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Um importante remédio processual na defesa do interesse público

Por Rogério Tadeu Romano*

Noticiou-se que o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), desembargador Amílcar Maia, derrubou, na noite do dia 27.12.2024, duas decisões liminares de primeira instância que obrigavam o Governo do Estado.

Falou-se que o Desembargador decidiu que liminares implicavam em “lesão à ordem administrativa”.

O presidente do TJRN acrescentou que a manutenção das liminares tinha potencial de provocar “grave lesão à economia pública”, tendo em vista que é notória a falta de recursos do governo estadual.

A alteração do calendário de pagamentos poderia afetar, escreveu Amílcar Maia, a capacidade da gestão estadual de “financiar os serviços de sua competência e o próprio pagamento da folha de dezembro dos empregados e servidores estaduais, ativos e inativos”.

É mister lembrar sobre o instituto processual civil da suspensão de liminar.

A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo , determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

Na visão de Celso Agrícola Barbi, trata-se de providência de caráter cautelar aquela que, na classificação de Calamandrei, diz respeito a medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva.

O certo é que, diante da concessão de liminares de cunho satisfativo ou cautelar em ações civis públicas, a pessoa jurídica de direito público tem se valido do remédio para suspendê-la. Essas liminares teriam o caráter de providência executiva lato sensu ou ainda mandamentais, exigindo da Administração o ajuizamento dos remédios autônomos correspondentes ao recurso de agravo de instrumento e a suspensão de liminar.

Contra a liminar concedida a favor do pleito trazido pela pessoa requerente em ação civil pública tem a entidade pública duas saídas: o recurso de agravo de instrumento em face de decisão de caráter interlocutório, e a suspensão de liminar.

Trata-se de providência de cunho cautelar e de natureza metajurídica.

A maioria da doutrina é no sentido de que ao Presidente do Tribunal não cabe a análise da antijuridicidade. Fica patente a aplicação do princípio da supremacia do interesse público no uso de conceitos jurídicos indeterminados em prol da sociedade.

Para Betina Rizzardo Lara , a liminar, tanto na ação civil pública quanto no Código de Defesa do Consumidor, apresenta uma natureza eminentemente cautelar. E prossegue:

“Os pressupostos para a concessão da liminar do art. 12, da mesma forma que do art. 4º, serão sempre, portanto, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Como além de acautelar, a liminar concedida de forma direta, adianta provisoriamente os efeitos da tutela jurisdicional definitiva, havendo então uma coincidência entre o que é deferido com a medida provisória e o que se pretende obter ao final, ela é cautelar-satisfativa.”.

Por sua vez, Hugo Nigro Mazzili fala em exemplos de ação cautelar satisfativa, tal se dá quando o industrial instala o equipamento antipoluente no prazo determinado, tornando desnecessária o ajuizamento de ação principal.

A Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, no seu artigo 8º, § 9º, dispôs, em matéria de mandado de segurança, que, quando se evidenciar, desde logo, a relevância do fundamento do pedido, e decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável ao direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo, mandar, preliminarmente sobrestar ou suspender o ato aludido.

A matéria ainda foi disposta em sede de mandado de segurança, na Lei nº 1.533, que tratou da matéria.

Em 1964, foi editada a Lei nº 4.348/64 discorrendo sobre casos em que liminares não poderiam ser concedidas em mandado de segurança e discorrendo sobre a suspensão de liminar, no artigo 4º.

Posteriormente, a Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo , determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

O certo é que, diante da concessão de liminares de cunho satisfativo em ações civis públicas, a pessoa jurídica de direito público tem se valido do remédio para suspendê-la. Essas liminares teriam o caráter de providência executiva lato sensu ou ainda mandamentais, exigindo da Administração o ajuizamento dos remédios autônomos correspondentes ao recurso de agravo de instrumento e a suspensão de liminar.

Em posição isolada, Cássio Scarpinella Bueno preconiza que a grave lesão que justifica o pedido de suspensão só tem sentido se a decisão concessiva de liminar ou da sentença for injurídica.

Disse ele:

“É de se destacar, que não qualquer grau de injuridicidade no direito assegurado ao particular pela concessão de liminar ou do próprio mandado de segurança afinal, não podemos entender como inconvivíveis, simultaneamente, o interesse particular e o interesse público. Em última análise, se se pretende suspender, não há como cogitar in concreto da aplicação da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Eis aí a explicitação que entendemos necessária na hipótese.(…) Diante dessas considerações, somente se pode concluir no sentido de que, iluminando a demonstração da grave lesão à economia pública constante do art.  da Lei nº 4.348/64, deve o requerente da suspensão da liminar ou da segurança demonstrar também a injuridicidade (ilegitimidade) do ato judicial praticado em benefício do impetrante. Não basta, desta sorte, a demonstração das razões políticas (ou metajurídicas) indicadas naquele dispositivo legal.”.

Apesar disso, a maioria é no sentido de que ao Presidente do Tribunal não cabe a análise da antijuridicidade, como se lê, em Marcelo Abelha. Fica patente a aplicação do princípio da supremacia do interesse público no uso de conceitos jurídicos indeterminados em prol da sociedade.

Tal princípio, a bem do sistema jurídico existente, onde a supremacia é de princípios constitucionais impositivos, como o da dignidade da pessoa humana, não pode persistir.

Bem disse Humberto Bergmann Ávila que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado não pode ser entendido como norma-princípio nem tampouco pode ser entendido como postulado normativo.

Tal princípio afronta a proporcionalidade, pois suprime espaços para ponderações. Agride tal princípio o postulado da concordância prática.

Assim, tal princípio não encontra respaldo normativo pelas seguintes razões:

  1. a) Por não decorrer de análise sistemática do ordenamento jurídico;
  2. b) Por não admitir a dissociação do interesse privado, colocando-se em xeque o conflito pressuposto pelo “princípio”;
  3. c) Por demonstrar-se incompatível com os preceitos normativos erigidos pela ordem constitucional.

Como conviver com tal princípio, se a ordem jurídica constitucional volta-se a proteção de interesses do indivíduo?

Não é o interesse público o fim do sistema jurídico. A pessoa humana, consoante proclamado pelo artigo III, da Constituição Federal é o fim, sendo o Estado não mais que um instrumento para a garantia e promoção dos direitos fundamentais.

