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O Mossoroense completa 147 anos

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Hoje O Mossoroense completa 147 anos. Não é mais um jornal impresso de antes, mas este veículo de comunicação sempre vai mexer com as minhas emoções por ser onde dei meus primeiros passos no jornalismo e onde tive muitos aprendizados.

Vida longa ao jornal em sua fase exclusivamente on line.

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Reportagem

A história de Lauro da Escóssia, lendário jornalista mossoroense

Vasculhando o Google para buscar informações sobre Lauro da Escóssia para contribuir numa pesquisa do colega jornalista Eliabe Alves encontrei um trabalho marcante do início de minha carreira jornalística: o caderno especial em homenagem ao centenário de Lauro da Escóssia publicado em 16 de março de 2005 em O Mossoroense.

Um dos primeiros desafios que recebi e com muita honra cumpri. Lauro da Escóssia é uma figura marcante na história do jornalismo local.

Confira o conteúdo do caderno especial produzido há 14 anos:

Lauro da Escóssia

 

Decano do jornalismo chega aos 100 anos de história

Bruno Barreto

Da Redação

“Tudo quanto escrevi, procurando enfeixar em um livro, revela o desejo de deixar para a posteridade, ao simples contato de meus conterrâneos, um pouco da imagem do passado guardado na lembrança deste conterrâneo e amigo”, a frase atribuída a Lauro da Escóssia revela bem o amor deste mossoroense, nascido no dia 14 de março de 1905, pelo povo de sua cidade de origem.

Lauro que completaria 100 amanhã teve uma vida intensa, professor formado pela escola normal foi responsável pela reabertura de O Mossoroense, a grande paixão de sua vida, em 1946 com a ajuda de Jorge Freire de Andrade, Ving-ut Rosado e José Augusto Rodrigues.

Antes já havia trabalhado no jornal como repórter no mesmo periódico tendo como ponto alto em 1927 quando foi o responsável pela cobertura da invasão do bando de Lampião a capital do Oeste, ocasião em que ele conseguiu entrevistar o cangaceiro Jararaca antes mesmo que o mesmo fosse interrogado pela polícia. Este é considerado um dos maiores furos de reportagem da história da imprensa potiguar, graças a isso o jornal, com 5.400 exemplares vendidos, atingiu a maior vendagem de sua história.

Lauro da Escóssia casou-se duas vezes a primeira delas com Dolora Azevedo do Couto Escóssia com quem teve 8 filhos, após a morte dela casou com Lourdes Alves da Escóssia adotandos seus filhos, com ela se manteve casado até a sua morte em 19 de julho de 1988. “Lauro foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, foi meu amigo, companheiro e marido. Tanto é que após a sua morte nunca mais casei. Em nossa vida nunca houve cansaço nem de minha parte nem da dele. Em minha mente está sempre a impressão de que ele está viajando, quando isso acontece sinto muita paz”, conta sua esposa Lourdes Escóssia.

Segundo seus familiares Lauro da Escóssia era dono de um temperamento muito explosivo. “Lauro trazia no sangue o arrebatamento e a impetuosidade de seu avô, Jeremias. Panfletário e sem medo herdou tantos traços de identificação, revelados nas suas ações e reações, por vezes bruscas, senão violentas, que sempre reclamam conduta irredutível, coragem e espírito de deliberação”, assim foi descrito pelo ex-prefeito de Mossoró Raimundo Nonato em depoimento para o livro ‘Escóssia’ de autoria do jornalista Cid Augusto.

Apesar do temperamento forte Lauro da Escóssia era um homem que não guardava rancores. “Papai estourava, mas dali a dois minutos já estava bonzinho”, revelou sua filha Margarida Escóssia.

A sua relação com os filhos era muita aberta e pautada pelo carinho. “Papai era um homem à frente de seu tempo absorvia muito bem as mudanças e era muito atencioso com todos nós, a única ressalva que ele tinha com a gente era quando a gente ia para a churrascaria O Sujeito (onde hoje se localiza o clube Carcará), como ele nunca podia ir e mamãe sempre ia conosco ele dizia brincando que a gente seria levado pelo rio e parar em Porto Franco (atual Grossos)”, conta Margarida. 

Essa boa relação com os filhos se repetiu com os seus netos também, a recíproca por parte dos netos era verdadeira tanto que todos eles lhe chamavam de Vôzinho. “Me recordo como se fosse hoje das conversas do meu avô, ele era um homem muito centrado em si, pensava um pouco pra falar, mas suas palavras eram sempre sábias, tinha o poder de nos dar segurança quando era abordado sobre qualquer assunto. Lauro da Escóssia não foi só um grande jornalista, ele foi também um grande avô e sempre encontrava hora para nós, por isso todos nós netos chamavam ele de Vôzinho”, afirma Daniele da Escóssia.

Apesar de fazer história em Mossoró Lauro da Escóssia era um homem de hábitos simples. “A falta de vaidade de Papai era tão grande que ele fazia questão de ter apenas um par de sapatos. O prato preferido dele era bolo de leite, diabético, ele pagava para a empregada comprar o bolo escondido da gente”, conta Margarida da Escóssia.

Lauro não fazia distinção entre seus amigos tanto podia ser amigo dos mais ilustres como dos mais simples. A prova disso é que duas de suas grandes amizades foram o ex-governador Dix-sept Rosado (falecido em 1951) e o pedreiro Francisco Constantino o ‘Chico Boseira’. “A amizade de papai com Dix-sept era desde os tempos de prefeitura, quando ele foi secretário, a fidelidade era tamanha que um dia o ex-governador pouco antes de falecer pediu para papai guardar um bilhete em segredo o que ele fez até o final da vida. Já com Chico era uma amizade muito divertida, eles conversavam e se davam muito bem, ele brincava muito com Chico chamando ele de poliglota porque ele fazia de um tudo era pedreiro, encanador e eletricista”, revela Margarida.

‘Chico Boseira’, ainda está vivo e relembra a sua relação com o amigo. “Quando lembro do meu amigo, vem duas coisas a minha memória: a primeira era que ele dizia que eu era seu filho mais velho e a segunda eram as nossas conversas sempre descontraídas ele sempre pedia para eu contar anedotas e fazer cantigas populares. Até o meu apelido quem colocou foi Lauro, antes me chamavam de ‘Chico Roseira’ porque todos jardins que plantava davam certo, uma vez ele pediu para eu fazer um para um na sua casa e as plantas morreram e ficou tudo sujo aí ele mudou o meu apelido”, diz.

O seu grande prazer nas horas de descanso era ir ao Sítio Senegal, localizado em Alagoinha, que levava esse nome por ser muito seco. Lá ele ia tomar conta das cabras e galinhas que criava.

Nos últimos dias de sua vida, Lauro da Escóssia esteve muito doente, mas não perdia o bom humor. “Ele sempre estava de bom humor independente das doenças das doenças que lhe atingiam”, conta a viúva Lourdes Escóssia.

