retomaria as atividades, usou a estrutura da comunicação municipal para faturar em cima e fez de bobos da corte rosalbista centenas de desempregados que foram se cadastrar sonhando com um emprego.
Por mais que seus bons defensores digam que ela não pode ser culpada, a prefeita escolheu arriscar sua credibilidade colocando suas digitais neste episódio vergonhoso da nossa política e no imaginário da cidade ficou como corresponsável pelo fracasso.
Ao lado do “elefante branco” materializado no prédio da Porcellanati, símbolo do fracasso da tentativa de industrialização em Mossoró, encontra-se o acampamento conhecido como Comuna Urbana do MST.
A visão da foto acima contrasta a necessidade e o desperdício. Enquanto muitos precisam de um lugar para morar, terra para plantar ou um emprego para se sustentar a Porcellanati teve todos os incentivos do Governo do Estado e da Prefeitura de Mossoró e fechou as portas, gerando desemprego e deixando dívidas milionárias no comércio local.
A seletividade de setores fica evidenciado ainda mais quando se percebe que o calote dado em Mossoró não gerou a mesma revolta que o acampamento na entrada do Conjunto Nova Mossoró. Foram três atentados à bala e muitas ameaças que se encerraram com o slogan “Bolsonaro 2018”. A polícia está investigando.
O caso gerou um debate sem fim nas redes sociais a respeito do caráter e origem das pessoas envolvidas no acampamento. Clichês sempre dão a tônica. “São vagabundos”. “Conheço um que tem casa própria”. “Sei de um que tem uma Hilux”. “É tudo bandido!”.
O Blog do Barreto virou os clichês pelo avesso e foi ao acampamento conhecer quem são as pessoas que estão lá, como vivem e as histórias de vida de algumas das 300 famílias que estão se revezando em grupos de 50 pessoas, a maioria chefiadas por mulheres desempregadas. Quem trabalha não recebe o suficiente para pagar a moradia e garantir a alimentação adequada. São trabalhadores braçais que vivem de “bicos”, empregadas domésticas e pessoas que fazem serviços esporádicos no comércio por hora trabalhada.
‘Quero um lugar para morar. Não para vender’
Moreno, baixa estatura, mãos calejadas e olhar sofrido. Tenilson Melo, aos 58 anos, segue a vida do trabalho pesado como pedreiro. Sua história é sofrida. Dos 8 filhos, um morreu no ambiente de filme de terror da saúde pública. “Tinha um casal de gêmeos que adoeceram. A menina sobreviveu. O menino não resistiu. Só tinha cinco anos”, encerra em tom resignado.
Tenilson, demonstra tristeza quando provocado a comentar a respeito dos comentários das redes sociais que acusam o movimento de ser permeado por “vagabundos” e “bandidos”. “Eu acho errado pegar um terreno para morar e vender. A gente luta por um lugar para morar”, avisou.
Desde os 12 anos Tenilson trabalha. Sem muito tempo para estudar ele ajudava o pai na roça. “Quando meu pai faleceu fui para a cidade trabalhar como pedreiro”, disse. “Eu me incomodo com essa história de chamarem a gente de ‘bandido’. Só entrei numa delegacia para tirar documentos. Quero um lugar para morar. Não para vender”, reforça.
Tenilson nunca morou em casa própria. Acumula uma vida pagando aluguel. “Todos nós sabemos que precisamos batalhar para ter o que quer. Estamos aqui sem querer fazer baderna e aqui só tem pai de família muitos desempregados. Fico triste quando fico sabendo que atacam a gente na Internet”, lamentou.
‘Não sei o que é morar em casa própria, mas sei o que é pagar aluguel que consome tudo que ganho’
Baixa estatura, braços fortes e semblante que mistura o bom humor com a angustia de quem tem três filhos e o quarta está na barriga. Lunne Rafaela aos 25 anos sobrevive com um bico em uma lanchonete aos finais de semana onde trabalha como monitora no espaço kids.
