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O encantamento da política

 

Por Thiago Medeiros*

Antes de iniciar este artigo, trago mais que justa a homenagem a frase do grande escritor Gabriel Gárcia Márquez: “É a vida, mais do que a morte, que não tem limites”.  Sim caros leitores, é na vida que vivemos ou vemos os maiores encantamentos, somos levados mesmo que sem nosso consentimento pelos algoritmos da vida a concordar ou discordar de algo. Parece ser meio contraditório, mas não se engane, sua vida por estar sendo completamente moldada por aquilo que você consome nas redes sociais.

No mundo atual, a necessidade de estar conectado é da ordem do dia. Ela é imperativa quando queremos nos informar ou nos encher de “algo” que pertença a nossa tribo. Aliás, mais do que nunca, somos seres tribais, ao menos no mundo digital. Mas afinal, o que seria se encantado por nossa política?

Encantar é expressão que vem do latim incantare, o canto que enfeitiça, inebria, cria outros sentidos para o mundo. Em algumas culturas do norte da África e da Ásia, é comum o ritual do encantamento das serpentes. Ao abrir o cesto onde a cobra descansa, o encantador sabe que a serpente despertará com a luminosidade para ver o que está ocorrendo. Ao enxergar a flauta, a serpente assume uma posição natural de defesa, com parte do corpo na vertical. Quem será que dará o primeiro bote? A cobra ou o flautista (encantador)?

Os encantadores mais experientes sabem que se a cobra der o bote, a flauta que encanta vira também escudo. A serpente, ao tentar abocanhar a flauta, se machuca. Aos poucos, percebe isso e para de dar o bote. Os encantadores mais ousados seduzem o público e ganham uns trocados beijando a cabeça da serpente, chegando por cima. Eles sabem, que a Naja só dá o bote pra baixo. Quem chega por cima não corre esse risco (não subestime os encantadores, eles são espertos o suficiente para não correr riscos).

Para acabar o espetáculo, o flautista basta diminuir os movimentos da flauta. O jogo não termina, apenas é interrompido. A serpente se recolhe ao fundo do cesto e o encantador guarda o instrumento, até que a dança, o encantamento — que na dimensão mais profunda é um jogo de ataque e defesa, em que a sobrevivência do flautista depende de diversas artimanhas para burlar a serpente e sua peçonha assassina — comece de novo. O flautista sabe que tem duas opções: encantar a serpente ou sucumbir ao bote e ao veneno da morte.

Gostaria de indagar ao leitor: eis que nos dias atuais em nossa política vemos uma situação semelhante entre o flautista e a serpente? Para não restar dúvidas em seu pensamento, pretendo esclarecer um pouco mais: o político é o flautista e a serpente é a opinião pública, e a flauta é o que os separam, a narrativa.

Mesmo sem perceber, boa parte da população se rende aos encantamentos, faz como a serpente ao sair do “casulo”, mesmo que em posição de defesa e ataque se deixa encantar pelo belo canto da flauta. O flautista por sua vez, sabe que um bote bem feito pode ser fatal, então precisa equilibrar os seus movimentos com as notas certas. Este canto encantador pode manter a serpente enfeitiçada e a flauta que seria um instrumento de defesa e de encantamento é a narrativa usada para deixar um espaço confortável entre o político e o povo.

Me parece que todo um trabalho muito bem esclarecido por Max Weber, demonstrando o desencantamento do mundo por meio da ciência e também da religião, começa a ser jogado fora por movimentos que tentam, tirar a razão do seu núcleo dominante e trazer para o centro a magia do encantamento novamente.

Um dos maiores aliados dos encantadores (a flauta) do século XXII são os algoritmos e as redes sociais. Como bem deixou claro em seu livro, o autor Giuliano da Empoli, os algoritmos tem moldado nossa vida e nos influenciados em nossas decisões muito mais do que você imagina.

O encantamento não tem partido certo, ou ideologia própria. Hoje por motivo de conveniência e poder, se encontra enraizado através da figura do presidente Jair Bolsonaro, que sabe muito bem utilizar da sua flauta (leia-se narrativa), para encantar aqueles 30% que o seguem para onde for. Se aquele determinado público encantando pelos sons ousar se rebelar, o presidente tem as alternativas certas para se defender, com a própria flauta ou então mudar os cantos emitidos por sua narrativa.