 

Lauro se tornou nome de rua e museu

 

A intensa vida de Lauro da Escóssia não poderia deixar de lhe render inúmeras homenagens. As mais visíveis são: a cessão de seu nome à rua localizada no Abolição  IV e ao Museu ao qual dedicou os últimos anos de sua vida.

Seu nome foi dado a uma das ruas do Abolição IV na década de 80 através de um decreto do então prefeito Dix-huit Rosado em reconhecimento a sua contribuição sociocultural dada a cidade. Era justamente nesse trecho que ele passou os últimos fins de semana de sua vida.

Outra homenagem importante o decano só recebeu após a sua morte: trata-se da medalha de reconhecimento outorgada pela Câmara Municipal, em setembro de 1988.

No entanto, a mais importante de todas as homenagens que Lauro poderia receber era doar o seu nome ao Museu Municipal, a antiga Cadeia Pública onde ele entrevistou o cangaceiro Jararaca, em 1927.

O museu passou a ter o seu nome em 18 de julho de 1991, após a então prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini, sancionar projeto de lei do vereador Júnior Escóssia, após acatar sugestão do então diretor da casa de cultura, João Bosco de Queiroz Fernandes. “Tio Lauro era muito ligado ao museu, mesmo doente ele não deixava de vir até aqui”, conta Maria Lúcia da Escóssia, atual diretora do museu.

Para se ter uma idéia do amor e dedicação de Lauro da Escóssia ao museu, próximo à sua morte ele fez a seguinte confidência a um grupo de pessoas que estavam ali com ele, entre elas o pesquisador Raimundo Brito. “Com os olhos cheios de lágrimas, Lauro proferiu a seguinte frase: ‘Sei que vocês vão me enterrar, mas a minha alma vai ficar aqui dentro'”, relatou Raimundo Brito.

 

Intelectuais falam sobre trabalho de Lauro da Escóssia

 

Grandes amigos de Lauro da Escóssia homenagearam entre eles, intelectuais do calibre de Ving-un Rosado, Raimundo Brito e Dorian Jorge Freire.

O historiador Vingt-un Rosado destacou a dedicação de Lauro da Escóssia ao Jornalismo. “Era um homem humilde que foi um servidor do Rio Grande do Norte, como um jornalista que virava noites na redação em uma vigília incansável”.

O jornalista Dorian Jorge Freire o considera o maior jornalista da história da imprensa mossoroense. “Lauro foi o maior jornalista que Mossoró já teve, quando o jornal saía era sempre um grande momento, com ele nunca houve censura”, afirmou.

Já Raimundo Brito preferiu falar sobre a relação de Lauro com o Museu Municipal que hoje leva o seu nome. “Sobre Lauro prefiro repetir aquilo que foi colocado no livro que ele escreveu sobre a história de Mossoró: …a vida de Lauro, a história de Mossoró e a de O Mossoroense, como se vê tudo ali é uno e indivisível. Uma coisa assim parecida com a santíssima trindade…”

 

Livros de Lauro foram publicados nos últimos dez anos de vida

 

A produção literária de Lauro da Escóssia ficou restrita aos últimos dez anos de sua vida. O seu primeiro livro, publicado em 1978, ‘As dez Gerações da Família Gamboa’, em que ele fez um estudo genealógico sobre os descendentes do alferes Manuel Nogueira de Lucena, fundador da família Gamboa.

Três anos depois, o decano do jornalismo potiguar escreveu ‘Memórias de um Jornalista de Província’, no qual fala sobre momento importantes que viveu ao longo da história de Mossoró como a fundação das primeiras entidades recreativas e esportivas, relatando a chegada do primeiro automóvel e do primeiro avião, invasão do bando de Lampião, as secas de 1915 e 1917, fundação do Tiro de Guerra e do Grupo de Escoteiros, criação da Escola Normal e de sua atuação político-partidária nas revoluções de 1924 e 1930.

O ‘Futebol da Gente’, de 1982 aborda a história do esporte em Mossoró, com destaque para o momento em que cita o fato de Celina Guimarães ter sido a primeira mulher de que se tem notícia a ter arbitrado um jogo de futebol no Rio Grande do Norte.

Em 1983, ele publicou mais dois livros, ‘Cronologias Mossoroenses e ‘Desfolhando a Saudade’, o primeiro faz uma síntese histórica da cidade, através de fatos e acontecimentos numa seqüência cronológica desde aos primórdios da capital do Oeste. Já no segundo, o autor reúne textos de sua irmã mais nova Maria Escossilda, em O Mossoroense e outros pequenos jornais nos quais ela colaborou até a sua morte, em 1935.

Em 1986 foi a vez de Lauro lançar a sua penúltima obra literária, ‘Anedotas do Padre Mota – Vultos Populares e Outras Coisas de Mossoró…’. Este livro é dividido em três partes: a primeira reúne o anedotário produzido pelo ex-prefeito e vigário da Diocese de Mossoró, Padre Mota; na segunda, faz alusão às histórias dos tipos populares que conviveu; já a terceira e última etapa deste livro reúne crônicas sobre a cidade.

No ano de sua morte, Lauro da Escóssia publicou seu último livro ‘A Maçonaria em Mossoró’, no qual relata a história da maçonaria em Mossoró desde os seus primórdios.

 

Ex-funcionários lembram do jornalista

 

Divertido e exigente, este era ‘Seu Lauro’, como os funcionários de O Mossoroense se referiam a Lauro da Escóssia, um homem que conseguia o respeito e admiração dos que o acompanhavam na lida.

Francisco Guerra, um dos mais antigos funcionários deste jornal, lembra que a convivência com o jornalista era uma festa. “Quando o jornal ficava pronto ela gostava de levar a gente para jantar, mas antes, durante o serviço, ele era muito rígido”, lembra.

Cosme Freire, o ‘Vovô, outro antigo funcionário de O Mossoroense, disse que sempre que lembra de Lauro é pela dedicação dele ao jornal. “Era impressionante, ele dormia no jornal às vezes”, conta.

José Ferreira Filho, que trabalhou com ‘Seu Lauro’, falou sobre o temperamento de seu antigo patrão: “Ele era um misto que ninguém entendia, era explosivo e ao mesmo tempo não era, quando ele estourava o que era dito não afetava a ninguém”, conta.

 Todos os funcionários eram tratados como se fossem seus filhos. “Seu Lauro tinha mais filhos do que os de sangue, é uma imensa lista: Juarez, Paulinho, Dedé Pretinho, Zé Almeida, Miúdo, Lauro de Pedrinho, Surica, Vicentinho, Gabriel, Peruca, Emery Costa, Guerra, os dois Vovôs (Cosme e Damião), Anastácio, Julimar, Chico Boseira, Cizinho, Wilson Bezerra, Maia Pinto, Zé Maria Alves, Zé Maia, Chico Bento, Shao-lin, Amâncio, Arnaldo, Toinho Silveira, Ivonete de Paula, Marcelino, Jânio, Socorro, João da Cruz, Flor de Maria, Bezerra, Sônia Lima, Emiliana, Nilo Santos e tantos outros que não me vêm à memória”, relata.

