Categorias
Artigo

Natália se sobressai em debate diante de um Paulinho nervoso e tendo como principal proposta ser antipetista

O debate desta segunda-feira, 14, na Band RN colocou frente a frente duas gerações, dois estilos de fazer campanha e dois tipos alternativas totalmente diferentes de fazer política que estão no segundo turno para prefeito de Natal.

De um lado um Paulinho Freire (UB) com a máquina azeitada da Prefeitura de Natal e todo o aparato midiático local, do outro Natália Bonavides (PT) com a máquina nem tão azeitada assim do Governo do Estado e um carisma retumbante.

No debate, essas coisas desaparecem. É o confronto de história, propostas e retóricas.

Neste ponto Natália se sobressaiu diante de um Paulinho nervoso e acuado que se limitou a ofertar antipetismo e mais do mesmo que o seu padrinho político Álvaro Dias (Republicanos) já oferta.

Natália conseguiu desmontar a farsa em torno do projeto que cria excludente de ilicitude para quem comete pequenos roubos, uma iniciativa que visa apenas dar segurança jurídica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que adota o princípio da insignificância e evita que uma mãe, que num ato de desespero roubou uma lata de leite para o filho, seja presa.

Paulinho capciosamente misturou a proposta com roubo de celular. Natália esclareceu a história, apresentou uma proposta que coíbe roubos de celulares e emparedou Paulinho que votou para libertar o mandante do assassinato de Marielle Franco, o deputado federal Chiquinho Brazão.

Só por isso, Natália já seria vitoriosa. Mas ela se saiu bem na questão da engorda quando demonstrou que o problema não está na obra em si, mas na metodologia de fazer qualquer jeito adotada por Álvaro Dias a ponto de iniciar os trabalhos na ordem inversa ao que foi orientado pelo parecer técnico fazendo Paulinho passar pano para soberba do prefeito.

Em outro momento ela se saiu bem quando Paulinho tentou arrancar dela o compromisso de fazer uma emenda de R$ 20 milhões caso ele seja eleito. Natália lembrou que manda emendas para Natal e Álvaro não executa as obras e perde os recursos.

A síntese do debate foi de um Paulinho acuado, antipetista e pouco propositivo diante de uma Natália confiante que para cada crítica tinha uma proposta para apresentar.

Categorias
Artigo

Pelo Fim da Polícia Militar

Pelo Fim da Polícia Militar

Por Olavo Hamilton*

A proposta de desmilitarização da polícia e, especificamente, a extinção da Polícia Militar, é um tema de intenso debate no Brasil, com argumentos que apontam para um modelo de segurança pública mais eficiente, democrático e atento aos direitos humanos.  O atual modelo de policiamento militarizado é inadequado para o contexto metropolitano, contribui para a violência policial e se mostra ineficaz no combate à criminalidade.  A mudança para uma polícia de caráter civil, com foco na mediação de conflitos e na proximidade com a comunidade, poderia melhorar a confiança pública e diminuir os altos índices de letalidade que atualmente marcam a atuação da PM.

O modelo de polícia militar no Brasil possui raízes históricas que remontam ao período colonial e à ditadura militar, quando foi concebido com uma finalidade eminentemente repressiva. Esse legado autoritário reflete-se em práticas violentas que tratam parcelas vulneráveis da população como inimigos a serem combatidos, ao invés de cidadãos a serem protegidos. No entanto, no contexto de uma democracia, a lógica de guerra é incompatível com as funções de segurança pública, que devem priorizar a preservação da vida e a proteção dos direitos fundamentais.

Não fosse o bastante, a estrutura rígida e hierarquizada da Polícia Militar impede o desenvolvimento de uma cultura de policiamento com prioridade na mediação de conflitos e no respeito aos direitos humanos.  Em vez disso, predomina um treinamento voltado ao enfrentamento e ao uso excessivo da força, o que resulta em altos índices de letalidade e em episódios recorrentes de abusos de autoridade.  Tais práticas reforçam a desconfiança da população, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, onde a presença da PM é frequentemente associada à violência e à repressão – sobretudo contra pessoas pretas, pobres e periféricas.

Um dos maiores problemas do modelo militar é a falta de mecanismos de controle e transparência. A dificuldade de investigar e punir adequadamente violações de direitos por parte de policiais militares é exacerbada pela estrutura fechada e autorreferente da corporação. Isso impede que cidadãos e instituições civis exerçam efetivo controle sobre as ações da polícia, resultando em um quadro de impunidade que mina a credibilidade do sistema de segurança pública.

Adicionalmente, a utilização da Polícia Militar como força repressiva em protestos e manifestações populares é um sintoma do descompasso entre a sua lógica operacional e os valores democráticos. Quando a Polícia Militar é chamada para intervir em eventos de natureza política, muitas vezes emprega táticas de confronto que desrespeitam o direito constitucional de manifestação, tratando ativistas como inimigos internos a serem contidos.

Nesse sentido, a proposta de desmilitarização não é meramente simbólica, mas representa uma mudança estrutural necessária para que se construa um modelo de segurança pública verdadeiramente comprometido com a promoção da paz social. Ao substituir a Polícia Militar por uma força de caráter civil, mais integrada à comunidade e capacitada para lidar com os desafios cotidianos de segurança pública, o Brasil daria um passo importante na construção de um sistema que não veja o cidadão como ameaça, mas como parceiro na promoção de um ambiente seguro e pacífico.

Em síntese, o fim da Polícia Militar é uma oportunidade para reformar profundamente o sistema de segurança pública, trazendo-o para mais perto dos valores democráticos e garantindo que a proteção de todos os cidadãos seja a prioridade. A criação de uma polícia civil unificada, com treinamento voltado à mediação e à proteção de direitos, é um caminho necessário para diminuir a violência policial, aumentar a confiança pública e transformar o Brasil em um país mais seguro e justo.

*Advogado, Doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Conselheiro Federal da OAB, Professor da UERN e Escritor.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

As pesquisas eleitorais erraram em Natal?

Por Daniel Menezes*

Após aberta as urnas essa pergunta se impôs. Ora, diante da diferença posta pelas pesquisas e o resultado das urnas, há três caminhos:

OS INSTITUTOS QUISERAM PREJUDICAR NATÁLIA E PRINCIPALMENTE PAULINHO FREIRE?

  1. achar que existiu uma conspiração entre todos os institutos para ajudar Carlos Eduardo, que terminou mais alto nas pesquisas do que na urna e atrapalhar Natália, que a exceção do Seta e do Atlas, teve votação mais alta do que vinha como tendência nos levantamentos; e principalmente dificultar a vida de Paulinho Freire, em tese o grande prejudicado pelas pesquisas pela maior discrepância entre os números e as urnas;
  2. imaginar que, de repente, todo mundo desaprendeu a fazer pesquisa;
  3. Os números continuaram se movendo até o dia da eleição.

