Categoria: Artigo
Por Wilson Pedroso*
Donald Trump venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos e voltará a comandar a Casa Branca. A vitória do republicano deverá ter impactos importantes para a economia e a diplomacia mundiais, mas, antes de qualquer outra análise, devemos admitir que ela tem um peso ideológico que não pode ser ignorado. Os americanos mostraram-se mais alinhados à direita, em um movimento que já é observado em outras nações na história mais recente.
No caso da eleição de Donald Trump, chama a atenção o fato de que ele tenha vencido a disputa contra Kamala Harris em duas frentes distintas, tendo conquistado a preferência dos delegados dos colégios eleitorais e também dos eleitores americanos. Segundo noticiou a imprensa, a vitória dupla não acontecia desde a vitória de George W. Bush, há 20 anos.
Esse resultado deixa claro que os americanos apoiam as ideias radicais de direita de Trump. Cenários semelhantes foram observados, por exemplo, na Argentina, com a eleição de Javier Milei, e no Brasil, quando Jair Bolsonaro chegou à presidência.
Donald Trump conquistou os americanos com um discurso protecionista, focado no crescimento econômico do país e no fortalecimento da segurança nacional, com endurecimento das regras de imigração e maior vigilância das fronteiras. Mas ninguém vence eleição apenas com discurso. Ele fez uma campanha agressiva e estratégias complexas em várias frentes.
Entre as principais táticas adotadas por Trump, está o uso de tecnologia de ponta, como as ferramentas de Inteligência Artificial, para aprofundar a comunicação com os eleitores. Ele também apostou na reestruturação do Partido Republicano, garantindo ampliação da base e apoio às suas propostas. E, por fim, fez ataques sistêmicos a Kamala Harris, com divulgação de informações que contribuíram fortemente para desconstrução de sua imagem junto à opinião pública.
Sim, a campanha de Trump foi bem arquitetada e, independentemente de ideologia política ou preferência partidária, merece ser estudada com atenção pela classe política. No Brasil, a vitória do republicano já vem mobilizando esquerda e direita. E todos concordam em uma coisa: as eleições americanas poderão ter reflexos negativos para a economia brasileira.
Ainda é cedo para uma avaliação mais aprofundada sobre o que exatamente está por vir. Mas certamente o governo brasileiro terá desafios pela frente.
*É analista político e consultor eleitoral com MBA nas áreas de Gestão e Marketing.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Por Saul Oliveira*
Em 1996, O Partido dos Trabalhadores chegou ao Segundo Turno de Natal. Naquele ano, a então Deputada Estadual Fátima Bezerra, em seu primeiro mandato, frustou os sonhos da elite natalense e desbancou o candidato dos Alves e do então Governador Garibaldi, João Faustino (PSDB). E disputou com Vilma de Faria (PSB), candidata dos Maias, do Senador Jose Agripino Maia, sendo derrotada no 2º Turno, por 51,68% a 48,32%. Neste ano, a deputada federal Nátalia Bonavides (PT) desbancou um Alves, Carlo Eduardo (PSD), considerado favorito ao pleito e avançou para a 2º disputa com o Deputado Federal Paulinho Federal Paulinho Freire (União Brasil), candidato do Prefeito Álvaro Dias (Republicanos), dos Senadores Rogerio Marinho (PL) e Stervenson Valentim (Podemos) e de outras figuras políticas, indo da extrema direita a direita do RN. Sendo Freire, eleito Prefeito de Natal, por 55,34% a 44,66%.
Em 2018, a eleitora de Jucurutu, Aparecida Brito, me falou Natália será a sucessora de Fatima Bezerra na política. Considero a sabedoria popular de uma riqueza imensa e muitas vezes ela desbanca leituras de analistas políticos. Neste caso, lembro de análises que subestimaram Natália e falaram que ela que seria menos competitiva até para chegar ao 2º turno no pleito de nossa capital.
Maior figura política que o Rio Grande do Norte viu surgir nos últimos anos, disse o presidente Lula em seu discurso, na Zona Norte de Natal em comício referindo-se a então candidata a Prefeita Natália.
A Deputada e a Governadora possuem semelhanças em suas histórias de trajetórias políticas. Já foram as mais votadas para Câmara dos Deputados e já disputaram um 2º turno em Natal. O presente, o passado e o futuro da esquerda e do campo progressista nas figuras dessas duas lideranças políticas.
Concluindo com uma breve análise do tabuleiro político do RN. Com os resultados das urnas quem vive na política sabe que 2026 é logo ali. No campo da Direita já ouvi de uma de Jornalista “Não terá majoritaria para todo Mundo”. Pois já aprece nomes como o atual Prefeito Alvaro Dias, os Senadores Rogerio Marinho e Stervenson Valetim, o Prefeito de Mossoró Allyson Bezerra (União Brasil).