Ela recebe R$ 80 reais por final de semana trabalhado. “Não sei o que é morar em casa própria, mas sei o que é pagar um aluguel que consome tudo que ganho”, frisa.
A vida de Lunne não é fácil. O marido sofreu um acidente de trabalho que esmagou o pé direito deixando-o inválido para o trabalho pesado. Ela mostra resignação com as histórias que contam nas redes sociais. “Eles nos julgam pela aparência. Somos trabalhadores de bem. Se a gente não tivesse essa precisão não estava aqui. Se eles vivessem a vida que a gente vive não falariam isso. Para a gente é tudo mais difícil”, disse. “Falam que a gente tem carro do ano, mas eu não tenho dinheiro nem para botar gasolina numa moto velha”, completou.
‘Com três hérnias de disco entrego água para pagar o aluguel”
Aldeci Fonseca, 59, carrega no rosto as marcas de quem dedicou a vida ao trabalho pesado nas salinas de Mossoró. Nas costas estão as dores e as consequências disso. Com três hérnias de disco está aposentado por invalidez. O benefício de um salário mínimo foi corroído por um empréstimo para sair do sufoco. “Só recebo R$ 640 por causa dos descontos”, lamenta o sem teto que paga R$ 350 de aluguel.
Para conseguir pagar o aluguel ele complementa a renda entregando água mineral e gás de cozinha quando as dores permitem. “Ganho um real por água vendida. Se eu vender dez garrafões eu ganho dez reais. Ganho cinco reais por gás vendido, mas a gente vende uma vez na vida”, frisa.
Num barraco em que se reveza com uma das noras no acampamento, ele conta que nunca morou em casa própria e sonha diariamente em se livrar do aluguel. “No dia que eu receber as chaves da casa eu quero ir para dentro morar. Tem gente que vende e é errado, mas a maioria aqui quer um lugar para viver”, avisou.
No momento em que fala sobre a vida dura as acusações de que “só tem bandido” é interrompido pela esposa, Francisca Martins, merendeira em uma escola pública. “Bom não é, mas a gente não vai revidar o que eles dizem da gente. Queremos a nossa casinha e um dia vamos conseguir”, declarou.
Magra, baixa estatura e o rosto com as marcas do trabalho duro, Francisca avisa que não perde a chance de reforçar a boa índole dos que lá estão: “Não queremos tomar a casa de ninguém. Queremos um lugar para morar”.
‘Estou aqui para ajudar”
Cheiro de comida cozinhada no fogão a lenha improvisada e o prédio da Porcellanati ao fundo, Francisco Vieira, 63, se perde olhando para o “elefante branco” onde trabalhou como soldador elétrico por dois anos. “É uma tristeza muito grande. A gente trabalhava noite e dia e produzia muito. Mesmo na época do trabalho a gente percebia uma coisa estranha porque todo o dinheiro ia para Tubarão (cidade catarinense, sede da Porcellanti). Eles usaram o dinheiro para recuperar a empresa de lá e quebraram aqui. Tenho 28 mil para receber deles, mas vou passar uma procuração para meu filho porque não acredito que esteja vivo quando esse dinheiro sair”, disse.
Atualmente aposentado, Vieira, como é conhecido no acampamento fala que tem casa própria graças a luta dos sem-terra. “Sempre fui um militante da causa. Ter onde morar não é suficiente para mim. Preciso estar aqui ajudando essas pessoas. Preferi segui no movimento porque é melhor do que ficar em casa sem fazer nada”, explicou.
‘Só não estou dormindo aqui por medo dos tiros’
Sentada ao lado do fogão a lenha Verônica Cordeiro, 37, está cabisbaixa. Rosto de quem parece ser mais velha do que indica a certidão de nascimento, ela conta que está desempregada e vive com a pensão de R$ 250 paga pelo ex-marido e pai de seus dois filhos. O dinheiro é usado para pagar o aluguel. Não sobra mais nada. Para se alimentar ela conta com ajuda do antigo companheiro que lhe entrega um cartão de um supermercado da cidade. “Para pagar água e luz eu me viro com as faxinas que aparecem”, conta.
