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O que é o semipresidencialismo?

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que se diz em reportagem no Estadão, em 6.2.25:

“O deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) reuniu o número mínimo necessário de 171 assinaturas para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Semipresidencialismo seja protocolada na Câmara. O número de subscrições aumentou substancialmente após o novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), defender o modelo parlamentarista em entrevista anteontem. Hauly disse que vai protocolar a PEC quando chegar ao apoio de 300 deputados, para “mostrar força”. A proposta tinha 178 adesões até a tarde de ontem.

O semipresidencialismo é um modelo de governo em que o presidente da República divide o poder com um primeiro-ministro, eleito pelo Congresso Nacional – uma espécie de “meio-termo” entre o atual presidencialismo do Brasil e o parlamentarismo.

A proposta de Hauly daria ao premiê a capacidade de definir o plano de governo e o controle orçamentário, além de empoderar a Câmara, que poderia votar sozinha moções de confiança e censura. Pela PEC, o presidente da República é o chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, mas há também o primeiro-ministro, que é o chefe de governo.”

Ali, ainda se diz:

“Como mostrou a Coluna do Estadão, a discussão ganha força em momento de conflito entre os três Poderes sobre a execução do Orçamento da União. Nos últimos anos, principalmente durante a presidência de Arthur Lira (PPAL) na Câmara, os parlamentares ganharam ainda mais poder sobre a destinação de emendas, o que enfraqueceu o Executivo. Mas esse modelo de distribuição de recursos tem sido questionado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).”

Afinal, o que é o semipresidencialismo?

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semiprésidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina Faso, Geórgia (desde 2013), Lituânia, Madagascar, Mali, Mongólia, Níger, Polônia, Portugal, França, Romênia, Senegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha.

Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na Armênia, Moçambique, Namíbia, Rússia, Sri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Sabe-se da tramitação na Câmara dos Deputados da PEC 020, de 1995, cujo proponente foi o deputado Eduardo Jorge. Nessa proposta de emenda constitucional, adota-se um semipresidencialismo , com maior incumbência administrativa outorgada ao primeiro-ministro.

Este apresentará ao Congresso o programa de governo, podendo sofrer, após seis meses do início do governo, moção de censura, proposta por um quinto dos membros da Câmara e a ser aprovada pela maioria absoluta de ambas as Casas. A dissolução do Legislativo não ocorre ao ser negada a aprovação ao nome do primeiro-ministro, mas tão somente na hipótese de grave crise política e institucional.

Incumbe ao primeiro-ministro exercer a direção superior da administração federal; elaborar o programa de governo, submetê-lo à aprovação do presidente da República e ao Congresso; promover a unidade da ação governamental; elaborar planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento, submetendo-os ao Legislativo nacional. Nem por isso são de somenos as atribuições do presidente da República. Cabe a este sancionar ou vetar projetos de lei; presidir o Conselho de Ministros, no qual se aprovam decretos, propostas de lei, bem como o plano plurianual de investimentos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e as propostas dos orçamentos previstos na Constituição, além de manter relação com outros Estados.

A ação governamental incumbe, portanto, ao primeiro-ministro. Se o governo vai mal ou se envolve em falcatruas, a crise resolve-se por moção de censura. Há, também, forte comprometimento do Congresso com o plano de governo e sua execução.

Nessa emenda se propõe a adoção do semipresidencialismo apenas na próxima eleição, mas se instala, no mandato atual, forma de coparticipação entre os Poderes, com a criação da figura de ministro coordenador para entrosar ministérios, articular a ação político-administrativa e apresentar ao Legislativo a execução do plano de governo. A Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, pode solicitar ao presidente da República o afastamento do ministro coordenador.

No semipresidencialismo proposto, o presidente, conjuntamente com o ministro coordenador, exerce a direção da administração federal e dispõe sobre a estruturação e o funcionamento dos órgãos da administração federal. O presidente envia, veta ou sanciona projetos de lei. Todavia é importante a função do ministro coordenador, pois lhe cabe promover a unidade da ação governamental, coordenando a atuação dos ministérios e dos órgãos da administração com vista à execução do plano de governo, mantendo relação com o Legislativo.

O impasse na aprovação do ministro coordenador não se resolve, nesse modelo, pela dissolução da Câmara dos Deputados, pois se considera duro desafio, nas dimensões de um pleito nacional, impor novas eleições, com custos econômicos e políticos de monta. Todavia não se deixa de criar liame forte entre Executivo e Legislativo, este coparticipando da obra de governo.

Esse formato se aproxima do francês, editado na Constituição de 1958, no qual o presidente é eleito diretamente e divide com o primeiro-ministro ações governamentais. Mas o protagonismo do presidente é patente, especialmente se o primeiro-ministro for de sua ala política. Do contrário, ocorre a difícil, mas já bem sucedida, coabitação: presidente de um partido, primeiro-ministro de outro, como se deu entre Mitterrand, presidente, e Chirac, primeiro-ministro, pois pode ser eleita uma maioria parlamentar de oposição e dela vai provir o primeiro-ministro.

Recentemente, o Ministro Roberto Barroso fez a conferência de abertura no Congresso Nacional de Procuradores do Estado, na qual desenvolveu mais uma vez sua tese. Destacou que o sistema de governo adotado no Brasil tem o formato hiper-presidencialista da tradição latino-americana e lembrou que, em 2006, numa proposta de reforma política, defendeu a atenuação desse modelo, pela implantação do semipresidencialismo, como praticado na França e em Portugal.

A proposta é que ele passasse a vigorar oito anos depois, em 2014. Na ocasião, afirmou que “é em período de tempo bom que a gente conserta o telhado”, e disse que, se ela tivesse sido posta em prática, poderia ter minimizado alguns problemas atuais. “Preferia estar errado, mas era previsível que esse dia chegaria”, comentou na ocasião.

Barroso disse que gosta dessa fórmula por seu potencial para atenuar dois crônicos problemas que assinalam a nossa História: o autoritarismo do Executivo e a instabilidade institucional. “Se estivesse em vigor, não estaríamos passando pelo que estamos passando.

E não descarto que esse possa ser um caminho para um grande acordo que nos faça voltara andar na direção certa.”, comentou.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

A Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, pôr o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o semipresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo  voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Na França, temos um sistema presidencialista e um regime semi-presidencialista.

Na Polônia há um sistema parlamentarista (que se aproxima da Bélgica, Dinamarca, Itália, Países Baixos) e um regime semipresidencial, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

Em Portugal, assim como na Áustria, na Irlanda, na Islândia, temos um sistema governamentalista e um regime semipresidencialista. São seus traços estruturais, segundo J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª edição, pág. 574):

  1. a) dois órgãos (presidente da República e o parlamento eleitos por sufrágio direto; b) dupla responsabilidade do governo (gabinete) perante o presidente da República e perante o parlamento; c) dissolução do parlamento por decisão e iniciativa autônomas do

 presidente da República (diferentemente do que existe quer no regime presidencial quer no regime parlamentar); d) configuração do gabinete como um órgão constitucional autônomo (diversamente do regime presidencial e anologamente ao regime parlamentar); e)presidente da República com poderes de direção política próprios (à semelhança do regime presidencial, mas diversamente do regime parlamentar).

Ainda na lição de Canotilho, o critério da posição jurídica e política do presidente da República no funcionamento das instituições assume no caso particular relevo. Em certas engenharias constitucionais, como é o caso da França e da Finlândia o complexo de

 poderes do presidente da República sugere uma base presidencial temperada pelas exigências da confiança parlamentar, significando uma atribuição de poderes políticos relevantes ao presidente da República uma correção de forma ao governo parlamentar, como disse Canotilho. Daí, na lição de M. Shugart e J. Carry (President and assemblies, pág. 24) com relação a forma caracterizadora “governo parlamentar com um correto presidencial”. Sendo então assim a fórmula mais abrangente será a de um sistema presidencial parlamentar ou parlamentar presidencial consoante a matriz dominante.

Fica a lição de Canotillho (obra citada, pág. 574), à luz de Aguilera de Prat e R. Martinez (Sistemas de Gobierno, pág. 103 e seguinte, dos regimes da Finlândia, França, Polônia, Portugal e Armênia), de que qualquer que seja a matriz, a forma de governo semipresidencial adquiriu contornos autônomos, não circunstanciais, justificadores de sua qualificação como uma forma de governo contemporâneo em que as dimensões funcionais e institucionais do sistema político desempenham um papel dinamicamente conformador. Por isso, disse ainda Canotilho, que um autor (Volpi) alude aqui a uma forma de governo como categoria a se stante em que se tem de atender não apenas aos elementos estruturais constitucionais, mas também aos elementos funcionais.

Lembremos que, em 1993, a população chamada a responder, escolheu o presidencialismo e não o parlamento.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Câmara Municipal inicia nova legislatura com cheiro de mofo da República Velha

A Câmara Municipal de Mossoró inicia uma nova legislatura na próxima terça-feira. Nova do ponto de vista formal porque politicamente voltamos 100 anos no passado quando os atuais poderes de prefeito e presidente da Câmara Municipal estavam concentrados numa única pessoa: o chefe da intendência.

Isso mesmo.

Na República Velha (1889/1930) o prefeito era também presidente da Câmara e era chamado de chefe da intendência.

Mas porque a comparação? Se você é leitor assíduo do Blog do Barreto já entendeu no primeiro parágrafo, mas vamos lá: Allyson Bezerra (UB) governa Mossoró e exerce desde 1º de janeiro um controle jamais visto na Câmara Municipal.

Além de escolher quem seria o presidente, ele vai controlar a gestão do legislativo com a direção geral, a comunicação, as compras e as nomeações. Todas as pessoas responsáveis por estas áreas são pessoas da confiança do prefeito.

O presidente da casa, Genilson Alves (UB), cumpre apenas um papel formal de presidente. Quem dá as cartas de fato no legislativo é Allyson, o intendente tiktoker.