Um outro fator importante é a mudança da flauta. Ela pode acontecer, veja você na CPI, a narrativa ou ideologia vale enquanto se está aplicando-a sem questionamentos. Porém quando o flautista muda, ou seja, agora não mais é o Bolsonaro e sim senadores de oposição, determinados ministros mudam o seu discurso, e esquecem ou recusam o passado em claro movimento da serpente de pura defesa.

Um outro fator importante a ser analisado é o “poder” do encantamento do canto. Quando o encantamento perde poder, os atores de um campo político migram para o lado mais conveniente de uma força política, e com isso as narrativas dominantes também vão mudando de lado, por exemplo, basta que hoje exista um derretimento do bolsonarismo para algumas forças políticas possam optar por uma outra flauta, um outro canto. E assim vive hoje o Brasil, no canto da sereia, acredita quem quer.

*É sociólogo e publicitário.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

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O bolsonarismo alucinado é tratado com naturalidade no RN

Imagem de Fátima Bezerra é alvo de linchamento simbólico (Foto: reprodução)

O bolsonarismo aluciando encheu as ruas do país, inclusive em Natal. Na nossa bela capital tivemos ataques à Assembleia Legislativa, Supremo Tribunal Federal (STF), pregação de golpe e um ataque horrendo contra a governadora Fátima Bezerra (PT).

O que mais espanta, nem sei se deveria espantar, é que o bolsonarismo alucinado tomando conta das ruas de Natal em plena pandemia não chocou o Rio Grande do Norte. Teve gente que foi a redes sociais exaltar que aquilo era uma manifestação democrática.

Como assim? Manifestação democrática cujo lema é “eu autorizo” num sentido de apoio ao presidente para dar um golpe militar?

Na nossa opinião pública tudo tratado com absoluta normalidade pela maioria dos jornalistas e classe política. Praticamente nenhum repúdio à pregação golpista.

Trataram aquele combo de chorume golpista como se tivesse tido a irrelevância do mesmo movimento em Mossoró onde se juntaram pouco mais de 100 pessoas em frente ao tiro de guerra para cantar o hino nacional e pedir um golpe de estado.

A democracia não é um valor indiscutível na opinião pública potiguar. Naturalizaram o absurdo como se não estivéssemos com mais de 90% dos leitos críticos ocupados no Estado, como se não estivéssemos numa pandemia que está matando milhares de pessoas no RN e como se tudo estivesse bem.

Não está, mas os comportamentos são como se estivesse.

Tem uma frase atribuída a Martin Luther King, líder pelos direitos dos negros nos EUA, que resume meu sentimento neste momento: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

A democracia é um valor em baixa nestes tempos sombrios.

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O brasileiro e sua relação com a coisa pública

Por Alexsandro Silva Coutinho*

Não sou adepto do complexo de vira-latas, por isso quero desde já deixar claro que as questões que vou colocar tem a intenção única de provocar reflexões, só isso!

Tenho observado que nossa relação com a coisa pública, enquanto povo, apresenta sintomas perigosos para uma nação que se pretende republicana e democrática.

Segundo Lewandowski¹, a expressão latina “Res publica“, instituída pelos Romanos, no início do século V a.C., a partir da superação da realeza, identificava algo que pertencia a todos. A república encerra a ideia de coisa comum, de um bem pertencente à coletividade (…). Cícero definiu-a como “a coisa do povo, considerada tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamente no consentimento jurídico e na utilidade comum”. A república, portanto, para o pensador romano, não era uma mera multidão de pessoas reunidas, sob uma determinada autoridade, mas uma comunidade de interesses organizada, sob a égide da Lei.

Nosso cidadão médio não entende que defender a coisa pública é dar valor aos impostos que paga. Para boa parte da população “a coisa pública é de ninguém”. E assim, pouco nos importamos com as agressões ao patrimônio público. Achamos que aquilo não tem a ver conosco, que isso não fere nossos direitos. E mesmo quando percebemos a importância dela, nos sentimos incompetentes para dar conta do recado. Concordamos com a venda de estatais, com a entrega da Amazônia, com a venda do pré-sal, e assim por diante.

Nesse vácuo de cidadania surgem os manipuladores da opinião pública e financiadores de campanhas que, ao comprar votos e exercer lobby, pretendem fazer deles coisa pública. Surge o segundo fenômeno – para outra parte da população “a coisa pública é minha”, a coisa pública passa a integrar a propriedade privada de alguém. O prefeito compra um carro de luxo com o dinheiro público, o dono do shopping muda o quartel de polícia de lugar e o ministro do ambiente manda apagar uma trilha de quatro mil quilômetros dentro da Mata Atlântica, são fatos de nossa realidade.

