Categorias
Artigo

O chamado caso das joias

Por Rogério Tadeu Romano*

 

Segundo o G1 Política, em 5.7.24, a Polícia Federal concluiu a investigação e atribuiu ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) crimes que, somados, têm penas que podem alcançar 25 anos de prisão. De acordo com a PF, Bolsonaro cometeu crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa e peculato, que consiste na subtração ou desvio, por funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem de que tem a posse em razão do cargo.

A Polícia Federal, em inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o dinheiro das joias sauditas, vendidas ilegalmente por auxiliares de Jair Bolsonaro, entrou para o patrimônio do ex-presidente e que ele tinha conhecimento de leilão para vender os itens.

A matéria passou por vários atos normativos, como bem demonstrou o portal de notícias do Estadão, em reportagem, em 10.7.24.

Sancionada pelo então presidente Fernando Collor e o ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, a primeira legislação sobre o tema foi publicada em dezembro de 1991. A Lei Brasileira dos Acervos Presidenciais dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República. Nela foi criada a Secretaria de Documentação Histórica da Presidência da República.

Decreto publicado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) regulamentou o recebimento de presentes pelos chefes do Executivo federal e estabeleceu o que deve ir, ou não, para o acervo privado dos presidentes. De acordo com a regra, “documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes”, como viagens de Estado ou visitas oficiais, pertencem à União. A principal mudança de 1991 para 2002 foi a definição mais clara sobre a natureza pública dos presentes recebidos durante o mandato presidencial, diferentemente da lei anterior que não especificava isso detalhadamente.

Em novembro de 2018, portaria publicada pela Secretaria-Geral da Presidência da República durante o mandato de Michel Temer define o que são itens de natureza personalíssima ou de consumo direto. Segundo o texto, são bens que se destinam ao uso próprio do recebedor, a exemplo de condecorações, vestuários, roupas de cama, artigos de escritório, joias, semijoias e bijuterias.

A Secretaria-Geral da Presidência da República revogou, em novembro de 2021, a portaria publicada na gestão Temer que definia joias, semijoias e bijuterias como itens de caráter personalíssimo. O novo texto não dispõe um rol do que seria essa categoria.

Finalmente, Plenário do TCU determinou cautelarmente que Bolsonaro entregue joias sauditas e as armas presenteadas pelos Emirados Árabes Unidos. O presidente do Tribunal, ministro Bruno Dantas, afirmou que “de acordo com a jurisprudência desta Corte de Contas desde 2016, para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário”.

O TCU notificou a Secretaria-Geral da Presidência da República sobre a necessidade de ex-ministros de Bolsonaro devolverem relógios de luxo recebidos durante uma viagem oficial a Doha, no Catar, em 2019. Relator do processo, o ministro Antonio Anastasia afirmou que o recebimento de presentes caros extrapola os “princípios da razoabilidade e da moralidade pública”, previstos na Constituição.

O ex-presidente da República foi indiciado, dentre outros delitos penais, pelo crime de peculato, como já afirmado, pela Polícia Federal. Teria havido um peculato-apropriação.

Foi dito que os valores foram incorporados ao patrimônio de Bolsonaro em dinheiro vivo, o que pode configurar o crime de lavagem de dinheiro. Os presentes desviados foram avaliados em pelo menos R$ 6,8 milhões, como foi dito.

Estar-se-ia, para tais conclusões, diante de uma norma penal em branco, salvo melhor juízo.

Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fábio M. de Almeida Delmanto (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 9) ensinam que normas penais em branco “são assim chamadas as leis que não possuem definição integral, necessitando ser complementadas por outras leis (decretos ou portarias). Costumam ser divididas em: a) Homogêneas (ou normas em branco em sentido lato), quando são complementadas por normas originárias da mesma fonte ou órgão; b) Heterogêneas (ou normas em branco em sentido estrito), quando seu complemento provém de fonte ou órgão diverso.”

A regra ou ato integrativo de norma penal em branco, para ser eficaz, há de ser anterior à ação criminosa (SRF, RTJ 120/1095).

Na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 76), “as normas penais em branco apenas conferem ao órgão legislador extrapenal a possibilidade de precisar o seu conteúdo, fazendo-0, por inúmeras vezes, com maior rigor e mais detalhes do que os denominados tipos abertos, que dependem da imprecisa e subjetiva interpretação do juiz”.

Disse Paulo José da Costa (Comentários ao Código Penal, volume I, 2ª edição, pág. 9) que “não são as normas em branco incompletas ou imperfeitas. Faltam-lhes apenas, como ensina Leone, concreação e atualidade. Não se trata pois de uma sanção cominada à inobservância de um preceito futuro, mas de um preceito genérico, que irá concretizar-se com um elemento futuro, que deverá, entretanto, proceder o fato que constitui crime”.