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Sagração do orçamento impositivo

Por Rogério Tadeu Romano*

Como salientou o Estadão, em editorial, no dia 4.2.24, “que a preocupação maior dos deputados e senadores não é outra senão a apropriação de um volume cada vez maior de recursos por meio de emendas ao Orçamento da União indicadas, distribuídas e executadas de forma opaca, em respeito a sabe-se lá quais critérios”

Costuma-se se dizer que orçamento é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elabora, se expressa, se aprova, se executa e se avalia os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação de despesas de cada exercício financeiro.

O Orçamento além de ser peça pública, deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas as pessoas e suas estimativas devem ser tão exatas quanto possível de forma a garantir a peça orçamentária um mínimo de consistência.

Mas o orçamento é uma peça que é formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas, que, materialmente, se traduz em ato político-administrativo. Tem-se a posição do Supremo Tribunal Federal já delineada:

“EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – C.P.M.F. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE “DA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA C.P.M.F.” COMO PREVISTA NA LEI Nº 9.438/97. LEI ORÇAMENTÁRIA: ATO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO – E NÃO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: ART. 102, I, A, DA C.F. 1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102, I, a, da Constituição Federal, pois ali se exige que se trate de ato normativo. Precedentes (…)”. (ADI 1640 / DF, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 12/02/1998).

Como lei, o orçamento se submete ao controle abstrato de constitucionalidade (ADI 4048 MC/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, 14 de maio de 2008).

A legislação e a execução prática do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei orçamentária como uma “autorização para gastar”, e não como uma “obrigação de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.

A ideia de “orçamento impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.

“Orçamento impositivo” quer dizer que o gestor público é obrigado a executar a despesa que lhe foi confiada pelo Legislativo. Que apenas alguma coisa muito excepcional poderia liberá-lo desse dever.

Fala-se que hoje o orçamento não é mais autorizativo, mas impositivo.

O orçamento impositivo é uma medida legislativa que visa tornar obrigatórias determinadas despesas públicas, garantindo que emendas parlamentares sejam cumpridas.

Trata-se, na verdade, de um dinheiro paralelo ao reservado para as emendas individuais a que todos os congressistas têm direito – aliados e opositores – e que o Executivo tem a obrigação de pagar.

A cada ano, deputados e senadores fazem essas indicações, para que o recurso federal seja aplicado nos redutos eleitorais deles em todo o país.

Há quatro tipos de emendas:

  • Emendas individuais, feitas por deputado ou senador com mandato vigente;
  • Emendas de bancada, que reúnem os parlamentares do mesmo estado ou do Distrito Federal, ainda que sejam de partidos diferentes;
  • Emendas de comissões, propostas pelas comissões permanentes ou técnicas da Câmara e do Senado;
  • Emendas do relator do Orçamento, incluídas pelo relator a partir das demandas feitas por outros políticos.

Nessa linha de ideias, lembra-se que, em 2015, o Congresso promulgou uma mudança na Constituição para tornar impositivas (de execução obrigatória) as emendas individuais.

Em 2019, os parlamentares voltaram a mudar a Constituição para tratar do tema. Desta vez, tornaram obrigatória a execução das emendas de bancada.

Com essa mudança importante, as relações entre o Poder Executivo e Legislativo deixam de representar um presidencialismo de coalização, para termos um verdadeiro semiparlamentarismo, em que o Legislativo cada vez mais orienta os atos de governo ao Executivo.

Os parlamentares ganham maior influência e controle sobre a execução do orçamento.

Por certo, é mister que nesse procedimento sejam exigidos transparência e eficiência, princípios pelos quais a Administração Pública deve se nortear.

De toda sorte, o orçamento não poderá ser secreto.

Aliás, lembre-se que a ministra aposentada Rosa Weber, então presidente do STF, votou no dia 14.12.22, para considerar o orçamento secreto inconstitucional.

A relatora da ação, ministra aposentada Rosa Weber, entendeu que o pagamento destas emendas parlamentares de relator viola o direito à informação e a separação de Poderes, indo contra os princípios da Constituição. “O modelo em prática viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência dos recursos financeiros do estado”, ressaltou.

A ministra destacou ainda que o mecanismo desequilibra o processo democrático e criticou o uso destas emendas para interesses eleitorais. “A captura de recursos públicos por emendas parlamentares no Brasil não encontra paralelo na comparação com outros países”, disse Weber, relembrando em seu voto escândalos relacionados ao Orçamento, como a dos anões do Orçamento, no qual parlamentares se envolveram em várias fraudes para o desvio de recursos nos anos 1990.

Preocupa, sobremaneira, um orçamento secreto que agrida a necessária e essencial transparência no uso de gastos públicos.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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INDIGESTÃO CULTURAL EM MOSSORÓ – para Janaína, com muita luta.

Por Dinízio do Apodi*

Professor de Economia Etevaldo Almeida, produtor cultural Igor Belleza, advogado Kadson Eduardo, administrador Frank Felisardo e jornalista Janaina Holanda. Em quatro anos e um mês da gestão do atual prefeito de Mossoró já são cinco secretários de cultura para a cidade que se gaba em ser a capital cultural do estado. Esse número tem passado despercebido, mas mostra os porquês dos artistas e grupos independentes de Mossoró sofrerem tanto ao longo dessa gestão: falta de continuidade e um eterno recomeço.

Em mais de quatro anos, não temos estruturas básicas que são obrigatórias para o município continuar recebendo recursos federais para a cultura, como por exemplo o Conselho Municipal de Políticas Culturais (esfacelado e pisoteado pela gestão) e o Plano Municipal de Cultura (sem perspectiva nenhuma de debate sobre isso). O apagamento do Conselho enfraquece a participação dos grupos e artistas na construção de políticas culturais que atendam as necessidades de quem faz cultura. E a ausência de um plano de cultura de acordo com as atuais demandas do setor cultural prejudica a continuidade de qualquer ação, pois cada secretário ou secretária que entra faz as coisas de acordo com o que lhe convier, sem atentar para um plano construído pelo setor, tirando o caráter coletivo e focando no individualismo e bondade de quem está à frente da pasta. Se não tem plano de cultura, não vai ter continuidade.

A cada nova entrada de secretário(a) na pasta são seis meses perdidos para as discussões e efetivação das políticas culturais que precisam ser efetivadas, quando são efetivadas. Se os secretários que já passaram (com exceção do Kadson Eduardo que não recebeu a gente) forem honestos, darão o crédito de quem sempre procurou diálogo com a secretaria para alertar, para compartilhar as informações do Ministério da Cultura, e se reunir para tratar destes assuntos, foi a gente da Cooperativa de Cultura Potiguar, o Comitê de Cultura do RN, juntamente com diversos grupos e artistas independentes de Mossoró. Mas na maior parte dos casos, quando a gestão toma ciência, por nosso intermédio, das coisas que precisam fazer, nos passam para trás. Se houvesse um plano de cultura e este fosse respeitado, cada secretário que entrasse daria continuidade, mas a Secretaria de Cultura de Mossoró é a cara da esculhambação, sem eira nem beira, aos Deus dará, funcionando numa “ex-biblioteca” que é o retrato do abandono da cultura no município.

Por questão de justiça é necessário falar sobre a passagem do secretário Igor Belleza, o único, nessa gestão, que dialogou, de verdade, com o setor cultural e quis fazer o que estava sendo orientado e determinado pelo Ministério da Cultura. Com ele Mossoró foi o primeiro município do estado a receber recursos da PNAB, em dezembro de 2023, e sem ele ainda estamos esperando os pagamentos, que foram prometidos pela equipe do então secretário que agora saiu, Frank Felisardo, diante do Ministério Público, numa reunião virtual, da qual participei, onde o mesmo garantiu que sairia no ano passado.

O antigo secretário Frank e sua equipe mostraram total desprezo pelo setor cultural e até pelo Ministério Público, sem respeito nenhum às instituições democráticas, sociedade civil. Não compareceram em nenhuma audiência pública para debater as políticas culturais para Mossoró (como pode?). Sem respeito algum, passando por cima do Ministério Público e de nós, trabalhadoras e trabalhadores do setor cultural. Quando solicitamos mais tempo, pelo menos mais dois dias, para as inscrições dos projetos dos artistas, um grito de todo o setor cultural, o ex-secretário falou, numa reunião virtual, com presença de uma promotora, que não podia aumentar o prazo, alegando que se fizesse isso não daria tempo pagar em 2024. O resultado é que não aumentaram o período de inscrições para que mais artistas pudessem se inscrever mas aumentaram o prazo para os avaliadores, e ainda por cima os recursos não foram pagos até agora, 2025.

O ex-secretário Frank Felisardo, com respeito ao cidadão e ao que ele é, fora da cultura, juntamente com sua equipe, não vai ser nem lembrado que um dia passou pela Secretaria de Cultura de Mossoró. Entrou, saiu. Não vai fazer falta, não deixa nenhum legado, uma vírgula que pudesse melhorar a vida de quem faz cultura em Mossoró. Cadê o Prêmio Fomento 2024 (Lei Maurício de Oliveira) que foi prometido para outubro do ano passado, e já estamos em 2025 esperando os editais de 2024? Cadê os pagamentos da Aldir Blanc prometidos para o ano passado (os recursos FEDERAIS estão na conta desde dezembro de 2023)?

Na escuta do Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR) nos passaram para trás. Tiraram seiscentos mil reais que o setor cultural, na escuta pública, exigida, gravada e enviada para o Ministério da Cultura, aprovou por unanimidade para ser utilizada como fomento aos projetos culturais e colocaram para a reforma da Escola de Artes, que tem outras possibilidades de recursos, enquanto a gente não. Inclusive o ex-vereador Pablo Aires destinou emenda para o início da reforma da escola e a emenda não foi levada em consideração pelo prefeito municipal, e agora retiram o direito que a gente tem de decidir sobre o destino dos recursos da Aldir Blanc, que são para o nosso setor e federais (a Prefeitura é só repassadora), de acordo com o Ministério da cultura.

