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Racismo brasileiro foi genialmente concebido a ponto de ser negado até hoje

 

Por Djamila Ribeiro*

O avestruz é um animal imponente, veloz e belo. Olhando sem entender sua sofisticação, os humanos colonizadores deram a ele uma característica muito comum em desenhos animados que não condiz
com o animal, a de que o avestruz enterra sua cabeça na terra quando está com medo.

Há justificativas para esse equívoco. Uma delas é a de que o avestruz em grama alta, quando desce sua cabeça ao chão para comer, passaria essa impressão. Outros apontam a generalização do comportamento do avestruz quando vira seus ovos postos em buracos durante a incubação. Seja como for, o avestruz não fica com a cabeça enfiada na terra coisa nenhuma. Trata-se de uma ilusão.

Contudo, não deixa de ser uma representação interessante para pensarmos a política racial brasileira.

Diversas pessoas negras empilhadas, sentadas sobre ela, uma mulher branca, de unhas vermelhas
Linoca Souza/Folhapress

No contexto do último país das Américas a abolir a escravidão e, mesmo depois disso, historicamente rejeitar as pessoas negras de condições dignas de existência, ao mesmo tempo em que louva a cultura produzida por esses grupos sociais como o anúncio da transcendência do conflito de raças, o racismo brasileiro carrega como forte característica o silêncio, o não dito em face da vigência do marcante mito na sociedade brasileira: o mito da democracia racial.

Em “As Ambiguidades do Racismo à Brasileira”, o grande intelectual Kabengele Munanga resume o poder de um mito. “Como todos os mitos, funciona como uma crença, uma verdadeira realidade, uma ordem. Daí a dificuldade para arrancar do brasileiro uma confissão de que também seja racista.”

Ao explicar o mito da democracia racial, desenvolvido na obra “Casa-Grande e Senzala”, publicado em 1933 por Gilberto Freyre, Munanga afirma: “O mito proclamou no Brasil um paraíso racial, onde as relações entre brancos e negros, brancos e índios etc. são harmoniosas, isto é, sem preconceito e sem discriminação, a não ser de ordem socioeconômica, que atinge todos os brasileiros e não se baseia na cor da pele. Para se consolidar e se tornar cada vez mais forte, o mito manipula alguns fatos evidenciados na realidade da sociedade brasileira, como a mestiçagem, as personalidades míticas e os símbolos da resistência cultural negra no país. Ele vai afirmar que somos um povos mestiço —ou seja, nem branco nem negro e nem índio—, uma nova “raça” brasileira, uma raça mestiça. Quem vai discriminar quem se somos todos mestiços?”.

A brilhante síntese de Munanga revela a sofisticação desse mito tão danoso para as relações raciais no Brasil. A redoma na qual o país esteve e ainda está sob a chancela dessa lógica é desafiada ao olhar um pouco mais atento. “Quem é negro no Brasil, um país mestiço e sincrético? Já a questão ‘quem é branco no Brasil?’ pouco entra nesse debate. Pois bem, se os intelectuais, jornalistas e políticos não sabem distinguir os negros dos demais brasileiros, evidencia-se que os policiais ou os zeladores dos prédios nunca tiveram dificuldade.”

Matreiro, escondido ao mesmo tempo em que está em todo lugar, o racismo brasileiro foi genialmente concebido a ponto de ser negado até hoje, mesmo que, quando ligamos a televisão, vamos a uma aula em universidade pública ou privada, fazemos entrevista de emprego em empresas, comparecemos a repartições públicas de gabinetes etc., a cor de quem tem o poder é branca e de quem faz a segurança ou a limpeza é negra.

“Resumiria o racismo brasileiro como difuso, sutil, evasivo, camuflado, silenciado em suas expressões e manifestações, porém eficiente em seus objetivos, e algumas pessoas talvez suponham que seja mais sofisticado e inteligente que o de outros povos”, afirma Munanga.

Ou seja, mesmo com as realidades à mostra, com mais de 6 milhões de mulheres negras como empregadas domésticas, muitas delas desviando das investidas taradas dos patrões, outras passeando com o cachorro da madame, o escândalo da desigualdade racial brasileira é historicamente evitado, como se não existisse.