Não se pode conceber uma ordem jurídica democrática que preestabeleça que a supremacia do interesse público sempre vencerá.

Agride-se com tal princípio as seguintes ideias: o meio escolhido deve ser o apto a escolher os fins a que se destina; dentre os meios hábeis a opção deve incidir sobre o menos gravoso em relação aos bens envolvidos e, finalmente, que a escolha deve trazer mais benefícios que a restrição proporcionada.

Por fim, em termos práticos, trago posição do Superior Tribunal de Justiça que, de forma cediça, reconhece incabível Recurso Especial em matéria de suspensão de liminar. É o que se tem abaixo, no voto do Ministro Teori Zavascki, no AgRg no Recurso Especial 821.423 – RJ, Agravante: Indústria de Produtos Alimentícios Piraquê S/A e Agravado Estado do Rio de Janeiro, onde se discutia suspensão liminar em mandado de segurança, que sabe-se, a teor da Súmula 626 do STF, vigorará até o trânsito em julgado da decisão. Ali foi discorrido que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a decisão suspensiva da execução da medida liminar, em mandado de segurança, na forma do artigo  da Lei nº 4.348/64 é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base do juízo da legalidade. Isso porque o recurso especial somente é cabível quando há violação direta e imediata às normas legais que disciplinam referida medida de salvaguarda do interesse público, na verdade secundário, o que não ocorre quando se discute a existência dos pressupostos para seu deferimento ou a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal: AgRg no Ag 1.210.652/PI, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 16 de dezembro de 2010; EDcl no REsp 842.050/PE, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 27 de novembro de 2008.

A suspensão da segurança não é recurso, pois não está previsto em lei (princípio da taxatividade), e tampouco tem natureza jurídica de sucedâneo recursal (visto que a decisão proferida na suspensão da segurança não reforma, anula nem desconstitui a liminar ou a antecipação de tutela combatida). Trata-se, pois, de mero incidente processual, destinado apenas a retirar a executoriedade da decisão (suspendê-la), mantendo-a, entretanto, incólume.

Ao decidir o pedido de suspensão de segurança, o Juiz não adentra no mérito da demanda, mas se limita a verificar o preenchimento dos seus requisitos no caso concreto. Contudo, na análise do pedido de suspensão, não é vedado ao Presidente do Tribunal fazer um juízo mínimo de delibação das questões jurídicas contidas na ação principal. Por esse motivo, a jurisprudência entende ser inadmissível a interposição de recurso especial e extraordinário contra o acórdão que, em agravo interno (ou regimental) confirme ou reforme a decisão tomada pelo Presidente em suspensão da segurança.

O Superior Tribunal de Justiça entende, inclusive, que a decisão do relator na suspensão da segurança detém feição político/administrativa, razão pela qual não admissível interposição do recurso especial. Nesse sentido, citamos trecho do acórdão proferido nos autos do AgRg na MC 7512/RJ: “A decisão suspensiva da execução de medida liminar, com fundamento no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.437/92, é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base de juízo de legalidade. É, pois, da estrita competência do Tribunal Presidente e Plenário ou Órgão Especial a que o juiz que a proferiu está vinculado”.

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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É urgente uma popularização da ciência econômica no Brasil

José de Paiva Rebouças*

Fábio Lúcio Rodrigues**

 

Imagine o seguinte cenário: o Brasil cresce 4% em um ano, o desemprego atinge níveis historicamente baixos e a inflação, embora presente, está dentro da meta. Parece um cenário ideal para uma nação emergente. Mas ao abrir os jornais, encontramos manchetes como: “Alta do dólar preocupa mercado”; “Banco Central sobe juros para conter riscos”; “Economia ainda inspira cautela”. As boas notícias, ao invés de celebrações, são eclipsadas por um discurso que prioriza os “humores do mercado”.

O problema começa pela forma como o mercado é tratado: uma entidade abstrata, quase divina, que precisa ser apaziguada a qualquer custo. Mas o que chamamos de “mercado” não é um bloco homogêneo, mas um espaço multifacetado onde diferentes interesses coexistem e, muitas vezes, entram em conflito.

De um lado, o “mercado produtivo”, no qual bens, serviços e capitais são negociados para gerar riqueza, empregos e inovação. Esse é o mercado descrito por Adam Smith, que, em “A Riqueza das Nações”, destacou a importância de uma economia de trocas livres onde o trabalho humano gera valor. De outro lado, o “mercado especulativo”, dominado por rentistas e grandes investidores que acumulam riqueza sem produzir. Quer dizer, estamos falando de bilionários, não do trabalhador proletariado que, embora seja investidor, depende do emprego para manter sua qualidade de vida. Esse segundo tipo de mercado se aproxima mais da crítica de Karl Marx, que denunciou como o capital financeiro desvia recursos da produção para o acúmulo de riqueza nas mãos de poucos.

É essa estrutura especulativa que transforma o crescimento econômico em um jogo perigoso, onde lucros rápidos são priorizados em detrimento do bem-estar social. Como John Maynard Keynes alertou, quando o capital financeiro assume o controle, o mercado produtivo é subjugado e decisões racionais de longo prazo dão lugar a movimentos irracionais de curto prazo, ou seja, é o que Keynes chama de “dança dos espíritos animais”.

A ilusão do mercado “neutro

A grande imprensa brasileira, em grande parte, trata o mercado como um árbitro neutro, incapaz de errar. Esse discurso deriva, em parte, da influência da Escola de Chicago, que consolidou a ideia de que os mercados são intrinsecamente eficientes. Milton Friedman, seu maior expoente, argumentava que o mercado, se deixado livre de interferências, corrigiria automaticamente seus desvios.

Na prática, essa visão ignora o impacto do poder concentrado. Rentistas, bancos e especuladores dominam o mercado financeiro e utilizam sua influência para moldar políticas públicas, muitas vezes em benefício próprio. Esse fenômeno não é apenas econômico, mas também político e filosófico. Como Friedrich Hayek, outro defensor da Escola de Chicago, sugeria, a liberdade econômica está diretamente vinculada à liberdade política. O problema é que, em mercados capturados por especuladores, a liberdade econômica para muitos se traduz em opressão para outros.