 

Lauro atuou também em várias áreas

 

Além do museu e do jornalismo, Lauro da Escóssia atuou em áreas variadas que iam desde a política até o desporto, passando pela educação, maçonaria.

Mesmo nunca tendo assumido cargo eletivo a atuação política de Lauro da Escóssia foi muito intensa, integrante de dois partidos: o Partido Popular e do Partido Republicano.

Foi opositor da Revolução 1930 comandada por Getúlio Vargas. Foi partidário da Revolução Constitucionalista de 1932, que ocorreu em São Paulo com objetivo de implantar uma constituição no país que vinha há dois anos sendo comandado por um governo provisório.

Convidado duas vezes a se candidatar a deputado estadual recusou-se a disputar a vaga à Assembléia Legislativa, preferindo se envolver com a política através de seu jornal, que chegou a ser fechado duas vezes em virtude de suas posições a favor do regime democrático.

Lauro atuou como secretário em Mossoró nas administrações  municipais de Padre Mota, Dix-sept Rosado e Jorge Pinto. Sem contar que também foi presidente do Tiro de Guerra de Mossoró e o Centro Regional de Escoteiros de Mossoró.

A sua atuação política se estendeu ao desporto quando dirigiu entidades como a Associação Mossoroense de Desportos Atléticos (atual Liga Desportiva Mossoroense), dirigiu o Humaitá Futebol Clube, o Clube Atlético Mossoroense e a Liga Operária de Mossoró.

Outra área que Lauro atuou foi na Maçonaria, ele fundou a Loja Maçônica João da Escóssia. Ele foi o primeiro venerável, cargo máximo de uma loja.

Além disso, Lauro foi professor primário formado pela Escola Normal de Mossoró, em 1925, em 1928 começou a dar aula no serviço público, em 1930 foi contratado em definitivo, ele trabalhou durante 33 anos nessa área. Lauro ainda foi um dos responsáveis pela vinda do Tiro de Guerra para Mossoró e um de seus primeiros presidentes.

 

Lauro da Escóssia aos 100 anos

Vingt-un Rosado

 

Na celebração dos seus grandes filhos, as cidades costumam juntar, num mutirão de excelência, clero, nobreza e povo. 

Certamente a prefeita Fafá e a governadora Wilma terão sensibilidade suficiente para levar os seus governos a assumir uma participação efetiva nas festividades comemorativas do centenário de Lauro da Escóssia, um grande de Mossoró.

O evento não pode se limitar a um programa do círculo familiar, mas deve despertar a província inteira, além dos lindes municipais.

Porque Lauro foi um servidor devotado do Rio Grande do Norte, como jornalista, principalmente, ele executava todas as tarefas de um jornal do interior, todas, desde a mais humilde até a de redação e virava as noites, numa vigília incansável, para que no outro dia a cidade dispusesse do seu centenário “O Mossoroense”.

Jeremias da Rocha Nogueira fora o fundador em 17 de outubro de 1872, na fase do combate acirrado da maçonaria contra a igreja católica.

Um guerreiro da Loja Maçônica 24 de Junho contra o vigário Antonio Joaquim Rodrigues, da igreja católica.

Eis o seu avô.

A segunda fase é de João da Escóssia Nogueira, o xilógrafo, cujo pioneirismo na arte em que era um mestre, apesar de autodidata.

Homem de talento extraordinário que está despertando o interesse de centros culturais do país.

Eis o seu genitor, o construtor da fase que começou em 12 de junho de 1902.

Lauro e Escossinha carregaram com muita garra, coragem, humildade, desprendimento as tarefas que herdaram de Jeremias da Rocha Nogueira e João da Escóssia.

Funcionário público, Lauro o foi com zelo e probidade.

Diplomado em 1925 pela tradicional Escola Normal de Mossoró, na turma de que faziam parte, dentre outros, o memorialista Raimundo Nonato da Silva, o fabuloso retirante da seca de 1919 e Lauro Reginaldo, o “Bangu”, que seria por duas vezes secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, cargo também ocupado por Luís Carlos Prestes, “o cavaleiro da esperança”.

Diretor do museu municipal, que eu organizara no tempo de Dix-sept, desdobrou-se em iniciativas culturais de valor.

Professor do ensino primário, tantas vezes perseguido pela independência do seu procedimento, como jornalista combativo.

Memorialista e historiador, deixou livros importantes para o estudo de Mossoró e sua região.

Desejo distinguir “As Dez Gerações da Família Camboa”, para mim o mais importante título da genealogia potiguar.

Um livro que resultou de pesquisas axaustivas, uma vez que o linhagista Francisco Fausto de Souza estudara as cinco primeiras gerações.

No livro de Lauro está a própria história de Mossoró.

Ao terminar este depoimento singelo, quero homenagear três bisnetos de Lauro e Dolora, que são netos de Vingt-un e América, filhos de Lauro da Escóssia Neto e Lúcia Helena Rosado da Escóssia: o universitário Laurence Rosado da Escóssia, hoje habitante do país da saudade, Wagner Rosado da Escóssia, que deverá concluir no agosto próximo a sua graduação em Ciência Jurídicas e Sociais e a odontóloga Cynthia Rosado da Escóssia.

Tibau, 13 de fevereiro de 2005.

 

Escrevendo com o coração

Lauro da Escóssia Neto

 

Pediram-me para escrever  sobre Lauro da Escóssia. Eu, seu primeiro neto, sua terceira geração… Não trago no sangue seu gene de escritor e jornalista modestamente dito de província. O que posso dizer de “vôzinho”?  Serei suspeito para falar no homem  que foi  avô e pai devotado? Não. Tendo compartilhado durante toda a sua vida de suas amarguras e esperanças, vejo-me qualificado a rememorar, não o jornalista, o memorialista e escritor, mas o homem Lauro da Escóssia em toda sua infinita modéstia. 

 Em um dia desses qualquer, às primeiras horas da  Ave Maria, na Rádio Difusora de Mossoró, lida pela voz de Genildo Miranda, um   transglobe  captava suas ondas, e a brisa quente e suave trazida pelo nordeste, embalava prazerosamente a cadeira de balanço de seu Lauro, em sua calçada à rua Dr. Mário Negócio, 158.

 Normalmente, à exceção da segunda-feira, que era dia  de Maçonaria, estava  em sua calçada, à luz do poste da “Comensa” localizado exatamente em frente à porta principal de sua casa.

Ali sentado com a companheira de toda sua vida, dona Dolora, rádio posto ao colo, ofertava a  quem passava, um fraternal “boa noite fulano de tal.” Conhecia a todos.  Moradores e comerciantes da sua rua e adjacências retribuíam com satisfação o boa-noite de seu Lauro. Naquele tempo, mães, pais, avós, tios, vizinhos, eram autoridades presumidas, dignas de respeito e consideração. Os valores morais eram outros.  Não se duvidava do caráter das pessoas.  Por preservar estes valores, seu Lauro podia desfrutar de sua calçada e ter a porta aberta nas noites quentes de verão.