No campo progressista, Natália saiu com grande capital político e cacifada para qualquer disputa majoritária em nível do estado. A análise não só de hoje, com os resultados de 2022, me chamou a atenção de um eleitor do interior do estado num grupo criado de forma espontânea para campanha de Lula. “Está na hora de Natalia disputar cargos maiores”.
Volto a análise do resultado do 2º Turno em Natal e perspectivas para a próxima nova Gestão da Capital para de fato concluir. Sendo também Assistente Social gosto mesmo é de análises do povo quem possui a faculdade da Vida. Assistindo no Jornal Nacional a fala do Prefeito Eleito de Natal, me falou uma idosa: “Este que ganhou tem tudo para governar para os ricos, pois só falou em investir no turismo, quem faz turismo não é pobre”. A campanha foi pautada por sorteio de vagas em creches, cobertura da saúde no município, transporte público, problemas que afetam a maioria da população natalense.
*É assistente social.
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Por Olavo Hamilton*
Já é clichê: o Brasil tem a polícia que mais mata e a que mais morre no mundo inteiro. Segundo dados de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apenas em 2021, cerca de 6.145 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou fora dele. Esse número reforça o impacto da letalidade policial, enquanto as baixas dentro das forças de segurança também seguem em ritmo preocupante, com aproximadamente 183 policiais assassinados no mesmo período. Essa espiral de violência, associada a fatores como a falta de preparo e os embates em contextos de grande desigualdade social, coloca o Brasil em uma posição de extremo contraste com outras nações em relação à segurança pública.
Com a intenção de mudar esse estado de coisas, o governo federal lançou em 2024 um programa destinado a equipar as forças de segurança estaduais com câmeras corporais. Estudos internacionais apontam que o uso dessas câmeras auxilia na redução da letalidade policial e no número de vítimas, sejam elas civis ou agentes. Experiências realizadas em São Paulo, por exemplo, mostram uma queda de até 50% nas mortes em confrontos após a implementação das câmeras em fardas de policiais militares. O uso do equipamento permite documentar operações e abordagens, o que não só aumenta a transparência das ações como desestimula comportamentos inadequados de ambas as partes, promovendo um ambiente mais seguro e controlado.
No novo programa, anunciado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em outubro de 2024, foram destinados R$100 milhões para a compra de aproximadamente 35 mil câmeras corporais que beneficiarão as forças policiais em 16 estados. As unidades da federação que aderiram ao programa incluem Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Piauí, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Cada um desses estados deverá cumprir normas especificadas pelo governo federal, conforme disposto na Portaria nº 648/2024, para garantir que as câmeras sejam utilizadas de forma contínua e estratégica em abordagens, atendimentos a ocorrências e operações. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) já iniciou testes com os equipamentos, enquanto a Polícia Federal (PF) também considera sua implementação.
O Rio Grande do Norte, entretanto, não aderiu ao programa federal. Embora o estado tenha iniciado um projeto piloto próprio com câmeras em 2023, a falta de integração ao programa nacional pode gerar desvantagens. A ausência de um financiamento mais robusto e a falta de continuidade na instalação dos dispositivos limitam o impacto positivo que as câmeras podem trazer na redução da violência policial e no aumento da segurança para os próprios agentes públicos. A decisão do Rio Grande do Norte de não participar desse novo investimento pode representar um retrocesso na proteção tanto dos policiais quanto (e sobretudo) da população, perpetuando um ambiente de tensão e insegurança.
A instalação de câmeras corporais é um passo em direção a uma segurança pública mais transparente e eficiente, mas a adesão de todos os estados é essencial para garantir que os índices de violência – que tanto vitimizam a sociedade quanto os próprios policiais – possam, de fato, ser reduzidos em todo o território nacional. Muitas vidas potiguares serão perdidas por conta dessa omissão.
*É Advogado, Conselheiro Federal da OAB, Doutor em Direito pela UnB, Professor da Uern.
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Deputada Estadual Isolda Dantas*
Chegado o fim das eleições municipais de 2024, surgem análises de conjuntura e prospecções eleitorais de todo gosto, especialmente da elite política tentando emplacar a narrativa de derrota do PT e da esquerda. Enquanto deputada estadual líder da bancada do PT na ALRN, militante petista desde os 16 anos, cientista social de formação e professora, escuto anúncios precipitados desta natureza a cada pleito eleitoral. Trago, então, algumas considerações sobre as eleições municipais no Rio Grande do Norte para refletirmos juntos: da capital ao interior, o PT se fortalece, apresenta novas lideranças populares e consolida-se como a principal força política a representar a esperança e as lutas do povo potiguar.
