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Houve crimes contra a democracia?

Por Rogério Tadeu Romano*

Trago relato publicado no portal do jornal O Globo, em 21.9.23:

“O ex-presidente Jair Bolsonaro se reuniu, no ano passado, com a cúpula das Forças Armadas e ministros da ala militar de seu governo para discutir detalhes de uma minuta que abriria possibilidade para uma intervenção militar. Se tivesse sido colocado em prática, o plano de golpe impediria a troca de governo no Brasil. A informação chegou à atual chefia das Forças Armadas, como um dos fatos narrados em delação premiada pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid.”

Acrescento o que foi informado pelo portal do jornal do Brasil, na mesma data:

“Comandante da Marinha sob Bolsonaro, almirante Almir Garnier, teria aceitado embarcar no golpe do então presidente: ‘tropas à disposição'”

 A começar, veja-se o crime constante do artigo 359 – L do Código Penal, diante da revogação da antiga Lei de Segurança Nacional.

Sobre o tema disse Fernando Augusto Fernandes (O terrorismo por omissão e o artigo 359 – L do Código Penal, in Consultor Jurídico, em 29.12.2002), ao estudar esse delito diante do terrorismo:

“O crime mais adequado, contudo, é o do artigo 359-L, incluído no Código Penal pela Lei nº 14.197/21, que descreve a conduta de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena é de 4 a 8 anos, “além da pena correspondente à violência”. Apesar do artigo sobre violência política (artigo 359-P, do CP) ter também deixado de fora o fim político da conduta delituosa e optado por ” razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional “, o crime de abolição violenta do Estado de Direito já traz a tentativa no próprio crime, sem limitação da atuação que naturalmente é política.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um dos poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

Outro delito a estudar, por sua vez, ainda contra democracia, é o crime de tentativa de golpe de Estado.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

O delito de golpe de Estado está localizado no Capítulo II da nova lei, chamado de dos Crimes contra as Instituições Democráticas. E o bem jurídico penal é o próprio Estado Democrático de Direito, o qual consta no preâmbulo da CF e nos artigos 1, caput, sendo o modelo, a forma institucional do Brasil.

Ademais, as normas constitucionais definem o sistema republicano, democrático e representativo no qual o voto é o meio pelo qual se ascende ao cargo político-eleitoral, não se admitindo a tomada violenta do poder.

Como disse Ricardo Antonio Andreucci (Golpe de Estado: novo crime previsto na Lei 14.197/21, in empório do direito, em 23.09.21):

“A expressão “golpe de Estado” foi idealizada pelo escritor político Gabriel Naudé, que também era bibliotecário, no século XVII, em sua consagrada obra “Considérations politiques sur les coups-d’état” (Considerações políticas sobre os golpes de Estado), publicado em 1639. Entretanto, a concepção de golpe de Estado de Naudé em nada se assemelha àquela utilizada contemporaneamente. Para Naudé, golpe de Estado seria caracterizado por ações audazes e extraordinárias que os príncipes se veem obrigados a executar no acometimento de empreitadas difíceis, beirando o desespero, contra o direito comum, e sem guardar qualquer ordem ou forma de justiça, colocando em risco o interesse de particulares pelo bem geral.”

Ainda lembrou Ricardo Antonio Andreuccin(obra citada) a lição do ministro Alexandre de Moraes sobre o tema:

“A objetividade jurídica desse crime é a tutela do chamado Estado Democrático de Direito. Nas palavras assertivas de Alexandre de Moraes (“Direito Constitucional”. 36ª ed. São Paulo: Atlas. 2020. p. 58/59), “o Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais é proclamado, por exemplo, no ‘caput’ do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático ao afirmar que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar que ‘a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular’. Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular. O Estado Constitucional, portanto, é mais do que o Estado de Direito, é também o Estado Democrático, introduzido no constitucionalismo como garantia de legitimação e limitação do poder.”

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, caracterizando-se como crime político. A ofensa se dá contra a sociedade e o Estado.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 4ª edição, 1958, volume I, pág. 187) que os crimes políticos são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado, como unidade orgânica das instituições político e sociais.

Na lição de Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo II, 3ª edição, 1967, pág. 225) há os critérios objetivistas e subjetivistas.

O critério subjetivista toma em consideração o motivo. É o caráter político do móvel que atribui natureza política ao fato.

Para os objetivistas, será político todo crime que ofende ou ameaça direta ou indiretamente a ordem política vigente em um país. É a natureza política do bem jurídico que dá a rubrica especial a essa figura de crime.

Ainda na matéria, Aníbal Bruno trouxe à colação o artigo 8º do Código Penal Italiano: “É delito político todo delito que ofende um interesse político do Estado, ou um direito político do cidadão. Considera-se também delito político o delito comum determinado no todo ou em parte, por motivos políticos”.

Disse então Aníbal Bruno naquela obra:

“Tomado assim o conceito, tem-se procurado estabelecer entre os crimes políticos: crimes políticos próprios, os que ofendem a organização política do Estado; crimes políticos impróprios, os que acometem um direito político do cidadão. E, ainda, crimes políticos puros, os que têm exclusivamente caráter político, e crimes políticos relativos, compreendo os complexos ou mistos, que ofendem ao mesmo tempo um direito político e um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal comum, e os crimes comuns conexos a crimes políticos.”

Quanto à tipicidade objetiva, trata-se de delito de forma livre de mera conduta. Incrimina-se a conduta de tentar depor governo legitimamente constituído, o que significa governo eleito democraticamente, conforme as regras constitucionais, e devidamente diplomado.

Se há o prefalado golpe, outra ordem jurídica se consolida, em afronta à democracia. Foi o que ocorreu diante dos acontecimentos de 31 de março de 1964, no Brasil, e ainda em 1973, no Chile.

Nota-se que a violência deve ser empregada na tentativa de deposição para que o delito se caracterize.

Incrimina-se a prática dolosa de usar violência ou grave ameaça para tentar depor um governo legitimamente constituído.

Este crime não admite forma tentada e se consuma com a tentativa de depor o governo legítimo mesmo que o governo se mantenha.

A pena, 4 a 12 anos e mais as penas das violências cometidas, como lesões corporais e outras práticas contra a pessoa, comporta regime fechado a depender o caso concreto. Admite-se prisão preventiva se houver requisitos e fundamentos do artigo 312 (CPP) já que a hipótese no artigo 313, inciso I do CPP está presente.

Não se admite a incidência de instrumentos de barganha como transação penal, suspensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal. E crime de ação penal pública incondicionada, tramitando pelo rito ordinário.