Essa contradição é evidente no Brasil. Quando o Banco Central eleva a taxa Selic para “conter a inflação”, há pouca ou nenhuma discussão sobre o impacto desse movimento na vida cotidiana. O crédito encarece, o consumo cai e pequenas empresas – que dependem de financiamento – enfrentam dificuldades para sobreviver. A inflação pode até ser controlada, mas o custo recai sobre a classe trabalhadora e os pequenos empresários. Enquanto isso, os grandes investidores, que lucram com os juros altos, permanecem intocados.

O mercado especulativo é o ápice do que Marx chamou de “fetichismo da mercadoria”: uma estrutura onde o capital se torna um fim em si mesmo, alienado de sua função social. Os juros, nessa lógica, são tratados como um “direito natural” do capital, desconsiderando que cada ponto percentual da Selic significa mais dinheiro para os rentistas e menos para investimentos produtivos. Keynes, em contraponto, propunha que o objetivo da economia não deveria ser maximizar lucros, mas alcançar o pleno emprego e o bem-estar coletivo.

Já Adam Smith, apesar de ser frequentemente apropriado por defensores do livre mercado, jamais defendeu um mercado desregulado. Ele acreditava em limites éticos e na necessidade de intervenção para evitar que a busca pelo lucro prejudicasse a sociedade. Em suas palavras: “Não é da benevolência do padeiro, do cervejeiro ou do açougueiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração deles pelo próprio interesse.” Esse interesse, no entanto, deveria ser equilibrado por um Estado que regulasse excessos e desigualdades.

A lógica do medo e da austeridade

No Brasil, a narrativa dominante é a da austeridade. Termos como “responsabilidade fiscal” e “controle dos gastos públicos” são utilizados para justificar cortes em áreas fundamentais, como saúde e educação. Essa narrativa opera em duas frentes: o medo e a meritocracia. Por um lado, somos alertados de que gastos excessivos levam ao “caos econômico”. Por outro, somos incentivados a acreditar que o sucesso depende apenas do esforço individual, ignorando as barreiras estruturais que perpetuam desigualdades.

Essa lógica também encontra raízes em Friedrich Nietzsche que, em “Genealogia da Moral”, descreveu como as elites transformam interesses próprios em valores universais. No contexto econômico, isso significa que os privilégios do mercado especulativo são apresentados como “boas práticas”, enquanto investimentos sociais são tratados como irresponsáveis. Essa inversão de valores, no entanto, não é natural – é uma construção ideológica que beneficia poucos às custas de muitos.

Outra simplificação perigosa é a oposição entre mercado e Estado. Como Keynes demonstrou, o Estado não é inimigo do mercado, mas um agente essencial para corrigir suas falhas. Políticas como o New Deal, implementadas nos Estados Unidos após a Grande Depressão, mostram que intervenções governamentais podem revitalizar economias ao criar empregos e estimular o consumo.

No Brasil, no entanto, o Estado é frequentemente reduzido à ideia de “gastador irresponsável”. Pouco se discute sobre o impacto positivo de investimentos públicos em infraestrutura, saúde e educação. Essas áreas, além de essenciais para o bem-estar, também fortalecem o mercado produtivo, gerando empregos e ampliando o consumo. Mas, para a narrativa dominante, o orçamento público parece existir apenas para garantir os pagamentos da dívida, que beneficia sobretudo os rentistas.

Educação econômica e crítica social

Após essas ponderações, estamos certos de que o Brasil precisa urgentemente de uma alfabetização econômica que vá além do jargão técnico e das simplificações binárias. É necessário educar a população sobre as diferenças entre mercado produtivo e especulativo, sobre como políticas econômicas afetam sua vida e sobre como decisões governamentais não são neutras, mas fruto de escolhas políticas.

É fundamental popularizar a microeconomia, demonstrando como as decisões individuais impactam a economia agregada e, inversamente, como as políticas macroeconômicas moldam o comportamento microeconômico. É necessário esclarecer de forma acessível como fenômenos como a inflação e as políticas fiscais afetam desproporcionalmente as camadas de menor renda, corroendo o poder de compra e ampliando as desigualdades sociais. Além disso, é imprescindível destacar que políticas inclusivas, focadas na redistribuição de renda e na proteção dos mais vulneráveis, são ferramentas essenciais para mitigar esses efeitos e promover uma economia mais justa e equilibrada.

É essencial capacitar cientistas econômicos para comunicar suas descobertas de forma acessível, aproximando o conhecimento técnico do cotidiano da população. Ao mesmo tempo, é urgente formar jornalistas com uma visão crítica da economia, que vá além do rentismo e das narrativas impostas por agências econômicas e indicadores financeiros.

Esses profissionais precisam entender a complexidade das políticas econômicas e seus impactos sociais, questionando dogmas como a austeridade fiscal e traduzindo os debates econômicos para um público mais amplo. Essa dupla capacitação – de cientistas e jornalistas – é fundamental para criar uma ponte entre o saber especializado e a sociedade, permitindo que decisões econômicas sejam discutidas de maneira mais democrática e inclusiva.

Como dizia Keynes, “a dificuldade não está em desenvolver novas ideias, mas em escapar das antigas”. É preciso, portanto, resgatar uma visão de economia que esteja verdadeiramente a serviço da sociedade. Keynes, Smith e Marx, cada um a seu modo, nos ensinaram que a economia não deve ser tratada como um fim em si mesma, mas como um instrumento para promover o bem-estar coletivo. Enquanto o mercado especulativo permanecer como a voz predominante no debate econômico, as conquistas sociais serão distorcidas e apresentadas como ameaças e não como avanços. Nesse contexto, o Brasil seguirá prisioneiro de um modelo que concentra riqueza em poucos, enquanto perpetua desigualdades e marginaliza a maioria.

*Jornalista científico, doutorando em Demografia pelo Programa de Pós-graduação em Demografia da UFRN (PPGDEM).

**Doutor em Economia; professor de Economia da UERN; vice-coordenador do Programa Pós-graduação em Economia (PPE/UERN).

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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Allyson termina 2024 em alta e com nome posto para o Governo do RN. O desafio será manter o status em 2025

Foram acachapantes 113.121 votos, o equivalente a 78,02% dos votos válidos. Isso faz de Allyson Bezerra (UB) o prefeito mais bem votado da história de Mossoró como o torna nome fortíssimo para disputar o Governo do Estado em 2026.