Há de se lembrar de que em 2016 sofremos um golpe antidemocrático que destituiu a presidenta eleita Dilma Rousseff sob o efeito de um antipetismo tão odioso que quase inviabilizou a campanha e o diálogo petista naquele ano. De lá pra cá, vimos a prisão injusta do presidente Lula, uma dura perseguição de nossas lideranças, a eleição e governo da extrema direita, antes de testemunharmos a prova da inocência de Lula e sua eleição em 2022. No RN, vimos a eleição e reeleição da governadora Fátima ainda em primeiro turno, mesmo em condições muito adversas.
É ainda em um contexto de retomada do debate democrático, sob forte influência de uma ofensiva conservadora e aparelhamento da máquina pública que o PT fez 252 prefeituras em todo o país, quase 70 a mais do que em 2020. No RN, o resultado também indica um avanço significativo do partido.
Em Natal, Natália fez a maior votação da esquerda na capital potiguar em toda história, mas não para por aí! O PT de Natal teve uma votação expressiva para câmara municipal, igualando a maior bancada da história do partido. O professor Daniel Valença e a jovem Brisa Bracchi renovaram seus mandatos superando a maior votação anteriormente registrada por uma petista na capital. O time petista foi ainda ampliado com mais uma mulher, Samanda Alves, também com votação expressiva.
Em Mossoró, segunda maior município do estado, o PT também ampliou reelegendo a vereadora professora Marleide Cunha e elegendo uma jovem negra da periferia Pluvia Oliveira. As petistas eleitas serão as únicas mulheres na Câmara de Mossoró. Em Caicó, a sindicalista rural Ana Aline retomou a cadeira do PT na câmara, haja vista que na última legislatura o partido não teve representantes no parlamento municipal. Ao todo foram 62 vereadores eleitos neste pleito, 15 a mais que em 2020.
O PT do RN saiu de 3 (2020) para 7 prefeitos e treze vice-prefeitos, compondo 20 gestões municipais, número que representa um recorde estadual. Em Currais Novos, para ficar em um dos exemplos, com o legado do prefeito Odon Jr., o PT conquistou seu terceiro mandato consecutivo com a eleição de Lucas Galvão. Em cenário semelhante, Jandaíra elegeu a terceira gestão petista, com Reginaldo Vitorino, após as duas gestões de Marina Marinho, a prefeita com melhor avaliação do RN. Além dos retratos vindos do Seridó e do Mato Grande, em José da Penha o partido elegeu Jairo Mafaldo; em Sítio Novo, Andrezza Brasil; Elvécio Gurgel em Janduís; Genilson Maia em São Fernando e Dr. Raniery em Santa Maria.
Assim, o resultado das urnas de 2024 mostram vitórias do PT que não podem ser diminuídas. Evidente que todo processo inspira reflexão, mas aqueles que se precipitam em anunciar derrotas e fracassos do PT, na verdade tentam esconder e abafar seus medos de nossa maior fortaleza: a projeção e surgimento de novas lideranças petistas em profusão e o encantamento sem precedentes dos trabalhadores potiguares por nosso projeto coletivo.
Como bem disse Natália Bonavides em seu discurso no último domingo “Tudo isso só foi possível porque foi um projeto, um sonho coletivo” e como diz a canção, “os sonhos não envelhecem” e completo: não morrem, renascem e se fortalecem a cada vez que juntamos tanta gente sonhando. Foi o que ocorreu nessas eleições. Convido aqueles e aquelas que sonharam conosco em 2024 a seguir conosco: sonhando e lutando, alimentando a esperança e organizando a luta com trabalhadores e trabalhadoras rumo a um outro mundo possível, mais justo, livre e igual. 2026 é logo ali: nossa estrela se revigora e há de brilhar ainda mais.
*É presidente do PT de Mossoró e deputada estadual.
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Por Rogério Tadeu Romano*
Observo texto de editorial da Folha, publicado em 1.11.24:
“De 48 pacientes submetidos à cirurgia de catarata, no final de setembro deste ano, por meio de mutirão numa maternidade em Parelhas (RN), ao menos 15 apresentaram quadro infeccioso e 8 tiveram de remover o globo ocular.
Trata-se de fenômeno trágico silencioso, como mostra levantamento da Folha. Nos últimos 15 anos, ao menos 276 pessoas no país perderam a visão, parcial ou totalmente (incluindo retiradas do globo ocular), em mutirões.”