Na apresentação pública do Comitê de Cultura do Rio Grande do Norte em Mossoró (programa importantíssimo do Ministério da Cultura), o então secretário foi convidado a participar, com direito a fala, para saudar os trabalhadores e trabalhadoras da cultura e não foi. Na Conferência Livre de Cultura de Mossoró e Região, onde o setor cultural se reuniu para debater política pública, o secretário não compareceu também, nem mandou qualquer pessoa de sua equipe, mas no mesmo dia, participaram de uma feira que acontecia na praça ao lado de onde era realizada a Conferência. No lançamento do Centro de Cultura do BNB que está chegando em Mossoró, momento importante para a cultura da cidade, nenhuma representação. Essa ausência é o que nos é ofertada todos os dias em Mossoró, por essa gestão.

Aos artistas indignados de ocasião, aqueles que ficam por trás, sem coragem de se desgastar com o poder público, mas secretamente vem “manifestar apoio”, o nosso total desprezo por serem frouxos e deixarem companheiros na frente desta luta para serem mortos, esperando “se der certo eu estou, se der errado não conheço eles”. O mesmo vereador ou gestor que agrada você, individualmente, para enfraquecer a luta coletiva, só faz isso porque sabe que você é fraco, e pode te usar, como os poderosos da casa grande, historicamente, fizeram. Camarada, infelizmente é esse o seu papel.

As consequências desse texto já sei, previsto e previsível: babões, comissionados, blogueirinhos, influencis, burros (como diz caetano “você é burro cara, você é muito burro!”), sem pensamento crítico nenhum, nos atacando, sem conhecimento nenhum do que a gente tá falando, mudando o foco para algo que não condiz com o que colocamos, para confundir o pensamento das pessoas mais simples. Acham que nós temos prazer em discordar dessa gestão? É desgastante e adoece. Acham que não queríamos uma Mossoró com oportunidades para todo mundo? Mas a gente segue, firme, por aqui, como pode e como dá, mas seguimos com os que restam e não têm preço.

Isso, de forma alguma, é uma afronta para a nova secretária Janaina Holanda, com quem até já trabalhei por um tempo no extinto jornal Gazeta do Oeste, mas uma maneira de buscar a sensibilidade dela, não para atender a um grupo de artistas ou qualquer seletividade, mas para facilitar a efetivação das políticas públicas que já estão indicadas no Sistema Nacional de Cultura e na Política Nacional Aldir Blanc, principalmente através do fortalecimento do Conselho Municipal de Políticas Culturais e da construção coletiva do nosso Plano de Cultura de Mossoró.

Adoraria dizer que uma mulher na Secretaria de Cultura foi capaz de dar voz aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura de Mossoró, sem perseguições, e construído junto conosco o Plano de Cultura do município, e colaborado para o fortalecimento do Conselho Municipal de Políticas Culturais. Isso já seria um legado imenso, secretária Janaína, e a garantia que na próxima troca de secretário já teríamos avançado para não termos nenhum prejuízo. Isso, o tempo mostrará se a nova secretaria seguirá o modelo do seu secretário anterior ou contribuirá com o sofrido setor cultural de Mossoró.

Abraços e há braços!

Dionízio do Apodi.

*É artista em Mossoró.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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A lei de migração no brasil e o acordo de repatriação do Brasil com os Estados Unidos da América

Por Rogério Tadeu Romano*

Entrou em vigor, no dia 21 de novembro de 2017, a nova Lei de Migração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a migração do ponto de vista da segurança nacional.

Um dos princípios contidos na lei, por exemplo, é a “não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional”.

Passa-se a ter, pela Lei, uma visão mais humanista na matéria consentânea com direitos e garantias constitucionais.

O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações, intuída já na escolha da epígrafe: trata-se de uma lei de migração, aplicando-se ao migrante que vive no Brasil e, inclusive, ao brasileiro que vive no exterior. O reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira (artigo 3º, I) é decorrência da proteção da dignidade humana, vetor axiológico da Constituição (artigo 1º, III) e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil e princípio constitucional impositivo.

Visando facilitar a regularização dos migrantes que entram no país, foram trazidas as seguintes novidades: i) racionalização das hipóteses de visto (com destaque para o visto temporário para acolhida humanitária); ii) previsão da autorização de residência; iii) simplificação e dispensa recíproca de visto ou de cobrança de taxas e emolumentos consulares, definidas por mera comunicação diplomática. Ainda, os integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos em condição de hipossuficiência econômica são isentos do pagamento de taxas e emolumentos consulares para concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória.

Importante inovação é o regramento do impedimento de ingresso. Foi assegurado que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibilitando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbitrários na zona primária de fronteira.

Migrar é um direito e esta é a essência da nova Lei. Deve ser editado decreto com objeto de regulamentar a Lei.

Diversas foram as alterações promovidas pela Lei com relação a situação do imigrante no país.

Ficou mantida a proibição de exercício de atividade remunerada ao portador de visto de visita, porém com a facilitação em transformar para autorização de residência dentro do território brasileiro.

A concessão de vistos temporários para acolhida humanitária foi institucionalizada com a nova lei, que dá visto de um ano “ao apátrida ou ao nacional de qualquer país” em “situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses.”

Os vistos temporários poderão ser concedidos em 10 (dez) hipóteses, sendo que a concessão para trabalho está inserida nesta previsão. Dependerá de regulamento posterior os requisitos para sua concessão. Poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, desde que comprove oferta de trabalho, dispensando esta exigência se o imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente.

O decreto adia a regulamentação dos vistos e autorizações de residência por motivos humanitários, que são grandes inovações da Lei de Migração. No artigo 36, o texto determina que um “ato conjunto dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública e do Trabalho definirá as condições, prazos e requisitos para emissão do visto”. Tal sentido que o regulamento deu à Lei, certamente, poderá burocratizar tal procedimento, o que poderá demandar ajuizamento de diversos mandados de segurança por eventuais atos omissivos.

A autorização de residência poderá ser concedida para trabalhos, estudos, missão religiosa, reunião familiar e investimentos, dentre outros. Os procedimentos para autorização de residência serão dispostos em regulamento.

Os vistos de visita e cortesia poderão ser transformados em autorização de residência.

Há a criação, ainda, do visto de caráter humanitário, concedido a pessoas oriundas de países em situações de crise. Com a vinda nos últimos anos de haitianos e senegaleses para o Brasil, o Conselho Nacional de Migração chegou a abrir uma portaria para concessão de vistos humanitários, mas, sem caráter de lei, a decisão dependia da vontade do governo.

A Polícia Federal continuará responsável pela fiscalização marítima, aeroportuária e de fronteiras em relação à presente lei nos termos da Constituição.

A nova Lei de migração proíbe no artigo 123, expressamente, a privação de liberdade por razões migratórias.

O decreto, no entanto, tem aspectos claramente contrários à própria Lei de Migração, como a previsão de prisão do migrante que será deportado, quando o artigo 123 da lei expressamente proíbe privação de liberdade por razões migratórias.

Tal norma secundária afronta a Constituição. A uma, porque a lei não a instituiu; a duas, porque afronta o princípio da reserva legal, já que há reserva de Parlamento para a matéria.

Outro dispositivo no decreto de constitucionalidade duvidosa se refere à regulamentação da reunião familiar de solicitantes de asilo político –pelo decreto, os familiares precisam estar em território nacional. Na maioria das vezes, no entanto, solicitantes de asilo político chegam ao país sozinhos, em fuga. A norma, portanto, fere a razoabilidade, razão pela qual deve ser extirpada.

O Brasil é o único país da América do Sul que ainda não garante direitos políticos (votar e ser votado) aos imigrantes em nenhum nível: municipal, regional ou nacional. Em todos os outros países do sub-continente os imigrantes têm direito a participação eleitoral em um ou mais níveis. Observa-se, entretanto, que tal mudança não poderia estar contida na Lei de Migração, por consistir em uma modificação da Constituição, o que só pode ser alcançado através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).

O artigo 48 obriga o chefe da unidade da Polícia Federal a representar perante um Juízo, “respeitados os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal”. Na prática inviabiliza deportações pela PF, por discricionariedade, sem ouvir o Judiciário, o que caracterizaria afronta a garantia constitucional.

São medidas de retirada compulsória (art. 47): repatriação; deportação; e expulsão. Em todos os casos, deve-se observar os dispositivos da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) e os tratados ratificados pelo Brasil sobre a proteção jurídica aos apátridas.

A REPATRIAÇÃO (art. 49) consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento (impedido de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça – DPF, em razão da ausência de documento ou visto, por exemplo) ao país de procedência ou de nacionalidade. Comunicação imediata do ato de repatriação deverá ser feito à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou visitante a ser repatriado. A lei veda (art. 49, par. 4) medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia e ao menor de 18 anos desacompanhado, não podendo haver qualquer devolução para país em situações de risco à vida.

A DEPORTAÇÃO (art. 50) consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional, e deve ser precedida de notificação pessoal ao deportando apontando as irregularidades e o prazo para a regularização. Essa notificação não impede a livre circulação em território nacional. Vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória, a deportação poderá ser executada. Prevê-se que a DPU (Defensoria Pública da União) deverá prestar assistência jurídica ao deportando nos procedimentos administrativos de deportação, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Além disso, reproduzindo a regra do Estatuto do Estrangeiro, “não se procederá à deportação se a medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira” (art. 53). Esta será precedida de notificação pessoal do deportando, sendo que será ofertado um prazo de, no mínimo, 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, para sua regularização migratória. Será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com a garantia de recurso administrativo com efeito suspensivo, ou seja, a medida não poderá ser executada enquanto não houver decisão final da administração.

A EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da PF o poder de deportação sumária.

O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro.

O artigo 55, impede a expulsão quando o ilegal tiver filho brasileiro, ou cônjuge e companheiro residente no Brasil.

 O artigo 75, inclusive, permite o reconhecimento do filho depois da notificação de expulsão.

A nova Lei de Migração permite ao estrangeiro organizar e participar de reuniões para agremiação política, por força do princípio de liberdade. A prisão por exercer atividades de natureza política já teria sido revogada pela Constituição de 1988.

A Lei de migração ainda prevê normas sobre o asilo político e o refúgio.