O ano administrativo de Allyson foi o de sempre. Muito marketing, obras que se arrastam, caos na saúde, trânsito desorganizado, crises com servidores, transporte público capenga e jogo bruto nos bastidores para abafar tudo isso e muito mais.

Allyson é um fenômeno político difícil de explicar. Entrega muito pouco para a devoção que recebe do eleitor. Há uma desproporcionalidade gigante nisso tudo.

Ainda assim, ele encerra 2024 em alta e com chances de vencer a eleição para o Governo.

Mas no meio dos ambiciosos planos de Allyson está 2025. O ano promete ser tenso para o prefeito. As contas públicas estão bagunçadas com as maquiagens feitas para conseguir empréstimos sem lastro para pagamento.

Por enquanto, ele vai abafando os problemas, mas uma hora outra a bomba vai estourar e quando isso acontecer marketing e carisma não sejam suficientes.

Por ora, Allyson pode celebrar um 2024 sensacional para ele.

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Fátima faz um governo melhor do que 2023, mas termina 2024 sem reverter a impopularidade

Com o avanço do programa de recuperação de estradas, redução da violência mês a mês a ponto de Natal conquistar o status de capital menos violenta do Nordeste e inaugurações em bloco de IERNs. Não tem como negar que a governadora Fátima Bezerra (PT) encerra 2024 com um saldo positivo e com um desempenho administrativo bem melhor que o de 2023.

Ainda tem como plus a reorganização da base aliada na Assembleia Legislativa.

Ainda assim, a governadora amarga índices de impopulares que cada vez se aproximam dos de seus antecessores Robinson Faria e Rosalba Ciarlini, que ultrapassaram a marca de 80% de desaprovação na década passada.

O que explica? Culpar a comunicação é fácil, mas é também raso. Há um problema orçamentário grave nesta área que faz com que proporcionalmente as maiores prefeituras do Rio Grande do Norte (Natal e Mossoró) possuam mais recursos nesta área.

A questão é também política. Fátima não conta com a simpatia das elites locais que controlam o fluxo de informação e isso faz com que a governadora tenha mais dificuldade de reverter.

Fátima nunca gozou de grande popularidade. Mesmo quando foi reeleita com votação recorde em 2022, sua aprovação raramente chegava a ultrapassar a marca dos 50% e a desaprovação sempre esteve com índices muito próximos.

Outro fator, é que Fátima não tem mais Robinson e Rosalba no retrovisor. A comparação é com seu primeiro governo que foi muito superior aos dos antecessores.

Ainda assim, Fátima sobreviveu em 2024 a uma queda brutal na arrecadação do ICMS e conseguiu melhorar em pontos críticos.

Em 2025, com mais recursos graças ao retorno da alíquota de 20% do ICMS e com a casa mais arrumada ela tende a melhorar.

A governadora não tem direito de errar em 2025 se quiser fazer o sucessor e se eleger senadora.

 

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Transição Energética no Plano de Negócios Petrobras 2025-2029

Por Pedro Lúcio Góis*

A Petrobras, tradicionalmente associada à produção de petróleo e gás, tem demonstrado um compromisso crescente com a transição energética. Seu Plano de Negócios 2025-2029, aprovado no final de novembro deste ano, reflete essa mudança, com um investimento previsto de US$ 16,3 bilhões em iniciativas relacionadas à descarbonização. Essa cifra representa uma parcela significativa do investimento total da empresa para o período, sinalizando uma busca por diversificação e sustentabilidade.

A iniciativa da Petrobras se insere em um contexto mais amplo de transição energética global e de políticas públicas que incentivam a busca por fontes de energia mais limpas e renováveis. O governo brasileiro, por sua vez, estabeleceu metas ambiciosas para o setor energético, com investimentos previstos de R$ 200 bilhões até 2028 e R$ 2 trilhões ao longo de uma década. Essa sinergia entre as ações da empresa e as políticas governamentais cria um ambiente favorável para a aceleração da transição energética no país.

É importante destacar que a transição energética representa um desafio complexo e multifacetado. A Petrobras, assim como outras empresas do setor, enfrenta a necessidade de equilibrar a exploração de recursos fósseis com o desenvolvimento de novas tecnologias e a redução das emissões de gases de efeito estufa. A implementação do Plano de Negócios 2025-2029 exigirá um esforço contínuo de inovação, investimento e adaptação às mudanças do mercado.

Em suma, a Petrobras está assumindo um papel de liderança na transição energética no Brasil. Ao direcionar uma parcela significativa de seus investimentos para iniciativas de descarbonização, a empresa demonstra sua capacidade de se adaptar a um novo cenário energético e de contribuir para um futuro mais sustentável. No entanto, o sucesso dessa transição dependerá da continuidade das políticas públicas de apoio, do desenvolvimento de tecnologias inovadoras e da capacidade da empresa de superar os desafios inerentes a esse processo.

*É dirigente do Sindipetro/RN, da FUP e da CTB, bacharel em Direito pela UFERSA, especialista em Direitos Humanos pela UERN e empregado da Petrobrás.

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Vidi, vivi e Vini… Vini de Vinícius Júnior!

Por Tales Augusto*

Depois de uma temporada mágica pelo Real Madrid (2023-2024), Vinícius Júnior, jogador brasileiro de futebol, era cogitado para ser eleito pela Revista France Football como o Melhor Jogador da temporada com o prêmio Bola de Ouro. Todavia, não foi isto que aconteceu e ainda temos muito a falar, analisar e pensar. Por quais motivos o que vimos em campo, não foi tão valorizado ou na verdade, foi e muito levado como valor ou valores a serem vistos e condenados a tal ponto dele ser preterido? Contudo, é importante frisar que Rodri, eleito pela revista, não é de todo uma injustiça ele ter sido eleito.