Como não acredito que os Institutos tiveram a intenção de atrapalhar Paulinho e Natália e ajudar Carlos Eduardo, até porque a maioria fazia levantamentos internos para os supostos prejudicados, vou partir do que está dito pela literatura sobre pesquisa e comportamento eleitoral e deixar o conspiracionismo de lado.

ALTO NÚMERO DE INDECISOS ATÉ O DIA DA ELEIÇÃO

É fato que há um forte contingente de eleitores que, nas disputas nas grandes cidades para prefeitura, para governo e para o senado, vem deixando para escolher seus candidatos nas últimas 48 horas de campanha. Como é possível saber se o fenômeno está acontecendo? Ora, confrontando a espontânea com a estimulada. Quando a espontânea sincroniza com a estimulada, isto significa que não haverá mudança e o eleitor já está bem informado, lembrando os candidatos pelo nome. Era o caso, por exemplo, de São Gonçalo do Amarante. Tanto que o Instituto Seta escolheu não mais fazer espontânea na cidade porque, a exemplo do que ocorre em cidades pequenas, em São Gonçalo, um município maior, a informação sobre candidaturas e escolha entre candidatos estavam consolidadas.

Mas em Natal as últimas pesquisas publicadas na sexta e no sábado davam um número de não votantes de mais de 40% na espontânea, revelando que o eleitorado ainda estava se movendo. Eu alertei a todos que conversaram comigo e na minha conta na Blue Sky sobre a questão.

Conforme o instituto Datafolha, 1/4 da população tem escolhido o seu candidato na majoritária nos grandes centros eleitorais para prefeito, senador e governador nas últimas 48 horas de campanha. A pesquisa foi feita em 2018 para entender a improvável vitória de Witzel no Rio de Janeiro. O fenômeno não acontece nas disputas presidenciais, por exemplo.

FOTOGRAFIA DO MOMENTO

A pesquisa vai fotografar o momento e só vai acertar se os números estiverem estabilizados. Não era o caso de Natal. Assim é um erro usá-la para predição.

ALTO NÚMERO DE ABSTENÇÃO

A eleição de Natal teve a maior abstenção desde os anos 2000. Ficou cada vez mais fácil faltar, por exemplo, com a justificativa via e-título, além do que as sanções pelo voto obrigatório no Brasil são muito pequenas. O alto número de faltosos vai tirar mais votos de alguém. Isto é, tende a tirar da caminho até a urna, digamos assim, o eleitor menos comprometido com o seu candidato e é provável que Carlos Eduardo tenha sofrido mais com o problema, ao contrário do que ocorre com o eleitor bolsonarista e petista. Há muitos estudos sobre o modo como isto vem impactando desigualmente os candidatos. Por exemplo, em 2022 no 1 turno, Lula perdeu mais votos com os faltosos do que Bolsonaro. O Instituto Seta colocou questões em sua primeira pesquisa de segundo turno para aferir o tema.

O QUE ACONTECEU EM NATAL?

Até a sexta feira, era quase consenso e a média geral davam: Carlos Eduardo e Paulinho Freire empatados tecnicamente em primeiro e Natália logo atrás em terceiro. Era notório que Carlos Eduardo lentamente estava desidratando e Paulinho e Natália subindo. Natália subia entre o público de esquerda e Paulinho estava secando a votação de Carlos Eduardo que tinha muitos eleitores nas pesquisas entre o eleitorado de direita.

PAULINHO FREIRE

Dois movimentos de Paulinho Freire corroboravam pra tanto – 1. a diferença de estrutura da prefeitura e de um batalhão enorme de vereadores e lideranças comunitárias, agindo; 2. um acerto de comunicação de sua campanha que colou em Carlos Eduardo a ideia de que era o plano B do PT. Isto o levava pra cima.

CARLOS EDUARDO

O que o ex-prefeito tinha, em parte, era recall e a lembrança foi se esfumaçando também pelo fato de não ter grupo, tempo de tv, quem segurasse a sua bandeira e ter ficado imprensado na polarização criada entre Paulinho e Natália.

PAULINHO FREIRE

Paulinho passeou na força da máquina da prefeitura e no antepetismo para desidratar, não Natália, mas Carlos Eduardo. Na hora em que aquele jovem pouco politizado, aquela mulher que pouco acompanha a política e outros públicos que escolhem nos últimos dias resolveram tomar pé do cenário da disputa, correram todos para Paulinho Freire. Bastava fazer o cruzamento entre eleitores de direita/ou apoiadores de Bolsonaro X voto para prefeito para perceber a tendência de queda sem fim de Carlos Eduardo entre esses eleitores.

NATÁLIA BONAVIDES

Sobre Natália Bonavides, eu tenho uma hipótese. As pesquisas do Instituto Seta sempre deram ela no patamar que ela teve, inclusive acertando sua votação em cima. É que as pesquisas têm uma dificuldade de capturar a tendência da zona sul pelo forte número de condomínios, prédios de difícil acesso e jovens que são difíceis de achar para responder a pesquisa. Todos os institutos sofreram com isso. Mas ela, a exemplo de Paulinho Freire, continuou subindo até o dia da eleição, na medida em que foi sendo conhecida.

RUIM COM ELAS, PIOR SEM ELAS

É preciso deixar o conspiracionismo de lado. As pesquisas fotografam o momento e ajudam o eleitor a se informar. Inclusive, esta informação pode interferir no cenário, refazendo as condições da disputa ao gosto do que o eleitor quer e ficou claro que ele, ao ser informado que Carlos Eduardo estaria no segundo turno, trabalhou para retirá-lo de lá. O eleitorado de Carlos Eduardo se “endireitou” e, no final, o deixou na mão.

PESQUISAS NO SEGUNDO TURNO

No segundo turno a assimetria entre a pesquisa  e a urna será bem menor, já que teremos apenas dois candidatos e um nível de informação do eleitorado já bem mais consolidado.

*É sociólogo, professor da UFRN, sócio do Instituto Seta e editor do Blog O Potiguar.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Um caso de uso de documento falso

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que foi dito no portal do jornal Tribuna do Norte, em 5.10.24:

“Candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) usou laudo médico falso para afirmar que Guilherme Boulos (PSOL) foi internado em decorrência de dependência química. O documento apresenta uma série de inconsistências, como erros de digitação, número de RG com um dígito a mais e assinatura de um médico que nunca trabalhou na clínica. Além disso, há registros de que Boulos estava em outro lugar no momento apontado como o de sua internação.

O suposto laudo médico publicado por Pablo Marçal (PRTB) que aponta internação de Guilherme Boulos (PSOL) por conta do uso de cocaína e corte de entrevista de Marçal a um podcast em que ele afirma que o atendimento médico teria sido por “dependência química”. O material foi publicado no YouTube, TikTok, Instagram e X.”

Trata-se de crime comum.

O fato está a merecer uma investigação em todos os seus aspectos de materialidade e autoria.

De toda sorte, cabe lembrar que em um Estado Democrático de Direito a campanha política deve ser feita em torno de ideias em prol da sociedade e não de crimes.

Cabe discutir sobre o crime de uso de documento falso.