Para que uma pessoa possa ser considerada asilada política, é fundamental que ela esteja sendo perseguida por motivos políticos em seu país de origem. Para receber o benefício, o solicitante de asilo não pode ter cometido crime comum ou estar em aguardo de julgamento relacionado a um crime comum.

Diferente do asilo, que somente se refere a uma perseguição política, o refúgio pode ter relação com os mais diferentes tipos de perseguição: de etnia, religião, nacionalidade, grupo social, convicção política, entre outros. O refúgio também pode ser solicitado quando há uma situação de guerra ou conflito interno no país de origem.

Outra grande diferença é que, enquanto a decisão de receber um asilado político é exclusivamente do Estado, consistindo em uma relação direta deste com o indivíduo, o refugiado faz parte de um grupo que sofre perseguição por um mesmo motivo, não cabendo ao Estado decidir de forma política acolher ou não esses indivíduos que chegam a seu território após fugir de uma situação de risco.

A regulamentação internacional referente ao refúgio se baseia principalmente na Convenção de Genebra de 1951, que, dentre outros benefícios, garante aos refugiados o direito de não serem expulsos ou retornados a seus países de origem enquanto permanecerem os riscos à sua vida ou liberdade.

A Lei brasileira reconhece o direito de circular livremente, pois a todos é dado o amplo direito de ir e vir.

A Lei também garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.

A nova Lei de Migração prevê uma anistia para migrantes sem documentos que entraram no país até 6 de julho de 2016, conforme consta no artigo 118. Seu objetivo é bem claro: ajudar a regularizar os migrantes que já contribuem com o Brasil e possuem uma vida estabelecida por aqui, mas ainda se encontram em situação indocumentada – causada, em grande parte, pelos empecilhos presentes no Estatuto do Estrangeiro.

O uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo com os EUA, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados.

Discute-se, por fim, o caso dos brasileiros que tem sido repatriados dos Estados Unidos para o Brasil, por conta da nova política pública adotada pelo novo governo estadunidense na matéria.

Segundo o portal Migalhas, em 27,1,25, o acordo citado, firmado entre Brasil e Estados Unidos em 2017, proíbe o uso “indiscriminado” de algemas e correntes em brasileiros deportados, de acordo com informações do ex-ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes, que atuou no governo Temer.

Ainda ali se disse:

“Em entrevista ao portal UOL, Aloysio explicou que o tratado prevê que apenas indivíduos que esgotaram todas as possibilidades de recurso na Justiça norte-americana podem ser incluídos nos voos de repatriação. Os deportados, em sua maioria, são pessoas detidas por entrar de forma irregular nos Estados Unidos e que já não possuem alternativas legais para permanecer no país.

Desde 2018, voos de repatriação vêm sendo realizados para evitar que esses brasileiros permaneçam presos por tempo indeterminado em centros de detenção norte-americanos. O tratado também estabelece que o governo brasileiro não autoriza a inclusão nos voos de deportação de pessoas que ainda tenham chances de revisão de suas sentenças.

Além disso, o documento garante diretrizes específicas para o “tratamento digno, respeitoso e humano” dos repatriados, em linha com os valores de direitos humanos defendidos pelo Brasil.”

Em verdade, o uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo com os EUA, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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O sistema do ius soli e a décima quarta emenda à constituição norte-americana

Por Rogério Tadeu Romano*

Como ensinou Oscar Tenório (Direito internacional, privado, 1942, pág. 115) “pelo sistema do ius soli, a nacionalidade é estabelecida pelo lugar de nascimento, independentemente da nacionalidade dos pais.”

Esse sistema foi revigorado no continente americano sob outras formas e emprestando uma tendência liberal e democrática.

Ainda como lecionou Oscar Tenório (obra citada, pag. 116)), “a formação e o povoamento dos países americanos exigiram como necessidade de defesa político-nacional a adoção do ius soli. Disse ele: “Afluírem às nossas plagas caudalosas correntes imigratórias, de seculares sentimentos e tradições europeias, vigiadas pelos respectivos governos. Se as legislações americanas estipulassem o ius sanguinis, dentro de algumas gerações brotariam infinitas colônias estrangeiras, como ameaças à soberania.”

Assim, como, por exemplo, no Brasil, o “jus soli“, que assegura nacionalidade com base no local de nascimento e não na ascendência familiar, está na 14ª emenda à Constituição estadunidense.

Como dito, o jus soli foi forjado principalmente visando ao povoamento de países do Novo Mundo, como Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Uruguai entre outros, que receberam o grande fluxo das grandes emigrações europeias dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX e primeira metade do XX.

Ainda hoje, a maioria dos países americanos adota o jus soli, embora tenha havido crescentes movimentos na direção de limitar certas ações nascidas da imigração ilegal, principalmente nos EUA e Canadá.

A nacionalidade é conceituada como o vínculo jurídico-político entre o Estado e um indivíduo, o qual torna este um membro integrante da comunidade que constitui o Estado.

A forma de aquisição originária, também conhecida como aquisição primária, é adquirida por meio de um fato natural, o nascimento. Ela resulta no chamado cidadão nato.

Dito isso, informou o portal de notícias da BBC News Brasil, em 21.1.25, que “o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que planeja acabar com a “cidadania por direito de nascença” — a cidadania americana automática concedida a qualquer pessoa nascida nos EUA.”.

Minutos após sua posse, ele assinou uma ordem executiva abordando a definição de cidadania por direito de nascença, embora os detalhes até agora não estejam claros.

A iniciativa do republicano foi oficializada como uma ordem executiva, assinada nas primeiras horas do governo. Ela se compromete a bloquear a política de cidadania por direito de nascença, que garante que bebês nascidos no país sejam cidadãos norte-americanos automaticamente.

Essa medida, como dito, é inconstitucional, por afrontar a 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos.

Dezenas de estados, cidades e organizações já entraram com ações judiciais contra a medida.

A matéria deve ser objeto de análise pela Suprema Corte norte- americana. que estabelece o princípio da “cidadania por direito de nascença”:

A 14ª Emenda foi adotada em 1868, após o fim da Guerra Civil. A 13ª Emenda aboliu a escravidão em 1865. Já a 14ª resolveu a questão da cidadania de ex-escravos libertos nascidos nos Estados Unidos.

Decisões anteriores da Suprema Corte, como Dred Scott vs Sandford em 1857, decidiram que os afro-americanos nunca poderiam ser cidadãos dos EUA. A 14ª Emenda anulou isso.

Acentuou, a propósito, o portal Wikipedia sobre o tema:

Wong Kim Ark, que nasceu em São Francisco em 1873, teve negada a reentrada nos Estados Unidos após uma viagem ao exterior, sob a Lei de Exclusão Chinesa, uma lei que proíbe praticamente toda a imigração chinesa e proíbe imigrantes chineses de se tornarem cidadãos norte-americanos naturalizados. Ele contestou a recusa do governo em reconhecer sua cidadania, e a Suprema Corte decidiu a seu favor, sustentando que a linguagem de cidadania na Décima Quarta Emenda abrangia as circunstâncias de seu nascimento e não poderia ser limitada em seu efeito por um ato do Congresso.

O caso destacou divergências sobre o significado preciso de uma frase na Cláusula de Cidadania — a saber, a disposição de que uma pessoa nascida nos Estados Unidos que esteja “sujeita à jurisdição dos mesmos” adquire cidadania automática. A maioria da Suprema Corte concluiu que essa frase se referia à obrigação de obedecer à lei dos EUA; com base nisso, eles interpretaram a linguagem da Décima Quarta Emenda de uma forma que concedeu cidadania dos EUA a crianças nascidas de estrangeiros (um conceito conhecido como jus soli), com apenas um conjunto limitado de exceções baseadas principalmente no direito comum inglês. Os dissidentes do tribunal argumentaram que estar sujeito à jurisdição dos Estados Unidos significava não estar sujeito a nenhuma potência estrangeira — isto é, não ser reivindicado como cidadão por outro país via jus sanguinis (herdar a cidadania de um dos pais) — uma interpretação que, na visão da minoria, teria excluído “os filhos de estrangeiros, por acaso nascidos deles enquanto passavam pelo país”.

Em uma decisão de 6–2, emitida em 28 de março de 1898, a Suprema Corte decidiu que Wong Kim Ark adquiriu a cidadania americana ao nascer e que “a cidadania americana que Wong Kim Ark adquiriu ao nascer nos Estados Unidos não foi perdida ou retirada por nada que tenha acontecido desde seu nascimento”. A decisão da Corte foi escrita pelo Juiz Horace Gray e foi acompanhada pelos Juízes David J. Brewer , Henry B. Brown , George Shiras Jr. , Edward Douglass White e Rufus W. Peckham (Wikipedia).

Sobre o tema, lembrou João Ozorio de Melo, em artigo, em 21.1.25, em artigo para o portal Consultor Jurídico, que “a Suprema Corte abriu três exceções à sua decisão de 1898, das quais apenas uma permanece em vigor: filhos de diplomatas estrangeiros não têm direito à cidadania americana por nascimento porque seus pais “não estão sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”. Eles têm imunidade diplomática às leis americanas.

Mas, ainda como lembrou João Ozorio de Melo, naquela manifestação:

“O decreto do presidente Trump, que proíbe órgãos do governo de “emitir documentos reconhecendo a cidadania dos Estados Unidos ou de aceitar documentos emitidos por órgãos estaduais ou municipais” de filhos de imigrantes “não sujeitos à jurisdição dos Estados Unidos”, aponta a direção da estratégia da equipe presidencial, na via judicial, em dois de seus parágrafos:

“A 14ª Emenda nunca foi interpretada para estender a cidadania universalmente a todos os nascidos nos Estados Unidos. A 14ª Emenda sempre excluiu da cidadania por direito de nascença pessoas que nasceram nos Estados Unidos, mas não são ‘sujeitas à jurisdição do mesmo’. Consistente com esse entendimento, o Congresso especificou ainda mais por meio de legislação que ‘uma pessoa nascida nos Estados Unidos e sujeita à jurisdição do mesmo’ é um nacional e cidadão dos Estados Unidos ao nascer, 8 U.S.C. 1401, geralmente refletindo o texto da 14ª Emenda”;

“Entre as categorias de indivíduos nascidos nos Estados Unidos e não sujeitos à jurisdição do mesmo, o privilégio da cidadania dos Estados Unidos não se estende automaticamente a pessoas nascidas nos Estados quando a mãe dessa pessoa estava ilegalmente presente nos Estados Unidos e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa, ou (2) quando a presença da mãe dessa pessoa nos Estados Unidos no momento do nascimento da referida pessoa era legal, mas temporária (como, mas não se limitando a, visitar os Estados Unidos sob os auspícios do Programa de Isenção de Visto ou visitar com um visto de estudante, trabalho ou turista) e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da referida pessoa”.