É caso típico de apuração de responsabilidade civil daquela administração municipal.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, até há pouco tempo atrás, aplicava de forma irrestrita a responsabilidade objetiva, mesmo em decorrência de atos omissivos estatais (como se vê do exemplo do RE 109.615-2-RJ e RE 170.014-9/SP). Por sua vez, a Segunda Turma se inclinava pela responsabilidade subjetiva nesses casos, como se lê do RE 179.147-1/SP e Ag no RE 602.223.
Necessário trazer alguns entendimentos com relação a responsabilidade civil do Estado.
Pedro Lessa sintetiza os três sistemas de responsabilidade em direito público: teoria do risco integral, ou por causa do serviço público; teoria da culpa administrativa; teoria do acidente administrativo ou da irregularidade do funcionamento do serviço público.
Disse ele que, desde que um particular sofre um prejuízo em consequência do funcionamento (irregular ou regular, pouco importa) de um serviço público organizado no interesse de todos, a indenização é devida como corolário do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; segundo a teoria da culpa administrativa, só há direito à indenização, quando se prova imprudência, negligência ou culpa de qualquer espécie dos órgãos e propostos da União; a terceira teoria tenta a conciliação das anteriores: assim pressupõe o princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, mas não vai a ponto de mandar que se indenizem todos os prejuízos resultantes do funcionamento, regular ou irregular, dos serviços públicos; sente-se neste terceira teoria um vestígio do conceito de culpa, mas a culpa, aqui, é impessoal, objetiva do serviço público como expôs no conhecido Do Poder Judiciário, pág. 165.
Na teoria do risco integral, o prejuízo sofrido pelo particular é consequência do funcionamento, seja regular ou irregular, do serviço público.
Mas visando atenuar a amplitude da responsabilidade objetiva constitucional, Hely Lopes Meirelles acena com uma discriminação do conceito de risco, mas que recebe a oposição de autores como Alcino Falcão (Responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas de direito público, RDP 11:45). Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro, São Paulo, 1978) , a teoria do risco integral faz surgir a obrigação de indenizar os danos, do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes; basta a lesão, sem o concurso do lesado; baseia-se esta teoria no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Entendia Hely Lopes Meirelles que a teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral: “Nesta a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima”; no risco administrativo embora se dispense a prova da culpa da Administração, permite-se que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.
Mostra, logo após, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima, para excluir e atenuar a indenização, o que não aconteceria no caso de risco integral, modalidade extremada do risco administrativo, e segundo o qual a Administração fica obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Ora, como observam Mário Marzagão e Otávio de Bastos (Responsabilidade pública, 1956), essa teoria jamais foi acolhida em toda a sua intensidade.
A teoria do risco administrativo foi adotada pela doutrina, sendo reconhecida como a que mais se mostra adequada à compreensão da responsabilidade civil do Estado, acrescentando-se que, na legislação brasileira, a Administração Pública pode ser responsabilizada na forma do risco integral apenas quando praticar dano ambiental, na forma do artigo 14 da Lei 6.938/81, e artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ou dano nuclear, nos termos do artigo 21, XIII, alínea “ d”, da Constituição Federal.
Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estava em consonância com a doutrina majoritária, entendendo que a teoria adotada por nosso ordenamento jurídico, como regra, foi a do risco administrativo, a qual, conforme já dito, admite que o Estado demonstre, em sua defesa, a presença de causa excludente da responsabilidade ( AgR no AI 577.908/GO, AgR no Ai 636.814/DF).
Diante da gravidade do mal que atualmente assola o mundo, poderão, portanto, ser tomadas medidas diversas sempre no sentido de responsabilizar os órgãos públicos que, por ação ou omissão, contribuam para a proliferação de tamanho mal à saúde pública.
Caio Tácito (RDA 55/262) entende cabível a responsabilidade objetiva nos casos de dano anormal, decorrente de atividade lícita do Poder Público, mas lesiva ao particular.
Em posição oposta estão Aguiar Dias (RDA 15/65), Mário Mazagão (Curso de direito administrativo, 6ª edição, RT, 1977, pág. 203) e ainda Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 32ª edição, São Paulo, pág. 2006), todos considerando que desde o texto de 1988, a responsabilidade objetiva é a regra.
Mas não se desconhece que há campo vasto para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de serviço, seja porque o serviço não funcionou, quando deveria funcionar normalmente, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.
A tese de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios gerais de direito administrativo, volume II, pág. 487) é a que melhor se amolda aos termos da Constituição de 1988, que nesse ponto seguiu as anteriores.
Disse ele:
“ A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressupõe sempre ação positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente à sua pessoa ou ao seu patrimônio, de ordem material, econômica ou social, em benefício da instituição governamental ou da coletividade em geral, que o atinge individualmente, e atenta contra a igualdade de todos diante dos encargos públicos, em lhe atribuindo danos anormais, acima dos comuns, inerentes à vida em Sociedade.