Documento, como conceitua Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume III, 22ª edição, Atlas, pág. 212) é toda peça escrita que condense graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. O escrito deve ser feito a mão ou por meio mecânico ou químico de reprodução de caracteres. Mas, inexiste a falsificação de documento se trata-se de simples reproduções fotográficas (xerocópias) não autenticadas que não se conceituam como documentos (RTJ 108/156). Mas, é essencial que o documento possa apresentar relevância no plano jurídico, gerando consequências no plano jurídico (RTJ 616/295). Nelson Hungria conceitua o documento como “ todo escrito especialmente destinado a servir ou eventualmente utilizável como meio de prova de fato juridicamente relevante”.

O documento, via de regra, é um papel escrito. Mas nem todo papel escrito é um documento, pois nem todo papel tem força probante.

De toda sorte, a veracidade probatória é a objetividade jurídica desses crimes em estudo.

São requisitos do documento:

  1. Forma escrita, redigidos em língua nacional, seja a mão ou a máquina;
  2. Determinação da autoria;
  3. Conteúdo (uma manifestação de vontade, uma exposição dos fatos);
  4. Relevância jurídica

Por sua vez há o uso do documento falso.

Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

Como ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 5ª edição, volume IX, pág. 297)) é com o uso que o documento falso vai exercer a função maléfica a que é destinado, devendo o usuário ser submetido à mesma pena que o falsificador.

Qualquer pessoa pode praticar esse crime, inclusive o falsificador.

Não há crime se o agente apenas o traz consigo (RT 470/350, 504/341, 510/439, 521/363, 536/310, 541/369, RJTJESP 30/436, 56/381, 61/341, dentre outros julgados).

O TJMG ( APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0704.17.006060-9/001), assim sintetizou:

“- O simples porte de documento falso não caracteriza o crime previsto no art. 304 do CP, pois o núcleo do tipo penal é claramente a conduta de “fazer uso”, não tendo sido prevista no tipo penal a conduta de “portar”. Assim, se o apelado não apresentou ou fez efetivo uso do documento falso, que foi apreendido em sua posse após buscas policiais motivadas pela suposta prática de outro delito, sua conduta se mostra atípica, devendo ser confirmada a absolvição pelo crime de uso de documento falso.”

Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:

EMENTA Extradição instrutória. República Federal da Alemanha. Pedido formulado com promessa de reciprocidade. Atendimento aos requisitos da Lei nº 6.815/80. Prescrição. Inocorrência, tanto sob a ótica da legislação alienígena quanto sob a ótica da legislação penal brasileira. Reexame de fatos subjacentes à investigação e impossibilidade de avaliação da consistência do mandado de prisão. Sistema de contenciosidade limitada. Precedentes. Crimes contra a ordem tributária e de uso de documento falso, os quais ensejam o acolhimento do pedido de extradição. Inexistência de comprovação de ocorrência de bis in idem. Crime de uso de documento falso não punível autonomamente, em virtude do princípio da consunção. Precedentes. A simples posse de documento falso não basta à caracterização do delito previsto no art. 304 do Código Penal, sendo necessária sua utilização visando atingir efeitos jurídicos. Detração do tempo de prisão cumprida no Brasil. Necessidade. Pedido deferido em parte. 1. O pedido formulado pela República Federal da Alemanha, com promessa de reciprocidade, atende aos pressupostos necessários ao seu deferimento, nos termos da Lei nº 6.815/80. 2. A falta de tratado bilateral de extradição entre o Brasil e o país requerente não impede a formulação e o eventual atendimento do pedido extradicional desde que o Estado requerente, como na espécie, prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (nota verbal) formalmente transmitido por via diplomática. 3. Os fatos delituosos imputados ao extraditando correspondem, no Brasil, aos crimes tipificados como contra a ordem tributária (art. 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90) e de uso de documento falso ( CP, art. 304), satisfazendo, assim, ao requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inciso II, da Lei nº 6.815/80). 4. Ocorrência de bis in idem não demonstrada. 5. Não ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, tanto pelos textos legais apresentados pelo Estado requerente quanto pela legislação penal brasileira (inciso III do art. 109 do CP). 6. No Brasil, o processo extradicional se pauta pelo princípio da contenciosidade limitada, sendo vedado a esta Suprema Corte indagar sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apoia. 7. Crime de uso de documento falso não punível autonomamente em virtude do princípio da consunção ( CP, art. 307, § único). 8. Simples posse de documento falso considerada atípica pela legislação pátria e que não enseja deferimento do pedido de extradição. 9. Com base na promessa de reciprocidade em que se apoia o presente pedido de extradição, a República Federal da Alemanha deverá assegurar a detração do tempo que o extraditando tenha permanecido preso no Brasil por força do pedido formulado. 10. Extradição deferida em parte.

( Ext 1183, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24/06/2010, DJe-164 DIVULG 02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT VOL-02413-01 PP-00195 LEXSTF v. 32, n. 381, 2010, p. 368-389)

O delito de uso de documento falso pressupõe a efetiva utilização do documento, sponte propria, ou quando reclamado pela autoridade competente, não sendo, portanto, razoável, imputar ao paciente conduta delituosa consistente tão só na circunstância de tê-lo em sua posse ( HABEAS CORPUS Nº 145.500 – RS).

Na lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (Manual de direito penal, 22ª edição, volume III, pág. 246) a conduta típica é fazer uso, ou seja, usar, utilizar o documento material ou ideologicamente falso, como se fosse autêntico ou verídico. Como ainda ensinou Nelson Hungria, “é o emprego ou tentativa de emprego de tal documento como atestado ou meio probatório. De toda sorte, é indispensável que seja empregado o documento falso em sua específica destinação probatória. Não basta “que saia ele da esfera individual íntima do agente, iniciando uma relação qualquer com outra pessoa ou com a autoridade, de modo que determine efeitos jurídicos. Na lição de Heleno Fragoso (Lições de direito penal, 3ª edição, volume III, pág. 372) “o simples reconhecimento de firma em documento ideologicamente falso, é mero ato preparatório de uso. Este deve ser reconhecido tendo-se em vista a destinação probatória do documento, consumindo-se quando o escrito se torna acessível à pessoa a que visa iludir, possibilitando o conhecimento do mesmo.”

É indispensável para a caracterização do delito o uso efetivo. Não basta a mera alusão do documento e não há crime também: se o documento foi encontrado em revista policial ou em decorrência de prisão do portador (RT 438/361, 488/333, 517/277, JTJ 168/312, 179/301; RF 213/368). Não há crime se o portador foi forçado pela autoridade a exibi-lo (RT 322/89, 445/350, 527/341, 541/369, 580/345, 630/301; RJTJESP 58/396, 61/398).

Objetos materiais do delito são os documentos falsos referidos nos artigos 297 a 302 e assim o uso de documento ideologicamente falso configura o ilícito quando o agente conheci-lhe o falso conteúdo (RTFR 56/180). Faltando o documento capaz de configurar o falso, impossível dar-se como tipificado o uso.