Era uma rua residencial. O comércio existente na época, resumia-se ao armazém de Raimundo Marques, de onde saía o misto de Isidoro para Tibau; Rubens Pinto & Cia; a padaria de seu Eli; o armazém de seu Chiquinho  Andrade, alguns poucos cafés, e já no final do quarteirão, a serraria de seu Otávio. Em tempo: havia também a academia de jiu-jitsu do Dr. Diniz Câmara, que funcionava na sua própria casa. Homem forte e robusto, no tatame distribuía golpes pra todo lado, para infelicidade geral dos seus magérrimos alunos.   Se não me falha a memória, este era o comércio da rua Mário Negócio naquele tempo. 

A rua era uma tranqüilidade. Poucas pessoas possuíam veículos e na maioria das vezes, andavam a pé, já que não existia ainda transporte coletivo, a não ser os táxis do Posto Cinco e Santa Luzia. Imagine quantas pessoas passavam pela calçada de seu Lauro ofertando-lhe um sonoro “boa-noite”  quando não paravam para trocar   algumas palavras..

Impreterivelmente, todos os dias, às 5 horas, a pé,  fazia sua peregrinação matinal ao Mercado Público. Lá era o ponto de encontro de amigos e compadres, comparsas das doces prosas matinais. Havia o açougueiro João Tobias, o gazeteiro seu Tico já com “O Mossoroense” , “novinho em folha”, e Antonio Bezerra,  com seu armazém de cereais.

Fui várias vezes com ele ao Mercado, menino-criança, cheguei a  participar algumas vezes de sua roda de amigos. Todos sorriam em paz e faziam graça sobre coisas  simples que hoje não vemos mais.

Ao retornar para casa, deixava a feira e partia para o trabalho.  Ia embora, como sempre foi: a pé, apesar do corpo pesado e do joelho doente. Era avesso a médico. Assim como partia, chegava: cansado e ofegante, mas sempre sorrindo.

Apesar das adversidades que a vida lhe proporcionava, sempre encontrava um coração afetuoso que lhe dizia para seguir em frente. Era  Dolora, sua esposa, minha avó e mãe, que trazia consigo a fé do mundo todo, buscando em Deus e em Santa Luzia, a mágica divina de poder criar e educar bem os seus sete filhos: Lauro, Danilo, Margarida, Concita, João, Carmem e Guga, e de quebra, Coné e Noemia.

Lauro da Escóssia viveu com completo desamor ao dinheiro. Sua vida era a família, O Mossoroense e a Maçonaria que ele tanto amou.

Não me cabe aqui falar da sua importância para a imprensa potiguar. Todos já sabemos. Só não sabíamos como era o dia a dia do homem que deixou marcado na sociedade mossoroense, sua luta, seu amor ao trabalho, a  paixão pelas coisas de sua terra. Encontrei no livro de Francisco Obery Rodrigues, Rua Coronel Vicente Sabóia, coleção mossoroense, série “C” vol.1180, pg.86, uma bem próxima descrição do meu avô: “Era assíduo e dedicado ao jornalismo. De temperamento ardoroso, foi um profissional combativo, parecendo ter sido o que herdou, em maior grau, o ardor cívico, o denodo e a coragem de Jeremias da Rocha Nogueira…Participou ostensivamente da política, sempre na defesa dos interesses de nossa terra.”

Lauro da Escóssia deixou para nós  exemplo de vida e coragem, levantando uma bandeira de paz e  profunda consciência política e social. Este era Lauro da Escóssia. Seu Lauro para uns tantos outros, vôzinho para mim.

 

Vozinho: um gosto pela vida

Liliana da Escóssia Melo

Por ter sido Vozinho um jornalista, homem afeito às letras, e ser eu uma psicóloga, professora, igualmente afeita às letras, quase viciada em saber – saber do mundo, das pessoas, de suas semelhanças e diferenças, seus encantos e desencantos, seus medos e ousadias, suas capacidades inventivas e destrutivas, enfim, de tudo que é “humano, demasiadamente humano” – era de se esperar que a grande influência exercida por ele na minha vida fosse o gosto, a curiosidade e o interesse pelo conhecimento. Não que isso não seja verdade.

Mas Vozinho deixou-me outras coisas. Deixou-me, principalmente, um imenso gosto pela vida. Não a vida em seu sentido mais abstrato e idealizado, mas a vida concreta, que se traduz nos espaços que escolhemos para habitar, nas atividades que realizamos cotidianamente, na rede de amigos e amores que construímos ao longo da vida, nos sonhos que insistimos em realizar, nas nossas pequenas e grandes ações, nos nossos desejos.

Deixou-me ainda um compromisso ético com a vida: nunca se submeter àquilo que nos enfraquece, que nos subtrai a potência do viver. Vozinho era assim: apostava numa vida bela, bem vivida e intensa. Mesmo que isso resultasse numa vida “menos extensa”.  Personagem paradoxal, a um só tempo, eficiente e suave, firme e terno, beligerante e delicado, pesado e leve. Leve, ao ponto de me acompanhar – em seus primeiros tempos de viuvez – nas minhas primeiras incursões aos salões de dança. E não pensem que era para dançar valsa. Quando encontro algumas amigas da adolescência elas lembram sempre de Vozinho dançando rock com a gente na ACDP (ainda existe?), ou em alguma boate da cidade, quando íamos de Natal passar férias em Mossoró. Vivemos isso com o prazer de quem vive algo surpreendente e encantador.  A sua presença lúdica e protetora (juntamente com Badi) foi um ingrediente indispensável para que pudéssemos experimentar as aventuras próprias daquela idade.

É bem verdade que Vozinho era desmedido em alguns aspectos, como, por exemplo, em relação a sua dieta alimentar. Mas, ao mesmo tempo, havia nele uma sabedoria das doses e das misturas, sabedoria própria dos artistas, dos que operam misturas inusitadas entre cores e formas a fim de produzir uma obra. Vozinho era assim: na sua mistura de ingredientes produziu gestos, textos, livros, jornais, amigos, uma imensa família, uma bela vida, uma obra de arte.

Lembrar de Vozinho é um exercício que situo entre a vida e o póstumo, entre a alegria de quem ganhou algo que nunca perderá e a saudade de um tempo irreversível, que permanece marcado na memória e no corpo.

 

Jornalista Lauro da Escóssia: um amigo de infância

 

LÚCIA ROCHA

 

Durante a infância tive amizade com algumas pessoas de idade avançada. Quando falam em seu Lauro da Escóssia, digo que foi meu amigo de infância. Explico: ele era avô de Florina, Cláudia e Valéria – filhas de Margarida Escóssia – e minhas amigas de infância. Fomos vizinhos na rua Mário Negócio. 

A gente se divertia na rua mesmo. Na construção da Padaria 2001 brincávamos de esconde-esconde no canteiro de obras. Mas quando as brincadeiras eram na casa delas, que moravam com o avô jornalista, eu deixava de brincar e ia conversar com seu Lauro, meu primeiro professor de jornalismo. Deliciava-me ouvindo suas histórias de repórter de província.  