Para fazer os bicos sempre precisou deixar os filhos pequenos sozinhos em casa. Hoje a situação se tornou menos arriscada. “A luta é antiga. Agora eles estão grandes, um já tem 18. Só não estou dormindo aqui por medo dos tiros. Foi assustador”, frisou.
Veronica relata que comprou fiado as tábuas para fazer o barraco. “Quando conseguir uma faxina para fazer eu pago”, avisou.
‘O jornalismo elitista tem um caráter fortemente ideológico e conservador’, diz jornalista
Ex-editor dos jornais De Fato e Gazeta do Oeste, William Robson Cordeiro tem dedicado os últimos anos à pesquisa em comunicação. Graduado em jornalista pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atualmente faz doutorado em estudos da mídia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Parte do curso ele fez na Universidade de Barcelona de onde voltou recentemente.
Ao analisar o papel da mídia na construção de uma imagem negativa dos movimentos sociais ele critica o caráter elitista da mídia nacional. “Os meios de comunicação no Brasil são, em sua natureza, elitista e assim, na questão mais profunda que envolve a luta de classes, tende a operar em favor dos mais ricos (até porque, eles que são os donos da mídia). Não há a prática de um necessário jornalismo popular, que observe as necessidades de toda a comunidade com seriedade e justiça. O jornalismo elitista tem um caráter fortemente ideológico e conservador, de manutenção das castas. Assim, qualquer ação popular que venha enfrentar o establishment será propagada para a audiência como algo criminoso, horrendo, condenável”, avaliou.
Para William Robson, a mídia posa de imparcial, mas exatamente o inverso do que prega ao combater movimentos sociais. “A mídia também exerce um papel de domesticação e controle desta audiência neste quesito, pois ao criminalizar movimentos sociais que lutam por igualdade e direitos e, do mesmo modo criminalizar a pobreza, tenta passar a imagem de uma sociedade pacífica e trabalhadora que não pode ser incomodada com protestos e ações energéticas que venham a emergir das massas. Além disso, vendem isto como jornalismo isento, o que é uma tremenda desonestidade”, criticou.
O jornalista e pesquisador explica que há uma diferença de comportamento no Brasil em relação ao restante dos países na abordagem sobre protestos. “A mídia tem dois olhares quando movimentos sociais atuam no Brasil e no resto do mundo. No Brasil, invariavelmente, os protestos são realizados por ‘vândalos’. No resto do mundo por ‘manifestantes’. Estes marcadores de expressão tem um poder simbólico muito importante, visto que estabelecem status diferentes para situações que se assemelham apesar dos lugares diferentes: a luta popular. Trata-se, portanto, de elemento de construção simbólica que permeia a narrativa e induz as pessoas a odiar os movimentos dos quais também serão beneficiados e, ao extremo, a levá-las a reagir, como o que ocorreu nos acampamentos do MST em Mossoró, por exemplo. O poder do jornalismo está na capacidade simbólica de agir no pensamento e estimular ações”, explicou.
‘Movimentos sociais e populares são parte necessária da dinâmica política dos sistemas democráticos’, afirma sociólogo
O professor Dr. João Bosco de Araújo Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) explica que os movimento sociais são fundamentais em países com desigualdade social brutal como o Brasil. “Os movimentos sociais e populares são parte necessária da dinâmica política dos sistemas democráticos. Da democracia, portanto. São os movimentos sociais, a exemplo do MST (sem terras) e MTST (sem tetos) que colocam nas agendas pública, política e governamental,
as demandas e reivindicações legítimas dos segmentos das classes sociais excluídas e privadas de acesso a bens e serviços. Também com sua atuação forçam sua entrada na agenda governamental e pressionam por políticas públicas que respondam a essas demandas justas e legítimas dos excluídos”, explicou.