Tratando-se de infração que deixa vestígios, sendo necessária a prova da falsidade material, exige-se o exame do corpo de delito direto, o qual somente pode ser suprimido pelo indireto quando sua realização for absolutamente impossível (RJTJESP 45/322).

O tipo subjetivo é o dolo na vontade de usar o documento falso, sendo indispensável que o agente tenha autoria da falsidade. O erro, a boa-fé do usuário, exclui o dolo.

Há divergência quando há o uso de documento pelo próprio falsificador. A primeira corrente á a que, neste caso, responderá o agente pelo crime de falso, sendo a utilização de documento fato posterior não punível, exaurimento do primeiro delito (RT 285/176, dentre outros). Para outros há os que entendem que o uso é crime-fim, denunciando a maior audácia do agente, devendo absorver a anterior falsificação (RT 191/111, dentre outros).

No que concerne ao concurso entre a falsidade do documento e seu uso, assim se entendeu:

HABEAS CORPUS – FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO – FATO DELITUOSO, QUE, ISOLADAMENTE CONSIDERADO, NÃO OFENDE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO FEDERAL, DE SUAS AUTARQUIAS OU DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL – RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DO CRIME TIPIFICADO NO ART. 297 DO CP – USO POSTERIOR, PERANTE REPARTIÇÃO FEDERAL, PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIFICAÇÃO, DO DOCUMENTO POR ELE MESMO FALSIFICADO – “POST FACTUM” NÃO PUNÍVEL – CONSEQÜENTE FALTA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, CONSIDERADO O CARÁTER IMPUNÍVEL DO USO POSTERIOR, PELO FALSIFICADOR, DO DOCUMENTO POR ELE PRÓPRIO FORJADO – ABSORÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO ( CP, ART. 304) PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO DOCUMENTAL ( CP, ART. 297, NO CASO), DE COMPETÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO PODER JUDICIÁRIO LOCAL – PEDIDO INDEFERIDO.

– O uso dos papéis falsificados, quando praticado pelo próprio autor da falsificação, configura “post factum” não punível, mero exaurimento do “crimen falsi”, respondendo o falsário, em tal hipótese, pelo delito de falsificação de documento público ( CP, art. 297) ou, conforme o caso, pelo crime de falsificação de documento particular ( CP, art. 298). Doutrina. Precedentes (STF).

– Reconhecimento, na espécie, da competência do Poder Judiciário local, eis que inocorrente, quanto ao delito de falsificação documental, qualquer das situações a que se refere o inciso IV do art. 109 da Constituição da Republica.

– Irrelevância de o documento falsificado haver sido ulteriormente utilizado, pelo próprio autor da falsificação, perante repartição pública federal, pois, tratando-se de “post factum” impunível, não há como afirmar-se caracterizada a competência penal da Justiça Federal, eis que inexistente, em tal hipótese, fato delituoso a reprimir.

(HC n.º 84.533-9, Relator o Ministro Celso de Mello, DJE de 30.6.2004, sem destaques no original).

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

A Última Fronteira

Por Fernando Rocha*

Há uma geração que caminha entre dois mundos. Somos os quarentões, aqueles que nasceram no calor das fitas cassete, no toque físico dos LPs, no som das páginas de um livro virando em uma tarde silenciosa. Nós vimos o nascer e o pôr do sol sem qualquer filtro digital, sem notificações incessantes, e isso, ao que parece, nos faz uma espécie rara.

Crescemos em uma época em que o telefone era um aparelho fixo e não uma extensão do corpo. Brincávamos na rua até o céu ficar laranja, inventávamos jogos com os amigos, trocávamos segredos face a face, escrevíamos cartas que levavam dias para chegar ao destino. A palavra “off-line” não existia porque não havia um “on-line” para contrastar.

E então, tudo mudou. Chegou a internet discada, os primeiros celulares, as telas invadiram nossas vidas. De repente, o futuro que víamos em filmes de ficção científica estava ali, em nossas mãos, no bolso, na mesa de cabeceira. Nós, a geração 40+, adaptamo-nos. Aprendemos a digitar rápido, a navegar na web, a enviar e-mails e, mais tarde, a postar nas redes sociais. O mundo digital nos acolheu, mas não nos engoliu.

Vivemos em um tempo em que a individualidade reinava, onde não havia uma avalanche de influenciadores ditando como deveríamos parecer, vestir ou agir. Os rostos eram de verdade, as imperfeições eram marcas de identidade e não motivos para filtro ou cirurgia. Nós, quarentões, não nos rendemos a sorrisos artificiais de dentes digitalmente perfeitos, a faces harmonizadas para caber em um molde que só existe nas telas. Nossa referência não era uma estética padronizada, fabricada em massa, mas uma beleza genuína, diversa e sem a obrigação de parecer sempre perfeita.

Hoje, olhamos para a geração Y, os que vieram depois, nascidos em um mundo já completamente conectado e comandado por figuras idealizadas. Eles não conheceram a espera, a ausência, o som do silêncio sem notificações. Para eles, a resposta imediata é uma necessidade, o feed interminável é natural, e a presença constante nas redes é uma exigência social. Há beleza em tanta conexão, mas também perigo, um perigo que só nós, que vivemos o antes e o depois, conseguimos enxergar.

Somos a última geração que pode contar histórias de um mundo sem Wi-Fi e sem a busca incessante por validação estética digital. Podemos mostrar a eles o valor de uma conversa sem a intermediação de telas, o prazer de ler um livro sem a distração de mil abas abertas, e a liberdade de ser quem se é, sem se espelhar em rostos e vidas fabricadas. Talvez sejamos os únicos capazes de dizer que estar desconectado não é o mesmo que estar sozinho. Pelo contrário, desconectar-se pode ser um ato de liberdade.

E assim seguimos, intermediários entre o analógico e o digital, sentinelas de um tempo que se foi, mas que pode nos ensinar algo sobre o presente. Quem sabe, seja nossa missão dissuadir a geração que nos segue de um mundo totalmente conectado, onde a privacidade é um luxo e a desconexão, um temor. Onde a uniformidade estética se sobrepõe à autenticidade. Talvez nossa experiência com o melhor dos dois mundos seja o que vai salvar o futuro de se perder em uma rede sem fim.

Nós somos a última fronteira entre o tangível e o virtual. E, por mais tentador que seja o digital, há algo que nunca será recriado: o calor humano de um momento sem tecnologia e sem a pressão de ser perfeito. Isso, só nós podemos ensinar.

*É procurador da República com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

O óbito político de Carlos Eduardo, o furacão Natália e Paulinho como o novo cavaleiro da direita.

Por Fernando Alves*

Quem acreditava há um mês atrás em um cenário morno, com poucas novidades na política potiguar e do Nordeste, deve ter se  surpreendido com o resultado das eleições de ontem, no primeiro turno, para prefeito em Natal.

Na verdade, a passagem para o segundo turno de Paulinho Freire, da União Brasil e da candidata do PT, Natália Bonavides, não é tão novidade em relação às tendências ou à curva de ascendência que já se comprovava nas pesquisas anteriores, realizadas por diversos institutos.