Caberá ao Ministério Público Federal através dos seus órgãos, que, para tanto, tenham atribuição, investigar com a Polícia Federal e ajuizar ações penais contra os envolvidos, solicitando a devida condenação perante o STF hoje prevento para tal julgamento.

O caso é gravíssimo.

Trata-se de crimes contra a democracia.

Lincoln dizia que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, como acentuado em célebre discurso de 9 de novembro de 1863 no Cemitério Militar de Gettysburg.

Disse Burdeau (Traitè de Science Politique, tomo V/57) que “se é verdade que não há democracia sem governo do povo, a questão importante está em saber o que é preciso entender por povo e como ele governa”.

Em verdade, a democracia é exercida direta e indiretamente pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que é um processo de convivência, primeiramente, para denotar sua historicidade, depois para realçar que, além de ser uma relação de poder político e verificar-se o respeito e a tolerância entre os conviventes.

O caso deve ser investigado em todas as circunstâncias de materialidade e autoria.

É necessário saber se houve uma articulação para dar um golpe de estado no Brasil em verdadeira afronta à democracia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Foro de Moscow 22 set 2023 – Mais revelações das tramas golpistas

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Foro de Moscow 8 set 2023 –A delação de Mauro Cid vem aí

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Confissão e delação premiada

Por Rogério Tadeu Romano* 

I – O FATO

Segundo o site Antagonista, em 29.8.23, o tenente-coronel Mauro Cid indicou ontem a agentes da Polícia Federal que pretende de fato colaborar com as investigações e que vai confessar sua participação no esquema de venda de joias destinadas à Presidência da República.

Agora, os integrantes da PF trabalham para que Cid faça uma delação premiada.

Ainda nos informa o blog da Andrea Sadi, em 30.8.23, que Mauro Cid, braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos, deve apresentar à Polícia Federal detalhes sobre reuniões e conversas para efetivar um golpe de estado que visava manter o ex-presidente no poder após a derrota nas eleições.

O depoimento de Mauro Cid à polícia federal durou dez horas. Certamente não foi durante esse tempo para dizer “que não iria falar”.

Como investigado ele pode alegar que não pode produzir prova contra si mesmo, mas como testemunha não pode se eximir de dizer a verdade.

Fontes ouvidas por aquele blog afirmam desconhecer, por ora, um acordo de delação premiada de Cid. Além disso, como o blog já revelou, ao confessar episódios, Cid relata reuniões e conversas que testemunhou. No entanto, ele não necessariamente acusa ninguém.

Agora, à PF, ele deve detalhar quem são os militares e outros ex-ministros e funcionários do governo Bolsonaro que participaram das tratativas que se deram, entre outras localidades, no Palácio da Alvorada em dezembro passado.

II – A CONFISSÃO

Sabe-se que na matéria há a Súmula 545 do STJ:

Súmula 545-STJ: Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/10/2015, DJe 19/10/2015.

Como disseram Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 131) “antes da reforma penal de 84, esta atenuante exigia, como requisito, que a confissão fosse referente a delito cuja autoria era ignorada ou atribuída a outrem. A partir de então, foi dispensado esse requisito.”

A lei requer que a atenuante de confissão seja espontânea.

Não importa o motivo que levou o agente a confessar a autoria. A confissão que vale deve ser feita em juízo, pois se feita na fase do inquérito e desfeita na fase do processo, não se sustentará (STF, RTJ 146/210).

É certo que Luiz Carlos Betanho (RT 683/281) nos ensinou que “confessar a autoria não é a mesma coisa que confessar o crime. Para a atenuante basta a confissão da autoria”.

Para Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 424) “confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento voluntária, expressa e pessoalmente diante da autoridade competente, em ato solene e púbico, reduzido a termo, a prática de um ato criminoso”. Nesse sentido ainda disse Guilherme de Souza Nucci (O valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal, pág. 76).

Repita-se que a confissão deve ser voluntária, ou seja, livremente praticada e sem qualquer coação. Entretanto, para servir de atenuante, deve ser ainda espontânea, vale dizer sinceramente desejada, de acordo com o íntimo do agente.

Ainda na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 425): “Acrescentamos, ainda, que confundir a espontaneidade com mera iniciativa do agente, enquanto voluntariedade seria agir livre de qualquer coação, embora sem iniciativa próprias, mas sob sugestão de terceiros, ao que nos parece, é dilapidar a diferenciação entre os dois termos, construída ao longo de muito tempo, pela doutrina pátria.”

Trata-se de uma admissão incondicionada da prática do delito.

Para Roberto Reynoso D’ Avila (Teoria general del delito, pág. 312) sobre o instituto: “voluntário é ato que, nascido ou no interior do sujeito, é aceito por ele”.

Já se entendeu que a confissão espontânea da autoria do crime, pronunciada voluntariamente ou não pelo réu, atua como circunstância que sempre atenua a pena, mas não pode conduzir à redução da pena já fixada no mínimo legal (STF, RT 690/390). É de aplicação obrigatória, desde que a pena-base, fixada acima do mínimo, permita a redução (STF, HC 69.328, DJU de 5 de junho de 1992, pág. 8430).

Já se disse, outrossim, que a atenuante de confissão servindo, de forma destacada, para o deslinde do feito, alicerçando o decreto condenatório, pois, deve ser reconhecida (STJ, RT 779/544).

Ensinou Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 293) que “para o reconhecimento da atenuante é necessário que a confissão seja completa, não ocorrendo quando o acusado, admitindo a prática do fato, alega, por exemplo, uma discriminante ou dirimente. Embora a confissão seja cindível, a existência da atenuante depende não de mera conduta objetiva, mas de um motivo moral, altruístico, demonstrando arrependimento etc. (RT 608/301. Mas o STJ já decidiu em contrário, aceitando a atenuante na hipótese: RT 699/377).”

Disse Julio Fabbrini Mirabete (Obra citada, pág. 293); “Atenua a pena, também, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime(art. 65, III, d). Beneficia-se, como estímulo à verdade processual, o agente que confessa espontaneamente o crime, não se exigindo, como na lei anterior, que o ilícito seja de autoria ignorada ou imputada a outrem. Não basta a confissão para a configuração da atenuante, é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea. “

Ainda para Mirabete (obra citada) “não basta a confissão para a configuração da atenuante; é necessário que o agente, arrependido, procure a autoridade para a confissão já que a lei não fala em ato voluntário, mas em confissão espontânea (RT 634/333, 654/306).”

Enio Luiz Rosseto (Teoria e aplicação da pena. São Paulo: Atlas, 2014, p. 159-160) disse:

“O fundamento da atenuante é que o agente revela arrependimento do ato criminoso que praticou e há necessidade de valorar positivamente a conduta do agente que toma a iniciativa de procurar, por conta própria, as autoridades poupando-as de complexas e às vezes difíceis investigações para chegar à autoria e abreviando desse modo, em benefício da administração da Justiça, a celeridade dos respectivos procedimentos”.

Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de direito penal: parte geral. 27. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 386) nos ensinou: “A confissão, antes da Reforma de 1984, era admitida somente quando se referisse a crime cuja autoria fosse ignorada ou atribuída a outrem. Agora, essa exigência desapareceu, sendo suficiente a confissão da autoria. Confissão é fato, valorada como fato, enquanto fato, e tem caráter objetivo, não estando condicionada a nenhuma exigência formal ou processual, ao contrário do que começou a entender a jurisprudência dos tribunais superiores. Ademais, é irrelevante que a confissão seja incompleta ou completa, espontânea ou voluntária. A confissão pode ocorrer perante a autoridade policial ou judicial, indiferentemente. Embora a lei fale em confissão espontânea, doutrina e jurisprudência têm admitido como suficiente sua voluntariedade”.

A Terceira Seção do STJ fixou a tese de que a confissão é uma das circunstâncias legais preponderantes, por se relacionar à personalidade do réu, compensando inclusive a reincidência.

III – A DELAÇÃO PREMIADA

É diversa a delação premiada.

A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê do artigo 4º do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98. Mais, recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.

Como disse Marcella Sanguinetti Soares Mendes (A delação premiada com o advento da Lei nº 9.807/99, in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.98, março 2012), “o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime”.

Pode ocorrer durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Mas, na prática, será mais comum ocorrer na fase inquisitiva, do inquérito policial.

A delação premiada, ainda chamada de confissão delatória, se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação de um fato criminoso a terceiros.

A demasiada valoração da confissão do acusado, remonta aos modelos processuais penais autoritários, que conduzem um processo visando tão somente à condenação dos acusados.

De toda sorte, vale como meio de prova durante a instrução processual em que, através do devido contraditório, deve ser objeto de avaliação com os demais meios de instrução.

É nítida a importância da colaboração premiada: a uma, na identificação dos demais coautores ou partícipes da organização criminosa e das infrações penais práticas; a duas, na revelação da estrutura hierárquica e sua divisão de tarefas na organização criminosa; a três, na recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a quatro, na localização de eventual vítima com sua identidade física preservada.

Pode o Ministério Público deixar de apresentar denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou ainda for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei.

Porém, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

O artigo 5º da Lei 12.850 enumera alguns direitos do colaborador, que não são taxativos, destacando-se o direito a proteção pelas autoridades e ainda não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografo ou filmado sem sua autorização por escrito, e participar de audiências sem contato visual com os outros acusados.

Observa-se também uma inclinação do processo penal brasileiro em tratar o acusado como objeto da investigação e não como sujeito de direitos, incentivando para que o acusado abra mão de um dos seus principais direitos, o de permanecer em silêncio.

O parágrafo quinto do artigo 1º da Lei 9.613/98 foi alterado pela Lei 12.683/12, com o objetivo de ampliar as hipóteses de ocorrência da chamada delação premiada. Àquele que colaborar espontaneamente com as investigações e prestar esclarecimentos que auxiliem na apuração dos fatos, na identificação dos agentes da lavagem do dinheiro ou na localização dos bens, será beneficiado com a redução da pena, sua extinção ou substituição por restritiva de direitos.

O dispositivo, como se sabe, trata da colaboração espontânea nos crimes de lavagem de dinheiro. Estabelece os seus requisitos e consequências jurídicas, com relação a pena a ser aplicada, até admitindo a não aplicação da pena.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações. O juiz não deve participar ou presenciar a delação, sob pena de colocar em risco a sua imparcialidade objetiva.

De toda sorte aquele que faz a delação premiada (meio de prova) deve provar o que diz, sob pena de não ter os benefícios previstos pela lei penal e ainda responder por eventuais denunciações caluniosas.

IV – CONCLUSÕES

Acompanhemos essas revelações do tenente-coronel Mauro Cid que são vitais para o entendimento dessa página tenebrosa que se passou na história do Brasil.

Afinal, quem estava à frente da tentativa de golpe contra as instituições democráticas no Brasil? Quem comandou e ainda estava no concurso de agentes na criminosa falsificação de atestados de vacinação para favorecer o ex-presidente e outras pessoas? Quem participou do chamado “escândalo das joias”, em conduta que se insere nos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa?

É competente a Justiça Comum, para o caso o STF, para decidir com relação a condenação de militares com relação a crimes comuns ou ainda políticos e conexos (conexão instrumental).

A Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir sobre a perda do posto e da patente ou da graduação da praça militar em casos de oficiais com sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido.

O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do plenário virtual, que tem repercussão geral reconhecida (Tema 1.200) ocorreu de 16 a 23 de junho. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi acompanhado por todos os demais integrantes da corte.

O tribunal fixou a seguinte tese:

1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, “b”, do Código Penal, respectivamente.

2) Nos termos do artigo 125, §4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Uma situação em que se argui a obediência hierárquica

Por Rogério Tadeu Romano*

Lembro relato apresentado pelo jornal O Globo, em 17.8.23:

Pressionado pelas revelações da Polícia Federal sobre o suposto esquema de desvio de joias para o patrimônio de Jair Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid mudou de estratégia e adotou uma linha de defesa que indica a possível responsabilização do ex-presidente. A formação militar do tenente-coronel, que preza pela “obediência hierárquica”, foi citada pelo criminalista Cezar Bitencourt, que assumiu a defesa ontem, na segunda troca em três meses, como fator preponderante para a atuação de Cid no período em que esteve vinculado à Presidência.

A lei que norteia a atuação das Forças Armadas estabelece que o presidente é o “chefe supremo” de Exército, Marinha e Aeronáutica, “administrando-as por intermédio dos órgãos do Alto Comando”. O advogado de Bolsonaro, Paulo Bueno, ligou para o escritório de Bitencourt ontem para marcar uma conversa. Procurado pelo GLOBO, não quis comentar.”

Foi trazida a tese da obediência hierárquica, que exclui a culpabilidade do agente diante de uma conduta criminosa.

O Código Penal brasileiro, na estrutura da culpabilidade, enumerou três elementos que são: a) a imputabilidade, que é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento; b) a potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de que o agente tenha o conhecimento do caráter injusto no momento da ação ou omissão; c) a exigibilidade de conduta diversa, que consiste na expectativa de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente.

Ensina Miguel Reale Jr. (Teoria do Delito,1988, pág. 86) que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este deflui da vontade axiológicamente negativa.