Criança pobre de São Gonçalo, na sua formação, saiu da base do Flamengo e ridicularizado por muitos jornalistas e comentaristas esportivos quando o maior time do mundo (em títulos, é necessário dizer) o contratou. Vinícius Júnior ou simplesmente Vini Jr, viveu um início complicado e até mesmo sendo levado a ser contestado que foi um erro sua compra. De Zidane para Ancelotti, Vini se tornou peça fundamental no time merengue e ainda por cima, marcando gols em duas finais de Champions e sendo campeão em ambas. Nesta temporada, tudo levava a crer que seria escolhido o Melhor Jogador. Não foi isso que aconteceu e para piorar, a cerimônia de premiação pareceu ser feita especialmente para Vini Jr, especialmente para o humilhar. É necessário voltar no tempo para entender o que aconteceu e repito parte do título do texto, jamais será só futebol!

Vini Jr, sofreu desde o início com desafios. Primeiro dentro do próprio elenco, quando Benzema o preteria em relação aos colegas de clube, não só ele, mas o próprio Zidane parecia também seguir este viés. Quando da chegada de Ancelotti como técnico, o diamante não só foi lapidado, como seu valor aumentou e muito.

Todavia, tornar-se protagonista, tem seu preço e Vini Jr pagará caro por tudo isso, pagará, não pagar? Sim. Pois mexeu com um mundo que busca ser algo fora da humanidade e é ridículo. Esporte é uma invenção humana e por sua vez as práticas desportivas estão cheias de manifestações diversas que vão além do que as quatro linhas demonstram no futebol ou em outras modalidades.

Em outros textos, falei sobre as Olimpíadas do México, Muhamed Ali (Cassius Clay), a Democracia Corintiana, Maradona e a Guerra das Malvinas contra a Inglaterra na Copa do Mundo e tentei ir no amargo de um fato interessante, a Revolta de Nika no Império Bizantino que ocorreu a mais de um milênio, dentre outros assuntos desportivos.

E agora Vini Jr e seu ativismo contra o racismo na Espanha (e no mundo), que por sua vez vai além da Confederação Espanhola de Futebol, chegando, atingindo também à UEFA. Tudo somado para que ele não tivesse um palanque, holofotes maximizados para que ele pudesse falar sobre o que vivenciamos há séculos, o racismo.

Não são poucos os casos de racismo contra jogadores brasileiros na Europa e até mesmo na América do Sul. Basta lembrar o caso da seleção Argentina que venceu a Copa América e tratou de cantar hinos racistas contra os jogadores franceses e o pior, o silêncio de Messi. Vini Jr não tem o tamanho do portenho, contudo, teve a coragem de não se calar a nada e nem a ninguém. Teve a coragem de ser líder, numa questão que a maioria dos que sofrem se calam ou minimizam, não foi o caso dele, graças a Deus.

Foi vítima de atos racistas em muitos jogos, fora perseguido e até chegaram em redes sociais a incentivar o ódio contra o jogador e por sua vez, incentivando o racismo. Alguns foram presos e condenados. E recentemente defendeu após a goleada sofrida em casa pelo seu time contra o Barcelona, e foi direto na defesa dos atletas negros do time catalão em relação a manifestações racistas.

Só que os que o perseguem e não aceitam que ele além de um jogador exímio, sabem que ele não se calou e não se calará diante de tudo e todos.

Na premiação de melhor do mundo, requintes de crueldade foram feitos para que Vini Jr fosse humilhado e evidentemente não recebesse a premiação que fez jus em campo, acabando com o Jorge Weah, que em 1995, foi eleito o primeiro futebolista não europeu a receber o prêmio de Melhor jogador do mundo fosse o que entregasse a Rodri do Manchester City, o prêmio que Vini merecia. Não se contesta que Rodri foi um jogador muito bom, mas abaixo de Vini Jr na temporada.

José Calazans, saudoso jornalista da ESPN falara que “Zico não ganhou uma Copa do Mundo, azar da Copa do Mundo”. Não repito a frase, contudo, azar da revista em não o ter eleito. Mas penso que, sorte nossa, temos um craque nas quatro linhas nos jogos que nos faz gostar de futebol e um ser Humano, Demasiadamente Humano, capaz de possibilitar que tenhamos ainda fé na humanidade. E Brecht falou e é bom lembrar, “os outros só são gigantes, pois estamos de joelhos”.  Que Vini Jr jamais perca sua essência, pois ele já é gigante, dentro de um esporte racista, homofóbico, misógino, preconceituoso e que precisa demais desse jogador. Azar da France Football pela não escolha do Vini Jr? Não, pois a demonstração foi que, o que ocorre fora das quatro linhas, também conta. E jamais será só um jogo de futebol, que bom que Vini Jr sabe disso e não desistiu da sua luta.

Contudo, passado pouco tempo, Vinícius Júnior foi eleito pela FIFA o THE BEST, o Melhor Jogador do Mundo. Numa eleição onde entre seus pares, entre jogadores de futebol poderia ter inveja de dele ou discordarem da sua luta. Tolo engano, teve praticamente o dobro de votos entre os jogadores, estes que sabem de futebol e o jogam.

O menino negro, pobre de São Gonçalo, vindo da base do Flamengo, defenestrado por parte da imprensa brasileira e espanhola, tornou-se, o Melhor Jogador do Mundo. Vale ressaltar que o futebol é coletivo, é complexo (não confundir com complicado) e muitos estiveram envolvidos para ele chegar aonde chegou. Vimos que ele não esqueceu disto, pois no discurso quando recebeu o prêmio, foi direto em citar vários que o ajudaram. Não por acaso o VINI é hoje para mim, o VINI, o VINI JR.

*É servidor público federal, professor efetivo de História no IFRN Campus Apodi, escritor, poeta, pensador, Mestre em Ciências Sociais e Humanas com estudos voltados a ascensão de pessoas das classes populares através dos estudos.

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Outros natais

Por Marcelo Alves Dias de Souza*

Nesta véspera de Natal, chafurdando no site da BBC, seção de cultura, dei de cara com uma matéria cujo título dizia: “A melhor história natalina de fantasmas: como o filme de terror dos anos 1980, A Mulher de Preto, aterrorizou a Grã-Bretanha”. A matéria faz referência ao filme “The Woman in Black”, direção de Herbert Wise (1924-2015), originalmente exibido pela ITV na véspera do Natal de 1989, a partir de uma adaptação do romance homônimo, de 1983, de Susan Hill (1942-). Consta que assustadoramente arruinou o sono de muitas pessoas naquela noite de Natal. E, segundo a BBC, a tal “Mulher” representa o pináculo de uma tradição britânica de festivas estórias de fantasmas. Tem boa razão.

