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Reportagem

Técnico ou político? Estudo revela perfil dos secretários estaduais do RN ao longo de 20 anos

Um estudo realizado pelos professores Sandra Gomes, Alan Daniel Freire de Lacerda e André Luís Nogueira da Silva traçou o perfil do secretariado potiguar entre os anos de 1995 e 2015, um trabalho que visou identificar se existiu no período que abrangeu seis gestões (quatro eleitas – Garibaldi Alves Filho, Wilma de Faria, Rosalba Ciarlini e Robinson Faria- e dois mandatos “tampões”- Fernando Freire e Iberê Ferreira) houve predominância técnica ou política, além da influência dos acordos forjados na Assembleia Legislativa.

Alan Lacerda e Sandra Gomes são do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) enquanto que André Luís é da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas.

Eles identificaram no trabalho que a lógica das relações entre o Governo do RN e a Assembleia Legislativa não é necessariamente a mesma que ocorre entre o executivo federal e o Congresso Nacional. “Nem todos os partidos da base parlamentar detêm nomeações para o secretariado e não se observam regras de proporcionalidade ao tamanho das bancadas no Legislativo. A análise das trajetórias pessoais dos secretários e secretárias no Rio Grande do Norte sugere haver outras lógicas que explicam suas escolhas”, diz o artigo.

Apesar disso, houve variações significativas no perfil do secretariado entre os governos dentro dos critérios estabelecidos no estudo que dividiu os secretariados em quatro categorias:

  • Político
  • Técnico
  • Técnico e político
  • Nem político nem técnico.

Confira no quadro abaixo a conceituação dos critérios:

No período entre 1995 e 2015 coube a Rosalba Ciarlini (na época do DEM) o título de governadora que formou a equipe mais técnica. Enquanto Robinson Faria (PSD) que, teve apenas o início da gestão analisado, ficou com o título de quem mais aliou características técnicas e políticas na equipe. O segundo governo de Garibaldi Alves Filho (PMDB) – 1999/2002 – foi o que registrou o maior perfil político.

Confira no quadro abaixo:

Em conversa com o Blog do Barreto (entrevista na íntegra será publicada amanhã), Alan Lacerda, um dos autores do trabalho, explica que os elementos políticos e partidários na formação dos governos se mescla com questões familiares e que seria necessário saber como se deu a formação nos escalões inferiores. “Isso varia um pouco entre os governos, e dentro de cada um deles. O governo Garibaldi, por exemplo, foi o mais “partidário” no período 1995-2015. A rigor, argumentamos que o elemento partidário se mescla com redes familiares e pessoais de confiança do governador. É importante também chamar a atenção para o segundo escalão e a administração indireta estadual, que não foram objeto de nossa pesquisa. Talvez neles resida outro padrão, que qualifique o que dissemos no trabalho, ou seja, um padrão no qual o perfil partidário das bases governistas na Assembleia é atendido de um modo mais claro”, explicou.

Apesar das variações entre os governos o estudo avaliou que a característica que mais se sobrepõe nos Governos do RN é o que alia perfil que conjugam características técnicas e políticas. “Na grande maioria dos governos, o uso de critérios puramente técnicos, considerando tanto a concepção restrita quanto a ampliada, se sobrepõe às escolhas com viés unicamente político e os governos potiguares têm optado pela combinação de qualificações técnicas e políticas ao mesmo tempo”, diz o artigo.

Isso se deve ao faro de que as conexões partidárias se mesclam com as conexões pessoais e familiares, inclusive se estendendo aos secretários considerados técnicos. “Que fique claro – há coalizão, mas os partidos só podem ser tomados como unidades de análise em certas agremiações e determinados momentos, assim como em determinadas secretarias. A inclusão dos partidos não parece se guiar por cálculos restritos à Assembleia e as nomeações ditas técnicas refletem uma associação e concepção alargadas da competência funcional da pessoa, como vimos na discussão da Seção 1. Daí o sentido de ambiguidade, ou de não univocidade, detectado por nós durante a investigação. Boa parte da discussão empreendida aqui pode ser reexaminada e qualificada, em futuro inquérito, sob o ângulo da “coalizão mitigada”, conclui o trabalho.