As causas excludentes da culpabilidade (exculpantes, dirimentes ou eximentes) devem ser estudadas. As exculpantes, também denominadas de dirimentes ou eximentes, são as causas excludentes da culpabilidade e são, portanto, agrupadas em três, assim como o são os elementos da culpabilidade: causas que excluem a imputabilidade; causas que excluem a consciência da ilicitude; causas que excluem a exigibilidade de conduta diversa.

Com relação a imputabilidade são excludentes: doença mental que é a perturbação mental (esquizofrenia, psicose, paranoia) ou psíquica (álcool, entorpecentes, estimulantes e alucinógenos) de qualquer ordem capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do crime do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento; desenvolvimento mental incompleto e o desenvolvimento que ainda não se concluiu; desenvolvimento mental retardado; embriaguez acidental completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

Fala-se em excludentes da potencial consciência da ilicitude: erro de proibição inevitável, o erro de proibição que exclui a atual consciência da ilicitude; a discriminante putativa, por erro de proibição inevitável.

O último elemento, inexigibilidade de conduta diversa tem como excludentes: coação moral irresistível; a obediência hierárquica; a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Lembre-se que a possibilidade de exigir-se conduta diversa é, segundo a teoria finalista, um dos pressupostos da culpabilidade, da reprovabilidade penal de uma ação ou omissão típica e antijurídica. Isso porque não se pode falar em responsabilidade penal sem liberdade, fundamento daquela.

Ensinou Francisco de Assis Toledo (Princípios Básicos de Direito Penal, 4ª edição, pág. 328) que o princípio da não-exigibilidade foi introduzido e desenvolvido na ciência penal como corolário da concepção normativa da culpabilidade, por Frank, Goldschmidt, Mezger, para citar seus principais autores. Pressuposto deste princípio é a motivação normal. A culpabilidade para configurar-se exige uma certa normalidade de circunstâncias que cercaram e poderiam ter influído sobre o desenvolvimento do ato volitivo do agente. Na medida em que essas circunstâncias apresentam-se significativamente anormais deve-se suspeitar também de anormalidade também no ato volitivo. Assim quando se parte do pressuposto de que um comportamento só é culpável na medida em que um sujeito capaz haja previsto e querido o fato lesivo, deve-se necessariamente admitir que tal comportamento já não possa considerar-se culpável todas as vezes em que, por causa de uma circunstância fática, o processo psíquico de representação e de motivação se tenha formado de modo anormal.

Interessa-nos no presente estudo a coação irresistível e a obediência hierárquica trazidas no artigo 22 do Código Penal como causas excludentes de culpabilidade. Assim se tem:

Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Na lição de Miguel Reale Júnior (Parte Geral do Código Penal, 1988, pág. 105) a situação de coação tem como fato elementar constitutivo o constrangimento à prática de um delito, sob ameaça de um mal. São dois males, restando o agente na alternativa de sofrer o mal ameaçado ou de praticar o crime. Para ele, constrói-se o tipo da dirimente, com a seguinte estrutura: não é punível o fato cometido sob ameaça de sofrer ofensa certa, iminente e grave a direito seu, ou de alguém ligado por laços de afeição, não sendo razoável exigir-se conduta diversa. Pune-se o autor da ameaça.

Estudando o artigo 22 do Código Penal, Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 42) lecionaram: “Coação é a utilização de força física (coação física) ou grave ameaça (coação moral) contra alguém a fim de que esse faça ou deixe de fazer alguma coisa. O artigo 22 do CP cuida de coação moral, pois a coação física irresistível retira a própria voluntariedade do comportamento, deixando de haver conduta (vontade mais manifestação da vontade). Assim deve tratar-se de coação moral irresistível, que leva a não exigibilidade de conduta diversa. Se for resistível somente beneficiária o agente como atenuante (Código Penal, artigo 65, III, c, primeira parte). Tem-se que a não exigibilidade de conduta diversa encerra um juízo de valor sobre a formação de querer do agente. Assim avalia-se se a opção feita contra o direito, naquela situação, presentes os elementos objetivos são válidos, por não ser exigível conduta diversa, levando-se em conta as circunstâncias pessoais do agente. Sendo assim a não exigibilidade de conduta diversa é valor a iluminar o juízo de censura ou não da ação.

Analisando a coação física irresistível, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Geral, 4ª edição, pág. 215) aduz que nessa hipótese há inexistência do próprio fato típico.

Para que se possa falar em coação é mister que exista uma terceira pessoa (o coator), além do coagido e da vítima.

O coator deve responder pelo crime de forma especialmente agravada (artigo 62, II, do Código Penal). Mas não deve haver aplicação do concurso formal com o crime de constrangimento ilegal (artigo 146 do Código Penal) sob pena de resultar em dupla punição.

São, portanto, requisitos:

  1. a) Irreversibilidade da coação, isso porque o coagido não pode vencê-la, por ter havido a supressão da liberdade de agir, em sentido oposto à liberdade do coator;
  2. b) Existência de três pessoas, coator; coato e vítima;

É irresistível a coação moral quando não pode ser superada senão com uma energia extraordinária e, portanto, juridicamente, inexigível (RT 501/382, 488/382).

Discute-se com relação a utilização da hipnose na coação. Ora, a hipnose elimina a própria vontade do sujeito, inexistindo a própria conduta. Há entendimento de que o artigo 22 do Código Penal se refere apenas á coação física ou moral e não a coação meramente psíquica (RT 380/310).

A culpabilidade ainda pode ser afastada pela obediência hierárquica.

Se o superior dá a ordem, nos limites de sua respectiva competência, revestindo-se ela das formalidades legais necessárias, o subalterno ou presume a licitude da ordem (erro de fato) ou se sente impossibilitado de desobedecer o funcionário de onde a ordem emanou (inexibilidade de outra conduta). De uma forma ou de outra é incensurável o proceder do inferior hierárquico e, por essa razão, o fato praticado não é punível em relação a ele, como ensinou José Frederico Marques (Tratado de Direito Penal, volume II/235, 1965). No entanto, a conduta do agente torna-se culpável, se a ilegalidade da ordem era sabida pelo agente, ou se ele podia ter ciência dessa ilegalidade.

Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 7ª edição, pág. 200) assim ensinou:

“A dirimente exige que a ordem não seja manifestadamente ilegal uma vez que, se flagrante a ilicitude do comando da determinação superior, o sujeito não deve agir. É possível ao subordinado a apreciação do caráter da ordem, inclusive quando de crime militar (art. 38, § 2º, do CPM). Assim, deve desobedecê-la se tem conhecimento da ilicitude do fato. Tem-se entendido que, na dúvida, o agente deve abster-se de praticar o fato sob a pena de responder pelo ilícito, mas o mais correto, diante da lei brasileira, é verificar, no caso concreto, se podia ou não desconhecer a ilegalidade, havendo culpabilidade na segunda hipótese. Como bem acentua Damásio de Jesus, se há potencial consciência da ilicitude da ordem, o subordinado responde pelo delito.”