Nesse sentido, voltamos ao nosso avestruz, figura do começo do texto. Diz Munanga: “Não se trata somente de revelações estatísticas, bastando observar o cotidiano brasileiro em todos os seus setores, que exigem formação superior para a ocupação de cargos de comando e responsabilidade, para perceber a invisibilidade dos afrodescendentes (negros e mestiços). Somente praticando a política de avestruz e fingindo cegueira para a crua realidade essa situação deixa de ser visível!”.

Uma brilhante metáfora, pois o avestruz não está com a cabeça enterrada na terra. Ele sabe muito bem que está observando, apenas finge cegueira.

*É mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Texto extraído da Folha de S. Paulo

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Já que o negro nunca duvidou que o branco fosse gente, precisamos de um dia mundial da consciência branca?

Por César Amorim

 Quantos “George Floyds” precisarão morrer nos EUA para que a sociedade brasileira resolva discutir com afinco o problema do racismo dentro dos nossos limites territoriais? Causa espanto, de certa forma, nossa submissão aos EUA, inclusive, nesse quesito! É como se diariamente o negro brasileiro não convivesse com toda espécie de preconceito de raça, desde a formação de nossa nação.

A título exemplificativo, a polícia brasileira matou 17 vezes o número de negros que a dos EUA matou em 2019, segundo estudo feito pelo site Poder360. Não bastasse, 75% das vítimas de homicídio no Brasil são negras, aponta estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança divulgado quarta-feira (03/06).

São garotos como João Pedro, morto recentemente, ou mesmo menino Miguel, “esquecido” no elevador, e tantos outros que estamos acostumados a ver na mídia.

Esse é um tema que merece profunda discussão, e quem sabe poderá ser tratado com mais profundidade em outra oportunidade. Fato é que, no Brasil, o racismo, aparentemente, autoriza a polícia a atirar indiscriminadamente contra jovens negros.

Mas a mais, falar sobre negro no Brasil é tema sempre vibrante e, por vezes, tenso! Do negro africano veio a pimenta, o acarajé, o arroz, o mungunzá, o samba, o maracatu, a capoeira e tantos outros ingredientes humanos que construíram nossa identidade nacional.

No entanto, em que pese o legado cultural negro em nosso país ser IMENSO, está se falando de gente, seres humanos, que sob o julgo de chicotes, dominados pela falsa ideia de superioridade cultural, baseada na podridão do eurocentrismo “cristão” dos “colonizadores”, já foram tratados, inclusive, como “coisa sem alma”.

É surreal, mas custou muito sangue para que fosse aceito pelo branco que o negro tinha ideias, consciência, argumentação e essência humana. Foram as mãos brancas sujas de sangue que puniram no pelourinho os negros que com seus próprios sangue e suor, construíram torres e palácios para gozo de uma elite branca sedenta.

A página mais suja de nossa história relata um terrível genocídio pelo qual somos devedores eternos! Apesar de ser considerado crime, o racismo é um problema que o Brasil nunca teve verdadeira disposição para enfrentar. Atualmente, me parece que estamos até regredindo nesse tema!

Nossa pobreza é tamanha, que em pleno século 21 ainda discutimos se negros e brancos são iguais. Bolsas, Cotas e o próprio Estatuto da Igualdade Racial, ainda não conseguem reparar o fosso escavado entre uma e outra geração.

Os recentes acontecimentos são terríveis, mostram, mais uma vez, que a Lei Aúrea, em verdade, retirou o negro da senzala e o transportou através de gerações para viadutos e periferias das médias e grandes cidades.

Precisamos, em verdade, de um dia mundial da consciência branca para que todos os que se dizem descendentes dessa “raça”, possam parar e refletir sobre o que fizemos e o que estamos por fazer, na perspectiva de uma remissão/perdão sobre esse pecado moral que pesa sobre nossa consciência, pelo que foi feito e, reiteradamente, continua a se fazer contra nossos irmãos.

Por fim, parafraseio um amigo de longa data, “há apenas um quesito entre brancos e negros que os tornam diferentes: é que o negro nunca duvidou que branco fosse gente!”.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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O Floyd nosso de cada dia – Primeira parte

Por Fhabyo Hunter*

Desde 1530, data oficial que iniciou a colonização portuguesa no Brasil, que o homem “BRANCO, PURO, CASTO E HONESTO” se sobrepôs àqueles que não tinham cultura. O bondoso colonizador trouxe luz às mentes impuras dos primitivos habitantes que aqui estavam. O índio nada mais era do que um mero instrumento que deveria servir ao seu senhor europeu, as índias deveriam satisfazer os desejos mais absurdos dos “conquistadores”.