“ Consiste em ato comissivo, positivo, do agente público, em nome do e por conta do Estado, que redunda em prejuízo a terceiro, consequência de risco decorrente da sua ação, repita-se, praticado tendo em vista proveito da instituição governamental ou da coletividade em geral. Jamais de omissão negativa. Esta, em causando dano a terceiro, não se inclui na teoria do risco-proveito. A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou do atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados.”
Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil, 9ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 270), conclui que a responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo banida de nossa ordem jurídica. A regra é a responsabilidade civil, fundada na teoria do risco administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do Estado, nessa qualidade; sempre que houver uma relação de causa e efeito entre a atuação administrativa (comissiva ou por omissão específica) e o dano. Há omissão específica, como diz Guilherme Couto de Castro (A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro, 1977, pág. 37), quando o Estado por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Como bem disse Sérgio Cavalieri Filho, resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva (por omissão genérica), nos fatos e fenômenos da natureza, determinando-se a responsabilidade da Administração, com base na culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.
Lembre-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 19ª edição, nº 54) quando diz que, “nestas hipóteses, o Estado incorre em ilicitude “ por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”
Sabe-se que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Estado compreendem: a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente de licitude ou não do comportamento funcional ( RE 109.615 – 2, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 2 de agosto de 1996); d) ausência de causa excludente da responsabilidade funcional estatal (RTJ 55/503; RTJ 71/99; RTJ 991/3.777).
Aplica-se, para o caso, a responsabilidade civil objetiva do Estado de modo a responder aos danos que vierem a ser causados à população pela ação imprópria de seus agentes.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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A criação de Gore Vidal
Marcelo Alves Dias de Souza *
Outro dia, em um excelente grupo de WhatsApp do qual faço parte, “Leitores vorazes”, administrado pelo amigo Bruno Cavalcanti, fui por este indagado sobre quais seriam os meus “top five” no que toca a livros em geral. Citei “O nome da rosa” de Umberto Eco, “A montanha mágica” de Thomas Mann, “Amor a Roma” do nosso Afonso Arinos, “A era da incerteza” de John Kenneth Galbraith e o conjunto “Júlio César/Antônio e Cleópatra” de Shakespeare, para logo depois, refletindo um pouco, transformar essa quina numa meia dúzia, incluindo “Criação” de Gore Vidal.
E é exatamente sobre Vidal e sua “Criação” (“Creation”, 1971) que quero falar um pouco.
Gore Vidal (1925-2012), escritor e ativista político norte-americano, foi um intelectual à moda antiga. Polemista, na esteira de um G. K. Chesterton ou de um George Bernard Shaw. Prolífico e diversificado, escreveu teatro e muitos – ponha muitos nisso – ensaios. Democrata e alegadamente bissexual, tratou, à sua maneira, de religião, filosofia e política. Mas, de minha parte, o que mais aprecio em Vidal são os seus “romances históricos”.
Sobre “Creation”, ainda me recordo até da sua aquisição – falo do exemplar em inglês que primeiramente li – na London Review of Books, a uma quadra do Museu Britânico, no bairro de Bloomsbury, uma das livrarias mais charmosas de Londres. Pequenina, composta de um pavimento térreo e de um subsolo, tem um café que então eu adorava. Logo devorei o livro e voltei à mesma prateleira para comprar “Julian” (1964) e outros mimos do mesmo autor.
Certa vez disse – e agora reitero – que “Criação” tem um lugar especial na minha alma literária. Cyrus Spitama, a personagem principal, grego e persa ao mesmo tempo, é neto do profeta Zoroastro. Representação perfeita do “homem viajado”, ao derredor do século V antes de Cristo, foi embaixador persa perante a Índia, a China e a Grécia de então. Através de Cyrus Spitama, somos apresentados a Cyro (o Grande), a Cambisses, a Dario (o Grande) e a Xerxes, os grandes (e haja grandes nisso) governantes persas da dinastia dos Aquemênidas. Cyrus Spitama é um homem que, através de pequenos ajustes de datas confessados por Vidal (uma mentirinha branca, a favor do nosso deleite), em direção ao Ocidente, topa com os gregos Péricles, Pitágoras, Demócrito, Tucídides e Heródoto, entre outros luminares que aquela civilização produziu. Vai à China, de mestres do Taoísmo e de Confúcio, no Oriente mais distante. No meio do caminho, ele passeia pela Índia de Sidarta Gautama (o Buda), de Mahavira (fundador do Jainismo) e de seu discípulo/rival Gosala, com suas filosofias e teologias tão misteriosas para nós “ocidentais”. Uma vida entre reis, pensadores, profetas e magos, de encontros e desencontros, um romance que é, antes de tudo, uma aula de história, geografia, filosofia, religião e política. Ainda devo acrescentar, quanto ao eruditíssimo romance de Vidal, um componente bem pessoal: li “Creation”, praticamente, dentro do Museu Britânico. Foram manhãs e tardes em que, maravilhado, contextualizava mais ainda aquela história/estória de gigantes, passeando (e aprendendo) pelo acervo daquele grande museu.