Governos do RN se pautam pela composição partidária da Assembleia na hora de forma o primeiro escalão

Eleita com coligação reduzida, Wilma precisou compor com a Assembleia Legislativa, mas manteve postos chave na “cota pessoal”(Foto: reprodução)

A pesquisa traz também um quadro comparativo entre o quadro partidário na Assembleia Legislativa e a ocupação de espaços pelos partidos no primeiro escalão.

O estudo mostra que em democracias parlamentaristas são os partidos que pinçam de seus quadros os indicados para compor os governos. Eles também comparam a situação no RN com estudos como o de Sandes-Freitas & Massoneto (2017) que apontam peso partidário nas nomeações no Piauí e São Paulo. Ele também cita o trabalho de Passos (2013) sobre o Rio Grande do Sul que indicou o PDT ocupando 85% das secretarias na gestão de Alceu Colares (1991/95) comparada com a de Antonio Britto (1994/98) que fez um governo todo montado a partir de indicações partidárias.

O estudo levanta a hipótese de a menor participação dos partidos numa Assembleia Legislativa se dê pela baixa quantidade de parlamentares, no caso do RN 24. “Há aspectos especificamente estaduais que devem figurar na reflexão. Um ponto objetivo óbvio, mas raramente notado nessa discussão, merece menção: assembleias estaduais são bem menores que o Congresso Nacional. A maior assembleia estadual, a paulista, tem menos de cem integrantes – a sua congênere potiguar, nosso objeto aqui, possui 24 deputados. A tarefa de compor o secretariado, se pensamos a questão estritamente em termos de escala, é facilitada. O governador pode, por exemplo, fazer contatos pessoais, facilitando transações eleitorais relacionadas ao pleito de um prefeito. Alguns deputados estaduais podem valorizar mais sua influência em disputas municipais do que a ocupação de espaços na administração estadual”, afirma.

No período analisado, Garibaldi Alves Filho teve a gestão com maior peso partidário sendo que o seu partido, o PMDB, no primeiro governo ficou sobre-representado, situação que mudou no segundo mandato quando a agremiação indicou 54% das pastas. “É verdade que o PMDB também detinha maioria similar de deputados na base aliada, mas precisamos considerar que um subconjunto das indicações não tinha critério partidário. Levando em conside[1]ração apenas as indicações de filiados a partidos da base para secretário, quase 80% é dirigida a peemedebistas. Mesmo o PPB (antigo PPR) obteve apenas duas secretarias, ou cerca de 8% do total da “cota” destinada aos partidos, apesar de possuir 35% dos deputados da coalizão governativa (Macedo, 2017; Santos, 2017)”, destaca o trabalho.

Eleita com uma coligação pequena, que terminou por ampliar a base no segundo turno, Wilma de Faria precisou atrair aliados para garantir apoio no parlamento. Ela precisou abrir mais espaço para os partidos. “As nomeações de Wilma se espalham no seu próprio partido e por PFL, PT, PDT, PCdoB, PPS, PL (posteriormente PR), PTB, configurando-se um cenário de maior fragmentação partidária derivado em parte da própria Assembleia. A pesquisa detectou grande quantidade de indicações na cota pessoal da governadora, assim como técnicos com perfil político no sentido amplo do termo (ver Tabela 1 na Seção IV) e o PSB não tem a dominância observada no PMDB em governos anteriores. Os peessebistas mantêm quatro secretários nos primeiros (2003-2006) e segundo (2007-2010) mandatos, dentro de um total de onze e treze indicações estritamente partidárias, respectivamente. Em todo caso, o governo é claramente majoritário na Casa até o início de 2010. Há diversas mudanças partidárias na composição da coalizão nos dois mandatos”, explica o estudo.

Já Rosalba (ver texto abaixo) montou um governo predominantemente técnico e com secretários alinhados a ela e ao marido Carlos Augusto Rosado. Enquanto Robinson Faria, apesar da retórica do “governo técnico” ele acabou montando uma equipe que aliou os dois perfis sendo que das nove indicações com filiações partidárias cinco foram do PT que tinha apenas um deputado estadual.

O então governador preferiu montar a base negociando apoios no “varejo”.