A evolução do mal apenas tinha início. Após introduzir “noções civilizatórias” na população indígena primitiva que habitava o país, é chegada a hora de domesticar o negro escravo. Já tínhamos uma noção formada de sociedade nos moldes da Europa. Homens bons, castos e donos da verdade, atrelados à ideia de uma igreja seletiva, na qual o Deus era apenas para aqueles que estavam no padrão racial Europeu. A esposa deste cidadão perfeito era cheia de pompas, com escravos cativos para satisfazer seus desejos. Até mesmo colocar os pés no chão era uma atividade difícil para as “madames da época”.
Existiam escravos para cuidar das crianças, da cozinha, das roupas, dos afazeres domésticos e demais mimos elitistas.

Não é demais lembrar que o homem social colonial também se relacionava com suas escravas, e estas eram impedidas de engravidar, e se isso ocorresse, o aborto seria a solução mais viável. O desejo sexual do homem “BRANCO, PURO, CASTO E HONESTO” deveria prevalecer sobre a sua propriedade humana, esta, apenas teria que ser depositária dos desejos e, jamais gerar algum fruto deste “mono relacionamento”. E quando a esposa deste homem descobria o caso extra conjugal? A escrava praticamente tinha sua sentença de morte assinada. Mas antes, a tortura era a tônica. A culpa era da mulher negra que manteve relação forçada com o homem “BRANCO, PURO, CASTO E HONESTO”. Ovos quentes colocados em sua boca, retirada forçadas dos mamilos, unhas, cabelo, dentes, introdução de ferro quente em partes íntimas e demais atos eram praticados contra estas mulheres.

A evolução do mal continuou por outras décadas. Libertou-se o negro da sua condição de “escravo”. É chegada a hora de mudarmos a sociedade e seu pensamento? Ledo engano. Aquele homem “BRANCO, PURO, CASTO E HONESTO” agora observa o ex-escravo como mendigo, como um flagelado, como alguém que poderia fazer mal a ele e a sua propriedade. Não é demais lembrar que foram editadas várias leis para combaterem a massa populacional de ex-escravos. Desde esta época que começou a ser incutido na mente das pessoas que o paradigma “pobre e preto” é sinal de “bandidagem”, de “pessoas que devemos ter cuidado”, e isso perdura até o século 21.

O homem tem orgulho de ter ido à lua, de ter realizado feitos fantásticos nas ciências e na medicina, mas a maior mudança que deveria ter ocorrido não houve, evolução mental.

Quando uma cidadã “BRANCA, PURA, CASTA E HONESTA” coloca uma criança NEGRA dentro de um elevador, aperta um botão do seu prédio luxuoso, sabendo que ali estará uma criança indefesa, observamos um espírito colonial nesta atitude. Ora, uma pessoa refinada, com bons tratos sociais, com importância social a nível de primeira-dama municipal, vai cuidar de um reles menino negro filho de uma simplória empregada doméstica que tem a única função de ser subserviente aos mandos e desmandos dos seus mestres brancos? Foi mais fácil colocá-lo no elevador da morte para que não desse trabalho e assim ela pudesse voltar ao seu status RACIAL INDOLENTE.

A grande questão aqui não é apenas a condição da criança ser negra, apesar disto ser um fator social forte, mas passa também pela questão socioeconômica. Quantas e quantas festas essa mulher “BRANCA, PURA, CASTA E HONESTA” já esteve presente e tinham crianças, inclusive negras, chorando, pulando, dando trabalho e ela simplesmente sorriu, brincou com estas crianças, tirou fotos e até mesmo disse “não brinque aí, este elevador é perigoso! ” Por serem crianças “ricas e brancas ou negras” ela teve total cuidado, afinal eram filhos (as) dos seus amiguinhos que pertencem à sua casta social.

Miguel é apenas mais um, não teremos mudanças por conta deste caso, a sociedade irá continuar da mesma forma. Não iremos observar crônicas dos jornalistas famosos ou nenhuma mudança legislativa. Este caso ainda estará nas mentes das pessoas até que outro “escândalo” surja nas redes sociais e que choque mais do que este caso.

A elite “BRANCA, PURA, CASTA E HONESTA” continuará a pensar que o dinheiro ainda é fator da manutenção do status colonial, e fará de tudo para que isso não mude, até mesmo gastar seus milhares de reais para que VOCÊ acredite nesta falácia. Eles são uma elite monetária, mas imbecil das faculdades mentais.