Como era de se esperar, com juventude e muito carisma, a candidata do PT transformou uma brisa em furacão ao ascender nas pesquisas na semana anterior ao pleito e ter figurado, até mesmo, em primeiro lugar em uma delas.

Porém, o que mais surpreende é a derrota fragorosa de um franco favorito no começo de todas as sondagens: o ex-prefeito Carlos Eduardo, que, representando a oligarquia e mesmo tentando esconder o sobrenome, marca com a sua derrota no primeiro turno, mais um revés e talvez o último suspiro para as famílias tradicionais  da política, que, durante décadas ou quase meio século, dominaram o RN.

Não foram suficientes três mandatos de prefeito, nem mesmo o apoio dos meios de comunicação, uma vez que o candidato  do PSD é sócio e proprietário de um dos maiores veículos de comunicação do Estado e do Jornal Tribuna do Norte. Parecia que Carlos Eduardo estava a nadar de braçada de volta ao Palácio Felipe Camarão, após ter sido derrotado para o Senado, com o apoio da governadora Fátima Bezerra, por Rogério Marinho, nas eleições de 2022.

Mas não foi isso que aconteceu. O autointitulado “Cabeção”, acabou perdendo a eleição no primeiro turno para uma deputada e ex-vereadora em franca ascensão na política (nacional, não apenas potiguar), e que vem marcando uma sucessão de sucessos em suas empreitadas políticas, seja por ter se elegido uma das mais votadas para a vereadora em 2016, como uma das mais votadas para a deputada, tanto em 2018 como em 2022, e agora chegando ao difícil segundo turno da eleição na capital potiguar.

Tido outrora, como alguém que tinha um teto de votos imbatível, na verdade Carlos Eduardo mostrou que o seu teto era de vidro. Teto esse que anteriormente calculado em 30% acabou não se sustentando entre os 20 a 21%, que garantiram assim a subida da deputada federal do PT e também a ascensão do candidato hoje da nova direita, chamado Paulinho Freire.

Paulinho é velho conhecido da política potiguar, uma vez que foi sucessivamente, na década de 1990, vereador e presidente da Câmara Municipal. É também um dos proprietários da produtora Destaque, empresa que praticamente criou o Carnatal, uma das maiores micaretas do país. Mas Paulinho surge como novidade este ano, apesar de não ser nada novo, pela sua guinada ideológica, uma vez que um candidato que outrora se mantinha em cima do muro e procurava ter uma postura mais moderada, parece ter abraçado de vez o bolsonarismo, com sua retórica extremamente reacionária, sobretudo manifestando racismo religioso denunciado em sua propaganda eleitoral, uma vez que um de seus vídeo de campanha chegou a debochar com canções de religiões de matriz africana. O candidato mais votado do primeiro turno agora se consolida como a real opção da extrema-direita na capital potiguar.

É importante recordar que Paulinho também já foi vice-prefeito de  Natal, na desastrosa gestão da ex-prefeita do Partido Verde, Micarla de Souza, revelada uma das piores da história da capital, em termos de má gestão, de descalabro administrativo e financeiro.

Paulinho sabe que lucra com a polarização, polarização essa que se foi rasa no primeiro turno será proeminente em todo o Brasil no segundo turno, uma vez que tanto Lula quanto Bolsonaro apostam suas fichas na polarização das eleições municipais, especialmente nas capitais no segundo turno. Nesse sentido, Paulinho soa como a opção para o voto bolsonarista, radicalizando cada vez mais o seu discurso, falando cada vez mais em Deus, família e tradição, bem como em pátria e pautas moralizadoras. Paulinho parece desenvolver, calculadamente, cada vez mais um discurso que parece música para os ouvidos reacionários do eleitorado do capitão inelegível.

Paulinho Freire surge, portanto, como a alternativa do eleitorado conservador quer o mais do mesmo, pois  parte da população quer, lucra ou se acomoda com  a manutenção das desigualdades. Ora, para um segmento elitista e provinciano que não está nem aí para o desenvolvimento, a modernidade ou transformação social, defender uma mudança real de gestão na cidade seria tão somente “papo de comunista”.

A deputada federal e candidata, Natália Bonavides, tem então um desafio colossal, imenso, que não foi sequer obtido pela atual governadora Fátima, quando, em 1996, por uma pequena diferença de votos, quase conseguiu-se eleger prefeita de Natal. Dessa vez, Natália, uma política jovem, experiente e carismática, representando uma nova  geração de políticos, habituados com as redes sociais, terá dificuldade grande de conseguir obter o fato histórico de fazer com que o Partido dos Trabalhadores consiga, pela primeira vez em sua história, ganhar a eleição na capital.

São pouquíssimos dias para a eleição e a conclusão de uma campanha no segundo turno sempre tem sobressaltos, uma vez que a data já se aproxima no último domingo de outubro. Mas serão, sim, dias eletrizantes, com muita militância, muita panfletagem, muitas carreatas, muita mobilização nas ruas e também muito conflito ideológico e talvez até mesmo conflito de classes que deve se estabelecer em Natal nos próximos dias, em um cenário imprevisível, que somente irá se definir no final do mês.

Que o final desse processo eleitoral na terra de Câmara Cascudo e Newton Navarro  possa, finalmente, no Rio Grande do Norte, e em especial, em Natal, saber quem será a grande novidade na prefeitura ao final do mês: se com a esquerda renovada de Natália ou com a direita recauchutada de Paulinho Freire.

*É delegado e já disputou vaga de deputado federal pelo PT.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

À margem da democracia: o erro intencional das pesquisas

Por Breno Tavares e Herval Sampaio*

Nas últimas três décadas, o brasileiro habituou-se a conhecer da percepção eleitoral coletiva, especialmente nas disputas presidenciais/governadores e das capitais, a partir das pesquisas trazidas a público pela mídia tradicional, realizadas basicamente por 2 institutos: IBOPE (atual IPEC) e Datafolha. Entretanto, nos últimos anos, notadamente a partir de 2018, o então protagonismo dessas duas empresas fora dando lugar a uma miríada de novos institutos, espalhados por todo o país e crescendo em progressão geométrica a cada novo pleito – com o perdão do exagero matemático. E com isso, problemas inimagináveis, num primeiro momento, em especial com a potencialização das redes sociais.

Em 2022 essa profusão de empresas dedicadas à opinião pública redundou em dezenas de resultados fragorosos sobre as disputas ao Senado, aos governos estaduais e à presidência da república. Naquele momento, ficou claro que parte considerável dos institutos não capturou com precisão os resultados erigidos das urnas. E aí alguns, para se defender, recorreram à ideia de que “pesquisa não faz prognóstico, limitando-se a delinear a realidade do momento em que fora realizada”. Embora haja assista alguma verdade a essa hipótese, ela não explica as extrapolações dos resultados para muito além das margens de erro e dos candidatos efetivamente eleitos, sem que houvesse, na maior parte dos casos, fato relevante que justificasse mudanças abruptas no comportamento do eleitor. E é nesse pequeno detalhe que reside o problema, dando margem a patente manipulação de dados como estratégia de marketing eleitoral para indução de votos, desconfigurando a democracia.