Como já expôs o TJDFT, o Código Penal Militar (Decreto-Lei n. 1.001, de 1969) regula de modo diverso referida excludente. Segundo a legislação castrense, o subordinado (militar) estará isento de pena mesmo que a ilegalidade seja manifesta. Anote-se que este, além de não poder discutir a conveniência ou oportunidade de uma ordem (do mesmo modo quanto o civil), não pode questionar sua legalidade (diversamente do civil), sob pena de responder pelo crime de insubordinação (CPM, art. 163). Ao militar, somente não é dado cumprir ordens manifestamente criminosas. Portanto, se, apesar de flagrantemente ilegal, a ordem não for manifestamente criminosa, o subordinado estará isento de pena (CPM, art. 38, § 2º).

Ainda nos alertou Mirabete, naquela obra:

“Não sendo a ordem manifestadamente ilegal, se o agente não tem condições de se opor a ela em decorrência das consequências que podem advir no sistema de hierarquia e disciplina a que está submetido inexistirá a culpabilidade pela coação moral irresistível estando a ameaça implícita na ordem legal. Em vez de erro de proibição, há inexigibilidade de conduta diversa.”

Pode ocorrer a chamada obediência hierárquica putativa. Ainda Damásio de Jesus (Direito Penal, 8ª edição, 1983, volume I, páginas 446 e 447):

“Pode ocorrer que a ordem seja ilegal, sendo que o subordinado pratica o fato típico por erro de proibição, na crença firme de tratar-se de ordem legal. Cuida-se, então, de obediência hierárquica putativa”. O agente supôs, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima (estrito cumprimento do dever legal), aplicando-se o disposto no artigo 20, § 1, º.

Uma inovação da Lei nº 7.209, como lembrou Mirabete (Obra citada, pág. 201), foi estabelecer como atenuante genérico o fato de ter o agente cometido o crime “em cumprimento de ordem de autoridade superior”(art. 65, III, c, segunda parte). Não se exclui a culpabilidade quando o agente pratica o crime sabendo ou podendo saber que se trata de ordem de autoridade superior normalmente acarreta consequências em desfavor do subordinado, a reprovabilidade da conduta é diminuída e a pena deverá ser atenuada.

Embora não se refira de forma expressa à hierarquia, a lei tem em vista esta ao referir-se à ordem de autoridade superior. A expressão, como ensinou Mirabete, implica subordinação hierárquica do agente ao autor da ordem que, evidentemente, responderá também pelo ilícito penal em decorrência da participação no fato.

Para tanto, são requisitos:

  1. a) Relação de subordinação fundada no direito administrativo;
  2. b) Ordem não manifestamente ilegal, de sorte que ela será manifestamente ilegal quando dada por funcionário incompetente, quando sua execução não se enquadre nas atribuições legais de quem a recebe; quando não se reveste de forma legal; quando evidentemente constitui crime;
  3. c) Estrita obediência da ordem, de sorte que deve a execução limitar-se à estrita observância da ordem, não podendo o subordinado exceder-se na execução da ordem, sob pena de responder pelo excesso, como mencionou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, volume I, pág. 22).

Tem-se da doutrina do TJDFT:

“”Estabelece o art. 22 do Código Penal: ‘Se o fato é cometido (…) em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor (…) da ordem’.

(…)

Obediência hierárquica é a causa de exclusão da culpabilidade, fundada na inexigibilidade de conduta diversa, que ocorre quando um funcionário público subalterno pratica uma infração penal em decorrência do cumprimento de ordem, não manifestamente ilegal, emitida pelo superior hierárquico.

(…)

Essa regra se fundamenta em dois pilares:

(1) impossibilidade, no caso concreto, de conhecer a ilegalidade da ordem; e

(2) inexigibilidade de conduta diversa.”

O artigo 22 do Código Penal não alcança outras subordinações, como a empregatícia, familiar, religiosa e a ordem deve provir de funcionário competente para determiná-la. A ordem não pode ser manifestadamente ilegal.

Já entendeu o TJDFT:

“4 O artigo 22 do Código Penal determina que a obediência hierárquica, como causa de exclusão da culpabilidade, se restringe às relações de Direito Público, sendo inaplicáveis nas relações de direito privado (…).”

Acórdão 1084797, 20120110759867APR, Relator: GEORGE LOPES, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 15/3/2018, publicado no DJE: 27/3/2018.

Tem-se que (TJDFT):

“A propósito, dispõe o art. 38, § 2.º, do Código Penal Militar: ‘Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma de execução, é punível também o inferior’.

(…)

O estrito cumprimento de ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico exclui a culpabilidade do executor subalterno, com fulcro na inexigibilidade de conduta diversa. O fato, contudo, não permanece impune, pois por ele responde o autor da ordem.”

Para que o subordinado cumpra a ordem e se exclua a responsabilidade, é, portanto, necessário que aquela: seja emanada da autoridade competente; tenha o agente atribuições para a prática do ato e não seja a ordem manifestadamente ilegal.

Assim a ordem deve ser emanada de superior hierárquico (autoridade pública) e só isenta o agente se não for manifestamente ilegal (RT 579/393).

Registre-se que é punido sempre, segundo o artigo 22 do Código Penal, o autor da ordem legal. Trata-se, ainda, de autoria mediata quando o subordinado desconhece a ilegitimidade da ordem não manifestadamente ilegal.

Ao militar, somente não é dado cumprir ordens manifestamente criminosas.

Ora, uma ordem dada a militar para que este cometa crimes de falsidade ideológica envolvendo comprovantes falsos de vacinação, ou ainda seja coautor em crimes de peculato e lavagem de dinheiro, não exclui a culpabilidade do agente. Ademais, se o militar praticou delito penal, no exercício de atividade privada, não pode arguir essa dirimente aqui enfocada, pois tal situação não implica subordinação hierárquica.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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Foro de Moscow 28 jul 2023 – A movimentação estranha de Mauro Cid

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Uma situação híbrida

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que foi informado pelo site de notícias do jornal O Globo, em 13.7.23:

“A CPI do 8 de Janeiro apresentou nesta quinta-feira uma representação na Justiça Federal contra o tenente-coronel Mauro Cid. A alegação é que Cid cometeu crime ao ficar calado em seu depoimento na comissão, na terça-feira.

Os membros da CPI consideraram que Cid extrapolou um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que garantia a ele o direito de não responder apenas perguntas que poderiam incriminá-lo.