*É professor

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Foro de Moscow

Foro de Moscow 105 – AS NOVAS AÇÕES AUTORITÁRIAS DO INTERVENTOR DO IFRN

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Análise

Racismo no futebol do RN

Jogador reage a manifestação de racismo (Foto: Luciano Marcos/ABC FC)

Ídolo da torcida abecedista, Wallyson tinha tudo para celebrar uma grande noite ontem no Frasqueirão quando o ABC bateu o Força e Luz por 4×2 com dois gols do “Mago”.

Mas o racismo roubou a cena mais uma vez no futebol para tristeza de todos nós que amamos o futebol e temos ojeriza a qualquer manifestação de preconceito.

Chamado de “macaco” pelo goleiro Ferreira, o atacante alvinegro fez o que todos devem fazer quando vítimas de racismo: denunciar.

Que Wallyson leve o caso adiante e o ABC dê todo o suporte ao seu principal jogador.

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Artigo

Sem negros no palanque, a esquerda não vencerá

Por Sabrina Fidalgo*

Numa tarde cinzenta do ultimo dia 8 de novembro, durante uma reunião de trabalho, meu celular não parava de vibrar. O conteúdo das mensagens era um só; Lula havia sido solto.

Corri para casa o mais rápido que pude e ainda cheguei a tempo de ligar a TV para assistir ao vivo o ex-presidente deixar o presidio de Curitiba, sorridente, bem disposto, barba feita caminhando acompanhado por companheiros do Partido dos Trabalhadores.

Logo vemos Lula discursar no palanque com aquela veemência e carisma que lhe são peculiar. “Sua retórica está ainda mais poderosa”, penso comigo enquanto assisto o grande acontecimento. Tirei uma foto da tela da minha própria TV para postar nas minhas redes sociais no auge da euforia da incrível e surpreendente novidade daquela sexta-feira cinzenta que nada prometia e, ao olhar a foto recém postada, percebo algo que já me chamara atenção não é de hoje; na imagem temos Lula ao centro, microfone em punho e ao seu fundo, políticos e nomes conhecidos do PT, poucas mulheres e muitos homens.

Como em todos os palanques políticos do Brasil, da América Latina, e do mundo.

Mas o PT é um partido de esquerda, e o conceito de esquerda diz-se inclusivo.

Mas “a teoria, na prática, é outra”.

Alguns dias mais tarde, mais precisamente no dia 14 de novembro último, Midiã Noelle, do “Correio” (antigo “Correio da Bahia”), postou em sua coluna uma carta do “Coletivo Afronte à Comunicação” endereçada ao ex-presidente Lula que, aquela altura, se encontrava militando em Salvador. O trecho da carta que melhor representa sua urgência e importância diz:

“(…) A verdade, Lula, é que não existe nada nesse país que não tenha a contribuição negra como parte do pacote. Seja balançando bandeiras, indo às ruas defender projetos políticos que não nos incluem ou incluem a contento como os governos atuais de nosso estado e município. A verdade é que por mais que você tenha se informado sobre o que aconteceu e acontece nesse país, algumas coisas lhe escapam por conta das velhas oligarquias brancas que, por motivos diversos, tinham mais acesso a você do que a nós, ainda que estivéssemos na mesma frente de batalha. Se hoje os partidos de esquerda têm alguma força, tem por nossa presença extrema, mas invisibilizada na hora da festa.

Entendemos que não existe mais acordo para que a maioria da população seja invisibilizada e ignorada em nosso estado e município. (…)”

É sabido que há na velha esquerda problemas em relação a escuta e aceitação de críticas do que eles chamam de “grupos identitários”. Para todo e qualquer movimento feito nessa direção, seja qual for o momento político, a resposta pronta mais notória é; “não é esse o momento”.

Por “não ser esse o momento” que desde a reeleição de Dilma para cá a velha esquerda enfrenta uma derrota atrás da outra culminando com o resultado das últimas eleições. Por “não ser esse o momento certo” que houve uma enorme debandada das populações periféricas para os partidos da ultradireita. Por “não ser esse o momento certo” que as igrejas neopetencostais continuam num crescendo de seu rebanho, majoritariamente negro e ignorado por essa velha esquerda.