 É interessante notar que, apesar da oposição à imigração fomentada por Trump e a direita, é graças a ela que os EUA estão numa situação demográfica e econômica muito mais confortável do que a de outros países ricos., como bem concluiu o portal de notícias da Folha, em 23.1.25, em editorial.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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Um dia de trás pra frente

Por Dionízio do Apodi*

A mídia paga do Palácio da Resistência de Mossoró não fala em outra coisa: a sessão da Câmara Municipal da tarde desta sexta-feira (24), onde foi aprovada uma reforma administrativa a pedido do prefeito de Mossoró. No entanto, nenhuma linha sobre os efeitos danosos que esta reforma vai causar aos cofres públicos e população mossoroense.

Nenhum desses blogueiros e tais “influencis” que defendem a todo custo, e sem pensar, qualquer ação do prefeito municipal se aprofunda além da primeira linha de um textinho decorado e pronto.

Não é nem questão de coragem, mas de argumento mesmo. Não possuem nenhuma vergonha em aprovar a criação de escritórios em outros municípios bancados pelo dinheiro público municipal, mesmo todo mundo sabendo ser uma ação do prefeito de Mossoró para a campanha ao Governo do Estado; a criação de mais de cem cargos comissionados para serem bancados pelo povo; ou ainda a exclusão do Conselho Municipal de Políticas Culturais na cooperação com a Secretaria Municipal de Cultura para a criação e efetivação de políticas públicas (este caso, sendo inconstitucional como o Ministério Público do Rio Grande do Norte apontou).

Não há nenhum pudor, nem dos vereadores da situação, alguns até que se dizem da oposição, e desta leva de blogueiro e “influenci”, sem vergonha, para desvirtuar o que os contrários à Reforma falam.

A ausência de argumento, ou inexistência, ou incapacidade de refletir, ou mal caratismo de primeira linha mesmo, fazem, no momento, essa turma se dirigir para destruir a imagem de quem debate com responsabilidade o futuro de Mossoró.

Desde o término da sessão que os trabalhadores e trabalhadoras da cultura que lá estavam são achincalhados com todo tipo de mentira e distorção por parte desses blogueiros que não tem nenhuma responsabilidade e compromisso com Mossoró, apenas com o próprio bolso, pois não falam da incapacidade política de um militar que está sentado na cadeira de vereador, vestido de playboy, dando chilique achando que vai intimidar o movimento de artistas, que sempre foi forte em Mossoró, ao longo de muitas décadas; ou de um aproveitador, que também sentado na cadeira de vereador, protegido pelo vidro que separa a galeria onde fica o povo, do local onde os vereadores ficam, mandava beijinho e tchauzinho para o povo da cultura; ou dos inúmeros cargos comissionados que deveriam estar trabalhando, em seus postos, mas a mando dos seus aprendizes de coronéis compareceram para tumultuar a sessão (já se tornando praxe) através de provocações, sem nenhum deles saber uma vírgula sobre o que se estava tratando; ou da Guarda Civil e polícia que foram chamadas para intimidar, inclusive com um “ser humano” portando uma arma pesada, para intimidar num lugar onde estavam representantes de instituições culturais, inclusive crianças e idosos, sendo que a polícia deveria agir era no plenário e não nas galerias.

Fizeram acusações dizendo que um companheiro teria agredido um destes cargos comissionados, sendo que já circula um vídeo que mostra que o referido comissionado quis tomar o celular do companheiro da cultura, que só fez, automaticamente, através de um gesto rápido, reaver seu celular.

O poderio do prefeito de Mossoró e sua bancada é enorme, ninguém tem dúvidas. Passam por cima sem respeitar ninguém. Poderíamos estar chorando uma derrota na Câmara, e nós da cultura com a retirada do Conselho Municipal de Políticas Culturais da cooperação com o município, sendo este conselho uma luta do setor cultural ao longo de duas décadas.

Mesmo assim, não estamos. Se analisarmos friamente, o resultado da tarde na Câmara já era esperado, pelo Palácio da Resistência e até pelo POVO DA RESISTÊNCIA (que somos nós).

O que o Palácio não esperava é que na manhã desta mesma sexta-feira o Ministério Público convocasse os meios de comunicação para uma entrevista junto com os próprios vereadores (só compareceram Marleide Cunha, Plúvia e Jailson Nogueira) para dizer que após intenso estudo das leis a retirada do Conselho Municipal de Políticas Culturais do páreo, como fizeram, é anticonstitucional. Só isso já bastaria se a gente tivesse um legislativo e executivo que respeitassem as leis. Mas não! Passaram por cima. Não vi um bloguinho e “influenci” desses presentes no Ministério Público para poder entender um pouco o buraco em que já estamos dentro.

Por que não fizeram o mesmo com os outros conselhos (saúde, educação, assistência social…), mas só com o da cultura? Eu respondo: o conselho é um instrumento importante, que através dele a sociedade civil (nós do setor cultural) podemos inclusive barrar essa coisa do Mossoró Cidade Junina ser decidido por uma pessoa ou grupo, distante da participação popular. Agora para 2025 o orçamento prevê mais de 30 milhões gastos no Mossoró Cidade Junina, mais de três milhões no evento gospel Sal e Luz (mais do dobro do Auto da Liberdade).

O que está incomodando a gestão é a ação que nós, do setor cultural de Mossoró, entramos no Ministério Público, desde agosto de 2024, contra o aparelhamento do Conselho Municipal de Políticas Culturais, que precisa funcionar e ter a participação do povo. Por que um povo tão poderoso teria tanto ódio a quem faz cultura nesta cidade?

O dia foi bom. A sexta foi boa. A aprovação da ‘Deforma” era esperada. A nossa ação com o Ministério Público não. E a gente segue, sabendo que uma hora essa conta vai chegar. Já tentam botar a culpa na gente que faz cultura e quer que as coisas deem certo, sendo irresponsabilidade e má gestão do atual prefeito e seus vereadores que aprovaram isso. Eu começaria a sexta-feira pela tarde e finalizaria pela manhã, onde aconteceu a maior surpresa. Das surpresas é que as coisas acontecem.

Abraços e há braços!

Dionízio do Apodi.

*É artista em Mossoró.

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Artigo Enquetes do Blog

A tutela inibitória diante das afrontas e inverdades divulgadas nas redes sociais

Por Rogério Tadeu Romano*

O que fazer diante de divulgações que falseiam a verdade divulgadas em redes sociais, e que não merecem a necessária checagem por parte de veículos de divulgação?

Aliás, o eminente ministro Celso de Mello pronunciou-se, recentemente, em artigo divulgado no blog Fausto Macedo, no Estadão:

“A anunciada supressão do modelo de “fact-checking” dará ensejo à proliferação da mentira, da fraude, da deturpação infamante da verdade e dos discursos de ódio e de intolerância, comprometendo, seriamente, ante a ausência de moderação de conteúdo, os valores básicos que regem a internet no Brasil

O grave retrocesso recentemente anunciado pelo CEO da META (empresa fundada originalmente como Facebook), Mark Zuckerberg, consistente no encerramento do sistema de verificação de fatos (“fact-checking”), terá como consequência inevitável a irresponsável liberação do discurso de ódio e de intolerância em suas redes sociais (gesto que foi tão infamemente celebrado pela extrema-direita em nosso País).”

Disse ainda o eminente ministro Celso de Mello, de tantas lições, demonstrando sua preocupação com o tema:

“Os ambientes digitais tornar-se-ão locais em que, sob o falso (e enganoso) pretexto de proteção à liberdade de expressão, praticar-se-ão abusos no exercício dessa franquia constitucional e cometer-se-ão fraudes e ilegalidades, fragilizando-se (ou até mesmo suprimindo-se) direitos e liberdades fundamentais que protegem o patrimônio moral das pessoas, a integridade da ordem jurídica do Estado e a defesa de minorias e de grupos vulneráveis!

Afinal, como ainda disse o ministro Celso de Mello, “fragilizar, quando não suprimir, o poder de moderação de conteúdo, com a eliminação da checagem de fatos, importa em favorecer a disseminação do discurso de ódio, em fomentar a intolerância, em comprometer os princípios e diretrizes que regem as redes sociais e, ainda, em frustrar as atividades das plataformas digitais, destinadas, por imperativo legal, a fornecer serviços e espaços seguros e íntegros no âmbito da Internet.”

Mister lembrar da chamada tutela inibitória.

Tem-se do Código de Processo Civil de 2015:

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Observo o artigo 84 do CDC:

  1. 84.Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
  • A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
  • A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).
  • Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
  • O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
  • Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Tanto o art. 84 do CDC, quanto o art. 497 do CPC, na linha do antigo 461 do CPC revogado, abrem oportunidade para o juiz ordenar sob pena de multa ou decretar medida de execução direta (por exemplo, a busca e apreensão), no curso do procedimento ou na sentença. Portanto ainda a tutela inibitória deve se ligar necessariamente à ordem sob pena de multa, exijindo mecanismos inibitórios ou de remoção de ilícito, como interessam ao direito do consumidor, ao direito ambiental, por exemplo

Trata-se de uma tutela preventiva de cunho mandamental.

A efetividade do processo, com a aplicação da chamada tutela mandamental é visível, aí, sim, com a aplicação do Marco Civil da Internet, princípio da legalidade, diante de suas sanções diante dos evidentes danos trazidos à sociedade por essa atuação que afronta à cidadania por partes de sites que assim atuem.

Ali se vê com relação às sanções que ali são prescritas:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

  • 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
  • 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. da Constituição Federal.
  • 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
  • 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

…..