A representação é baseada em uma lei que trata das Comissões Parlamentares de Inquérito. O texto define como crime “calar a verdade como testemunha”. Cid foi convocado pela CPI como testemunha, mas alegou que é alvo de oito investigações e que por isso não responderia as perguntas.”

Orientado por advogados, Mauro Cid não respondeu às perguntas da comissão.

Ora, o tenente – coronel Cid estava em depoimento à CPI mista que investiga os atos contra a democracia no Brasil formalmente como testemunha, mas, em verdade, evitou dar respostas, principalmente aquelas que poderiam lhe incriminar, pois está sendo investigado perante o Supremo Tribunal Federal.

Tem o investigado direito ao silêncio, como se lê do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal.

Trago a lição de Ada Pellegrini Grinover (Interrogatório do réu e direito ao silêncio, in Ciência Penal, I/15-31, 1976) que transcrevo:

“O réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir.

Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só o seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu, como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar a sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da faculdade de não responder. Por isso é que Cordeiro afirma categoricamente que a única arma do interrogante é a persuasão (…). Como bem aponta Grevi, do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-se presunções que superem a presunção da inocência, solenemente proclamada no art. 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou que superem o ̈princípio in dubio pro reo.”

É ainda Ada Pellegrini (O processo em sua unidade, São Paulo, Saraiva, pág. 111) quem concluiu:

̈”O retorno ao direito ao silêncio, em todo o seu vigor, sem atribuir-lhe nenhuma consequência desfavorável, é uma exigência não só de justiça, mas sobretudo de liberdade. O único prejuízo que do silêncio pode advir ao réu é o de não utilizar a faculdade de autodefesa que se lhe abre através do interrogatório. Mas quanto ao uso desta faculdade, o único árbitro deve ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para a tutela de sua dignidade.”

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 96.219 MC – SP, Relator Ministro Celso de Mello, enfrentando a questão constitucional, deixou lição lapidar no sentido de que  a recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a autoincriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal.

Fala-se num privilégio contra a autoincriminação, que é uma manifestação eloquente, como disse Uadi Lammêgo Bulos ( Constituição Federal anotada, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, pág. 325):

  1. a) Da cláusula da ampla defesa (artigo 5º, LV da Constituição);
  2. b) Do direito de permanecer calado (artigo 5º, LXIII da Constituição);
  3. c) Da presunção de inocência (artigo 5º, LVII da Constituição)

O Supremo Tribunal Federal entendeu, no julgamento do HC 77.135/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão, em 8 de setembro de 1998; no HC 75.527, Relator Ministro Moreira Alves, j. 17 de junho de 1997 e ainda no HC 68.929, Relator Ministro Celso de Mello, 22 de outubro de 1991, que não se pode obrigar acusados a fornecerem base probatória para caracterizar a sua própria culpa.

Assim ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si próprio (RTJ 141/512, Relator Ministro Celso de Mello; RTJ 180/1125, Relator Ministro Marco Aurélio).

Em lição memorável o Ministro Celso de Mello deixou consignado, no julgamento do HC 83.947/AM, Relator Ministro Celso de Mello, que ̈já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei n. 88, de 20 de dezembro de 1937, art. 20, n. 5).

Da mesma forma, correta a ilação de Guilherme de Souza NucciI (obra citada, pág. 443), ao sustentar o direito do acusado de mentir em seu interrogatório de mérito.

Ninguém é obrigado a se auto acusar.

Isso porque a ampla defesa não pode excluir a possibilidade de narrar inverdades, no intuito de fugir à incriminação.

Se tem o acusado direito ao silêncio, deve ser interpretado como inconstitucional a parte final do artigo 198 do Código Penal onde se menciona poder o silêncio do réu constituir elemento para formação do convencimento do réu.

É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a autoincriminação. II – O depoimento da paciente, ouvida como testemunha na fase inquisitorial, foi colhido sem a observância do seu direito de permanecer em silêncio. II – Ordem concedida.” (HC 136.331/RS, j. 13/06/2017).

Na lição de João Claudio COUCEIRO, “as testemunhas podem invocar o direito ao silêncio, quer para não se autoincriminar, quer para escapar da responsabilidade civil e administrativa. […] Tal direito é amplo, e não depende da existência de procedimento investigativo para apurar os fatos em que a testemunha estava envolvida …” (A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: RT, 2004, p. 220), como bem lembrou Rogério Sanches Cunha(STJ: Violação do direito ao silêncio pode tornar ilícito o depoimento da testemunha, em 11.10.2018).

Recentemente, divulgou-se na imprensa decisão proferida pela ministra Cármen Lúcia, em sede de Habeas Corpus, em favor do coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida, do Instituto Força Brasil, convocado para prestar depoimento na CPI da Covid. Garantiu-se ao paciente o direito de se manter em silêncio durante a inquirição com relação aos fatos/questionamentos que possam comprometê-lo criminalmente, porém estava obrigado a falar a verdade, enquanto testemunha, sobre os demais fatos que não o incriminem.

Criou-se para o caso em tela, envolvendo o tenente – coronel, que está sendo investigado, uma situação híbrida (foi chamado como testemunha à CPMI, mas é investigado perante o STF). .

Ora, dir-se-á que a testemunha deve dizer a verdade e não se omitir sobre ela.

A hibridização da situação do interrogado acaba resultando na inviabilização do ato (depoimento), sendo necessário, em verdade, ser definido previamente qual status o interrogado irá assumir no ato (acusado ou testemunha).

Caso exista alguma possibilidade de o depoimento ser enquadrado como uma situação de levantamento de prova em desfavor do interrogado, deve prevalecer o direito ao silêncio, que deverá ser afastado apenas nos casos que o depoente claramente se apresente como testemunha (ANPR, O direito de silêncio e a obrigação de falar a verdade).

Caberá ao juízo competente para instrução e julgamento do pedido noticiado pela imprensa entender se houve afronta ou não aos deveres de testemunha por parte do investigado tenente – coronel Mauro Cid sobre perguntas que, porventura, lhe foram feitas pela CPMI, inclusive aquelas que não envolvem o caso, mas ele resolveu, porventura, não responder.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Uma tentativa de golpe de estado e de abolição do estado democrático de direito

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Colho impressionante relato noticiado pelo Blog de Jamildo, em 16.6.2023:

“Um suposto “roteiro do golpe” foi publicado nesta sexta-feira (16), pela revista Veja, contendo mensagens trocadas pelo ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, e militares, numa tentativa de manter o então presidente no poder após ele ser derrotado por Lula nas Eleições 2022.

De acordo com os documentos obtidos pela reportagem, o plano teria como base uma ação de militares, que poderiam ser convocados para arbitrar um conflito entre os poderes.