Quando a velha esquerda fala de “grupos identitários” a impressão que eu tenho é que ela esta falando lá do topo do Himalaia para o Brasil tamanha a distancia que se dá. A velha esquerda não consegue entender que não existe grupo mais identitário do que o dela mesma. O grupo identitário masculino e branco, que, como diz Djamila Ribeiro, “só fala de si, governa para si e só pensa a partir de si ”.

Senão, vejamos; o quadro de políticos da velha esquerda inteira é tão branco do que o da ultradireita, que, mal comparando, mas já comparando, se apropria errônea porém eficazmente do poder da imagem ao usar figuras como a do deputado federal “Hélio Bolsonaro” (vulgo Hélio “Negão”) posando sempre ao lado ou detrás do atual presidente.

A velha esquerda branca costuma se referir a Hélio como “o negro de estimação do Bolsonaro” numa forma desprezível de racismo, dando a entender que o tal deputado, por ser negro, jamais poderia ser apoiador de um presidente da ultradireita.

Acontece que ser negro não é condição para nada além de ser o que se queira ser, inclusive de ultradireita.

Vendo a imagem de Lula discursando logo após sua soltura, tudo leva a crer que a velha esquerda é quase tão branca quanto os mais temíveis grupos de supremacia branca do Hemisfério Norte. Além de quase ninguém na velha esquerda ser negro (com exceção de uma Benedita da Silva aqui e acolá), ninguém ali se relaciona com pessoas negras, mestiças, indígenas ou periféricas. As primeiras damas são sempre mulheres brancas, advindas das elites econômicas e/ou intelectuais e vice-versa. A imagem da velha esquerda é a imagem da supremacia branca e do patriarcado oligárquico.

É por isso que se faz tão necessária a carta do “Coletivo Afronte à Comunicação” endereçada ao ex-presidente Lula. Para que ele, agora ainda mais instruído de leitura política durante seus 14 meses de cativeiro, tenha o discernimento de entender que não existe esquerda sem protagonismo de cor, raça e gênero no Brasil de 56% de população que se autodeclara preta e parda. Afinal, não basta governar para essas populações e se vangloriar ad eternum por uma instauração de somente politicas de cotas somente.

A esquerda tem que governar junto com essas pessoas que agora precisam ter sua própria voz saindo de dentro nas cabeças dos partidos de esquerda. De outra maneira continuará sendo um disfarce mal feito de uma ultradireita com toscas pinceladas de marxismo dadaísta.

E seguirão perdendo.

*É roteirista e cineasta.

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Psicóloga aponta como racismo interfere em crianças e adolescentes negras

Mariana Oliveira é psicóloga (Foto: Divulgação)

Recentes casos de racismo traz para o centro das discussões o seguinte questionamento: Como a sociedade brasileira lida com esse problema?

A psicóloga do Hapvida, Mariana Oliveira, ressalta que a sociedade ainda enfrenta muitos desafios na superação desse problema social, e, isso se deve a uma não reflexão do racismo enquanto um problema estrutural.

“A sociedade não lida como deveria. O racismo no Brasil é uma questão estrutural desde o processo de colonização. Assim, é importante reconhecer que existe o movimento de negação, de desconhecimento sobre história. Existe um movimento de negação que afasta até mesmo a identificação de que existe o problema. A juventude negra é a que mais ocupa as prisões, os subempregos e as taxas de homicídios. E muitas vezes esses dados ainda são tratados como se fosse uma infeliz coincidência”, assevera.

Ainda segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre o racismo no Brasil, apesar dos 87% dos entrevistados acreditarem que há racismo no Brasil, apenas 4% destes se reconhecem como racistas. Isso ainda aponta um dos principais obstáculos para a superação do preconceito racial. Dados estarrecedores da Cartilha de Óbitos por suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros, lançada pelo Ministério da Saúde (MS), aponta que a cada 10 suicídios de jovens, 6 são negros. Segundo uma das especialistas responsável pela cartilha, esse dado é resultado do racismo estrutural que tem provocado sofrimento e adoecimento aos jovens e crianças negras.

“O racismo causa impactos danosos no ponto de vista psicológico e social de crianças e adolescentes. É nessa fase que o caráter vai sendo construído e as referências e juízo de valor são registrados no nosso consciente e no inconsciente. A criança aprende observando os adultos ao seu redor, ela pode aprender a discriminar e reproduzir no ambiente escolar entre outras crianças. A prática do racismo e da discriminação racial é uma violação de direitos e é um crime inafiançável, previsto em lei”, ressalta Mariana.