Por último, decorrência lógica do pensamento de dono da coisa pública, temos a turma do “a coisa pública é de alguém”. Jogue a primeira pedra quem nunca tomou conhecimento de um funcionário público que se negou a trabalhar porque não simpatizava com o chefe do executivo, como se fosse dele empregado e não servidor do povo. Ou ainda do cidadão que destrói a coisa pública julgando estar atingindo o gestor, e não aquilo que existe para servir à coletividade.

A palavra condomínio significa “posse ou o direito simultâneo, por duas ou mais pessoas”. Percebam que, guardadas as proporções e diferenças. Seja um bairro, uma cidade, um estado ou um país, qualquer extensão territorial pode ser encarada como um grande condomínio onde os impostos estão para os cidadãos assim como as taxas para os condôminos. Por que então nos preocupamos com a preservação das áreas comuns do nosso condomínio e abandonamos a coisa pública à própria sorte? Que tipo de divórcio social faz alguém imaginar que a coisa pública tem dono, ou ainda que ela pode ser encarada como coisa privada? Como fomentar o espírito de cidadania em um povo que sequer toma posse de seu próprio território?

Como eu disse lá no começo, quero só provocar reflexões. Mas guardo comigo o palpite de que este cenário foi construído e é fomentado pelo currículo escolar. Pois estas reflexões, assim como outras tão importantes, não fazem parte do dia a dia de nossas escolas, preparadas somente para forjar “workers”, carne para a máquina de moer gente em que se transformou a sociedade moderna, onde pensar o mundo dói ou incomoda.

De acordo com Bobbio², sem cidadãos “capazes de resistir contra os arrogantes e servir ao bem público, a república morre, torna-se um lugar em que alguns dominam e outros servem”.

Vocês concordam que já passou do tempo de começarmos a ser e a formarmos verdadeiros cidadãos?

*É Graduando em Direito pela Universidade Potiguar.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

Referências

1. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Reflexões em torno do Princípio Republicano. Revista da Faculdade de direito da Universidade de São Paulo. 2005. p. 190.

2. BOBBIO, Norberto. VIROLI, Maurizio. 2002. p. 16. apud LEWANDOWSKI, op. cit. 2005. p. 197.

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Vereadores exageram na dose para enquadrar o rosalbismo

Vereadores escolhem travar orçamento para pressionar prefeita (Foto: Edilberto Barros/PMM)

Sempre fui crítico ferrenho da postura subserviente da bancada governista que converte a Câmara Municipal de Mossoró numa espécie de “secretaria de assuntos legislativos” termo consagrado pelo mestre Emery Costa.

Até considero legítimo alguns dos motivos que levaram os vereadores governistas a se sentirem insatisfeitos. São requerimentos ignorados, humilhações nos bastidores e espaço reduzido dentro da administração.

O rosalbismo sempre tratou os edis com desprezo, mas os tempos são outros.

O gado governista decidiu se rebelar juntando-se a oposição numa manobra que aparentemente é em nome da transparência, mas que se ocorrer na prática travará o orçamento da Prefeitura de Mossoró em 2019.

Segundo noticiado ontem pela jornalista Carol Ribeiro (ver AQUI) qualquer remanejamento orçamentário teria que ter autorização da Câmara Municipal. Ter 100% das mudanças de rubricas necessitando do carimbo do legislativo é um exagero porque trava e burocratiza a já pesada e lenta máquina pública.

Citarei uma circunstância fictícia para facilitar o entendimento: a Prefeitura tem R$ 300 mil sobrando no orçamento da iluminação pública num contexto (hipotético), um setor que está funcionando bem, aí precisa retirar R$ 100 mil para a pavimentação afetada pelas fortes chuvas do mês de junho. Imagine a Prefeitura tendo que fazer um projeto de lei, enviar para Câmara e ter de aguardar os oito dias para votações em pedido de urgência. Só aí se perdem vários dias para resolver um problema que se solucionaria apertando um botão.

É lógico que o remanejamento precisa ser limitado. No meu entendimento 10% é suficiente para atender as demandas simples e corriqueiras da gestão pública. O que não pode é termos os 25% de anos anteriores e é isso que sempre critiquei.

A prefeita Rosalba Ciarlini (PP) está perdendo uma excelente oportunidade de tornar público um debate sempre polêmico num momento em que a razão está com ela.

Mas pelo visto a gestão municipal deixará a opinião pública de fora por entender que basta vetar e negociar com os vereadores governistas a manutenção do veto.