Nesse sentido, o projeto dos bolsonaristas partiria da ideia de que o Judiciário (entende-se o TSE e o STF) e os conglomerados da mídia brasileira teriam atuado de forma abusiva no pleito, o que, no plano orquestrado, justificaria uma intervenção militar para realizar uma nova eleição.

O documento, que possui três páginas, detalha o “passo a passo” do golpe: o presidente encaminharia um relato das supostas inconstitucionalidades para as Forças Armadas, que, uma vez concordando com o argumento, nomeariam um interventor com supostos poderes absolutos.

Depois, ele suspenderia decisões consideradas inconstitucionais, como a diplomação de Lula, por exemplo, e afastaria ministros do STF, como Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que na época integravam o TSE, e convocariam como substitutos Nunes Marques e André Mendonça (indicados por Bolsonaro ao Supremo), além de Dias Toffoli.”

II – O ARTIGO 359 – L DO CÓDIGO PENAL E A TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO

Trata-se de um verdadeiro golpe de estado tramado.

O caso é gravíssimo.

Tem-se o artigo 359 – L do CP:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Sobre o tema disse Fernando Augusto Fernandes (O terrorismo por omissão e o artigo 359 – L do Código Penal, in Consultor Jurídico, em 29.12.2002):

“O crime mais adequado, contudo, é o do artigo 359-L, incluído no Código Penal pela Lei nº 14.197/21, que descreve a conduta de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena é de 4 a 8 anos, “além da pena correspondente à violência”. Apesar do artigo sobre violência política (artigo 359-P, do CP) ter também deixado de fora o fim político da conduta delituosa e optado por “razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, o crime de abolição violenta do Estado de Direito já traz a tentativa no próprio crime, sem limitação da atuação que naturalmente é política.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poder da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

Fatalmente, tendo a Lei de Defesa do Estado Democrático substituído a Lei de Segurança Nacional, não pode ser esquecido que delitos perpetrados com motivação política são, portanto, crimes políticos.

Outro crime, por sua vez, ainda contra as instituições democráticas é o crime de tentativa de golpe de Estado.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

O delito de golpe de Estado está localizado no Capítulo II da nova lei, chamado de dos Crimes contra as Instituições Democráticas. E o bem jurídico penal é o próprio Estado Democrático de Direito, o qual consta no preâmbulo da CF e nos artigos 1, caput, sendo o modelo, a forma institucional do Brasil.

Ademais, as normas constitucionais definem o sistema republicano, democrático e representativo no qual o voto é o meio pelo qual se ascende ao cargo político-eleitoral, não se admitindo a tomada violenta do poder.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, caracterizando o crime comum. O sujeito passivo é a sociedade e o Estado.

Quanto à tipicidade objetiva, trata-se de delito de forma livre de mera conduta. Incrimina-se a conduta de tentar depor governo legitimamente constituído, o que significa governo eleito democraticamente, conforme as regras constitucionais, e devidamente diplomado.

O delito somente ocorre se a tentativa de deposição utilizar violência ou grave ameaça.

Nota-se que a violência deve ser empregada na tentativa de deposição para que o delito se caracterize.

A grave ameaça deve ser à pessoa (havendo interpretação de que pode ser contra as instituições), o que pode ocorrer por palavra, por escrito, gestos ou outro meio simbólico de causar mal grave e injusto.

Consoante tipicidade subjetiva, incrimina-se a prática dolosa de usar violência ou grave ameaça para tentar depor um governo legitimamente constituído.

Este crime não admite forma tentada e se consuma com a tentativa de depor o governo legítimo mesmo que o governo se mantenha.

A pena, 4 a 12 anos e mais as penas das violências cometidas, como lesões corporais e outras práticas contra a pessoa, comporta regime fechado a depender o caso concreto. Admite-se prisão preventiva se houver requisitos e fundamentos do artigo 312 ( CPP) já que a hipótese no artigo 313, inciso I do CPP está presente. Não é cabível prisão temporária.

Não se admite a incidência de instrumentos de barganha como transação penal, suspensão condicional do processo ou acordo de não percepção penal. E a ação penal pública incondicionada, tramitando pelo rito ordinário.

Caberá ao Ministério Público Federal através dos seus órgãos, que, para tanto, tenham atribuição, investigar com a Polícia Federal e ajuizar ações penais contra os envolvidos, solicitando a devida condenação.

III – A COMPETÊNCIA PARA JULGAR MILITARES POR CRIMES POLÍTICOS

O fato deverá ser investigado perante o STF que está prevento para a análise dos atos que tentaram depor o atual governo. Os militares ali deverão ser investigados não cabendo falar na competência da Justiça Especializada Militar para tanto.

É certo que a doutrina, pela voz abalizada de Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, 17ª edição, pág. 256), conclui que a Justiça Militar Federal julga tanto civis como militares. Mas a competência da Justiça Militar somente aprecia delitos militares, impondo-se a separação obrigatória dos processos em caso de concurso de crimes (comuns e militares), diante da absoluta especialização e especialidade dessa jurisdição.

Para Eugênio Pacelli é exatamente a motivação do agente que afastaria a aplicação do tipo penal previsto no CPM. Disse ele: “Para que se possa admitir um crime como de natureza militar, parece-nos indispensável, ou uma ação dirigida contra a instituição, ou uma ação praticada pelo militar, do mesmo modo que se exige, para os chamados crimes políticos a motivação política da conduta (Lei nº 7.170/83, artigo 2º). Ora, tampouco é suficiente a condição de militar, como, aliás, se ressaltou na decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Há crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares. Os propriamente militares dizem respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar. Os crimes impropriamente militares, que podem ser cometidos por militares e ainda, excepcionalmente, por civis, abrangem os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum. Sendo assim, crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições a lei considera militares, como se tem dos crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, dentre outros.

São ainda impropriamente militares, os crimes praticados por civis, que a lei define como militares, como a violência contra sentinela, previsto no artigo 158 do CPM.

Há crimes militares em tempo de paz (artigo 9º do CPM) e crimes militares em tempo de guerra (artigo 10 do CPM).

Extrai-se de decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g. RC n. 1473-SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 18.12.2017), que “crimes políticos, para os fins do artigo 102, II, b, da Constituição Federal, são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais e, por conseguinte, definidos na Lei de Segurança Nacional, presentes as disposições gerais estabelecidas nos artigos 1º e 2º do mesmo diploma legal. 2. “Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito. Precedentes” ( RC 1472, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rev. Ministro Luiz Fux, unânime, j. 25/05/2016).

Ora, os chamados crimes militares não são crimes políticos.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 4ª edição, 1958, volume I, pág. 187) que os crimes políticos são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado, como unidade orgânica das instituições político e sociais.