O trabalho conclui que os governantes não optaram por formar o secretariado levando em consideração a proporcionalidade dos partidos na Assembleia Legislativa.

Confira:

Como caracterizar as principais gestões analisadas em conexão ao seu relacionamento com o legislativo? Qualquer classificação é provisória a essa altura da investigação, mas é possível definir certos parâmetros de maioria no que toca à consistência da mesma. Sendo assim, o governo Garibaldi pode ser designado como partidarizado, majoritário e de dominância clara do partido do governador sobre o primeiro escalão; na Assembleia cede-se espaço a um partido aliado (PPB). O governo Wilma é partidarizado, majoritário e sem dominância do seu partido sobre o secretariado, ocorrendo incidência de “cotas pessoais” em cargos importantes; na Assembleia cede-se espaço a um partido aliado (PMN). O governo Rosalba apresenta baixa partidarização, sem núcleo partidário dominante seja na base legislativa seja no secretariado. Por fim, o governo Robinson (aqui estudado apenas na primeira formação do secretariado) exibe baixa partidarização com obtenção individualizada de apoios no legislativo potiguar. De modo geral, não constatamos tentativas claras de dar maior proporcionalidade às indicações partidárias no que concerne a postos de primeiro escalão e bancadas na assembleia estadual.

Cota pessoal

Um ponto que iguala Garibaldi e Wilma diz respeito ao critério de “cota pessoa”. Sendo que no primeiro, as pessoas com esse perfil já se encontravam no PMDB e na segunda ela manteve pessoas com esse perfil em postos chave. Enquanto Rosalba preferiu trazer pessoas de sua confiança dos tempos em que foi prefeita de Mossoró. “Fica claro, portanto, que as proporções partidárias na Assembleia Legislativa não figuram de imediato ou regularmente nos cálculos dos governantes estaduais. Elementos derivados das famílias políticas potiguares reforçam a necessidade de alianças que são pessoais entre os nomeados e o governador”, destacou.

Aposta em perfil técnico não garantiu gestões bem avaliadas

Robinson tentou aliar perfis e não conseguiu se reeleger (Foto: reprodução)

Entre 1995 e 2015 somente dois governadores conseguiram se reeleger e foram justamente os que menos trabalharam com equipes mais técnicas: Garibaldi Alves Filho e Wilma de Faria (na época no PSB).

Já Rosalba Ciarlini e Robison Faria que montaram equipes mais técnicas terminaram registrando altos índices de impopularidade e não conseguiram se reeleger. Vale lembrar que Rsalba sequer chegou a tentar a reeleição e Robinson teve apenas o primeiro ano de mandato avaliado.

O estudo mostra que aposta na equipe técnica terminou por refletir no desempenho político da governadora Rosalba que teve crises sucessivas com Assembleia Legislativa e outros poderes. Ela chegou a ter apenas 7% de aprovação em dezembro de 2013, sendo a pior avaliação entre os gestores estaduais no país. “O caso do governo Rosalba é exemplar disto. No critério restrito, teria sido a administração mais “tecnicamente competente” dentre todos os governos. Mas isto não garantiu um gover[1]no bem-sucedido, ao contrário: Rosalba sofreu com problemas na manutenção de sua coalizão político-partidária, uma gestão pública desastrosa em muitas frentes (crise na Penitenciária de Alcaçuz, decreto de calamidade pública na saúde pública, um ajuste fiscal que paralisou serviços públicos etc.), inclusive com ameaças de impeachment, e teve vida curta, não a habilitando, nem mesmo, para concorrer à reeleição”, diz o estudo.

O professor e cientista político Alan Lacerda, um dos autores do trabalho, destaca que no caso de Robinson as dificuldades se deveram à fragilidade da equipe. “O secretariado de Robinson, em termos de gestão, tinha o mesmo nível que seu chefe. Quadros frágeis, inclusive na sensível área da segurança pública, sem capacidade de definir prioridades. A rigor, o governador vendeu um governo técnico que nunca existiu. Não basta encher o governo de técnicos para que uma gestão tenha excelência técnica; os técnicos precisam ser bons e ter uma orientação política clara do principal gestor”, avaliou.

Amanhã publicaremos uma entrevista com um dos autores do trabalho.

Leia o estudo na íntegra