Para a superação desse problema, é fundamental trabalhar a autoestima entre as crianças e adolescentes, promover momentos de afeto, além da importância do resgate da história afro-brasileira.

 

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Câmara foi racista ao passar pano em racismo de deputados do PSL

Resultado de imagem para charge negros pm

Por João Filho

The Intercept

OS DEPUTADOS DO PSL têm se sentido cada vez mais à vontade para barbarizar a vida política brasileira. Até o ano passado, Jair Bolsonaro era um dos poucos parlamentares que usava o mandato para expressar seu desprezo pelos valores democráticos. Com o bolsonarismo, isso virou padrão. Todo dia tem um figurão do PSL xingando opositores, atacando as instituições, perseguindo jornalistas, exaltando assassinos e fazendo ameaças de todo tipo contra a democracia. A coisa já está fora de controle.

Essa semana, deputados do partido cometeram algumas barbaridades que não podem passar impunes. Em São Paulo, o deputado estadual Frederico D’Avila propôs uma homenagem a Augusto Pinochet, o ditador que aterrorizou o Chile por quase trinta anos e foi condenado internacionalmente por terrorismo e genocídio. Mas isso está dentro do que se espera da extrema-direita brasileira. A novidade é que agora há deputados expressando de forma direta e clara o racismo que antes estava camuflado.

Na Câmara dos Deputados, na véspera do dia da Consciência Negra, o Coronel Tadeu vandalizou uma exposição contra o racismo. Ele não gostou de uma obra que denunciava os assassinatos de jovens negros cometidas pela polícia e resolveu destruí-la. Outro deputado, Daniel Silveira, um dos que destruiu a placa de Marielle Franco saiu em defesa do coronel Tadeu, subindo mais alguns degraus no racismo: “Há mais negros com arma, mais negros cometendo crime, mais negros confrontando a polícia, mais negros morrem. (…) Não venha atribuir à polícia mortes porque um negrozinho bandidinho tem que ser perdoado”. Essa foi a declaração mais escancaradamente racista que já se ouviu no plenário da Câmara.

Pouco antes do vandalismo racista de Tadeu, Silveira gravou um vídeo em frente à obra que seria destruída e falou “o que me incomoda mais é esse jovem com a camisa que faz alusão ao pavilhão nacional algemado como se o policial o tivesse executado sumariamente esse jovem já preso. O que é um absurdo e um escárnio contra imagem da Polícia Militar. Vamos tomar todas as medidas para retirar. Isso não pode permanecer aqui”.

A charge é de 2013, mesmo ano em que o ajudante de pedreiro Amarildo, negro, foi preso, torturado, morto e teve seu corpo ocultado por policiais militares. É uma prática comum de maus policiais, que sabemos não serem poucos. Casos como o de Amarildo pipocam aos montes dos noticiários, mas outros tantos nós nem ficamos sabendo. Há uma cultura de violência e racismo impregnada na Polícia Militar, que é reflexo do país. Silveira quer silenciar o debate sobre racismo na corporação, justamente numa casa dos debates públicos. Os pitbulls do PSL não querem saber de democracia e querem impor os valores bolsonaristas na marra.

Já o coronel justificou a sua ação sem negar a existência do genocídio. Para ele, se a maioria das periferias é composta por negros — um fato racista em si —, logo é natural que haja mais mortes de negros associados ao tráfico. Tadeu finge ignorar Ágatha, Jenifer, Kauê, Kauan, Katelen e tantas outras crianças negras assassinadas neste ano que não tinham qualquer ligação ao tráfico. Quando todas as crianças assassinadas por policiais durante a guerra ao tráfico são negras, que nome dar a isso senão genocídio? A morte de crianças é tratada como efeito colateral.

Alguma dúvida de que Silveira e Tadeu jamais apoiariam tiroteios diários no Vivendas da Barra? Onde crianças brancas conviviam com criminosos de alta periculosidade fortemente armados como Ronnie Lessa? Quem trata assassinatos em série de crianças negras apenas como um efeito colateral infeliz é racista. A revolta contra quem denuncia essa realidade também é genuinamente racista. Não há meio termo. Qualquer tentativa de tratar isso com eufemismos será conivente com o racismo.

A violência com que Tadeu e Silveira reagiram a um protesto feito em um cartaz nos faz pensar que tipo de ex-policiais eles foram. Se reagem com violência a uma charge estampada em um cartaz, não é difícil imaginar como agiam com armas na mão durante operações policiais. E a mensagem que passam para os atuais integrantes da corporação é a de que estão no caminho certo. E para os negros há também um recado embutido: vocês vão continuar enterrando seus filhos.