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

Prescreve o marco civil a indispensabilidade de ação judicial ao dizer, repita-se:

“…. o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Tal responsabilização deverá se dar por uma ação inibitória.

Disse-nos Marinoni (Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito): “A ação inibitória pode atuar de três maneiras distintas. Em primeiro lugar para impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu. Essa espécie de ação inibitória foi a que encontrou maior resistência na doutrina italiana. Isso é explicável em razão de que essa modalidade de ação inibitória, por atuar antes de qualquer ilícito ter sido praticado pelo réu, torna mais árdua a tarefa do juiz, uma vez que é muito mais difícil constatar a probabilidade de o ilícito sem poder considerar qualquer ato anterior do que verificar a probabilidade da sua repetição ou da continuação da ação ilícita.

Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à prova da ameaça. Enquanto duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos que constituam indícios de que o ilícito será praticado.

A ação inibitória diz respeito à ação ilícita continuada, e não ao ilícito cujos efeitos perduram no tempo.

Nessa hipótese, há como usar a ação inibitória, pois o juiz pode impedir a continuação do agir.

A postulação de pedido de sentença mandamental (ordem sob pena de multa) é a hipótese que teria a União Federal para definir a grave questão do uso de violência nas redes sociais, desde que atendidos os parâmetros estabelecidos em lei, como visto.

As sentenças proferidas, em ações inibitórias, são aptas a produzir coisa julgada material, ao contrário das ações cautelares, onde nelas o juiz cinge-se pela aparência (fumaça de bom direito). Há cognição exauriente na sentença formulada para a tutela do art. 497 do CPC de 2015, tal qual há, no mandado de segurança.

Na tutela inibitória, hábil a ser utilizada há cognição exauriente, com base em certeza. Adota-se o rito ordinário com intervenção de terceiros, reconvenção ou ação declaratória incidental, incidindo o art. 802, p. único, II, para contestar, combinado com o art. 930, p. único.

A tutela inibitória é imposta, por sentença, ou por tutela antecipada, em que se ordena sob pena de multa, meio de coerção indireta, imposta de acordo com a capacidade econômica do demandado e de forma progressiva (ilícito continuado). Há mandamentalidade quando o juiz manda forçando. Há uso de meios de coerção para forçar o devedor adimplir.

A multa, quando fixada na tutela antecipada, tem eficácia imediata e pode ser imposta de ofício. De toda ordem, não paga, deve ser objeto de execução por quantia certa.

Diversa é a situação com relação às prestações estatais normativas, diante de um não fazer. A tutela antes prevista no art. 461 do CPC de 1973, de forma alguma, substitui a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103 da CRFB), cujos legitimados são outros e o mandado de injunção, cuja medida serviria, a exemplo da primeira ação, para certificar o Poder omisso para que adote providências regulamentadoras, descabendo a fixação de prazo para o suprimento da omissão, quando não for o próprio órgão omisso o sujeito passivo do direito cujo exercício está obstado por falta de norma regulamentadora ( MI n.º 361, v. m, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 08.04.94, em RDA, 1976).

Dir-se-á que o berço das medidas constritivas do art. 461 do CPC está na equity. No entanto, lembro que Ovídio B. da Silva, aduz ser inevitável a comparação entre a concessão de interditos pelo pretor romano e a equity inglesa. Mesmo os writs da common law são fruto da influência dos interditos romanos.

Sobranceiro está o pensamento de Galeno Lacerda, sobre o vínculo entre writs e interditos romanos, aludindo, inclusive, à semelhança das fórmulas latinas, em que claramente se criam remédios sumários. Não resta dúvida, entretanto, que foi, na Inglaterra, em 1830, que se conferiu às cortes de equidade o poder para, em caso de descumprimento da prestação ordenada, autorizar a prestação de fato por terceiro, por conta do réu, nos moldes da estrutura sub-rogatória, que empregamos no art. 461 do CPC. Nesse particular, percebe-se a nítida influência dos interditos com a injunction, ordem do órgão judiciário a alguém para que pratique um ato específico ou deixa de praticar, seja em conflitos públicos ou privados. A eficiência do caráter pessoal da injunction é assegurar através da ameaça de sancionamento por contempt of court, sempre que há desobediência.

A injuction, no direito anglo-americano, decorre da sua possibilidade de ajuste a diversas necessidades, vinculando-se como uma proibitory e uma mandatory. Temos daí, inibitórias positivas, quando se receia a reiteração de omissão e inibitórias negativas, contra prática, repetição de conduta comissiva.

Na forma específica, os artigos 461 do Código de Processo Civil de 1973, do artigo 497 do CPC de 2015 e 84 do CDC permitem a postulação das sentenças mandamental (ordem sob pena de multa) e executiva (determinação de que o fazer seja prestado por um terceiro às custas do réu).

Como ensinou Luiz Guilherme Marinoni (Tutela Inibitória, 2ª edição, pág. 55 e seguintes) a tutela inibitória é corolário de um princípio geral de prevenção e é um aporte da nova tutela jurisdicional preventiva.

Aliás, como ensinou Marinoni, a efetividade da tutela preventiva está na dependência da possibilidade de impedir o ilícito (ou sua continuação ou repetição). Assim torna-se imprescindível a possibilidade do uso da multa, como meio de coerção capaz de convencer o réu a não fazer ou a fazer, conforme se tenha a ação ou a omissão.

Aliás, o tempo necessário ao término do processo de conhecimento é complemente incompatível com as situações de direito material que exigem tutela preventiva. Tal é o caso de atuações pela web que tragam graves riscos à formação educacional dos jovens, por exemplo, ou afrontem a verdade dos fatos, sob o pretexto de um exercício de uma liberdade inexistente e que repugna a ordem social.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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O “Corvo” golpista

Por Ailson Fernandes*

Admirado e odiado por muitos, há de se observar na obra, que tudo contribuía para caracterizá-lo como grande orador: Voz, Lirismo, Erudição, Ironia, Sarcasmo e o revide Franco e rápido.

Com o poder da oratória e a forte influência que exercia no congresso participou com austeridade da deposição de Vargas em 45, como autor da entrevista com José Américo de Almeida que rompeu a censura do Estado Novo (37-45).

Foi a figura principal que levou ou concorreu para levar Getúlio ao suicídio, depois do escândalo do “mar de lama”, não só pelos ataques ao Presidente, mas a verborragia que insultava o filho, o irmão e, principalmente Gregório Fortunato, homem de confiança de Vargas, que era o “negro espadaúdo e alto” como era chamado pelo Presidente.

Lacerda com um latifúndio de tempo nas tvs da família Marinho e bastante cartaz com Assis Chateaubriand.

Denunciava vorazmente escândalos de corrupção dizendo que O chefe da segurança do presidente, Gregório, enricara cobrando propina dos empresários que tinham contrato com o governo federal.

Ato contínuo veio o famoso atentado da Rua Toneleros onde pistoleiros contratados tentaram matar Lacerda, na troca de tiros, morreu o Major Rubens Vaz, da Aeronáutica. Importante abordar que Lacerda soube tirar proveito do caso, e muito, e capitalizou se popularmente. Segundo exames de balística o tiro que matou Rubens Vaz foi disparado da arma de Lacerda. Por ser militar, e para livrar Lacerda de uma possível execração pública e de responsabilidade criminal, a polícia da aeronáutica avocou a competência das investigações pela própria aeronáutica, como descrevem escritores e jornalistas como Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca e Samuel Wainer, desafeto de Lacerda. Esse fato de avocar a competência para a polícia da aeronáutica, fortaleceu ainda mais a “República do Galeão”.

Depois de Vargas, Lacerda continuou algoz de mais 2 presidentes:

* Jânio Quadros renunciou meses após a posse depois de várias denúncias feitas por Lacerda, já como Governador da Guanabara, de que a presidência estava articulando um golpe com finalidade de dar a Jânio poderes ditatoriais. Com a renúncia o Vice-presidente eleito, João Goulart, não era da sua chapa eleitoral- mas do PTB, adversário da UDN de Lacerda.

Lacerda e “a banda de música da UDN” tentaram impedir a posse de Jango. O que fez Leonel Brizola, aliado de Jango, e eleito Deputado Federal pela Guanabara em 62, ameaçar colocar 10 mil bois na estrada e invadir Brasília. Pois bem! Não aconteceu o golpe, naquele momento e Goulart assume a presidência.

* Juscelino dos presidentes eleitos à época foi o que menos sofreu com os ataques de Lacerda.

* ⁠Mas seu sonho golpista, como ele assumia, consumou-se com Jango. Uma série de factoides, a começar pela visita de Che Guevara ao Brasil. A ameaça comunista. O Brasil seria uma nova Cuba. Aí, até políticos antilacerdistas como Juscelino, Ulisses Guimarães e outros, votaram no colégio eleitoral em Castelo Branco. Juscelino inclusive indicou o mineiro José Maria Alkimin como vice. Lacerda e Juscelino tinham habilidades políticas, mas eram ingênuos e acreditaram que os castelistas realizariam eleições diretas em 65. Onde os principais candidatos seriam os dois.

Tancredo Neves, raposa velha da política nacional foi contra os militares no colégio eleitoral e disse a Juscelino: “Esse voto vai lhe custar caro”. O resto da história a gente já sabe.

Carlos Lacerda o mais brilhante dos oradores do País foi vitorioso em vários momentos, mas depois que saiu do governo e passou a se opor ao regime de mentiras, foi preso e teve os direitos políticos cassados em 68.

Depois foi ao Uruguai formar uma frente ampla com Jango, Brizola e Juscelino. A frente foi formada, apenas Brizola não aceitou. E ficou fora.

Juscelino morreu antes do final da Ditadura, Lacerda em 77 no ostracismo, sem ter um imóvel para morar, abandonado pela esposa e filhos, sem receber a visita sequer de Paulo Francis e Nelson Rodrigues, dois lacerdisras históricos.