Paulo Francis, polemista como poucos, que também tem uma crônica intitulada “A criação de Gore Vidal”, republicada no seu livro “Diário da corte” (Editora Três Estrelas, 2012), “elogiosamente” afirma que “Creation sugere que o humanismo já disse tudo o que tinha a declarar em 500 a.C. Não é bem assim. Ou talvez seja. Se ficarmos apenas no humanismo e omitirmos a ciência. É difícil superar Buda ou Confúcio. Nossos mentores Moisés e Cristo são bobos perto desses sábios (é de estarrecer o que Confúcio faria em face de Cristo. Provavelmente lhe daria uma esmola e sairia correndo)”.
Bom, como cristão enfadado, não vou entrar nessa querela. Apenas sugiro a diversa leitura da “Criação”.
*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
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Por Pedro Lúcio Góis*
Entre os dias 22 e 24 de Outubro de 2024 aconteceu a 16ª Cúpula dos BRICS na cidade de Kazan, Rússia, um evento de grande importância no cenário geopolítico mundial que aprovou a Declaração de Kazan sob o tema “Fortalecendo o multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos”. A Cúpula reuniu representações de 35 países e seis organizações internacionais e discutiu uma ampla gama de temas, dentre eles a nova organização econômica e geopolítica global e a necessidade de reformas na governança dos organismos internacionais, especialmente do Conselho de Segurança da ONU e do FMI, de forma a representar essa nova realidade, abordou o tema das guerras em andamento no mundo, especialmente na Ucrânia, Sudão, Líbano e Palestina, as sanções internacionais unilaterais e até o fortalecimento das relações entre países privilegiando o uso de moedas nacionais nas transações dentro do bloco, em detrimento do dólar. Por fim, a declaração de Kazan aponta o Brasil como próximo país a presidir o bloco a partir de janeiro de 2025 bem como a sediar a realização da XVII Cúpula do BRICS. Nesse artigo, estarei dedicado às abordagens da Cúpula dos BRICS no que se refere à transição energética, desenvolvimento sustentável e mudança climática.
A Declaração de Kazan enfatiza a “natureza universal e inclusiva da Agenda 2030 (plano global aprovado na ONU com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável) para o Desenvolvimento Sustentável e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, ressaltando que esses objetivos devem levar em consideração as “diferentes circunstâncias, capacidades e níveis de desenvolvimento nacionais”, afirmando, finalmente, o compromisso em colocá-lo no centro da agenda de cooperação internacional.
Sinaliza ainda um avanço significativo no que diz respeito à cooperação tecnológica entre os países do BRICS. O documento reconhece a importância da transferência de tecnologia e do desenvolvimento de capacidades locais como pilares para a transição energética e o desenvolvimento sustentável. Ao propor a criação de plataformas de colaboração e o incentivo à pesquisa conjunta em áreas como energias renováveis, eficiência energética e tecnologias limpas, os países membros demonstram um compromisso com a construção de um futuro mais sustentável. Essa cooperação tecnológica tem potencial para acelerar a transição energética nos países do bloco e fortalecer a autonomia tecnológica e a competitividade das suas economias.
O documento reitera que “os objetivos, princípios e disposições da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), seu Protocolo de Quioto e seu Acordo de Paris devem ser honrados” e ressalta que “a UNFCCC, incluindo as sessões anuais da Conferência das Partes (COP), é o fórum internacional primário e legítimo para discutir a questão da mudança climática em todas as suas dimensões” e declara, por fim, apoio ao trabalho da Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima no âmbito do G20.
Ao longo de toda a declaração, duas preocupações explícitas chamam a atenção. Primeiramente, a preocupação com a adequação dos objetivos de desenvolvimento sustentável e dos esforços relacionados a mudanças climáticas à realidade dos países
emergentes que compõem o bloco. Nesse tópico o documento defende, inclusive, que a dependência da produção e consumo de combustíveis fósseis dos países em desenvolvimento seja levada em consideração para alcançar transições energéticas justas. Claramente é um item que dialoga com a realidade dos países em desenvolvimento, dos quais é inviável exigir uma transição abrupta de matriz energética sem que isso signifique seu colapso econômico. Até mesmo o Brasil, um país cuja maior parte da energia consumida já é de fontes renováveis, não pode, do dia para a noite, abrir mão de explorar suas reservas petrolíferas, inclusive se utilizando disso para realizar sua transição energética. O documento está atento a essa realidade em vários momentos, especialmente no parágrafo 81.