Políticos de extrema-direita, claro, saíram em defesa dos seus comparsas de racismo. Os de esquerda organizaram um ato em protesto na Câmara e entraram com uma representação na Procuradoria-Geral da República contra os deputados por quebra de decoro e racismo. Mas e a turma dita moderada de centro, centro-direita e direita? Fizeram apenas criticadas moderadas, protocolares, tratando essa selvageria como uma quebra de decoro qualquer. É incrível que a luta contra o racismo, que deveria ser uma bandeira empunhada por todos os políticos decentes, tenha virado uma pauta identificada com as esquerdas.

João Amoêdo e o partido Novo, por exemplo, que apoiam quase que integralmente o bolsonarismo nas votações na Câmara mas tentam escapar da pecha extremista, se calaram. Além de não postarem nenhuma mensagem sobre o Dia da Consciência Negra, não repudiaram os atos racistas dos seus aliados. Um silêncio bastante conveniente com quem se preocupa apenas com a economia, mas pretende posar de moderado. E nós sabemos que quem cala diante da opressão se coloca automaticamente ao lado do opressor.

Rodrigo Maia repudiou o ato do Coronel Tadeu, mas não deu a devida gravidade para o caso. Não apontou o caráter racista do episódio e o chamou de “ato impensado em um momento de mais nervosismo do deputado”. Entendo que, como presidente da Câmara, Maia tem o papel de não acirrar mais os ânimos. Mas o combate ao racismo é inegociável. Não é possível que isso seja tratado como uma infelicidade de um colega. A obrigação de um presidente da Câmara realmente comprometido na luta contra o racismo seria encampar um movimento pela cassação dos parlamentares.

A escalada do neofascismo no Brasil é uma realidade. Em entrevista para a Deutsche Welle, a antropóloga Adriana Dias apontou a existência de 334 células nazistas no país, com pelo menos 5 mil integrantes ativos. Os grupos se concentram no sul e sudeste, mas estão se expandindo para o centro-oeste. Segundo ela, “a sociedade brasileira está nazificando-se. As pessoas que tinham a ideia de supremacia guardada em si viram o recrudescimento da direita e agora estão podendo falar do assunto com certa tranquilidade. Precisamos abordar o tema para ativar o sinal de alerta. Justamente para não dar palanque a essas ideias, precisamos falar sobre criminalização de movimentos de ódio e resgatar a questão crucial: compartilhar humanidades”.

Não há nenhuma dúvida de que esses grupos se identificam com o bolsonarismo. É esse o contexto social que envolve os atos racistas no parlamento. Como a Câmara vai reagir? Punirá exemplarmente atos racistas com cassação ou irá empurrar para debaixo do tapete tratando a barbárie como infelicidade? O Conselho de Ética da Câmara vai tolerar racismo explícito em plenário?

Enquanto a Câmara não exercer um controle interno rigoroso para punir ataques contra valores democráticos fundamentais, os limites ficarão cada vez menos claros e as práticas fascistoides cada vez mais naturalizadas. Passar pano para o racismo de gente com mandato público é, na prática, incentivar a perpetuação das práticas racistas na sociedade. É fechar os olhos para as crianças negras assassinadas pela polícia e minimizar o apartheid brasileiro.

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Zenaide repudia ataque de deputado à exposição

Para Zenaide, quadro mostra realidade (Foto: cedida)

Nesta quarta (20/11), Dia da Consciência Negra, a presidente da Comissão Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, senadora Zenaide Maia (Pros-RN), abriu o debate sobre violência estrutural contra a mulher, promovido pelo colegiado, lembrando que as mulheres negras estão na base da pirâmide socioeconômica brasileira e são as que mais sofrem violência no Brasil. “As mulheres negras são a maioria entre as vítimas da violência doméstica, do feminicídio, da violência obstétrica. Então, neste dia da Consciência Negra, eu não poderia deixar de fazer essa reflexão: o racismo é estrutural no Brasil e, por isso, está na raiz de muitas das violências contra as mulheres”, ressaltou a parlamentar.