No último domingo, ao que as evidências sinalizam, atingimos o ápice  do processo de deterioração da credibilidade das pesquisas eleitorais, haja vista a aparente ‘mercantilização’ delas, dado que os cidadãos de quase 5.570 municípios foram às urnas  votar em 1º turno e, novamente, o que se viu do Oiapoque-AP ao Chuí-RS “como se diz”, foi um festival de polêmicas em torno dos números desvelados pelas quase 14.400 pesquisas registradas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para este pleito.

Dos grandes centros às pequenas cidades, amontoam-se os exemplos em que os institutos apontavam cenários totalmente opostos, por exemplo, com um candidato A liderando a intenção de votos tendo 30% de vantagem sobre seu adversário, de acordo com um determinado levantamento, e outra pesquisa, no dia seguinte, mostrava o candidato B liderando a disputa com 15% de vantagem. Tal situação além de demonstrar essa nítida “mercantilização”, demonstra também o uso do instituto como uma patente estratégia de marketing, desprezando o seu potencial científico para o uso correto de forma interna para justamente o marketing ser mais eficiente. Uma ironia que na realidade, pela má-fé é claramente deixada de lado propositadamente! 

Em algumas capitais os números divulgados às vésperas do pleito divergiram diametralmente entre os institutos, além de destoarem significativamente das margens de erro previstas, o que não é tecnicamente razoável que ocorra em intensidade e quantidade, como verificou-se há poucos dias e sempre chamamos atenção a tal aspecto, comprovando que os erros eram e são na grande maioria intencionais!

Portanto, não há casualidade nessa problemática. Há, sim, método e interesses estranhos ao republicanismo, posto que a utilização de pesquisas eleitorais como ferramenta de propagação das chamadas fake news mostrou-se politicamente estratégica para quem às financia realmente e um negócio lucrativo para quem às comercializa, sobretudo no comparativo com os números de 2016, eleição imediatamente anterior à quebra de paradigma, como evidenciam as cifras envolvidas neste pleito, a seguir:

  BRASIL      
  2016 2024 VARIAÇÃO
Pesquisas 8903 14380 62%
Faturamento  R$    71.100.000,00  R$   156.713.000,00 120%

Fonte: base de dados do TSE.

O cenário potiguar

No particular do Rio Grande do Norte, o assunto nos parece ainda mais dramático e agudo, conforme alguns números apontam. Senão vejamos:

  RIO GRANDE DO NORTE    
  2016 2024 VARIAÇÃO
Pesquisas 144 723 402%
Faturamento  R$         679.000,00  R$       4.832.300,00 612%
Institutos 11 27 145%
Cidades 63 128 103%

Fonte: base de dados do TSE.

Observe que no Estado, em 8 anos, o número de pesquisas registradas na quadra eleitoral saltou 4 vezes, o faturamento multiplicou-se mais de sete vezes, o número de institutos e o total de cidades pesquisadas mais do que dobrou. E esse crescimento atípico coincide com a recorrência de resultados distorcidos, verificados em diversas de cidades em todas as partes das terras potiguares. Será que tudo isso pode ser olvidado e visto como algo natural dentro do modelo normativo atual?

Notadamente, cinco cidades do Estado destacaram-se no volume de pesquisas, e nelas há levantamentos com resultados os mais diversos, a saber: Natal (73 levantamentos), Parnamirim (37), São Gonçalo (32), Apodi (27) e São José de Mipibu (23). Para se ter uma ideia do quanto esses números são superlativos, Natal (5º), Parnamirim (19º) e São Gonçalo (29º) figuram entre as 30 cidades do Brasil com mais registros junto ao TSE. Um Estado tão pequeno e ao mesmo tempo tão intenso em pesquisas eleitorais. Por que será?

O Estado ainda teve outro número alarmante: foram 723 pesquisas realizadas neste ano, o que equivale a 5% das 14,4 mil do país inteiro e o coloca na 8ª posição entre as 27 unidades federativas. É como se 1 a cada 20 levantamentos tenham sido feitos aqui. É um número que sinceramente tem que ser melhor estudado e por óbvio tem que ser reprimido, pois de natural não tem nada, pelo contrário, demonstra, infelizmente, tanto a “mercantilização” quanto o uso estratégico do marketing eleitoral e as vezes até mesmo criminoso!

A solução está na academia

Claramente, a falta de uma regulamentação mais rígida tornou o mercado de pesquisas suscetível a práticas nada republicanas e, como visto neste ano, em certa medida, ao deixarem-se utilizar como instrumentos de desinformação massiva, as pesquisas desbordaram para uma utilização diferente do propósito para o qual as empresas dessa área existem: capturar a opinião pública com precisão e isenção – daí evidencia-se que, se a sociedade não apresentar alternativas para contornar o problema, nossa democracia se fragilizará um tanto mais como infelizmente se viu nessas duas últimas eleições, potencializada agora nessa última em específico.

Neste diapasão, os Estados Unidos – onde os estudos sobre opinião pública desenvolveram-se ao longo dos últimos 100 anos –, nos oferecem um horizonte a seguir, haja vista que lá a cobertura de cada novo processo eleitoral, em todos os 50 estados do país, se dá a partir de parcerias que envolvem a mídia tradicional e ao menos 60 instituições de ensino, responsáveis por monitor a evolução do pensamento coletivo norte-americano, enquanto no Brasil a tarefa de acompanhar a opinião pública fica a carga exclusivamente da iniciativa privada.

Temos em nosso país cerca de 150 instituições públicas de ensino superior (universidades federais, estaduais e institutos federais), e não há nelas inciativas similares às dos EUA. Eis a nossa janela de oportunidade: escrevemos este artigo a partir do Rio Grande do Norte e, desta feita, a UFRN, a UERN e a UFERSA poderiam criar vinculadas a si um organismo mediador da opinião pública, valendo-se da expertise técnica, da credibilidade e da isenção de tais instituições, e com potencial para ser replicado pelas universidades de todos os estados do país. É um modelo alvissareiro a ser pensado e aqui vamos fazer nossa parte com tal escopo!

A academia, farol de conhecimento que é, daria nova contribuição substantiva à sociedade, como já o fizera no período pandêmico, na medida em que imune aos interesses outros que guiam parte daqueles que atualmente, sob a égide da iniciativa privada, tangenciam essa temática por um caminho que tende a levar as pesquisas para outra margem que não a de erro intencional, mas a do limite da democracia dentro dos erros que são toleráveis cientificamente falando.

*Autores:

Breno Tavares Nunes é consultor em gestão pública, mestre em Gestão de Processos Institucionais pela UFRN e doutorando em Jornalismo pela UFSC.