Com pequenas variações que decorrem das naturais adaptações, a aterrorizante estória de “A Mulher de Preto” basicamente gira em torno da experiência do jovem advogado Arthur Kipps, em viagem de trabalho, na pequena e chuvosa cidadezinha de Crythin Gifford (que, embora imaginária, estaria situada na costa leste da Inglaterra). Em dado momento, o jovem advogado vê uma estranha “mulher de preto”. Os locais temem falar do assunto. Trata-se, segundo a crença local, do fantasma de uma mãe, que em vida foi separada do filho, em busca de vingança. A vingança, para infelicidade de pais e mães, recai sobre as crianças do lugar, já que, após cada aparição da “mulher de preto”, uma ou mais delas inesperadamente morrem. Para dar ares ainda mais sombrios à coisa, boa parte da trama, temporalmente situada no começo do século XX, se passa em uma abandonada mansão, localizada em uma remota ilhota na costa, cujo acesso só é possível quando a maré está baixa. Uma ilhota tipo o Mont Saint-Michel, na Normandia francesa, algo que, aliás, embora menos conhecido, a Inglaterra também tem: o St Michael’s Mount, na Cornualha (que nome terrível!), no extremo sudoeste da Ilha Britânica. De toda sorte, os montes reais, o francês e o inglês, são belíssimos e (quase) nada aterrorizantes.

Morando/estudando em Londres, tive a oportunidade de assistir a duas “versões” de “A Mulher de Preto”. O filme “The Woman in Black”, de 2012, com direção de James Watkins (1973-) e Daniel Radcliffe (o queridinho Harry Potter) e Ciarán Hinds nos papéis principais. E a célebre peça homônima, então já há vários anos em cartaz no Fortune Theatre (bem no miolo de Covent Garden). Em dois atos, com só dois atores no elenco, esta tinha um ambiente ao estilo filme noir, onde, dentro da peça, se encenava outra peça. Com essa habilidosa mistura de “peças”, inconscientemente o espectador ficava transitando entre dois (assustadores) mundos e, em dado momento, não sabia mais se lidava com fantasmas imaginários ou reais. Adorei.

É verdade que assistir aos filmes “The Woman in Black” e (necessariamente) à peça na cidade de Londres dá um toque a mais à coisa. Tem um “espírito assustador” londrino que é sentido/vivido in loco. E esse eu conferi, já impressionado e tarde na noite, voltando para casa, cruzando estranhas ruelas e becos. A verdade é que basta olhar para o lado – ou, para os mais incrédulos, ir checar nas inúmeras publicações sobre a “Haunted London” – para se enxergar que fantasmas e Londres têm tudo a ver. Em Covent Garden mesmo, são “histórias” e mais “estórias” de violência, morte e aparições nas cercanias. Uma pequena amostra da cidade de “Jack, o estripador”, da Torre de Londres, seus enforcados e seus espíritos. Sinistro.

Mas é verdade também que, para aqueles desejosos de espantar seus fantasmas, sobretudo os imaginários, havia sempre – e ainda há – os pubs de estilo.

Bons tempos, posso dizer, embora correndo o risco de parecer demasiadamente saudosista – mas quem não o é no Natal? –, quando o mundo era grande e pequeno e, nos natais, nos preocupávamos apenas com os fantasmas festivos.

Hoje, com a terra e a vida tão estreitas, temos outras preocupações maiores. E nada sobrenaturais.

*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Um decreto inconstitucional

Por Rogério Tadeu Romano*

O decreto editado pela União Federal sobre o uso da força por policiais em todo o país se tornou mais um impasse entre o governo federal e os governadores de oposição na área de segurança pública. Publicado no dia 24.12.24, o texto prevê o uso da força e de armas de fogo apenas em último recurso.

O decreto, norma secundária, ainda afirma que a força só poderá ser utilizada quando outros recursos de “menor intensidade” não forem suficientes. O texto dá diretrizes gerais e não especifica os níveis de força que podem ser utilizados pelas polícias. Por isso, o decreto deixa explícito que o Ministério da Justiça fará normas complementares para a execução das medidas do decreto. Ainda se diz que é de responsabilidade do Ministério da Justiça financiar ações, capacitações e desenvolver materiais de referência para a implementação do decreto.

Na lição de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 648) “na teoria jurídica, “segurança” assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoal em vários campos dependente do adjetivo que a qualifica.”

Expõe ainda José Afonso da Silva (obra citada, pág. 649) que, segundo a Constituição, a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através da Policia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Policia Ferroviária, das Polícias Civis, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, consoante dita o artigo 144).

A PEC 372/2017 alterou o inciso XIV do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital.

No âmbito da segurança pública e da competência do poder público estadual, verifica-se a existência de dois níveis funcionais policiais bipartidos: 1.º a polícia administrativa da ordem pública é a que realiza a prevenção e a repressão imediata, atuando individual ou coletivamente. 2.º a polícia judiciária é a que apura as infrações pessoais e auxilia o Poder Judiciário, realizando a repressão mediata, atuando individualmente.

À polícia federal compete, na área específica do tráfico ilícito de entorpecentes, contrabando e descaminho, bem como no exercício das funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras atuar preventivamente, promovendo, na eventual ruptura da ordem pública, a sua imediata restauração, inclusive, se for o caso, atuando repressivamente. Além disso atua de forma mediata e repressiva (após a ocorrência de infração penal contra a ordem política e social ou aquelas perpetradas em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei), bem como exerce as funções de polícia judiciária da União, como abordou Antônio Carlos Carballo Blanco.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é uma das principais instituições de segurança pública do Brasil, responsável pela fiscalização e policiamento das rodovias federais.

As polícias rodoviárias estaduais são agentes dos DERs e atuam na fiscalização das rodovias estaduais.

As polícias rodoviária e ferroviária federais atuam, mediante a ação de patrulhamento na fiscalização das rodovias e ferrovias federais, respectivamente.