Em casa ele passava o tempo todo lendo. Por diversas vezes me contou da entrevista com Jararaca na cadeia pública de Mossoró, onde hoje é o museu que leva o seu nome.

No verão de 1988, passei as férias na redação de O Mossoroense colhendo material para um trabalho da UFRN. Nem acreditava que estava mexendo e tocando nas coisas de seu Lauro… Uma pessoa de caráter, que viveu para o jornalismo ético, comprometido com a verdade, com os fatos e não as versões. Que fazia jornalismo e não bajulismo. Hoje um fenômeno mundial. 

Para quem não sabe, Lauro da Escóssia fazia de tudo no jornal: fotógrafo, repórter, vendedor e criador de anúncios, administrador, chefe de reportagem, editor, diagramador e por aí vai. Sem esquecer que ele fazia tudo isso numa época em que não havia computador, notebook, gravador, Internet, MSN, celular, fax, carro de reportagem, link e tudo o que nossos veículos de comunicação oferecem como ferramenta para o repórter de hoje.

Sempre estou me lembrando de seu Lauro. E aprendendo com suas atitudes, iniciativas e ousadia. No ano passado um colega não estava conseguindo fazer uma matéria com doutor Milton Marques e pediu ajuda, pois o homem estava ocupado demais com as instalações da TCM.

Consegui um tempo na agenda dele e a tal entrevista ficou para as 15 horas. O homem ocupadíssimo transferiu outras ocupações. Ficou à tarde toda preso a esse compromisso e o repórter não apareceu. Pior, não comunicou nada.

Fiquei sabendo disso depois, por Stella Maris. Liguei para o colega e alegou que ficou esperando um carro do jornal e não apareceu nenhum. Bem, contei a ele a história de seu Lauro e repeti o que disse acima: seu Lauro não tinha isso, isso e aquilo e fazia um jornal inteiro sozinho. Como é que a gente tem hoje isso, isso e aquilo e deixamos de cumprir uma simples pauta?

Veja bem, o repórter ficou na ‘esperança’ de aparecer um carro e, ‘esquecendo’ que o homem da TCM é ocupado demais, poderia tê-lo dispensado pelo telefone, fax, Internet ou celular.

Se vivo hoje, seu Lauro teria ido de mototáxi. 

Lúcia Rocha, cientista social e jornalista, ex-aluna e amiga de infância do jornalismo de Lauro da Escóssia.

 

As três dores de Lauro da Escóssia

FERREIRA FILHO

 

Abril de 1960. Início da campanha para governador do Estado. O então candidato (depois eleito) Aluízio Alves começava a investir alto na mídia, e os órgãos de comunicação estavam “de bem com a vida”. Eu acabara o primário, e minha avó, Dona Cândida (“tratadeira” de mulher de resguardo), levou-me ao jornal O Mossoroense para ser apresentado a Seu Lauro, pedindo-lhe que me arranjasse um emprego. Fazer “qualquer coisa”. “Se você tem vontade de trabalhar, vai se sair bem por aqui”, disse-me ele, com o sorriso sempre aberto.

Aquele homem viria a ser meu pai, profissionalmente falando, pois, filho e neto de dono de jornal, já nascera com o dom da profissão nas veias. Começava ali a minha trajetória de aprendizado dentro das oficinas, sempre incentivado por ele, que, de cara, gostou de mim. Empenhei-me dentro das oficinas e fui galgando profissões, da mais simples a mais sofisticada para a época, que eram de varrer o prédio e derreter chumbo à de linotipista.

Era brincalhão ao extremo, às vezes recriminado severamente pelo filho Lauro da Escóssia Filho. Tratava a todos nós, seus empregados, como a seus próprios filhos. Humano, correto, tinha uma preocupação exagerada com todos que o serviam. Se, na hora da raiva, cometia alguma injustiça, tinha a humildade de desfazê-la com a naturalidade dos justos. Gostava de “atiçar” Zé Almeida (um dos nossos) para fazê-lo dizer impropérios aberrantes, para com isso se contorcer em estrondosas gargalhadas. Fomos expulsos, em 1961, por uma enchente no rio Mossoró, indo para o prédio antigo do Colégio Diocesano Santa Luzia (dos Padres), onde hoje funciona a agência Centro do Banco do Brasil.

Uma grande dor lhe cortou o coração, quando, em 1963, O Mossoroense foi obrigado a fechar suas portas, pois as coisas se tornaram difíceis ao ponto de não poder continuar. Ficou uma pequena gráfica funcionando. Lauro Filho sustentando, quase totalmente, com o seu salário, os poucos empregados que ficaram. Eu me desliguei da empresa em busca de novos caminhos.

Novembro de 1970. Convocado a voltar a O Mossoroense na sua reabertura, encontrei Seu Lauro, sorriso aberto. Acho que renascera. “Zé Ferreira, você faz parte da família O Mossoroense”, dizia-me. Viuvez, nova família, coisas que mexeram com sua vida, não o deixaram diferente para conosco, seus “filhos”. Quando “solteiro”, fizemos muitas farras juntos. Andávamos por aí, ele, eu, Anastácio, Guerra, Vovô e outros, quando se gabava de ser um patrão que tinha bom relacionamento com seus empregados.

  1. A penúltima dor. O Mossoroense foi vendido ao grupo que hoje o comanda. “Gostaria que permanecesse no jornal o mesmo pessoal que comigo trabalhou até hoje”, argumentou. Foi nomeado diretor do Museu Municipal, que hoje tem o seu nome. A 20 de julho de 1988, a última dor (a da morte) se abateu sobre ele, seu nobre coração não agüentou e ele partiu. 12 anos nos separam de Lauro da Escóssia. Não sentimos a sua falta, pois ele cumpriu a tarefa a que foi incumbido aqui na terra. Mas deixou em todos nós, que o conhecemos, um sentimento que não se pode evitar: SAUDADE.

FERREIRA FILHO é do setor de composição da Gazeta do Oeste

 

A vida em tecnicolor é melhor

Tomislav R. Femenick

A última vez que a vi, ela estava desbotada, meio amarelada e corroída nas bordas. Hoje não sei por onde anda. Deve estar perdida em algum vão, algum espaço vazio de alguma gaveta ou armário ou, então, guardada em algum desses pacotes de coisas do passado que todos nós temos, pacotes esses que aumentam de tamanho e número na proporção em que acumulamos anos de existência. É apenas uma fotografia em preto e branco, em tamanho de postal, dessas batidas sem dar tempo para pose e com tempo de exposição muito curto, um instantâneo, mas que teve a capacidade de reter a alma de Lauro da Escóssia – Seu Lauro, quando eu falava com ele, o Velho Lauro, quando eu falava dele.