Na lição de Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo II, 3ª edição, 1967, pág. 225) há os critérios objetivistas e subjetivistas.

O critério subjetivista toma em consideração o motivo. É o caráter político do móvel que atribui natureza política ao ato.

Para os objetivistas, será político todo crime que ofende ou ameaça direta ou indiretamente a ordem política vigente em um país.

Para o caso, leve-se em conta que os acontecimentos reportados no dia 8 de janeiro de 2023 não envolvem crimes militares. São crimes políticos.

Ainda na matéria, Aníbal Bruno trouxe à colação o artigo 8º do Código Penal Italiano: “É delito político todo delito que ofende um interesse político do Estado, ou um direito político do cidadão. Considera-se também delito político o delito comum determinado no todo ou em parte, por motivos políticos”.

Disse então Aníbal Bruno naquela obra:

“Tomado assim o conceito, tem-se procurado estabelecer entre os crimes políticos: crimes políticos próprios, os que ofendem a organização política do Estado; crimes políticos impróprios, os que acometem um direito político do cidadão. E, ainda, crimes políticos puros, os que têm exclusivamente caráter político e crimes políticos relativos, compreendo os complexos ou mistos, que ofendem ao mesmo tempo um direito político e um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal comum, e os crimes políticos conexos a crimes políticos.”

Diverso é o crime taxado como crime social, em que o criminoso se rebela contra a organização econômico-social do mundo.

Como bem acentuou o site de notícias jurídicas Consultor Jurídico, em 27 de fevereiro de 2023, a Justiça Militar não julga crimes cometidos por militares, mas crimes militares. Assim, é de competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, independentemente de serem civis ou integrantes das Forças Armadas.

Com base nesse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a Polícia Federal a abrir uma investigação “para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e Polícias Militares relacionados aos atentados contra a Democracia que culminaram com os atos criminosos e terroristas do dia 8 de janeiro de 2023”.

A matéria é objeto de apreciação no Inq 4.923.

Disse, para tanto, o ministro Alexandre de Moraes:

“Em total e absoluta observância aos princípios do Devido Processo Legal e do Juiz Natural, a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para a presidência dos inquéritos que investigam os crimes previstos nos artigos 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei 13.260/16, e nos artigos 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III, (perseguição), 163 (dano), art. 286 (incitação ao crime), art. 250, § 1 º, inciso I, alínea ”b”(incêndio majorado), 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal, não distingue servidores públicos civis ou militares, sejam das Forças Armadas, sejam dos Estados (policiais militares). Nos termos do art. 124, caput, da Constituição Federal, à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”

……

Como ensinado por nosso sempre Decano, Ministro CELSO DE MELLO (HC 106171, SEGUNDA TURMA, 1º de março de 2011): “O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, tout court. E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz .

O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas competência ad institutionem, conforme pacificamente decidido por esta SUPREMA CORTE ao definir que a Justiça Militar não julga”CRIMES DE MILITARES”, mas sim”CRIMES MILITARES”( HC 118047, Rel. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 21/11/2013; HC 107146, Rel. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 22/6/2011; HC 100230, Rel. AYRES BRITTO, Segunda Turma, DJe de 24/9/2010; CC 7120, Rel. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ de 19/12/2002).”

Em conclusão assim se manifestou o ministro Moraes:

“Inexiste, portanto, competência da Justiça Militar da União para processar e julgar militares das Forças Armadas ou dos Estados pela prática dos crimes ocorridos em 8/1/2023, notadamente os crimes previstos nos arts. 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei 13.260/16, e nos arts. 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III, (perseguição), 163 (dano), art. 286 (incitação ao crime), art. 250, § 1 º, inciso I, alínea ”b”(incêndio majorado), 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal, cujos inquéritos tramitam nesse SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL a pedido da Procuradoria Geral da República.”

Em face disso tem-se que a Justiça Militar não tem competência para instruir e julgar crimes políticos mesmo que cometidos por militares.

IV – FORÇAS ARMADAS NÃO SÃO PODER MODERADOR

O artigo 142 da Constituição Federal diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Diga-se que a chamada teoria de que as Forças Armada detêm o chamado poder moderador é uma falácia.

Lembro que Alfred Stepan (Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira, pág. 1975) apontou que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atuado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 1946-1964, tendo em vista as intervenções militares “cirúrgicas” nos momentos de graves crises nacionais ocorridos em 1954, 1955 e 1961. Nessa leitura, as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem, responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise.

Na mesma linha, na Alemanha tinha-se a posição de Schmitt. Para ele, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força. Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.

Ora, como poderiam as Forças Armadas, naquele triste momento da história brasileira, exercer o papel de árbitro, uma vez que defendia nítidos interesses em prol do capitalismo, do anticomunismo, e estava em aliança com as grandes elites econômicas?

As estreitas vinculações entre setores civis e militares, e especialmente entre elites jurídicas e militares, pavimentaram o caminho para a consolidação do regime ditatorial pós-1964, inclusive, levando em conta que as elites econômicas manifestaram seu apoio a edição do AI- 5, pelo governo militar, em expressivo registro daquele período histórico.

A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.

Em 1976, quando se vivia sob a ditadura militar, sob a égide da Emenda Constitucional nº 1/69, pensou-se em fixar o Poder Moderador.

Os militares já tinham essa ideia de exercê-lo, por via das Forças Armadas.

Tem-se no modelo ditatorial de 1967, com as mudanças outorgadas em 1969, que as Forças Armadas tinham o papel político e policial.

A Constituição de 1988 não admite um poder moderador.

“Concluímos pela inexistência do Poder Moderador atribuído às Forças Armadas, bem assim pela inconstitucionalidade da utilização do aparato militar para intervir no exercício independente dos Poderes da República”, afirma o parecer, assinado pelo então presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz.

O documento também é subscrito pelo presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho e por Gustavo Binenbojm, membro da comissão.

Para a OAB, a Constituição não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constitucionais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituição”.

“Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”, destaca o parecer.

Destaco ainda daquela douta manifestação:

“Ao contrário, como muito bem exposto por Seabra Fagundes (As Fôrças Armadas na Constituição. RDA 9/1947, p. 1-29, jul./set., 1947. p. 12) com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição. Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”

A garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.

Esse entendimento levaria ao retorno das ideias de 1937 e dos Atos Institucionais que rasgaram a Constituição de 1946, no sentido de que as Forças Armadas seriam a garantia dos poderes institucionais tendo poder de intervir. Ora, isso não se amolda à Constituição-cidadã de 1988, que renega a ideia de que o poder civil é uma concessão do poder militar. Ficaria a sociedade entregue aos ditames militares, o que é uma afronta à democracia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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