Com a criação das polícias penais federal, estaduais e distrital a intenção foi liberar as polícias civil e militar das atividades de guarda e escolta de presos, ou seja, haverá uma polícia especializada para cuidar das unidades prisionais, mais uma ferramenta do Estado contra o crime organizado e também mais ressocialização do interno.

As polícias civis, ressalvada a competência da polícia federal, atuam de forma mediata e repressiva (após a ocorrência de infração penal, exceto as militares), bem como exercem as funções de polícia judiciária. As polícias militares realizam o trabalho de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, exercendo, em sua plenitude o desenvolvimento das fases do poder de polícia do Estado. As polícias militares atuam preventivamente, promovendo, na eventual ruptura da ordem pública, a sua imediata restauração, inclusive, se for o caso, atuando repressivamente (Antônio Carlos Carballo Blanco).

No contexto de segurança pública estar-se-ia adequando as policias às condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando-se a formação profissional e orientação para obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independentemente de sua condição social.

Passaram-se mais de 35 anos da promulgação a Constituição e o tema da segurança pública hoje é daqueles que mais afligem à população.

Segundo o portal BRASIL PARALELO, em publicação de 4 de outubro de 2023, “os dados de segurança pública no Brasil são alarmantes. Os números de assassinatos anuais superam os registros de guerras como a Guerra do Vietnã. O brasileiro médio vive constantemente com medo e receio. Das 50 cidades mais perigosas do mundo, 10 estão no Brasil. Até a Venezuela perde para o Brasil neste ranking.”

Em 2018, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgou que, em 2017, 63,8 mil pessoas foram assassinadas. Isso representaria 7 pessoas mortas a cada 1 horas no país.

Para Antônio Carlos Carballo Blanco (Sistemas e Funções de Segurança Pública no Brasil) “os indicadores de desenvolvimento da sociedade brasileira, ao longo dos últimos 50 (cinqüenta) anos, demonstram, no âmbito da perspectiva do conflito, algumas condicionantes, desequilíbrios e desigualdades sócio-econômicas, que concorrem, direta ou indiretamente, para o agravamento do atual quadro de fragmentação social, geralmente “protagonizado” pelas taxas e índices de criminalidade e violência. O fluxo migratório para as grandes cidades associado a ocupação desordenada do solo urbano, o desemprego associado a situação de distribuição de renda, o apelo ao consumo aliado as péssimas condições de infraestrutura, equipamentos urbanos e serviços públicos vivenciada pelas comunidades populares que vivem em favelas, as demandas por cidadania associadas ao modelo institucional de distribuição de justiça e prestação jurisdicional são algumas das condicionantes que contribuem para o agravamento da segurança pública e comprometem a estabilidade das instituições democráticas.”

Estabelece o art. 144 da CF: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Mas, data vênia, essa competência não é comum, seja para editar normas ou a prática de serviços.

A Constituição não designou à União Federal uma competência privativa para estabelecer políticas gerais, diretrizes, gerais com normas gerais enquanto caberia aos Estados e ao Distrito Federal uma competência suplementar em matéria de segurança pública. Daí porque o citado Decreto, extrapolando sua competência, é inconstitucional.

Quanto ao sistema de execução de serviço, destaca, outrossim, José Afonso da Silva(obra citada, pág. 415) que há o sistema imediato, segundo o qual a União e os Estados mantêm, cada qual, sua própria administração, com funcionários próprios. independentes uns dos outros e subordinados aos respectivos, governos, como nos Estados unidos, Argentina, no México.

O sistema brasileiro é de execução imediata. União, Estados, Distrito Federal e Municípios mantém, cada qual, seu corpo de servidores públicos, destinados a executar serviços das respectivas administrações, como se observa da leitura dos artigos 37 a 39.

Dir-se-ia que o decreto editado na matéria pela União é orientativo. Data vênia a norma jurídica não tem por desiderato, meramente orientar, mas prescrever. A União Federal não pode prescrever aos demais entes sociais o que fazer em segurança pública, nem como executar esses serviços. Aqui, não há primazia da União com relação a edição de normas gerais. Tudo isso a pretexto de que uma unidade federativa, Estado ou Distrito Federal, receba, se cumprir o decreto, verbas federais.

A Constituição, porém, incumbe à lei complementar, norma primária, fixar normas para cooperação, entre essas entidades federativas, tendo em vista o equilíbrio no âmbito nacional da segurança pública.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Dois novembros: comparando Brasil e Estados Unidos

Por Alan Lacerda*

As comparações entre Brasil e Estados Unidos são mais longevas do que se pensa. De fato, precedem o Grito do Ipiranga. Em 1817, o presidente James Monroe enviou Henry Brackenridge em uma missão especial à América do Sul, quando o Brasil ainda fazia parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Impressionado com a vastidão dos recursos à disposição do país prestes a se tornar independente, o emissário descreveu em 1819 a sensação de orgulho que tinha como americano diante do glorioso destino do império sul-americano. Ao mesmo tempo, concluiu que não seria visionário predizer que no futuro o Brasil seria um rival dos Estados Unidos.

A previsão não se concretizou. Por maior e mais populoso que seja o país lusófono, os Estados Unidos conformam o “império” que de fato enriqueceu e estendeu sua influência sobre o globo terrestre. O Brasil não tem como ser rival dos EUA, pelo menos no futuro previsível, em termos geopolíticos e econômicos. Todavia, em uma área podemos falar de superioridade real sobre os americanos: a das instituições políticas como barreiras ao autoritarismo. Ela não envolve, claro, a rivalidade geopolítica temida por Brackenridge, mas a simples constatação de que o Brasil opera melhor no freio a líderes autoritários.

Os EUA optaram eleitoralmente neste mês pelo retorno ao poder de um líder autoritário cujo abuso de poder é notório, culminando no seu primeiro mandato em um conjunto de tentativas de subverter a eleição de 2020. Tais tentativas podem e vêm sendo descritas em parte da literatura especializada como um autogolpe estendido no tempo, felizmente malsucedido. Derrotado no referido pleito, Donald Trump não reconheceu o resultado e ainda incitou a lamentável insurreição de 6 de janeiro de 2021. Mesmo após dois impeachments, diversos indiciamentos e uma condenação, pôde concorrer regularmente na eleição de 2024 e vencê-la.