Foi tirada de manhã cedo, em sua casa na praia de Tibau. Nela, Seu Lauro estava despenteado, ainda vestindo pijama e sorrindo, comedidamente. Quando eu lhe mostrei a foto, ele simplesmente me disse: “É… sou eu. Mas seria melhor se fosse em tecnicolor”. Deu-me as costas, e saiu de porta a fora, atrás de um comprimido de Antineuválgico Rosado, que foi comprar na farmácia ao lado. A foto era sim bem ele. Simples, despojado, e comedido. Mas, se olhássemos bem, ali encontraríamos outras de suas características. Veríamos a sua obstinação, coragem e teimosia em fazer com que nós, os que compúnhamos o quadro de repórteres e cronistas de O Mossoroense, escrevêssemos de forma que desse para o povo ler e entender e, sem “arrodeios”. Indo diretos ao assunto, sem encher lingüiças.

É nesse campo que está o relevo da figura de Lauro de Escóssia. Certa vez, com o original de um artigo de Jaime Hipólito na mão, o chamou e perguntou: “Jaime, o que quer dizer ‘emula’, essa palavra que você escreveu?” Depois de Jaime explicar, ele retrucou: “Jaime, eu que escrevo todo dia, não sei o que diabo é ‘emula’, como é que você vai querer que os leitores saibam? Quem ler jornal é o povo”. Outra vez foi com Walter Gomes. “Walter venha cá. Leia o começo de sua crônica de amanhã”. Walter pegou o original das mãos de Seu Lauro e, com voz impostada, começou a ler o texto que era mais ou menos assim: “Era meio-dia, mas o céu estava escuro, enegrecido pelas nuvens pesadas que cobriam todo o teto do mundo. O frio fazia-me bater os dentes…”. Aí Seu Lauro interveio. “Walter, meu filho, onde é que está essa chuva toda? Os nossos leitores são de Mossoró, do Oeste, onde chuva é pouca, quando há. Quer matar o pessoal de raiva ou inveja?”.

Tive também o meu quinhão. No início da noitada de um sábado, eu estava em uma festa na ACDP, quando recebi um telefone de César de Alencar e Toinho Rodrigues, dizendo que iam mandar um “carro de praça” para que eu fosse até a casa de um deles, pois tinham um grande furo de reportagem para me dar. Fui. Era o lançamento da candidatura de Toinho para prefeito – a primeira vez. Peguei os dados e corri para a redação. A edição do dia seguinte ainda não estava fechada. Falei com o chefe da gráfica que esperasse um pouco que eu ia escrever uma matéria importante. Seu Lauro perguntou se não dava para sair na edição de terça-feira. Eu disse que não e lhe contei o furo. Sua reação foi pronta: “Venha comigo, você vai ditar a matéria para o linotipista, mas nada de palavras desnecessárias, nada de adjetivos, somente as palavras essenciais. Um texto enxuto. Sem a sua mania de encompridar tudo que escreve, pensando que só as suas matérias são importantes”. A notícia foi a manchete da edição. Grande professor da arte de escrever para jornal.

Em certo ano, no final dos anos cinqüenta, no período que antecedeu o carnaval o jornal lançou uma coluna, escrita a “mil mãos”, isto é, por todo mundo, para animar o período momesco. Seu título era “Café? Só, Sai-te”, parodiando o “Café Society”, de grande cronista social carioca Ibraim Sued. Nos primeiros dias, tinha de tudo. Notícias de festas, baile, clubes que se organizavam, o carnaval de do Ipiranga, da ACDP e de rua, porém o que terminou dando a tônica do espaço foi o humor. Certo dia saiu uma notinha despretensiosa, mais ou menos assim: “Comenta-se, em rodas da sociedade local, que uma das senhoritas de determinado clube carnavalesco não precisa gastar dinheiro com máscara, ela já é mascarada por natureza”. Era uma nota sem endereço certo, pois simplesmente foi inventada por Lauro Filho. Por outro lado, a palavra mascarada tanto poderia dizer que a moça era feia como antipática, cheia de pose.

Entretanto foi suficiente para ferir os brios do irmão de uma determinada senhorita, que saiu espalhando pela cidade que, as tantas horas, iria ao jornal tomar satisfação. O sujeito tinha fama de brabo. Nós ficamos receosos. Só Lauro Filho quis enfrentá-lo na marra. Perto da hora marcada, Seu Lauro mandou que todo mundo entrasse e fosse para a oficina, que era como chamávamos a gráfica naquela época. O fulano chegou e, apoiado no balcão que separava a redação dos visitantes, falou alto: “Quero falar com quem escreve a coluna de carnaval e saber se a nota sobre a moça que não precisa usar máscara é sobre a minha irmã”. Prontamente Seu Lauro retrucou: “Por quê? A sua irmã é feia?”. O valentão não teve como responder e foi embora. Grande conhecedor da alma humana.

Dessa sua qualidade e capacidade de apaziguar as coisas eu e Walter Gomes usamos e abusamos, principalmente nos finais das tardes de sábados, quando íamos pedia “vale” ao Lauro Filho e ele negava, dizendo que o pagamento era no fim do mês e nós dois que soubéssemos dosar os gastos, pois o jornal não era banco etc., etc. e tal. Aí nós sabíamos o que fazer. Ficávamos na redação fazendo uma coisa e outra, até que Lauro Filho fosse embora e os jornaleiros chegassem para prestar contas das vendas do dia. Seu Lauro era quem recebia o dinheiro. O “vale” estava garantido. Só tínhamos que nos preparar para enfrentar Lauro Filho, na segunda-feira. Mas Seu Lauro sempre estava por perto para ajeitar as coisas. Grande apaziguador de grandes e pequenas desavenças.

Grande Velho Lauro. Como foi longe, com aquele seu andar cadenciado, que mais parecia ginga de malandro. Como via longe, com aqueles óculos que teimavam em escorregar para a ponta do nariz. Adormecia em cima das resmas de papel, nas noites em que as linotipos davam uma de “primas-donas” e, encrenqueiras, não queriam trabalhar. Velho guerreiro que inovou a imprensa mossoroense, dia-a-dia construindo e reconstruindo um jornal que se sustentava muito no seu empenho, luta, garra e tenacidade e, também, na visão e no trabalho do seu filho, o Lauro Filho.

Não era alto, mas como era grande o Velho Lauro. Jornalista por descendência, vocação e prazer. Um homem que via a vida com todas suas cores, porque em tecnicolor é melhor.

 

Esse daí é o meu avô!!

Florina da Escóssia Collaço

Quando minha mãe disse:  –  Escreva algo sobre papai!

A princípio disse que não, não iria escrever nada para ser comparado com os depoimentos de tantos intelectuais, de tantas pessoas preparadas. Não, definitivamente não!

Mas, aos poucos, fui argumentando e convencendo a mim mesma; pois no meu caso, seria o coração que deveria falar e as minhas lembranças ninguém mais teria, pois não concebo a minha história de vida sem Vozinho (é assim que nós os netos, o chamamos carinhosamente) e as minhas memórias teriam uma grande lacuna sem a sua presença.       

Então resolvi escrever!

O Lauro que vocês conhecem

Jornalista, historiador,

Que do ensino foi inspetor.

Passei alguns anos pra encontrar,

Só vim descobrir mais tarde

E no tempo não podia voltar.

Claro que não é uma questão de valor

O seu ou o meu é mais merecedor,

O fato é simples de entender:

Lauro da Escóssia é pra mim

O meu querido Vozinho.