Por outro lado, Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 50) ensinou:

“Referem-se os doutrinadores às chamadas normas penais em branco (ou leis penais em branco). Enquanto a maioria das normas penais incriminadoras é composta de normas completas, possuem preceito e sanções integras de modo que sejam aplicados sem a complementação de outras, existem algumas com preceitos indeterminados ou genéricos, que devem ser preenchidos ou completados. As normas penais em branco são, portanto, as de conteúdo incompleto, vagos, exigindo complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria, etc) para que possam ser aplicadas ao fato concreto. Esse complemento pode já existir quando da vigência da lei penal em branco ou ser posterior a ela.”

Ainda no ensinamento de Mirabete (obra citada) as leis penais em branco em sentido estrito, não afetam o princípio da reserva legal, sempre haverá uma lei anterior, embora complementada por regra jurídica de outra espécie.

O caso narra crime funcional cometido por funcionário público.

Os chamados crimes funcionais cometidos por funcionário público, dividem-se: a) em próprios; b) impróprios.

Nos crimes funcionais próprios, a qualidade do funcionário público é elementar do tipo. Ausente a qualidade de servidor público a conduta é atípica: concussão, corrupção passiva, prevaricação.

Nos chamados crimes funcionais impróprios, observa-se que o fato seria igualmente criminoso mesmo se fosse cometido por particular. É o caso do peculato, que se for cometido por particular, e não por aquele, é crime de apropriação indébita, sendo crime contra o patrimônio.

Nas Ordenações Filipinas, no livro V, Título 74, tratava-se do crime dos oficiais del Rei que furtam, ou deixam perder sua fazenda por malícia, impondo-se a pena que era cominada aos ladrões.

O Código de 1830 (artigo 170) previa o peculato entre os crimes contra o tesouro público e a propriedade pública, punindo-o com perda do cargo público, prisão com trabalho por 2 (dois) meses a 4 (quatro) anos e multa de 5 (cinco) a 20 (vinte) por cento da quantia ou valor dos efeitos apropriados, consumidos ou extraviados.

O primeiro Código Penal republicano o incluía entre os crimes contra a boa ordem e a administração pública.

A Consolidação das Leis Penais tratou do crime de peculato.

Em direito comparado, tem-se, na Itália, o crime de apropriação indébita funcional e ainda, na Suíça, no Código Penal, artigo 140, alínea 2, tem-se a apropriação indébita qualificada.

Na Itália, chama-se o crime pela palavra malversação, como se vê a partir do Código Zanardelli (1889).

Comete o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, o agente público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou os desvia, em proveito próprio ou alheio.

O agente deverá ter a posse que lhe foi confiada em razão do cargo, ou seja, em virtude de sua competência funcional.

O peculato diz respeito a coisas fungíveis ou infungíveis. Envolve o que o Código Toscano, no artigo 56, chamava de quebra de caixa, que se configurava quando o funcionário deixava de apresentar os dinheiros devidos na época da respectiva prestação de contas.

Pratica o peculato o servidor que se apropria de bem público.

Pressuposto do crime é o fato de que o agente tenha a posse legítima de coisa móvel (dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Não é a posse civil bastando a detenção.

Se o sujeito ativo não tiver a posse estamos diante de peculato-furto, previsto no artigo 312, § 1º, do Código Penal.

A posse da coisa, poder de disposição, deve resultar do cargo, sendo indispensável uma relação de causa e efeito entre o cargo e a posse.

A conduta deve recair sobre os objetos móveis enumerados pela lei penal. Se não for assim estar-se-ia perante uma conduta atípica.

São condutas típicas para efeito do crime de peculato: apropriação ou desvio, podendo o tipo configurar-se mediante o dolo específico, principalmente com relação ao peculato-desvio.

Apropriar-se significa assenhorear-se da coisa móvel, passando dela a dispor como se fosse sua.

Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão de que lhe foi entregue ou confiada ao agente.

Data máxima vênia de entendimento contrário não se trata de hipótese de erro de proibição a aplicar-se, para o caso, na conduta do ex-presidente.

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

  1. a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;
  2. b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
  3. c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;
  4. d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.