A segunda preocupação do documento é a utilização de sanções unilaterais sob o pretexto de preocupações climáticas e ambientais. Nesse sentido, a declaração confirma o apoio ao apelo da COP28 relacionado a evitar medidas comerciais unilaterais baseadas no clima ou no meio ambiente. Ela denuncia várias vezes a utilização das mais variadas formas de sanções unilaterais sob esse pretexto, o que culmina com o reforço de que a UNFCCC e a COP são o fórum adequado para discutir, de forma multilateral, as questões climáticas. A preocupação de que as questões climáticas sejam distorcidas como uma nova forma de disputa geopolítica por influência, poder e privilégios é clara.
Por fim, houve destaque para a participação do Brasil, através do Presidente Lula, que participou por vídeo-conferência. Em sua intervenção, o presidente ressaltou o papel do BRICS como “ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima” e reforçou que o histórico de emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos é o principal responsável pelo estado atual do aquecimento global, mas sem desconsiderar também a responsabilidade dos países emergentes. Em outras palavras, o presidente afirmou que a responsabilidade não pode cair apenas sobre os países em desenvolvimento, devendo aos países desenvolvidos a maior carga de responsabilidade, e, portanto, de esforço para reversão do quadro atual.
Dado o momento de reorganização da geopolítica mundial em que aconteceu essa Cúpula e a realidade dos países emergentes, a declaração abriu mão de ser mais ambiciosa ao não apontar metas mais concretas para a redução de emissões do bloco, para resguardar os interesses dos países membros e denunciar as práticas abusivas relacionadas ao clima. Ainda há um longo percurso a ser trilhado para a construção de instrumentos internacionais eficazes que apontem caminhos para uma transição energética justa, sustentável e global no ritmo que a realidade do aquecimento global impõe.
Declaração de Kazan:
https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/xvi-cupula-do- brics-2013-kazan-russia-22-a-24-de-outubro-de-2024-declaracao-final
*É dirigente do Sindipetro/RN, da FUP e da CTB, bacharel em Direito pela UFERSA, especialista em Direitos Humanos pela UERN e empregado da Petrobrás.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
Por Pedro Lúcio Góis*
A transição energética, embora pareça um objetivo unânime, revela uma complexidade de visões e interesses divergentes. As propostas atualmente debatidas, longe de serem consensuais, desenham futuros contrastantes para nossas cidades e sociedades.
Tive essa reflexão ao iniciar a leitura do livro “Estrada para lugar nenhum”, de Paris Marx, recentemente lançado pela Editora Ubu, um livro que recomendo a leitura. Marx traça um panorama histórico das cidades projetadas para o automóvel e da ideologia tecnoutópica predominante no Vale do Silício, criticando as propostas da indústria tecnológica para o futuro da mobilidade urbana.
Dito isso, vamos imaginar, breve e superficialmente, dois modelos para o futuro dos transportes e das cidades, fazendo um exercício imaginativo, mas com base na realidade. O primeiro modelo, característico do neoliberalismo, é defendido pelas grandes empresas de tecnologia. Nesse cenário idealizado, cada habitante do planeta teria um carro elétrico, circulando em rodovias inteligentes e autodirigíveis. Sem dúvidas, esse modelo reduziria as emissões de gases de efeito estufa em comparação aos veículos a combustão, além de ser um modelo individualmente mais confortável para a ideologia carro-centrada dominante, mas obviamente esbarra na realidade de desigualdade social, em que poucos teriam condições de ter um carro elétrico, do impacto ambiental com o descarte de baterias, do consumo de recursos minerais finitos e que tem grandes impactos ambientais na sua extração, além de várias outras questões que, por mais óbvias que sejam, não impedem que esse tipo de modelo esteja em consideração, especialmente por contar com a força de um lobby poderoso e multibilionário.
Em contraponto, existe um modelo que visa criar cidades mais humanas e sustentáveis, com foco em pedestrais, ciclovias e transporte público eficiente. Essa proposta, amplamente defendida por diversos grupos da sociedade, busca reduzir a poluição, melhorar a qualidade de vida e promover a inclusão social. Esse é um modelo que reduziria ainda mais as emissões de gases de efeito estufa que o anterior, mas iria além, reduzindo a poluição sonora, aumentando a eficiência energética, reduzindo o risco de acidentes, estimulando o exercício físico, possibilitando maior acesso a serviços e oportunidades para todos, mas esbarra em dois grandes problemas: a necessária alteração da ideologia dominante em que o carro é, ao mesmo tempo, um hábito e um sonho de consumo, e o lobby das empresas de tecnologia que querem garantir sua fatia de mercado e farão de tudo para isso. E para superar esses dois desafios, é necessário romper com a ideologia neoliberal, individualista e competitiva.