 

José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Professor da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Erros nas pesquisas eleitorais como estratégias de marketing para indução de votos

Por Gláucio Tavares Costa e José Herval Sampaio Júnior*

Iniciamos esse pequeno texto chamando atenção a expressão “erros” utilizada de propósito como elemento midiático, pois, na realidade, falar em erros em pesquisas, cientificamente tratando, somente estaticamente dentro dos limites, que são previsíveis e objetivamente levados em consideração, contudo tal expressão foi dita para chamar atenção da patente manipulação feita por alguns institutos a pedido ou mediante pagamento de candidatos, com intuito de manipular o eleitorado, burlando a própria democracia.

Em momento algum desse texto, vamos nos referir a qualquer possível prática dessa em concreto, pois não dispomos de qualquer elemento nesse sentido e os exemplos são trazidos tão somente para facilitar o raciocínio do texto em si.

Na pesquisa eleitoral realizada na cidade de Natal/RN pela AtlasIntel, entre os dias 18 e 23 de setembro, foram ouvidos 1.200 eleitores. O referido estudo estatístico, com registro na RN-04289/2024 na Justiça Eleitoral, foi divulgado no dia 24/09/2024, no qual os candidatos a prefeito da capital potiguar pontuaram proporcionalmente na preferência do eleitorado natalense: Natália Bonavides tem 28,4%; Paulinho Freire 27,9%, e Carlos Eduardo 27,6%.

Quase que simultaneamente, no dia 25/09/2024, foi anunciada uma pesquisa feita pela Consult/TN, na qual foram ouvidos 1.000 eleitores entre os dias 20 e 23 de setembro. Desta feita, o estudo estatístico, com registro na RN-07479/2024 na Justiça Eleitoral, apontou que os candidatos a prefeitura de Natal marcaram: Paulinho Freire 32,6%; Carlos Eduardo 31,5%; e Natália 17%.

A discrepância entre o resultado das mencionadas pesquisas, especialmente entre a coleta de dados do eleitorado da candidata Natália Bonavides, que variou de 28,4% a 16,4%, sinalizou possíveis falhas nos estudos estatísticos em retratar quantitativamente a intenção de votos dos eleitores natalenses.

Num cenário de resultados de pesquisas eleitorais tão distintos, é natural que a propaganda eleitoral seja significantemente afetada, com a máxima difusão possível da pesquisa em que dado candidato teve uma boa pontuação na preferência do eleitorado e, por outro lado, omissão do estudo com resultado adverso.

Dessa forma, acentuadas divergências de dados das pesquisas eleitorais impactam de maneira enérgica a propaganda eleitoral, ensejando certa desconfiança se eventuais erros nas pesquisas eleitorais são meras estratégias de marketing para indução de votos, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, inclusive previsto com tipo penal, consoante disposições da Lei n° 9.504/1997, in verbis:

“Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

I – quem contratou a pesquisa;

II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

III – metodologia e período de realização da pesquisa;

IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro; (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

  • 1º As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos.
  • 2o A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no local de costume, bem como divulgará em seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de 30 (trinta) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
  • 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.
  • 5o É vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Art. 34. (VETADO)

  • 1º Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes.
  • 2º O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.
  • 3º A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas mencionadas no parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado…”

Calha lembrarmos que, como assinalamos no artigo: “A imperiosa necessidade de revisão normativa das pesquisas eleitorais!” (COSTA e SAMPAIO JR., 2022) (https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-imperiosa-necessidade-de-revisao-normativa-das-pesquisas-eleitorais/1663039602), segundo a regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral, por meio da Resolução n° 23.727, de 27/02/2024, os partidos, candidatas e candidatos, coligações, federações partidárias e o Ministério Público são partes legítimas para impugnarem o registro ou a divulgação de pesquisas eleitorais, quando detectarem eventual descumprimento das regras sobre o assunto. Contudo, na prática, os legitimados não costumam questionar as pesquisas, justamente porque como não há nenhum controle substancial por parte de qualquer órgão e eventuais desacordos ou até mesmo má-fé acabam ficando por isso mesmo pelo interesse de uso das pesquisas como estratégia de marketing eleitoral, o que é pernicioso para a higidez do processo eleitoral.

É mister afirmar, consoante alinhado em nosso artigo acima mencionado, que o ordenamento eleitoral não se mostra suficiente para afastar a possibilidade da utilização das pesquisas eleitorais como verdadeiras peças publicitárias em prol de dadas candidaturas, sendo necessário o empenho do Poder Legislativo no aperfeiçoamento das regras atinentes a tal matéria, criando além de limitação da quantidade de institutos que possam nacionalmente e regionalmente realizar pesquisas eleitorais, uma forma mínima de controle substancial, de modo que as demais pesquisas continuem servindo tão somente para consumo interno e as que realmente forem publicadas, sejam dentro dos critérios rígidos que a estatística delimita, o que com toda certeza não se terá doravante erros além da margem do aceitável pela própria ciência estatística, o que na realidade se constitui em dolo específico de manipulação de um instituto que bem utilizado serve a democracia e não pode ser desconsiderado, contudo, não podemos continuar aceitando o uso enviesado e criminoso que infelizmente se pratica nas eleições brasileiras.

Não é escopo deste artigo evidentemente debater metodologia de estudos estatísticos. Entretanto, pensamos comportar uma reflexão de como evitar o emprego exagerado das pesquisas eleitorais como instrumento de persuasão de votos, principalmente quando estudam o mesmo eleitorado praticamente no mesmo período e trazem resultado tão diferentes, como no exemplo das últimas pesquisas eleitorais realizados na capital potiguar, logo claramente se verifica em alguns casos que longe de serem erros dentro dos limites aceitáveis, se trata de verdadeira manipulação, o que não pode ser tolerado por um país que se diz democrático por excelência.

Referências:

  1. Costa, Gláucio Tavares e Sampaio Júnior, José Herval (2022). A imperiosa necessidade de revisão normativa das pesquisas eleitorais! Jusbrasil. Recuperado de https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-imperiosa-necessidade-de-revisao-normativa-das-pesquisas-eleitorais/1663039602
  2. Exame (2024). Natália Bonavides tem 28,4%; Freire, 27,9%, e Eduardo 27,6%, em Natal, aponta pesquisa AtlasIntel. Recuperado de https://exame.com/brasil/natalia-bonavides-tem-284-freire-279-e-eduardo-276-em-natal-aponta-pesquisa-atlasintel/
  3. Tribuna do Norte (2024). TN e Consult divulgam nova pesquisa para Prefeitura de Natal nesta quarta. Recuperado de https://tribunadonorte.com.br/eleicoes-2024/tn-consult-com-326-paulinho-freire-passa-carlos-que-tem-315/

*Autores:

Gláucio Tavares Costa é analista judiciário do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico e graduado em Farmácia pela UFRN.