Brizola que não participou retornou em 82 e foi eleito Governador do RJ, em 90 novamente eleito Governador do Rio e ainda elegeu o companheiro Darcy Ribeiro Senador, sem contar que ainda ia ao RS fazer campanha e ajudou eleger o Pedetista Alceu Collares Governador.

Mas voltemos a Lacerda. Um fato que deve ser destacado era a amizade e confiança que ele tinha pelo Norte-rio-grandense Aluízio Alves, colegas de parlamento e de jornalismo. Lacerda chamava Aluízio de DBS – Departamento do Bom Senso. Por conta de muitas coisas que Alves evitou que Lacerda falasse.

O corvo também não escondia de ninguém a admiração pela capacidade de Fidel Castro passar quase 7 horas falando e prender atenção do povo. Muitos consideravam Lacerda orador mais flamejante que O ditador Cubano, mas Lacerda reconhecia que não conseguia passar aquela quantidade de tempo falando sem repetir quase nenhuma frase.

Enfim, Lacerda deixou uma série de frases cunhadas. A mais admirada delas é a que diz: “O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Mas eu, como leitor e admirador do seu talento e tirocínio político, confesso que gosto de uma frase que ele diz: “EU TENHO A MEMÓRIA MAIS LONGA QUE A PRÓPRIA VIDA”. Modéstia à parte, essa frase se parece demais comigo.

A mensagem e reflexão que deixo nesse texto é que mesmo sendo brilhante todos nós somos passíveis de erros. E Lacerda cometeu erros fatais.

Uma tese que ele defendia abertamente e custou caro, era que “A maioria era apenas um critério aritmético, mas nunca um juízo de valor. Defendia na tribuna do parlamento que nem sempre a maioria tem razão, para ele, num País do nível cultural do Brasil, vulnerável à propaganda ideológica e à mistificação, quase nunca a maioria tem razão.

Essa frase era interpretada como uma forma de iniciar uma jornada golpista. E afastou muita gente dele.

Encerro dizendo que admiro a arte dele. Cometeu erros, mas sem favor ou dúvida, foi o maior tribuno do País.

Tenho dito!

*É bacharel em direito.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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O crime de ocultação de cadáver é permanente? O caso dos crimes ocorridos durante a ditadura militar

Por Rogério Tadeu Romano*

Segundo o que disse a Folha, em sua edição d 17.12.24, “a decisão deste domingo (15) do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), de que a Lei da Anistia da ditadura não vale para ocultação de cadáveres, recebeu elogios das presidentes das comissões sobre Mortos e Desaparecidos e da Anistia.

Segundo o entendimento do ministro Dino, o crime de ocultação de cadáveres é permanente, porque “quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido”.

O ministro do STF, Flávio Dino, considerou que deve ser discutido na Corte se a lei da anistia (lei 6.683/79) pode ser aplicada a crimes que tiveram início durante a ditadura militar, mas cujos efeitos se prolongam até o presente – os chamados crimes permanentes.

Como informou o portal Migalhas, em 16.12.24, a proposta do relator surge no âmbito de um recurso que discute crimes ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia, como o homicídio cometido por Lício Augusto Ribeiro Maciel e a ocultação de cadáver praticada por Sebastião Curió, ambos militares do Exército Brasileiro.

Curió faleceu em 2022, mas o processo busca a condenação de Maciel.

Para ilustrar o impacto humano desse tipo de crime, Dino mencionou o filme “Ainda Estou Aqui”, inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, que relata o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.

“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos.”

O debate se dá no julgamento do ARE 1.501.674.

Veja-se, então, dessa forma, o caso do desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, dado como desaparecido em 20 de janeiro de 1971, teve sua casa invadida por pessoas armadas de metralhadoras que, sem apresentar qualquer mandado de prisão, numa ilegalidade flagrante, se diziam da Aeronáutica. Teve Rubens Paiva tempo de se arrumar e saiu de terno e gravata, como era comum o traje àquela época, guiando o próprio carro, cuja recuperação posterior seria a prova de que foi preso.

Discute-se a questão da prescrição com relação aos chamados crimes contra a humanidade.

Para a Corte Interamericana estamos diante de crimes imprescritíveis.

É o que ocorre com relação à Lei de Anistia, que, como bem alertou Dalmo Dalari, não se aplica aos crimes contra a humanidade, que não ficam sujeitos à prescrição.

Outra deve ser a estratégia a ser levada nas ações penais ajuizadas contra torturas naquele triste período da história nacional, levantando a premissa de que os crimes de ocultação envolvendo militantes, que desapareceram durante o chamado regime militar é crime permanente, que se protrai com o tempo.

No entanto, por unanimidade, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter suspensa a ação penal contra cinco militares acusados de envolvimento na morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971, durante a ditadura militar.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu embargos de declaração do Ministério Público Federal (MPF) para reconhecer que a ocultação do cadáver do deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, morto em 1971, é crime instantâneo de efeitos permanentes. Tal se deu no julgamento do RHC 57.799.

“Nos crimes instantâneos de efeitos permanentes, a consumação também ocorre em momento determinado, mas os efeitos dela decorrentes são indeléveis, como no homicídio consumado; por exemplo”.Fonte: Manual de Direito Penal – Rogério Sanches Cunha

Na lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini(Manual de direito penal, volume I, 27 ª edição, pág. 129) “crimes instantâneos de efeitos permanentes ocorrem quando, consumada a infração em dado momento, os efeitos permanecem independentemente da vontade do sujeito ativo.”

Ali entendeu o STJ:

“Da doutrina, extrai-se que a ocultação, diferentemente da destruição ou subtração do cadáver tem um caráter transitório, a intenção é esconder o cadáver temporariamente. Vejamos a Doutrina de Bitencourt, citando Damásio de Jesus: São três as condutas tipificadas: destruir, subtrair e ocultar. Destruir (demolir, destroçar, fazer desaparecer) um cadáver é fazê-lo desaparecer, isto é, levá-lo a deixar de ser considerado como tal; subtrair significa retirá-lo do local em que se encontrava, sob a proteção e a vigilância de alguém. É a retirada do cadáver – segundo Damásio de Jesus- – da situação em que se encontra sob a guarda da família, de amigos, parentes ou empregados do cemitério, mesmo que tal proteção seja exercida de forma indireta ou a distância; ocultar é fazer desaparecer o cadáver de alguém, sem destruí-lo, esconder temporariamente. Damásio de Jesus- destaca, com muita propriedade, que esse crime somente pode ser executado antes de o cadáver ser sepultado, pois, após ter sido depositado em seu lugar definitivo, o crime somente poderá ser cometido por destruição ou subtração (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito pena, 3: parte especial: dos crimes contra o patrimônio, até dos crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. 8. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 543).

O julgamento foi iniciado em maio e encerrado, no dia 15 de setembro de 2020, com voto do ministro Felix Fischer – que, após pedir vista do processo, acompanhou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik. O entendimento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça foi de que a Lei da Anistia impede a punição dos militares em razão da prescrição do caso.

Na tentativa de trancar o processo, as defesas dos militares acionaram o Superior Tribunal de Justiça em 2015. O principal ponto de divergência entre os ministros, que impedia uma definição sobre o pedido, era sobre a o caráter permanente do crime de ocultação de cadáver, nunca encontrado. Por fim, a Quinta Turma entendeu que a ocultação, praticada há 49 anos, não pode ser dotada de algum viés temporário, conforme alegava a acusação.

Para a Quinta Turma do STJ, a ação de ocultar cadáver prevista no artigo 211 do Código Penal só é permanente quando se depreende que o agente responsável espera, em um momento ou outro, que o corpo, objeto jurídico do crime, venha a ser encontrado. Quando a ocultação praticada há 49 anos ainda não foi desvelada, não há viés temporário. Não pode, portanto, ser classificada como permanente.

Data máxima vênia de entendimento contrário, estar-se—ia diante de um crime permanente.

O Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar em sede de Reclamação 18.686, para determinar a suspensão de ação penal contra cinco militares acusados de envolvimento no desaparecimento e na morte do deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971.

Naquela denúncia o Parquet entendeu que houve a prática de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver, associação criminosa e fraude processual.

Em análise preliminar do caso, o relator argumentou que o recebimento da denúncia pelo juízo de primeira instância mostra-se incompatível com a decisão do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, que considerou constitucional a Lei 6.683/1979 (Lei da Anistia).

“São relevantes os fundamentos deduzidos na presente reclamação. Em juízo de verossimilhança, não há como negar que a decisão reclamada é incompatível com o que decidiu esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 153, em que foi afirmada a constitucionalidade da Lei 6.683/1979 (Lei de Anistia) e definido o âmbito da sua incidência (crimes políticos e conexos no período de 02/09/1961 a 15/08/1979, entre outros)”, assinalou o relator.

O ministro ressaltou que a decisão na ADPF 153 tem eficácia erga omnes – para todos – e também efeito vinculante, o que possibilita exigir seu cumprimento por meio de reclamação.

Não é incidente a reclamação, um writ constitucional, que visa fazer respeitar a competência de tribunal em matéria e ainda as decisões dele emanadas.

Data vênia e com o devido respeito, a decisão não transitou em julgado que está sujeito a recurso no duplo efeito.

Sabe-se que o efeito suspensivo do recurso tem início com a publicação da decisão impugnável por recurso para a qual a lei prevê efeito suspensivo e termina com a publicação da decisão que julga o recurso.

As eficácias suspensivas do efeito suspensivo são todas destinadas para a não executoriedade da decisão impugnada. Parcela significativa, aliás, da doutrina entende serem decorrências das eficácias do efeito suspensivo, além da não – executoriedade do comando que emerge da decisão impugnada, o adiamento da formação da coisa julgada formal e material e o prolongamento da litispendência. Estas últimas eficácias são decorrência do efeito devolutivo do recurso, que retorna a matéria a julgamento.

O tema, pois, deve voltar à discussão no Supremo Tribunal Federal, uma vez que existe um recurso aguardando julgamento e não há data marcada para a Corte voltar a debater o assunto.

Necessário lembrar as palavras da juíza federal Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, da Subseção de Marabá, que decidiu receber denúncia formulada sob o fundamento da prática do crime de sequestro qualificado de seis desaparecidos na Guerrilha do Araguaia no ano de 1974 durante a ditadura militar mesmo diante da Lei da Anistia.