Em última análise, o modelo de transição energética não é uma questão técnica, mas uma escolha da sociedade que irá moldar nossas cidades, nossa economia e o futuro do planeta e da humanidade. Por óbvio, no mundo real, um modelo não necessariamente exclui o outro, podendo coexistir em alguma medida, e a saída em última instância deverá ser tomada a partir da participação ativa de todos os setores da sociedade: governos, empresas, universidades, movimentos sociais e cidadãos através da colaboração e do diálogo.
*É dirigente do Sindpetro
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Quem só direito sabe
Por Marcelo Alves Dias de Souza*
Tenho me batido, aqui e na vida, contra aquilo que chamo de “mito da especialização”. Como já alertava Rubens Alves, em “Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras” (Editora Brasiliense, 1981), circunscrevendo o nosso pensamento e induzindo o nosso comportamento, “a especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza”.
No direito, isso tem até um toque especial e curioso.
Como muitos já devem ter notado, historicamente, os cursos jurídicos no Brasil sempre foram formadores de bacharéis cujas vocações, ao final dos estudos, acabavam sendo direcionadas para diversas outras profissões além daquelas consideradas estritamente jurídicas (magistratura, ministério público, advocacia etc.). Era – e ainda o é – uma característica do direito.
Na verdade, segundo Nelson Werneck Sodré, em “Síntese de história da cultura brasileira” (DIFEL, 1985), “a tantos aspectos negativos de que têm sido acusados os cursos jurídicos, em sua unilateralidade ou em sua preponderância – e que devem ser historicamente situados –, há que juntar um aspecto positivo quase sempre esquecido. É que tais cursos forneceram, como era de sua finalidade, conhecimentos que permitiam a atividade ligada ao Direito, mas forneceram, paralelamente – e, até o fim da fase de que nos ocupamos, unicamente –, aqueles conhecimentos, ainda que em nível rudimentar, que seriam fornecidos, adiante, por centros especializados de estudos, e, bem mais adiante, pelas Faculdades de Filosofia, isto é, o saber universal, humanístico, filosófico – com alguma licença nessas qualificações. De sorte que os bacharéis não se habilitavam apenas ao exercício profissional, mas às letras, ao jornalismo, à política, ao magistério, sem falar nas funções públicas. Não espanta que nos cursos jurídicos encontrassem eco especial as atividades mencionadas, de que ali se fizesse o noviciado, que tornavam estes cursos focos de ideias e de irradiação de campanhas, não esquecendo o papel, que tiveram, de unificadores da cultura, pela aproximação de elementos oriundos das mais distantes e diversas regiões do país, a que retornavam muitos com as marcas dessa formação”.
Talvez seja por isso que o folclore jurídico tenha consagrado o ditado “quem só direito sabe nem direito sabe”, cuja autoria muitos atribuem ao grande Pontes de Miranda (1892-1979), com o qual tendo deveras a concordar.
Mas se no passado essa “generalidade” do direito no Brasil era mais intuitiva pela própria necessidade de quadros profissionais, acho que hoje essa tendência do direito de ir além da sua especialização vem ganhando ares sistemáticos e espaço formal na academia. De fato, no direito, uma das atuais “coqueluches” é a interdisciplinaridade, aqui entendida, no seu sentido lato, como a interação, nos mais diversos níveis de complexidade (multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade em sentido estrito e transdisciplinaridade), das áreas do saber, visando à compreensão e ao aperfeiçoamento da realidade que nos cerca. Nas últimas décadas o estudo interdisciplinar do direito tem ganhado institucionalmente espaço na academia e na literatura jurídica em geral, sobretudo nos EUA, com movimentos/disciplinas do tipo “law and society”, “law and economics”, “critical legal studies”, “law and literature”, “law and film”, dentre outros. E, mesmo que de forma não tão organizada como nos EUA, no Brasil, nos cursos de bacharelado e de pós-graduação, aos professores e estudantes é recomendado trabalhar toda e qualquer disciplina jurídica curricular em interação com os demais ramos de direito, assim como interagir com as demais ciências, tais como a filosofia, a política, a economia e a sociologia.
Seguindo essa boa tendência da interdisciplinaridade, eu faço a minha parte. Sempre misturo as enfadonhas tecnicalidades do direito com a filosofia, a literatura e o cinema, entre outras sabenças. E você, caro bacharel, tem se lembrado de fazer a sua?
*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL
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