Não consigo conceber

 A idéia familiar,

De crescer

Sem tê-lo por perto

Para nos ensinar.

Ensinar a ser gente grande

 E não desanimar.

 Ensinar que as novas gerações

 Chegarão!!

O seu espaço, conquistarão!!

Sem que devamos nos escandalizar,

Pois se não for ilegal

Tudo tem que ser normal.

Ensinar que tudo passa:

 Tristeza, dificuldade,

Toda e qualquer adversidade

 Terão que passar.

 E se não for por emoção 

Não vale a pena chorar.

Essas são lições primeiras

Que recebi ainda na infância, nas brincadeiras

E guardo no fundo do coração.

Era assim o meu avô!

 Ouvi por esses dias:

“Lauro da Escóssia? Que chique!!”

 Que chique, qual nada 

Vozinho era um trabalhador, 

Era um homem do povo,

Um grande sonhador.

Do povo guardava os “causos”

Que bem cedinho colhia

Dia após dia.

No Mercado Publico Central

O que dava pra ser notícia

Ia parar nas folhas do jornal,

O que não dava,

Transformava em histórias

Que vivia a nos contar.

Seu maior xodó?

Era a história desse povo,

Era Santa Luzia,

Era Mossoró!! 

Falar de Vozinho, não é difícil não 

É só vasculhar a memória

E soltar a voz do coração.

É lembrar o ambiente

Que na época, era a pça do Cid

Ou Vigário Antônio Joaquim.

Dá uma saudade grande

 Da festa de Santa Luzia

Com os fogos e os coloridos alfinins 

Falar de Vozinho é assim,

É falar das excursões

Que fazíamos a Gangorra

Com todos da família,

De Bernadete e Luiz Serafim.

Falar de Vozinho

Lembra Tibau,

 Coalhada, Jornal, 

Lembra Rádio Rural,

Mercado Central.

Lembra os vizinhos

Stênio e Joana D’arc,

Eder Medeiros e Mariza.

 Lembra o coreto da praça

 Com a Banda de Música Municipal, 

Lembra tantas coisas!!

Lembra Isaura(Titia)

Que mesmo depois que perdemos Vozinha

Assumiu como se fosse sua própria tia.  

Tudo isso era Vozinho!

Homem íntegro e fiel 

Sempre preocupado com os seus

E os seus eram todos: 

Os filhos, os filhos dos filhos 

E aqueles que não eram mais filhos

Por haver perdido suas mães. 

Ele acolhia a cada um.

É o homem que conheci 

De olhos azul anil, 

De cabeça branca como a neve, 

De passo lento. 

No meu relato, podem ter certeza

Não caberia, um outro não. 

Esse daí é o meu avô!! 

Neta de Lauro da Escóssia e filha de Margarida Escóssia.

 

Um homem com cheiro de jornal

“A maior lembrança que tenho de Vôzinho, na minha infância, era de que ele tinha cheiro de jornal”, esta frase proferida por Valéria Escóssia, neta de Lauro, mostra o apreço que o jornalista tinha nutria por O Mossoroense.

A carreira jornalística de Lauro da Escóssia teve início em 1922, quando este tinha apenas 17 anos. Nessa fase inicial trabalhou como cronista esportivo, período em que ajudou a criar outros pequenos jornais como o ‘O Humaitá’ e ‘O Esportivo’.

Antes disso trabalhou em todas as funções existentes no jornalismo da época foi tipógrafo e editorialista até se tornar diretor de O Mossoroense em 1946, a exceção fica para o serviço de linotipista, que não executava. Já dentro da redação não se limitou apenas ao trabalho como editor e repórter, chegando a ser até mesmo cronista social.

Foi correspondente do “Diário de Pernambuco’em Recife, “Diário de Notícias” no Rio de Janeiro, sem contar que colaborou com jornais da capital como a ‘Tribuna  do Norte’, ‘Diário de Natal’ e ‘A Republica’.

Mas foi em O Mossoroense que Lauro da Escóssia dedicou os seus melhores dias, era muito comum ele dormir na própria sede do jornal o que deixava os familiares enlouquecidos.  “Papai era muito dedicado ao jornal, muitas vezes ele dormia por lá e quando acordava ia direto ao mercado para acompanhar as primeiras vendagens, procurar novas notícias e fazer as compras”, revela a filha Margarida da Escóssia.

Sem dúvida nenhuma o maior feito de Lauro da Escóssia como jornalista foi a entrevista com o cangaceiro Jararaca, ele conseguiu conversar com o bandido antes mesmo de ele ser interrogado pela polícia.

Outra grande façanha de sua vida foi ter mantido O Mossoroense em circulação durante quase 30 anos, na mais absoluta abnegação. Ele reabriu o jornal em 1946 mantendo-o em funcionamento até 1965. Nesse período, em 1953 ele adquiriu para o jornal duas máquinas de linotipo e uma impressão marioni. Em 1970 Lauro reabriu novamente O Mossoroense, ficando a frente do jornal até 1975 quando vendeu a folha já centenária à família Rosado. “Quando ele teve que fechar o jornal foi um dos períodos mais difíceis de sua vida, ele ficou em um desanimo que dava dó, tudo o que ele mais queria era manter o jornal funcionando para evitar que a história morresse”, conta sua filha Margarida.

Em Mossoró ele manteve a coluna ‘Mossoró no Passado’, na qual abordava os fatos históricos da cidade, como a invasão do bando de Lampião.

Durante os 30 anos em que comandou O Mossoroense, Lauro, preferiu ser fiel as idéias do que a qualquer outra coisa mesmo que elas dessem prejuízo a sua empresa.

 

Lauro foi responsável pelo maior furo de reportagem da história do RN

 

O dia 19 de junho de 1927 foi importantíssimo na história do Jornal O Mossoroense e de toda a imprensa potiguar, pois foi neste dia que foi publicado o maior furo de reportagem d Estado. Tratava-se da entrevista que o cangaceiro Jararaca concedeu a Lauro da Escóssia na prisão, antes mesmo de depor em inquérito policial. 

Com a reportagem, de repercussão nacional, transformada em matéria do jornal O Estado de São Paulo, o jornal chegou a uma vendagem recorde de 5.400 exemplares, patamar nunca mais alcançado.

A manchete dizia “Hunos da nova espécie” e a sub-manchete, “O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró”. As chamadas diziam “A heróica defesa da cidade” e “É morto o bandido Colchete é gravemente ferido o lombrosiano Jararaca”. 