Disse ela que: ¨como ato de perdão, é ato que se volta ao passado, é tomada de posição de quem olha para trás e se determina a esquecer, a desconsiderar o que passou. Na hipótese dos autos, entretanto, está-se diante de algo que não passou, de evento que, em tese, não ficou no passado, antes perdura até que os indícios de sua permanência sejam suplantados por elementos evidenciadores de sua cessação.¨

Falo do crime de ocultação de cadáver.

Prevê o artigo 211 do Código Penal:

Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

A destruição é a primeira modalidade do crime em discussão. Destrói-se um cadáver, queimando-o, tratando-o por processos químicos, por ação compreensiva, esmagamento, etc, mesmo que não seja possível reduzi-lo a detritos ou resíduos.

A segunda modalidade envolve a subtração que significa tirar a coisa da esfera de proteção, guarda ou disponibilidade de outrem. Como revela Magalhães Noronha (Direito Penal, volume III, 10ª edição, pág. 92) é a retirada do cadáver da situação normal e regular em que se encontra, sob a proteção da família, parentes, amigos, vigias do cemitério etc. Mas não se exige o apossamento como no furto. O crime pode ser cometido por guardas, vigias do necrotério, parentes do defunto etc.

Ocultar equivale a esconder, fazer desaparecer o cadáver sem destruí-lo. É conhecida a lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VIII, pág. 73) distinguindo a ocultação da subtração de cadáver, ensinou que aquela somente pode ocorrer antes do sepultamento; pressupõe que o cadáver ainda não se ache no lugar de seu destino. Nessa lição tem-se que a ocultação só pode ocorrer antes da inumação, mas pode a subtração pode dar-se antes ou depois do sepultamento, pois se durante um velório, pessoas tiram o corpo do ataúde e fogem com ele, haverá subtração.

É crime de ação múltipla, sendo que a prática das várias ações mencionadas no tipo penal dá lugar apenas a um delito.

O crime pode ocorrer no cemitério, no hospital, em logradouro público etc.

O cadáver é o corpo humano privado de vida, morto. Para Magalhães Noronha (obra citada, pág. 93), cadáver é o corpo que conserva a aparência ou a forma humana. Não se inclui nesse contexto a vítima de um grande esmagamento, em que os ossos fossem triturados, ficando reduzido, de todo, a uma pasta informe e irreconhecível. Já se decidiu que, para fins do artigo 211 do Código Penal, os restos humanos em estado de quase completa esqueletização não são considerados cadáver (RT 479/304).

Não será cadáver o esqueleto (a Lei italiana refere-se a cinzas humanas), a múmia, que pode ser objeto de crime de furto. As cinzas humanas não são cadáver nem partes dele, sendo resíduos de combustão.

A destruição a que se refere o artigo 211 do Código Penal não é apenas de todo cadáver senão de parte dele (RT 526/350). Assim não ficarão excluídos da tutela legal os membros, o tronco, que, às vezes, são sepultados (oriundos de sinistros aeronáuticos, ferroviários etc quando os corpos se despedaçam).

Para Magalhães Noronha (obra citada) já o mesmo não acontece, em se tratando de braço, ou perna amputados, partes do corpo vivo.

Não se reconheceu esse crime, no caso da condução de um corpo de um lugar para outro, para despistar a polícia (RT 275/144).

O elemento subjetivo do crime é o dolo que não será específico.

Para a consumação do crime não se exige a destruição total do cadáver. Há destruição se lhe arrancam a cabeça e os membros, deixando incólume o tronco, como bem lecionou Magalhães Noronha (obra citada, pág. 94). Na subtração, consuma-se o delito, com a tirada do corpo de sua esfera ou órbita de proteção e tutela. Na terceira modalidade – ocultação – consuma-se o crime tão logo haja o desaparecimento do cadáver. Já se entendeu que se configura a destruição mesmo que seja só de parte do cadáver (RT 526/350). O Supremo Tribunal Federal decidiu que retirar o cadáver do local onde deveria permanecer e conduzi-lo para outro em que não será normalmente reconhecido, configura-se, em tese, o crime de ocultação (RT 784/530), tratando-se de crime permanente que subsiste até o cadáver ser descoberto. Porém, já se entendeu que não se tipifica se o agente, imediatamente após haver escondido o cadáver, comunica o fato à autoridade, pois não procurou manter a ocultação, o que revela ausência de dolo (RT 552/361).

Se a destruição é de várias partes do cadáver o crime é único. Se alguém destrói vários cadáveres pratica diversos crimes.

Com relação ao início do prazo da prescrição da pretensão punitiva, dispõe o artigo 111, III, do Código Penal, que nos crimes permanentes, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, do dia em que cessou a permanência. Assim o crime de sequestro referenciado não estaria abarcado pelo marco temporal da Lei de Anistia de 1979, uma vez que o delito segue sendo perpetuado.

Nessa visão o crime cometido não estaria colhido pela prescrição.

Se a destruição é de várias partes do cadáver o crime é único. Se alguém destrói vários cadáveres pratica diversos crimes.

Com relação ao início do prazo da prescrição da pretensão punitiva, dispõe o artigo 111, III, do Código Penal, que nos crimes permanentes, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr, do dia em que cessou a permanência. Assim o crime de sequestro referenciado não estaria abarcado pelo marco temporal da Lei de Anistia de 1979, uma vez que o delito segue sendo perpetuado.

Nessa visão o crime cometido não estaria colhido pela prescrição.

A discussão sobre o julgamento dos crimes ocorridos durante a ditadura militar parece longe de terminar, pois o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil interpôs recurso de embargos de declaração nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF 153), na qual se questiona a Lei de Anistia(Lei 6.683/79).

No pedido formulado na ADPF 153, a Ordem dos Advogados do Brasil dizia que a Lei de Anistia não deveria abranger perdão aos crimes cometidos pelos torturadores – como homicídio, desaparecimento forçado e estupro – que são crimes comuns e não de crimes políticos.

Os embargos de declaração questionam o acórdão que julgou improcedente a ADPF 153(Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), ao fundamento de que a anistia – por se tratar de pacto bilateral objetivando a reconciliação nacional, considerando o contexto histórico em que foi concedida – teve caráter amplo, geral e irrestrito. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil argumenta a ausência de enfrentamento da premissa de que os criminosos políticos anistiados agiram contra o Estado e a ordem política vigente, ao passo que os outros atuaram em nome do Estado e pela manutenção da ordem política em vigor.

Sabe-se que em relação aos vícios de contradição e omissão da decisão embargada afigura-se plenamente cabível a natureza infringente dos embargos de declaração, de modo que quando os embargos de declaração forem acolhidos para corrigir omissão ou suprir contradição, podem ter efeitos modificativos do julgado (RT 569/172). Quando se trata de corrigir omissão a decisão em embargos de declaração inova abertamente.

A Ordem dos Advogados do Brasil entende que o Supremo Tribunal Federal não se manifestou sobre a incidência da lei de anistia em relação aos crimes de desaparecimento forçado e sequestro, que possuem caráter permanente.

De toda sorte, há um entendimento de alguns de que a Lei de Anistia declarou todas essas pessoas mortas. Então, elas não estariam mais sequestradas.

Não se pode esquecer a recente condenação do governo brasileiro proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no tocante à Guerrilha do Araguaia, onde ficou determinado que o Brasil esclareça as responsabilidades penais e aplique as sanções previstas em lei pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, que estavam envolvidas na guerrilha, no período da ditadura.

Sabe-se que há Convenções Internacionais de Direitos Humanos na matéria, assinadas pelo Brasil, que têm posição supralegal nos limites da Constituição brasileira.

Na sentença, datada de 24 de novembro de 2010, afirma-se que a Lei de Anistia de 1979, na verdade uma Lei-Medida, é incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário.

Entendeu a Corte Interamericana que o Brasil não empreendeu as ações necessárias para investigar, julgar e punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado das 62 vítimas e pela execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram encontrados em 14 de maio de 1996.

A Lei 6.683/1979 não se aplica com relação aos chamados crimes desumanos, como assassinatos, torturas, generalizados e sistemáticos, praticados contra a população civil, como ocorreu no conflito armado durante a ditadura militar, ilícitos esses cometidos pelos agentes públicos ou pessoas que promoveram perseguição arbitrária durante o regime ditatorial, com conhecimento desses agentes.

Para a Corte Interamericana estamos diante de crimes imprescritíveis.

Diversos são os pronunciamentos, nesse sentido, que foram emitidos, em que destaco: Comitê de Direitos Humanos da ONU, em seu relatório de 2007; pronunciamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Barrios Altos; Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú, etc.

Ademais, decidiu-se que o Estado Brasileiro não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores desses ilícitos, bem como nenhuma disposição análoga, prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação.

Nessa mesma linha de pensar tenha-se o que foi dito pelo então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Ele pediu que o STF autorize a extradição do argentino Manuel Alfredo Montenegro, acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura no país vizinho. Segundo a Interpol, o então inspetor da Polícia Federal prendeu e torturou três militantes – ele tem prisão decretada pela Justiça da província de Misiones desde 2010.

Disse ele que, “na persecução de crimes contra a humanidade, em especial no contexto da passagem de um regime autoritário para a democracia constitucional, carece de sentido invocar o fundamento jurídico da prescrição.”

Bem situado pelo então Procurador-Geral da República que “a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade constitui norma jurídica imperativa, tanto de caráter consuetudinário quanto de caráter principiológico, do direito internacional dos direitos humanos.”

Na matéria incidem as regras do direito internacional público, que se baseia em regras comuns, do ponto de vista moral, de sorte que a tortura deva ser repudiada e punida, independente de quando tenha ocorrido.

Salientou o então Procurador-Geral da República, em sua manifestação, que o elemento determinante foi a compreensão de que a imprescritibilidade em questão constitui norma imperativa de direito internacional, tanto de natureza principiológica quanto consuetudinária, devendo ser aplicado tal entendimento ao nosso sistema jurídico.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

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