Bem lembrou Luciano Schiappassa (Qual a diferença entre o erro de permissão e o erro do tipo permissivo, in Ius Brasil, publicado por Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes):

“Para a doutrina, o erro de tipo permissivo está previsto no artigo 20 , § 1º do CP , segundo o qual “é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima . Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

A análise do tema exige certa compreensão acerca das teorias da culpabilidade. Para a teoria limitada da culpabilidade, se o erro do agente incidir sobre uma situação fática que, se existisse, tornaria a conduta legítima, fala-se em erro de tipo (erro de tipo permissivo); mas, se o erro recair sobre a existência ou, os limites de uma causa de justificação, o erro é de proibição (erro de proibição indireto/ erro de permissão). Em contrapartida, a teoria extremada da culpabilidade não faz qualquer distinção, entendendo que, tanto o erro sobre a situação fática, como aquele em relação à existência ou limites da causa de justificação devem ser considerados erros de proibição, já que o indivíduo supõe lícito o que não é.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo (Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, pág. 267) coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade (ou ilicitude). O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime (fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo (artigo 20 do CP) e erro de proibição.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa. Para o fato, tudo indica, pelo informado no relatório da Polícia Federal, havia consciência da ilicitude do fato.

Para que um presente possa ser incorporado ao patrimônio pessoal da autoridade é necessário atender a um binômio: uso personalíssimo, como uma camisa de futebol, e um baixo valor monetário, o que não é o caso narrado.

Teriam sido afrontados diante da conduta historiada os princípios da moralidade e da razoabilidade, o que destaca a ação delituosa e o seu injusto.

Não se está diante de um erro do agente que incidiria sobre uma situação fática que, se existisse, tornaria a conduta legítima.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

Categorias
Foro de Moscow

Foro de Moscow 11 jun 2024 – Novo escândalo das joias envolvendo Bolsonaro

Categorias
Artigo

Confissão e delação premiada

Por Rogério Tadeu Romano* 

I – O FATO

Segundo o site Antagonista, em 29.8.23, o tenente-coronel Mauro Cid indicou ontem a agentes da Polícia Federal que pretende de fato colaborar com as investigações e que vai confessar sua participação no esquema de venda de joias destinadas à Presidência da República.

Agora, os integrantes da PF trabalham para que Cid faça uma delação premiada.

Ainda nos informa o blog da Andrea Sadi, em 30.8.23, que Mauro Cid, braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos, deve apresentar à Polícia Federal detalhes sobre reuniões e conversas para efetivar um golpe de estado que visava manter o ex-presidente no poder após a derrota nas eleições.

O depoimento de Mauro Cid à polícia federal durou dez horas. Certamente não foi durante esse tempo para dizer “que não iria falar”.

Como investigado ele pode alegar que não pode produzir prova contra si mesmo, mas como testemunha não pode se eximir de dizer a verdade.

Fontes ouvidas por aquele blog afirmam desconhecer, por ora, um acordo de delação premiada de Cid. Além disso, como o blog já revelou, ao confessar episódios, Cid relata reuniões e conversas que testemunhou. No entanto, ele não necessariamente acusa ninguém.

Agora, à PF, ele deve detalhar quem são os militares e outros ex-ministros e funcionários do governo Bolsonaro que participaram das tratativas que se deram, entre outras localidades, no Palácio da Alvorada em dezembro passado.

II – A CONFISSÃO

Sabe-se que na matéria há a Súmula 545 do STJ:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

Como disseram Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 131) “antes da reforma penal de 84, esta atenuante exigia, como requisito, que a confissão fosse referente a delito cuja autoria era ignorada ou atribuída a outrem. A partir de então, foi dispensado esse requisito.”

A lei requer que a atenuante de confissão seja espontânea.

Não importa o motivo que levou o agente a confessar a autoria. A confissão que vale deve ser feita em juízo, pois se feita na fase do inquérito e desfeita na fase do processo, não se sustentará (STF, RTJ 146/210).

É certo que Luiz Carlos Betanho (RT 683/281) nos ensinou que “confessar a autoria não é a mesma coisa que confessar o crime. Para a atenuante basta a confissão da autoria”.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 424) “confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento voluntária, expressa e pessoalmente diante da autoridade competente, em ato solene e púbico, reduzido a termo, a prática de um ato criminoso”. Nesse sentido ainda disse Guilherme de Souza Nucci (O valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal, pág. 76).

Repita-se que a confissão deve ser voluntária, ou seja, livremente praticada e sem qualquer coação. Entretanto, para servir de atenuante, deve ser ainda espontânea, vale dizer sinceramente desejada, de acordo com o íntimo do agente.

Ainda na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 425): “Acrescentamos, ainda, que confundir a espontaneidade com mera iniciativa do agente, enquanto voluntariedade seria agir livre de qualquer coação, embora sem iniciativa próprias, mas sob sugestão de terceiros, ao que nos parece, é dilapidar a diferenciação entre os dois termos, construída ao longo de muito tempo, pela doutrina pátria.”

Trata-se de uma admissão incondicionada da prática do delito.