Para o professor João Bosco, é preciso compreender o que está em jogo no país e entender a necessidade de se apoiar os movimentos sociais. Ele entende que existe parte da elite disposta a reduzir as desigualdades. “A brutal desigualdade social existente no Brasil é a razão de existir esses movimentos legítimos e imprescindíveis para a conquista de direitos pelos pobres e excluídos socialmente. Tem gente da elite que gosta de distribuir sopa e fazer caridade, outros optam por serem agentes organizacionais das lutas dos pobres por diretos proclamados na constituição e não acessados pela maioria da população”, lembrou.
No entanto, ele lembra que quando o assunto é governo a elite tem facilidades para ter suas reivindicações atendidas, restando aos movimentos sociais o recurso da pressão política. “Empresários e as elites endinheiradas reivindicam e pressionam os gestores públicos através das relações simbióticas e de compadrio com os agentes do Estado. Os pobres e excluídos fazem isso através da organização política em movimentos sociais e populares”, explicou.
‘As propriedades rurais ou urbanas que não cumpram de forma eficaz e plena sua função social, deverão ser objeto de desapropriação em função da coletividade e dos que dela necessite’, explica presidente da OAB/Mossoró
O presidente da subseccional de Mossoró da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Canindé Maia, está escrevendo um livro sobre a função social da propriedade privada. “A CF 88, não define somente esta Função Social da Propriedade na ordem econômica, mas também como direito e garantia do homem, sendo direito fundamental do povo brasileiro. Portanto pelo princípio fundamental da dignidade de pessoa humana, vinculado ao direito fundamental de acesso à moradia e produção, as propriedades rurais ou urbanas que não cumpram de forma eficaz e plena sua função social, deverão ser objeto de desapropriação em função da coletividade e dos que dela necessite”, explicou.
Canindé Maia explica que a Constituição Federal estabelece a função social da propriedade privada como forma de conter as desigualdades sociais. “A função Social da Propriedade veio com o direito de propriedade, ou seja, para se manter o direito de propriedade é essencial cumprir a sua função social, sendo esta um conjunto de regras constitucionais visando colocar a propriedade nas trilhas normais, como forma de evitar desigualdades pelo uso degenerado exclusivamente egoísta, merecendo a tutela jurídica para o atendimento dos interesses sociais, mesmo contra a vontade daquele que a possui, devendo se revestir a propriedade de caráter economicamente útil, produtivo, canalizando as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade, deixando de cumprir pode perder a proteção por parte do ordenamento jurídico”, relata.
O foco da propriedade privada com função social é estabelecer harmonia social. “A propriedade usada de maneira socialmente útil, no benefício geral, tornando-o instrumento de riqueza e felicidade para todos, isso é cumprir a Função Social da Propriedade. O Estatuto da Terra conceituou a Função Social da propriedade quando diz que esta favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias, mantendo a produtividade, conservação dos recursos naturais, além de observar a justa relação de trabalho entre proprietários e os que a cultivam”, acrescenta Canindé.
No entanto, o presidente da OAB/Mossoró pondera que ocupar é ilegal, mas cabe ao Governo desapropriar propriedades que não cumprem função social. “A ocupação não é legal, pois o proprietário pode entrar com ação de reintegração, o governo que tem a obrigação de desapropriar as terras que não cumpram a função”, frisou.
Opinião do Blog
A sociedade precisa conhecer melhor os movimentos sociais e quem são as pessoas que lideram, assim como compreender as histórias de vida dos que estão na luta. A mídia cumpre um papel fundamental de esclarecer isso, mas quando reforça estereótipos negativos aos movimentos sociais ela reforça o pensamento conservador.
Os movimentos sociais cumprem um papel fundamental na luta para reduzir desigualdades num país como Brasil marcado pelas diferenças sociais profundas de quem foi a última nação do mundo a pôr fim a vergonha da escravidão.
Embora não tenha amparo legal, as ocupações se tornaram o único instrumento dos movimentos sociais para garantir habitação e terra aos menos favorecidos. É uma forma de desobediência civil, uma ação de cunho político. Os meios das camadas populares não são os mesmos das elites que convivem com uma relação de proximidade com os agentes públicos.
O Brasil precisa discutir soluções para a desigualdade social de forma honesta, sem clichês e propagação de estereótipos que denigrem os mais humildes.