Zenaide também repudiou o ataque feito pelo deputado Coronel Tadeu (PSL – SP) à exposição “(Re)existir no Brasil: Trajetórias Negras Brasileiras”, na Câmara dos Deputados. O episódio ocorreu na terça (19/11), quando o deputado tentou destruir um quadro com charge do artista Carlos Latuff que denuncia a violência institucional contra a população negra. “É muito grave! Querem dar o aval para a violência? Não podem ver um quadro que mostra a realidade?”, indagou a senadora.

O debate sobre violência contra a mulher foi promovido a pedido da deputada Luizianne Lins (PT-CE) e contou com as palestras de três acadêmicas que pesquisam o tema: Milena Fernandes Barroso, da Universidade Federal do Amazonas; Maria Alves e Priscila Andrade, da Universidade de Brasília.

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Como o racismo afeta as relações sociais

O Dia Nacional da Consciência Negra é uma data que incentiva a consciência histórica de uma sociedade que vivenciou longamente a escravidão, promovendo reflexões sobre o racismo e seu impacto na sociedade. A discriminação e o preconceito racial são, ainda, emblemáticas da sociedade brasileira.

Segundo Marina Queiroz, Conselheira Coordenadora da Comissão de Relações Étnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia do RN (CRP-RN), o momento é, para além de trazer reflexões sobre a Consciência Negra, também abordar os efeitos psicológicos do racismo.

“Como não se discute muito as formas de racismo, a sociedade questiona sempre que uma situação não é brusca. E isso pode fazer a própria pessoa, que sofre racismo, se autoquestionar, acreditando que o problema é com ela. Em geral, a sociedade acredita que racismo só é quando alguém é chamado de macaco”, explica.

Os desdobramentos do racismo podem afetar o convívio de quem vivencia com a discriminação racial na sociedade. “Infelizmente, esta prática tão indelicada e ultrapassada ainda está presente nos dias atuais e precisa muito ser debatida.”, disse.

No nosso cotidiano testemunhamos diversos casos ligados à discriminação e o preconceito racial. Pesquisa inédita do Globo Esporte trouxe dados que quase metade dos atletas negros das Séries A, B e C sofreu racismo no futebol. O estudo feito com 163 atletas e treinadores. Mais recentemente, no dia 11 de novembro, os jogadores Taison e Dentinho sofreram durante o jogo entre Shakhtar Donestk e Dínamo Kiev, pelo Campeonato Ucraniano, caso de racismo. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo, torcedores do time de Kiev, fizeram ofensas racistas aos brasileiros. “Acho que tá na hora de eu arrumar minhas coisinhas e voltar”, disse Taison sobre o ocorrido.

O racismo tem assumido diversas formas, desde o genocídio e segregação legal até a discriminação racial praticada socialmente, de modo dissimulando ou nem tanto. “Uma pessoa exposta ao racismo pode desenvolver ansiedade, angústia (que pode virar depressão), transtorno de estresse pós-traumático e baixa autoestima. Isso pode fazer com que a pessoa deixe de sair pelo medo da discriminação”, completa Marina Queiroz.

Percebemos que o racismo está introjetado na população em geral, e é preciso debater sobre esse tipo de preconceito. O CRP-RN reitera seu compromisso com o combate à discriminação racial e aborda o tema nas mídias sociais da instituição para que a sociedade possa refletir. “Precisa virar tema recorrente no debate social e não restringir a um momento ou data. Vale dizer que a data também representa um chamamento à luta pelo fim do racismo”, destaca Rafael Ribeiro, presidente do CRP-RN.

A Resolução 018/2002 do Conselho Federal de Psicologia define que profissionais da Psicologia devem atuar contribuindo com seu conhecimento para refletir sobre o preconceito e para eliminar o racismo. A resolução do CFP diz, ainda, que profissionais não devem utilizar instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação racial.

Sobre o Dia Nacional da Consciência Negra

O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. Foi incluída e instituída em âmbito nacional mediante a lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data se refere à morte do líder de quilombo Zumbi dos Palmares, ocorrida em 20 de novembro de 1695, símbolo de resistência negra na história do país.

O que é o racismo?

O Racismo é a crença em que uma raça, etnia ou certas características físicas sejam superiores a outras. Pode se manifestar das formas mais corriqueiras, como em comentários, ou imagens estereotipadas e difamatórias, seja em nível individual, ou em nível institucional. É considerado um crime inafiançável, com pena de até 3 anos de prisão.

Leis para crime de Racismo

Injúria racial Art 140 do código penal

Lei do crime racial

Texto produzido pela Assessoria de Comunicação do CRP-RN