Para Roberto Reynoso D’ Avila (Teoria general del delito, pág. 312) sobre o instituto: “voluntário é ato que, nascido ou no interior do sujeito, é aceito por ele”.

Já se entendeu que a confissão espontânea da autoria do crime, pronunciada voluntariamente ou não pelo réu, atua como circunstância que sempre atenua a pena, mas não pode conduzir à redução da pena já fixada no mínimo legal (STF, RT 690/390). É de aplicação obrigatória, desde que a pena-base, fixada acima do mínimo, permita a redução (STF, HC 69.328, DJU de 5 de junho de 1992, pág. 8430).

Já se disse, outrossim, que a atenuante de confissão servindo, de forma destacada, para o deslinde do feito, alicerçando o decreto condenatório, pois, deve ser reconhecida (STJ, RT 779/544).

Ensinou Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 293) que “para o reconhecimento da atenuante é necessário que a confissão seja completa, não ocorrendo quando o acusado, admitindo a prática do fato, alega, por exemplo, uma discriminante ou dirimente. Embora a confissão seja cindível, a existência da atenuante depende não de mera conduta objetiva, mas de um motivo moral, altruístico, demonstrando arrependimento etc. (RT 608/301. Mas o STJ já decidiu em contrário, aceitando a atenuante na hipótese: RT 699/377).”

Disse Julio Fabbrini Mirabete (Obra citada, pág. 293); “Atenua a pena, também, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime(art. 65, III, d). Beneficia-se, como estímulo à verdade processual, o agente que confessa espontaneamente o crime, não se exigindo, como na lei anterior, que o ilícito seja de autoria ignorada ou imputada a outrem. Não basta a confissão para a configuração da atenuante, é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea. “

Ainda para Mirabete (obra citada) “não basta a confissão para a configuração da atenuante; é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea (RT 634/333, 654/306).”

Enio Luiz Rosseto (Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014, p. 159-160) disse:

“O fundamento da atenuante é que o agente revela arrependimento do ato criminoso que praticou e há necessidade de valorar positivamente a conduta do agente que toma a iniciativa de procurar, por conta própria, as autoridades poupando-as de complexas e às vezes difíceis investigações para chegar à autoria e abreviando desse modo, em benefício da administração da Justiça, a celeridade dos respectivos procedimentos”.

Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de direito penal: parte geral. 27. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 386) nos ensinou: “A confissão, antes da Reforma de 1984, era admitida somente quando se referisse a crime cuja autoria fosse ignorada ou atribuída a outrem. Agora, essa exigência desapareceu, sendo suficiente a confissão da autoria. Confissão é fato, valorada como fato, enquanto fato, e tem caráter objetivo, não estando condicionada a nenhuma exigência formal ou processual, ao contrário do que começou a entender a jurisprudência dos tribunais superiores. Ademais, é irrelevante que a confissão seja incompleta ou completa, espontânea ou voluntária. A confissão pode ocorrer perante a autoridade policial ou judicial, indiferentemente. Embora a lei fale em confissão espontânea, doutrina e jurisprudência têm admitido como suficiente sua voluntariedade”.

A Terceira Seção do STJ fixou a tese de que a confissão é uma das circunstâncias legais preponderantes, por se relacionar à personalidade do réu, compensando inclusive a reincidência.

III – A DELAÇÃO PREMIADA

É diversa a delação premiada.

A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê do artigo 4º do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98. Mais, recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.

Como disse Marcella Sanguinetti Soares Mendes (A delação premiada com o advento da Lei nº 9.807/99, in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.98, março 2012), “o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime”.

Pode ocorrer durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Mas, na prática, será mais comum ocorrer na fase inquisitiva, do inquérito policial.

A delação premiada, ainda chamada de confissão delatória, se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação de um fato criminoso a terceiros.

A demasiada valoração da confissão do acusado, remonta aos modelos processuais penais autoritários, que conduzem um processo visando tão somente à condenação dos acusados.

De toda sorte, vale como meio de prova durante a instrução processual em que, através do devido contraditório, deve ser objeto de avaliação com os demais meios de instrução.

É nítida a importância da colaboração premiada: a uma, na identificação dos demais coautores ou partícipes da organização criminosa e das infrações penais práticas; a duas, na revelação da estrutura hierárquica e sua divisão de tarefas na organização criminosa; a três, na recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a quatro, na localização de eventual vítima com sua identidade física preservada.

Pode o Ministério Público deixar de apresentar denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou ainda for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei.

Porém, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

O artigo 5º da Lei 12.850 enumera alguns direitos do colaborador, que não são taxativos, destacando-se o direito a proteção pelas autoridades e ainda não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografo ou filmado sem sua autorização por escrito, e participar de audiências sem contato visual com os outros acusados.