José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Professor da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

A Genealogia da Moral de Nietzsche e a Democracia

Por Gláucio Tavares Costa*

Em sua intrigante obra Genealogia da Moral de 1887, o filósofo alemão Friedrick Nietzsche a partir do exame da origem dos princípios morais da Antiguidade Clássica de Sócrates faz severas críticas à moral em voga na sociedade europeia do Século XIX. No estudo, Nietzsche distingue duas classes de moral: a do homem guerreiro e a do sacerdote. A casta dos guerreiros é marcada por uma moral centrada na vida terrena, enquanto que a outra no além-vida. Desta contraposição de valores, surge pois, no pensamento nietzscheziano, duas categorias: a moral dos senhores e a moral dos escravos.

A moral dos senhores é marcada preponderantemente pela vontade de luta, pela força e pela altivez. Nobre seria essa energia própria de encarar a vida e de autossuperação (eu som bom, eu sou belo, eu sou forte). Esta moral é própria dos conquistadores. A felicidade é intrínseca a estes indivíduos demasiadamente humanos que não precisam procurar ventura no além-vida.

Noutro vértice da escala moral, encontra-se a moral dos escravos. Esta espécie de moral é própria dos ressentidos, que não encontram conforto a não ser se comparando com as outras pessoas. A fraqueza, a rasteirice, a bajulação, a vilaneza e toda sorte de perversão os caracterizam. Coloca-se, nesse fosso, uma negação de valores sistematizada por uma vitimização. São os valores dos nobres que são maus (exercício do pensamento ressentido), e desta inversão de valores, e após negar a bondade no nobre, o colocará como mau, pois; “eu que sou inferior e fraco é que sou bom”, ele que é forte “é mau, pois me inferioriza”. 1

A par dessas sintéticas considerações e numa crença empírica de que a moral dos escravos encontra mais seguidores entre nossos pares, não só em nossa comunidade, mas em âmbito global, o que nos poderia reservar um governo escolhido pela maioria inclinada a moral pervertida?

A resposta a esta pergunta exige uma reflexão desafiadora, cujo caminho passa por considerações acerca da democracia, na medida em que neste regime de governo, tem-se o primado da ampla participação de todos e todas nas decisões políticas, pelo que, via de regra, é preciso agradar e ser agradável para se seduzir a maioria. Este é o abismo onde invariavelmente prospera a disposição para enganar e gerar, por outro lado, promessas não cumpridas, que, por sua vez, engendra desconfianças de parte a parte, numa espécie de círculo vicioso, mormente visualizado nas campanhas eleitorais.

No geral, o campo moral dissecado e qualificado por Nietzsche como sendo dos escravos, é estéril para quem pretenda semear o bom fruto, sendo mesmo insólito que alguém, de forma veraz, exerça a moral dos senhores.

É desse contexto que fluem os cotidianos casos de corrupção, frutos de um sistema que tem por base uma moral corroída pela inversão de valores. O medíocre é o padrão, mascarado, não raro, por uma mega hipocrisia. Assim, não é de se estranhar que um indivíduo com bons propósitos seja desprezado ou até mesmo ridicularizado, posto que é visto como uma ameaça a rasteirice moral dominante.

Nessa moralidade medonha, justifica-se o sucesso estrondoso das mentiras, hodiernamente nominada do estrangeirismo fake news, cuja demasiada difusão acaba por deteriorar a própria democracia, em face da moral rasteira subjacente ao sistema.

Referências:

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral: uma polêmica. Tradução, notas e posfácio: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

FERREIRA, Emerson Benedito. Genealogia da Moral: uma polêmica. http://jus.com.br/artigos/7083/elementos-da-teoria-do-estado-de-friedrich-nietzsche

*É mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico, graduado em Farmácia pela UFRN e cronista.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Vale tudo pela lacração? Os debates em São Paulo têm envergonhado o Brasil!

Por Gláucio Tavares Costa e José Herval Sampaio Júnior*

Nenhum direito, mesmo os chamados fundamentais, é considerado absoluto. Primeiro, uma regra clara que em tempo de polarização radicalizada e redes sociais tem se olvidado, não se pode querer sob o pálio de suposto direito, cometer condutas tipificadas como crime, logo, com todo respeito a quem pensa em contrário, estamos vendo nos debates dos candidatos em São Paulo não só as famosas “baixarias”, mas crimes inimagináveis até bem pouco tempo, chegando ao absurdo, de ao vivo, vermos e ficarmos constrangidos com uma agressão física na “cadeirada” após um nítido encurralamento para que o agressor perdesse o controle emocional.

Há de se esperar o mínimo de seriedade e demonstração de capacidade dos candidatos aos cargos políticos, sendo inadequado que a campanha eleitoral seja pautada pelo vale tudo da virulência verbal e falta de educação. Mentiras, insultos, acusações pessoais, que são os temas em destaque nos debates da campanha eleitoral da maior metrópole brasileira, decerto não serve para instruir os eleitores a escolher o melhor candidato. Na verdade, o debate eleitoral deveria versar sobre como resolver os problemas da coletividade e atrair o eleitor para refletir sobre a boa política.

Um erro nunca vai justificar o outro, porém para nós ficou muito nítido o desvirtuamento do próprio escopo de um debate como previsto na legislação eleitoral.  Nessa linha, desde o início, um dos candidatos assumiu a estratégia de desqualificar moralmente todos os demais, fazendo acusações sem prova e muitas vezes desvirtuando a finalidade do debate, até mesmo porque muitas das acusações sequer foram dirimidas no devido processo legal.

Quem perde com essa tática é o povo, que mesmo que se diga que gosta dessa linha embate, no exercício do mandato de quem vence ao final, será indiscutivelmente o grande perdedor. Sabemos, por outro lado, que o povo é soberano e decide quem vai governar ou exercer um mandato no legislativo sem qualquer justificativa, contudo o que tem ocorrido em São Paulo passa de todos os limites.

E tanto é verdade que no debate seguinte a agressão física, o referido candidato continuou e persiste com a tática de desconstruir a imagem dos seus adversários, quando a legislação eleitoral é clara que não se pode fazer propagandas negativas baseadas em fake news ou que possa ser conduzida ferindo a honra dos candidatos, daí porque mesmo entendendo, mais uma vez, o uso de estratégias, nos parece que algumas têm limite no ordenamento jurídico atual e outras precisam urgentemente serem barradas pelo legislador, sob pena de descaracterização na essência do próprio debate e a ideia em si de propaganda, já que a propaganda positiva sempre deve prevalecer sobre a negativa.

E se não for assim, parece-nos que a linha de ganhar seguidores e por conseguinte futuros eleitores somente pela lacração vai virar moda e com certeza a médio e longo prazo teremos consequências irreversíveis, daí porque entendemos que não se pode assistir a tudo isso calado e tanto é verdade que mesmo sendo difícil o enquadramento da violência em si física como infração eleitoral, o Parquet paulista já enunciou investigação, o que é salutar, já que tudo isso que vem ocorrendo é algo assustador e ao mesmo tempo constrangedor.

Certamente, não é com mentiras, insultos, lacrações e cadeiradas que os debates eleitorais contribuirão para o aprimoramento da nossa democracia em construção.

*Autores:

Gláucio Tavares Costa é analista judiciário do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico e graduado em Farmácia pela UFRN.

José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Professor da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.