Em seu livro “Escóssia”, Cid Augusto transcreve a reportagem, que é introduzida por comentário discordando do adjetivo atribuído a Jararaca na chamada, e que pode ser conferida abaixo na íntegra:

“- Não, nada. Sujeito simpático. Ele começou me dizendo que se chamava José Leite, tinha 27 anos e nasceu no dia 5 de maio em Buíque, Pernambuco. Sujeito moreno, muito moreno, mas não era negro. Era solteiro e andava com Lampião há um ano e alguns meses. Ele tinha um fuzil mauser e cartucheiras de duas camadas, ms 560 mil réis no bolso e uma caixinha com obras de ouro no valor de 1 conto de réis. Disse que o ataque a Mossoró foi idealizado por Massilon Leite e que Lampião relutou um pouco, por causa da história das duas Igrejas. Que quando Lampião chegou a Mossoró não gostou nada, nada, daquela ‘igreja da bunda redonda’ (de onde estavam partindo os tiros contra o bando). De repente, Jararaca começava a rir, diz Lauro da Escóssia, e a gente perguntava por que, espantado como um homem com um buraco de bálano peito ainda conseguia rir.

-Mas, enfim, Jararaca, para que Lampião queria tanto dinheiro?

‘- Era pra comprar os volantes de Pernambuco.’

Voltamos a outros episódios com Jararaca na prisão.

Kelé não entrou na cadeia. Um seu ordenança, negro bem alto chegou perto de Jararaca, tendo-lhe arrancado do pescoço, num gesto brusco, uma volta de ouro que trazia com uma medalha de Santa. Depois cobiçou um anel que o bandido trazia no dedo. Jararaca tentou tirar, não conseguindo, ao que o negro foi logo dizendo: ‘- Coloque a mão aqui. Eu vou cortar o dedo para tirar o anel’. E puxou um faca (facão) ao que o Dr. Marcelino implorou:

‘- Meu senhor, não faça isto. Cortar o dedo na minha frente, não’.

O negro desistiu, por certo atento à sensibilidade do doutor.

Jararaca, fez um pedido com certa ironia:

‘- Tragam Kelé que eu quero dizem quem é cangaceiro’.

Disse depois: 

‘- Kelé era do nosso bando e a polícia paraibana fez dele um sargento para nos perseguir’.

Mesmo ferido, Jararaca não escondia seu riso, o desejo de ainda viver e no momento em que uma linda jovem de nossa sociedade penetrava na sala, atenta à sua curiosidade para ver o bandido, este pergunta:

‘- Esta moça é daqui?’. Ao que, recebendo a afirmativa, disse: ‘- Se o capitão (Lampião) soubesse que aqui tinha uma moça tão bonita teria entrado na cidade.’

A uma pergunta de D. Marola Silva (esposa do Sr. Veriato Silva), se os vinte e tantos traços que tinham na coronha de sua arma eram anotações de morte feitas pelo mesmo, como dizem, respondeu-lhe: 

‘- É tudo mentira, minha senhora. Eu nunca matei ninguém’. E deu uma boa gargalhada, saindo o vento pelo furo do peito. Apenas impaciente ficou seguidas horas naquele sofrimento, pelo que chegou a pedir um canudo de mamão e algumas pimentas malaguetas, dizendo que com isso ficaria bom.

Perguntei-lhe como. Disse: ‘- No bando, quando alguém recebe ferimento como este (apontando para o peito), sopra-se malagueta pelo canudo colocado na ferida. Sai toda salmoura do outro lado. Arde muito, mas a gente fica curado’. 

Mas, apesar de tudo isto, Jararaca vinha aos poucos melhorando e se tivesse sido medicado convenientemente não morreria pelos ferimentos. 

O tenente Laurentino de Morais tinha ido a Natal de onde voltou na quarta-feira seguinte. Esperou pela quinta, quando Jararaca seria transportado para Natal. Alta noite, da quinta para a sexta-feira, levaram Jararaca, não para Natal e sim para o cemitério, onde já estava aberta a sua cova.

Disse o bandido: ‘- Vocês não me levam para Natal. Sei que vou morrer. Vão ver como morre um cangaceiro!’ 

Naquele local foi-lhe dada uma coronhada e uma punhalada mortal. O bandido deu um grande urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados cobriram-lhe o corpo com essa areia.

Essa ocorrência feita às escondidas foi guardada com as devidas reservas por alguns dias. Tempos depois, o capitão Abdon Nunes, naquela época comandante da guarnição policial de Mossoró, revelou em depoimento a morte de Jararaca’.

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Uma história finalmente contada para Mossoró

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Escrever a dissertação de mestrado que se converteu no livro “Os Rosados Divididos: como os jornais não contaram essa história” foi o maior desafio de minha vida. Conciliar o trabalho com a pesquisa acadêmica não foi fácil. Mas a criança nasceu e foi aprovada pela banca coordenada pelo professor Dr. Lemuel Rodrigues, a quem coube a orientação do trabalho.

Dissertação aprovada, título de mestre garantido, restava ir além. Transformar a pesquisa em livro. Mas para isso eram necessários alguns ajustes. Eliminar os trechos mais teóricos era o mais óbvio. Mas eram necessários alguns ajustes de linguagem e uma nova revisão. Isso foi feito. Agora, 14 meses após a defesa acadêmica, o livro está pronto.

Não posso deixar de destacar uma pessoa fundamental para que o projeto desse certo: minha esposa Ianara Brasil. Foi ela quem planejou o lançamento em cada detalhe, quem revisou o livro quando eu não tinha mais paciência e encontrou os erros que ninguém achou deixando o trabalho mais agradável ao leitor. Não posso deixar de agradecer ao escritor Clauder Arcanjo pela disponibilidade em conceder o Selo Sarau das Letras ao meu trabalho.

O livro foi fruto de um ano pesquisa. Li mais de duas mil edições da Gazeta do Oeste e O Mossoroense. Um trabalho cansativo tanto mentalmente quanto fisicamente. Não é tarefa simples trabalhar com fontes primárias. Requer disciplina, sacrifício e muita paciência para achar nas entrelinhas uma história que ninguém queria contar na época. Mas entre 1980 e 1988 achei muita coisa nos mínimos detalhes.

Quem ler o livro encontrará muitas respostas para histórias que se perderam no tempo, limitadas pelas lembranças, deturpações e traições que a memória sempre nos apronta.

Quando os Rosados se dividiram politicamente? Como foi o processo? Quando tivemos o primeiro embate Rosado x Rosado? Como foi? Na eleição de 1988 Rosalba Ciarlini só venceu quando recebeu o apoio de Dix-huit Rosado?

Essas são perguntas que serão respondidas ao longo da leitura. Também terão passagens sobre episódios tensos da política potiguar nos anos 1980 como o “Pacto da Solidão” e “Voto Camarão”.

Teremos a emergência de vários resultados eleitorais dos anos 1980 esquecidos na memória de nosso público.

Escrevi esse trabalho não só para que ele seja lido e reconhecido, mas também para ser alvo de contestação. A história está aí para ser ponto de partida para novos estudos e aprofundamento de um tema jamais avaliado em nível acadêmico. É preciso uma pesquisa no campo da oralidade ouvindo os personagens ainda vivos que tem muito a contar. Talvez eu faça, talvez seja outro. Mas é uma lacuna que ficou por uma questão de delimitação de tempo e tema.

Que surjam novos trabalhos sobre esse tema e vamos ao debate. Aguardo vocês no Memorial da Resistência na quinta-feira, dia 21, às 19h30.