Observa-se também uma inclinação do processo penal brasileiro em tratar o acusado como objeto da investigação e não como sujeito de direitos, incentivando para que o acusado abra mão de um dos seus principais direitos, o de permanecer em silêncio.

O parágrafo quinto do artigo 1º da Lei 9.613/98 foi alterado pela Lei 12.683/12, com o objetivo de ampliar as hipóteses de ocorrência da chamada delação premiada. Àquele que colaborar espontaneamente com as investigações e prestar esclarecimentos que auxiliem na apuração dos fatos, na identificação dos agentes da lavagem do dinheiro ou na localização dos bens, será beneficiado com a redução da pena, sua extinção ou substituição por restritiva de direitos.

O dispositivo, como se sabe, trata da colaboração espontânea nos crimes de lavagem de dinheiro. Estabelece os seus requisitos e consequências jurídicas, com relação a pena a ser aplicada, até admitindo a não aplicação da pena.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações. O juiz não deve participar ou presenciar a delação, sob pena de colocar em risco a sua imparcialidade objetiva.

De toda sorte aquele que faz a delação premiada (meio de prova) deve provar o que diz, sob pena de não ter os benefícios previstos pela lei penal e ainda responder por eventuais denunciações caluniosas.

IV – CONCLUSÕES

Acompanhemos essas revelações do tenente-coronel Mauro Cid que são vitais para o entendimento dessa página tenebrosa que se passou na história do Brasil.

Afinal, quem estava à frente da tentativa de golpe contra as instituições democráticas no Brasil? Quem comandou e ainda estava no concurso de agentes na criminosa falsificação de atestados de vacinação para favorecer o ex-presidente e outras pessoas? Quem participou do chamado “escândalo das joias”, em conduta que se insere nos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa?

É competente a Justiça Comum, para o caso o STF, para decidir com relação a condenação de militares com relação a crimes comuns ou ainda políticos e conexos (conexão instrumental).

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.

O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.

O tribunal fixou a seguinte tese:

1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, “b”, do Código Penal, respectivamente.

2) Nos termos do artigo 125, §4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Chupa, Chopard

Por Paulo Afonso Linhares*

O que difere o “homo sapiens” dos seus ancestrais  primatas certamente é a sua capacidade guiar sua existência por valores que derivam de escolhas valiosas, que se tornam as metáforas das diversas eras das sociedades humanas, aliás, fenômenos  captados pela sensível poética de Archibald MacLeish,  no seu “Methaphor”, quando afirma que “ um mundo termina quando sua metáfora está morta”. Metáforas nada mais são do que valores aceitos e que compõem um arcabouço ético imprescindível à vida social.

Com efeito, uma questão revisitada com frequência cada vez maior refere-se  ao agir dos cidadãos que, ungidos pelo voto popular, ocupam relevantes cargos de gestão ou de controle da máquina público-administrativa.

A estes o “sarrafo” ético-político eleva-se o décuplo daquele exigido dos ditos “mortais comuns”: a ética pública, nas sociedades democráticas, impõe aos agentes políticos padrões de comportamento social bem mais rígidos do que os impostos aos cidadãos comuns. Importante notar, por exemplo, que nas monarquias constitucionais europeias essa ética política atingiu níveis inimagináveis, como a proibição das famílias reais opinar sobre temas políticos, como ocorre, sobretudo, no Reino Unido da Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda.

No entanto, mesmo nas repúblicas em que tem vigência o estado democrático de direito, os ocupantes de cargos políticos relevantes devem pautar-se por padrões ético-jurídicos compatíveis à sua condição. Assim, a um presidente da República, governador de Estado, senador da República, deputado federal ou estadual, prefeito municipal ou vereador, não é admissível conduta pública dissoluta, desregrada, mesmo porque, na gradação política de suas investiduras, se constituem modelos para aqueles que os investiram na condição de agentes políticos.

Assim, alguém que exerce o cargo de chefe de Estado e de governo, a poderosa presidência da República brasileira, pode ser agraciado por ricos presentes dados por autoridades estrangeiras em missões diplomáticas? Não, todos os presentes valiosos e impessoais destinados ao presidente da República Federativa do Brasil são propriedades do Estado brasileiro.

 Essa discussão, posto que aceita pacificamente por décadas, eclodiu quando veio à tona que o governo autocrático da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos haviam presenteado o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa com “mimos” de vultosos valores: jóias comercializadas pela casa Suíça Chopard  muito valiosas: o conjunto destinado à então primeira-dama, Michele Bolsonaro, avaliado em 16 milhões de reais; do conjunto milionário destinado a Jair Bolsonaro, só o relógio de pulso  Chopard está avaliado em mais de oitocentos mil reais, ademais de uma caneta de ouro, anel, abotoaduras, um rosário muçulmano, todos igualmente de ouro e cujos valores atingem cifras estratosféricas. A grife suíça Chopard é a mais exclusiva no mundo, na venda de jóias para potentados de todas as estirpes.