No Brasil, um líder menos competente, mas não menos autoritário, também foi derrotado em sua tentativa de reeleger-se. O abuso de poder foi igualmente detectado após sua saída do cargo, consistindo na disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, planos mal disfarçados de autogolpe, a busca canhestra de apoio militar para sua execução e o incitamento a acampamentos golpistas. Jair Bolsonaro já havia sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral. No mesmo mês em que se deu o triunfo de seu inspirador em Washington, um indiciamento da Polícia Federal o atinge agora frontalmente. A acusação, por enquanto uma alegação de investigadores, caminha para se tornar uma denúncia formal robusta do Ministério Público, envolvendo vários crimes. Não sabemos se Jair Bolsonaro ganharia a eleição de 2026, para a qual não está apto a concorrer – e não precisamos saber. Certamente a direita nacional possui outros nomes viáveis, mesmo que ao final seja alguém com o apoio do ex-presidente. O Partido Republicano, ao qual Trump é filiado, também não carece de nomes alternativos comprometidos com o jogo democrático.

Alguns poderão dizer que nosso sistema institucional é mais paternalista com o eleitor do que o americano. O ponto é pertinente. No tocante a líderes autoritários, no entanto, que não acreditam nas regras do jogo democrático e as desrespeitam quando têm uma chance, o paternalismo institucional se justifica. A vitória desses líderes afeta negativamente a natureza do regime democrático-liberal e provoca dúvidas sobre a validade da própria alternância eleitoral. Os Estados Unidos passarão, de novo, por quatro anos de erosão autoritária; o Brasil reduziu muito a probabilidade de esse cenário vir a ocorrer após a próxima eleição presidencial. No fim, Brackenridge poderia se orgulhar disso como americano, no sentido amplo deste termo.

*É cientista político e professor da UFRN.

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As forças armadas não são poder moderador

Por Rogério Tadeu Romano*

A discussão sobre a questão da tutela militar no Brasil é antiga.

Lembrou Camila Rocha (O Brasil não tolera mais tutela militar, publicado no portal da Folha, em 24.11.24):

“A questão é antiga. Segundo o historiador Paulo Ribeiro da Cunha, antes da Proclamação da República, que completou 135 anos no último dia 15, o barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, já se preocupava com o tema. Por conta disso, enviou ao visconde de Ouro Preto, último primeiro-ministro, livros vindos da Europa sobre sujeição dos militares ao poder civil para que fossem traduzidos e adotados nas escolas militares. Porém a iniciativa não teve a menor chance de prosperar. Bastou um rumor infundado de que havia a intenção de dissolver o Exército para que um levante militar botasse fim à monarquia.

Desde então, governos civis que se seguiram, à esquerda e à direita, sempre foram tutelados por militares. Segundo o historiador Daniel Aarão Reis, quando Getúlio Vargas instaurou a ditadura do Estado Novo em 1937, os militares estavam entre as principais bases de sustentação do regime. Em 1945, também foram os militares que depuseram Vargas e tornaram-se fiadores da” democracia autoritária “vigente até 1964. Lembrando que, durante esse período, o general Eurico Gaspar Dutra chegou a se tornar presidente e as Forças Armadas continuaram a protagonizar golpes, contragolpes e ameaças de intervenção.”

Trago a lição do ministro aposentado Celso de Mello (Plano de assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes: a história repetindo-se como farsa, in blog do Fausto Macedo):

“A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas – ADVERTEM os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira , “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Pre- sidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) – busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos :

“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;

  1. b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;
  2. c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;
  3. d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis] ; e
  4. e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”

O artigo 142 da Constituição Federal diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Diga-se que a chamada teoria de que as Forças Armadas detêm o chamado poder moderador é uma falácia.

Lembro que Alfred Stepan (Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira, pág. 1975) apontou que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atuado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 1946-1964, tendo em vista as intervenções militares “cirúrgicas” nos momentos de graves crises nacionais ocorridos em 1954, 1955 e 1961. Nessa leitura, as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem, responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise.

Na mesma linha, na Alemanha tinha-se a posição de Schmitt. Para ele, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força. Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.

Ora, como poderiam as Forças Armadas, naquele triste momento da história brasileira, exercer o papel de árbitro, uma vez que defendia nítidos interesses em prol do capitalismo, do anticomunismo, e estava em aliança com as grandes elites econômicas?

As estreitas vinculações entre setores civis e militares, e especialmente entre elites jurídicas e militares, pavimentaram o caminho para a consolidação do regime ditatorial pós-1964, inclusive, levando em conta que as elites econômicas manifestaram seu apoio a edição do AI- 5, pelo governo militar, em expressivo registro daquele período histórico.

A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.

Em 1976, quando se vivia sob a ditadura militar, sob a égide da Emenda Constitucional nº 1/69, pensou-se em fixar o Poder Moderador.

Os militares já tinham essa ideia de exercê-lo, por via das Forças Armadas.

Tem-se no modelo ditatorial de 1967, com as mudanças outorgadas em 1969, que as Forças Armadas tinham o papel político e policial.

A Constituição de 1988 não admite um poder moderador.

“Concluímos pela inexistência do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas, bem assim pela inconstitucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício independente dos Poderes da República”, afirma o parecer, assinado pelo então presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.

O documento também é subscrito pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e por Gustavo Binenbojm, membro da comissão.

Para a OAB, a Constituição não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição”.

“Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”, destaca o parecer.

Destaco ainda daquela douta manifestação:

“Ao contrário, como muito bem exposto por Seabra Fagundes (As Fôrças Armadas na Constituição. RDA 9/1947, p. 1-29, jul./set., 1947. p. 12) com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição. Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”

A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.

Esse entendimento levaria ao retorno das ideias de 1937 e dos Atos Institucionais que rasgaram a Constituição de 1946, no sentido de que as Forças Armadas seriam a garantia dos poderes institucionais tendo poder de intervir. Ora, isso não se amolda à Constituição-cidadã de 1988, que renega a ideia de que o poder civil é uma concessão do poder militar. Ficaria a sociedade entregue aos ditames militares, o que é uma afronta à democracia.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.