Ressalte-se que em sua trajetória conturbada de presidente do Brasil, passou a imagem de que usava um humilde relógio Casio e uma prosaica caneta Bic, além  de comer galeto com farofa que derramava nas vestes…

Hipocrisia populista: os ricos presentes dados pelos potentados árabes entram no Brasil por vias escusas, sem qualquer declaração de que eram presentes para o Estado brasileiro, no objetivo ilícito de burlar as regras especiais que cuidam dessa matéria. O grave é que parte das ricas joias passaram pela Alfândega brasileira, porém, o conjunto mais valioso foi detectado e retido – as joias de Michele Bolsonaro – pela Aduana nacional, escondido numa mochila de subalterno militar que servia ao Ministério das Minas e Energia. Coisa de traficante meia-tigela.

Claro, a essas alturas ninguém sabia que as joias do conjunto masculino, aquelas destinadas ao próprio presidente Bolsonaro por seus parceiros das Arábias, havia passado pela Alfândega e, em seguida, entregues àquele.

As joias mais valiosas – acima dos 16 milhões de reais – destinadas à então primeira-dama, continuaram retidas pelas Receita Federal, a despeito das oito tentativas feitas para liberá-las, inclusive, pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro.

Por oportuno, ressalte-se as atitudes altivas dos servidores da Receita Federal que não se intimidaram diante dos esbirros autoritários e ilícitos de seus chefes, para manter a custódia das jóias apreendias.

Após a entrada do Tribunal de Contas da União no caso, foi decidido que o ex-presidente Bolsonaro deveria devolver os ricos presentes que recebeu, inclusive, duas armas que lhe foram dadas. Devolveu tudo. Ao menos o que se sabe.

O que Bolsonaro e sua esposa fizeram por merecer tão ricos presente? Certamente, não foram os belos olhos negros e insinuantes de Michele.

Para os sauditas um excelente negócio: algumas (ricas) bugigangas da Chopard pela refinaria de petróleo Landulfo Alves, da Petrobras, na Bahia, comprada por vinte por cento do seu valor na gestão de Jair Bolsonaro.  Michele com seus diamantes eternos e Jair Bolsonaro com relógio, anel, caneta e terço dourados, de milhões de reais.

Chupa, Chopard!

*É advogado, jornalista e professor aposentado da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Análise: a volta de Bolsonaro

Por Ney Lopes*

O ex-presidente Jair Bolsonaro retorna ao Brasil, procedente de Orlando, USA, onde se encontrava, desde 30 de dezembro de 2022.

A previsão inicial era ele permanecer em Orlando, Estado da Flórida, onde obteve 74% dos votos no primeiro turno da eleição, até o fim de janeiro de 2023,

Política – No Brasil, o ex-chefe de Estado prosseguirá com os trabalhos dentro da política junto ao PL, na condição de presidente de honra do partido, com salário de R$ 41,6 mil, igual ao dos ministros do STF.

Consequências – A indagação é sobre as possíveis consequências do retorno de Bolsonaro.

Os desdobramentos deverão ocorrer nas áreas política, judiciária, econômica e militar.

País – O país mudou, após a saída de Bolsonaro, a começar pelos atos insanos e criminosos de 8 de janeiro

Em seguida, a tragédia dos Yanomami.

Mais recentemente, o noticiário sobre as joias. Além disso, o “adesismo”, sobretudo do “Centrão”, com aliados bolsonaristas graúdos, hoje ao lado do presidente Lula.

Justiça – O maior incomodo certamente serão os procedimentos já em curso na justiça.

Quando presidente, Bolsonaro era investigado em quatro inquéritos autorizados pelo STF e enfrentava acusações de crimes feitas pela CPI da Covid, que estavam em apuração pela PGR.

Observe-se que o ministro Dias Toffoli determinou o arquivamento de dois pedidos de investigação contra o ex-presidente, que foram formulados no relatório final da CPI da Pandemia.

Inelegibilidade– Do ponto de vista político e jurídico, o risco maior são as doze ações, que tramitam no TSE, por suspeita de prática de crimes contra o sistema eleitoral.

Caso seja condenado pela Justiça Eleitoral em qualquer uma das doze ações, Bolsonaro ficará inelegível.

Ação I – Em dezembro de 2014, Bolsonaro agrediu verbalmente a deputada a deputada federal Maria do Rosário (PT), dizendo: “Não estupraria você porque você não merece”.

Ele foi condenado a pagar indenização e a pedir desculpas no processo por injúria, mas a ação penal por incitação ao estupro foi paralisada em 2019, por causa da eleição de Bolsonaro à Presidência.

Ação II – O presidente da República não pode ser responsabilizado, durante o seu mandato, por atos cometidos antes de se tornar presidente.

Com a saída do Planalto, no entanto, a ação volta a correr na Justiça, e o ex-presidente pode ser condenado à detenção de três a seis meses — pena que costuma ser convertida em multa.

Foro – Outra alteração legal em desfavor de Bolsonaro é a perda do foro privilegiado.

Nesse caso, regra geral, as ações passam a serem julgadas na justiça comum.

Joias – Ao chegar no Brasil. Bolsonaro deverá ser questionado por um tema delicado, que é o destino das joias presentadas pelos sauditas.

Bolsonaro irá dizer, segundo se anuncia, que apoia investigações, já que não deve nada.

Entretanto, as investigações precisam incluir também os mandatos petistas, com um pente fino, pois presentes idênticos foram dados à época dos mandatos de Dilma e Lula.

Reflexos – Os reflexos na economia dependerão do que o ex-presidente falar ou acusar.

Na área militar, não há sinais de inquietação.

Normalidade – Em resumo, caso não existam confrontos, verbais ou em locais públicos, tudo indica que o retorno do ex-presidente será um fato normal de ocorrer num país democrático.

Construção – Que assim seja. O Brasil não aguenta mais agitações ou convulsões políticas. A hora é de construção, tarefa dividida entre governo e oposição.

*É jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano; ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal;  procurador federal – nl@neylopes.com.br – @blogdoneylopes

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Um caso a ser investigado pela Polícia Federal

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Informou o site de notícias do Jornal do Brasil, em 9.3.2023:

“O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) confirmou à rede de TV CNN nesta quarta-feira (8) que um pacote de presentes encaminhado pelo governo da Arábia Saudita em 2021 foi incorporado ao acervo privado dele, mas negou ilegalidades.

O pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva que tinha visitado o país árabe naquele ano e não foi interceptado pela Receita Federal na chegada ao Brasil, diferentemente de outro pacote de joias avaliado em R$ 16,5 milhões.

À rede de TV, sem dar mais detalhes, Bolsonaro afirmou: “Não teve nenhuma ilegalidade. Segui a lei, como sempre fiz”.”

II – A BUSCA E APREENSÃO DE BEM

Data vênia de entendimento contrário, é caso de intimação pelo Tribunal de Contas da União ou ainda pela Justiça Federal competente para devolução desses bens.

Tem-se no processo penal a busca e apreensão com nítido caráter cautelar.

Cleonice A. Valentim Bastos Pitombo(Da busca e apreensão no processo penal, São Paulo, RT, 1998, pág. 96.) conceitua busca como sendo o ato de procedimento persecutivo penal, restritivo ao direito individual(inviolabilidade do domicílio, vida privada, domicílio e da integridade física ou moral), consistente em procura, que pode ostentar-se na revista ou no varejamento, consoante a hipótese da pessoa(vítima de crime, suspeito, indiciado, acusado, condenado, testemunha e perito), semoventes, coisas(objetos, papéis e documentos), bem como de vestígios(rastros, sinais e pistas) da infração.

Por sua vez, apreensão é medida assecuratória que toma algo de alguém ou de algum lugar, com a finalidade de produzir prova ou preservar direitos.

Para Hélio Tornaghi(Compêndio de processo penal, tomo III, pág. 1006) a finalidade da busca é sempre a apreensão.

III – OS PRESENTES OFERTADOS AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Esses bens são públicos.

Pelo entendimento do TCU, só podem ser levados pelo presidente no final do mandato “itens de natureza personalíssima” (como medalhas e honrarias concedidas em solenidades no Brasil e no exterior) ou produtos de consumo direto, como roupas, alimentos ou perfumes. Itens presenteados por governos estrangeiros devem ser incorporados ao patrimônio da União.

Presentes para o presidente e o seu acervo privado são regulamentados pela Lei nº 8.394/1991 e o decreto nº 4.344/2002. Pela lei, todo presente de governo estrangeiro deve, a rigor, ser incorporado ao patrimônio público, com poucas exceções, como determinados documentos e itens de consumo, como alimentos e bebidas.

IV – O DESCAMINHO E O PERDIMENTO DE BENS

Por absurdo, se eram bens privados sua entrada no Brasil deveria, necessariamente, ser objeto de informação por escrito à Receita Federal através de documento próprio com o devido pagamento de imposto de importação, além de multa. Se isso não foi feito, cabe a aplicação de perda de perdimento em favor da União Federal. Teria havido o crime de descaminho.

O descaminho consiste em fraude no pagamento de tributo devido à entrada, saída ou consumo de mercadoria não proibida no país

Os bens em tela podem ser objeto do perdimento que é uma consequência comumente aplicada à violação da legislação aduaneira envolvendo uma importação irregular.

A pena de perdimento de bens é uma das mais gravosas sanções administrativas aduaneiras previstas no ordenamento jurídico pátrio.

Renato Adolpho Tonelli Júnior (A Pena de Perdimento Aplicada à Moeda e os Poderes e Limites da Autoridade Fiscal no Controle de Ingresso e Saída de Numerário em Especial no/ do Território Nacional, in RDT atual, 37-2017) nos disse que”o Regulamento Aduaneiro, ato infralegal por natureza, com fundamento, respectivamente, no Decreto-lei n. 37/1966 – art. 96; no Decreto-lei n. 1.455/1976 – arts. 23, § 1º; na Lei n. 9.069/1995 – art. 65, § 3º; e na Lei n. 10.833/2003 – art. 76, prescreveu em seu art. 675, que são aplicáveis as penalidades de (i) perdimento de veículo; (ii) perdimento de mercadoria; (iii) perdimento de moeda; (iv) multa; e (v) sanção administrativa diversa.”

Disse ainda Renato Adolpho Tonelli Júnior (obra citada)”que com o art. 6º da Instrução Normativa RFB n. 1.059/2010 19, o particular viajante procedente do exterior pode ingressar em território nacional com valores em espécie em quantia superior ao fixado em lei, desde que proceda à respectiva declaração perante as autoridades fiscais.”

…..

“Nesse ponto, a Instrução Normativa RFB n. 1.385/2013 possibilita ao particular que proceda à declaração dos valores em espécie através da Declaração Eletrônica de Bens de Viajante (e-DBV) 20.

Por força do art. 11 da aludida Instrução Normativa, caso o particular não proceda à declaração de valores, haverá a perda da quantia, em espécie, excedente ao quantum fixado no art. 65 da Lei n. 9.069/1995.”

Uma vez aplicado o perdimento, há a possibilidade de instauração do contencioso administrativo por parte do particular, em consagração ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF/1988), oportunidade em que este poderá comprovar e demonstrar as razões do não cabimento do perdimento, bem como qualquer outra matéria de defesa, conforme rito previsto nos arts. 777 a 780 do Regulamento Aduaneiro.”

V – PECULATO

A posse, por parte do ex-presidente da República desses bens indica a possibilidade de conduta envolvendo o crime de peculato, independente de investigação por outro delito contra a Administração. Necessário que a Polícia Federal investigue o fato em todas as suas circunstâncias de materialidade e autoria.

São condutas típicas para efeito do crime de peculato: apropriação ou desvio, podendo o tipo configurar-se mediante o dolo específico, principalmente com relação ao peculato-desvio.

Apropriar-se significa assenhorear-se da coisa móvel, passando dela a dispor como se fosse sua.

Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão de que foi-lhe entregue ou confiada ao agente.

Ademais tal conduta deve ser enquadrada, outrossim, como ato de improbidade.

A propósito já entendeu o STJ:

Essa apropriação ou assenhoramento revela-se pela conduta daquele que, tendo os deveres de guarda, manutenção e administração do acervo público (quando muito, mera detenção), transfere a posse ou o domínio de bens, rendas, verbas ou valores públicos, convolando-a em domínio próprio e incorporando-a ao seu patrimônio. Tal ato de incorporação realiza-se por qualquer forma, seja direta ou indireta. Existem várias fórmulas e meios para o alcance desse objetivo, como alude Marcelo Figueiredo, com o emprego de terceiros (testas-de-ferro, parentes etc.). A casuística revela a multiplicidade de formas utilizadas para a apropriação, total ou parcial, dos elementos integrantes do patrimônio público através de vários expedientes, como os vícios da vontade e os defeitos do ato jurídico. A incorporação de bens, verbas, rendas ou valores públicos ao patrimônio do agente público deve ter causa ilícita ou imoral, revelando que a apropriação é indevida, que o agente usou das prerrogativas de sua função contrariamente à lei, implícita ou explicitamente, para se assenhorar daquilo que não poderia pertencer-lhe. […]’ “(HC 32352PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2004, DJe 16/08/2004).

Trata-se então de um enriquecimento ilícito, exigindo-se o dolo como elemento subjetivo.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

Categorias
Foro de Moscow

Foro de Moscow 6 mar 2023 – As joias das Arábias de Bolsonaro