Por Rogério Tadeu Romano*
Transcrevo parte da reportagem do Consultor Jurídico, em 16 de maio de 2023:
“Ciente de que os 15 procedimentos administrativos dos quais era alvo no Conselho Nacional do Ministério Público poderiam render processo administrativo disciplinar (PAD) e torná-lo inelegível, Deltan Dallagnol antecipou sua exoneração do cargo de procurador da República e, assim, fraudou a lei.
Com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro da candidatura do ex-chefe da finada “lava jato” paranaense e, consequentemente, seu mandato de deputado federal. Ele foi considerado inelegível com base no artigo 1º, inciso I, letra q da Lei Complementar 64/1990. A votação foi unânime.
A norma atinge os membros do Ministério Público que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar. Na visão do ministro Benedito Gonçalves, relator do recurso apreciado, esses PADs só não existiram porque Deltan praticou um ato lícito com desvio de finalidade.”
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Para o TSE, Deltan Dallagnol cometeu fraude à lei: a prática de uma conduta que tem amparo legal, mas que configura uma burla com o objetivo de atingir uma finalidade proibida pela norma jurídica.
Em suma, o ex-procurador da República renunciou ao cargo de forma dissimulada, cinco meses antes do prazo exigido por lei e apenas 16 dias depois de um colega seu ser demitido do cargo em virtude de outro PAD, para evitar que os procedimentos dos quais era alvo no CNMP
O julgamento se deu no RO 0601407-70.2022.6.16.0000.
A inelegibilidade revela impedimento à capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado). Obsta a elegibilidade e se afasta da incompatibilidade que é impedimento do exercício do mandato para quem já está eleito.
Considera-se que as inelegibilidades têm por objeto proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso de exercício de função, cargo, ou emprego na administração pública.
Segundo informa José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 334) as inelegibilidades têm um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado (E.Constitucional nº 1 à Constituição de 1967).
Diante disso a Constituição estabeleceu vários casos de inelegibilidades no artigo 14, §§ 4º e 7º, e para incidirem independem de lei complementar referida no § 9º no mesmo artigo.
O que é certo é que a Lei Complementar é autorizada pela Constituição a estabelecer outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cassação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na Administração Pública.
Há inelegibilidades absolutas que implicam impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. Sendo assim que assim se encontre não pode concorrer a eleição alguma, não pode pleitear a eleição para qualquer mandato. É o que ocorre com relação ao artigo 14, § 4º, da Constituição.
Por sua vez, há inelegibilidades relativas que se constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais, em que no momento da eleição, se encontra o cidadão. Isso porque o relativamente inelegível é titular de elegibilidade, que, apenas, não pode ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva, mas o poderá relativamente a outros.
Mas inelegibilidade não é cassação. Esta última é perda de mandato, perda do cargo, por decisão condenatória, que vier a ser imposta em representação eleitoral, onde outras penas podem ser impostas ou ainda em ação penal (artigo 92,I), sempre que se pratique crime com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração quando a pena privativa de liberdade é por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso do poder ou violação do dever para com a Administração Pública (LEI 9.268, de 1º de abril de 1984).
A inelegibilidade não é pena e se aplica para o futuro, para as próximas eleições, ao contrário da cassação, que se aplica de imediato, tão logo haja o trânsito em julgado da decisão condenatória, no civil ou no crime ou ainda em representação eleitoral quando o réu é candidato.
A decisão sobre inelegibilidade não teria para jurisprudência conteúdo de decisão final condenatória. Observo, para tanto, a lição do Ministro Carlos Velloso, no julgamento do MS 22.087/DF, DJ de 10 de maio de 1996, onde se diz que a inelegibilidade não constitui pena. Tal entendimento tem plena consonância com outro da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, no Rec. 9.797 – PR, do Tribunal Superior Eleitoral, onde se deixou expresso que a inelegibilidade não é pena.
Para o caso em que foi cassado o registro à candidato federal o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que houve fraude à lei.
“O recorrido agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar os procedimentos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir sua inelegibilidade”, concluiu o ministro Benedito Gonçalves.
“O candidato, para impedir a aplicação do artigo 1, inciso I, letra ‘q’ da Lei Complementar 64, antecipou sua exoneração em fraude à lei”, continuou. “Em fraude à lei, usou-se de subterfugio na tentativa de se esquivar nos termos da lei”, acrescentou.
“Pelo conjunto de elementos, o recorrido estava ciente de que a eventual instalação de procedimentos administrativos disciplinares poderia colimar em eventual demissão. Não era uma hipótese remota, mas uma possibilidade concreta”, explicou o relator.
Eram ao todo 15 procedimentos, decorrentes de reclamações disciplinares, pedidos de providência e sindicâncias, visando apurar condutas graves como compartilhamento de informações sigilosas com agências estrangeiras, improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos.
Todos os 15 procedimentos foram extintos, arquivados ou paralisados pelo CNMP em decorrência da exoneração do cargo. Restaram apenas dois PADs em que Dallagnol foi efetivamente punido com as penas de censura e advertência, contra os quais recorreu ao STF sem sucesso.
Colho, outrossim, o que foi trazido pelo site Migalhas, em 17.5.2023, em reportagem sobre o tema:
“Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP viessem a gerar processos administrativos disciplinares que pudessem gerar pena de aposentadoria compulsória ou perda de cargo, o que provoca inelegibilidade.”
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“Para o relator, o pedido de exoneração, efetuado antes que os 15 procedimentos pudessem gerar, ou ser convertidos, em processos administrativos-disciplinares, visou contornar a inelegibilidade, frustrando por completo sua incidência.
“Embora, via de regra, essa causa de inelegibilidade pressuponha a existência de processo administrativo disciplinar (PAD) que possa acarretar aposentadoria compulsória ou perda do cargo, aduz-se que o recorrido antecipou seu pedido de exoneração de forma proposital exatamente para evitar que os outros 15 procedimentos diversos que tramitavam contra ele fossem convertidos ou dessem origem aos PADs.”
Dir-se-ia que foi dado interpretação ampliativa a norma restritiva de direito, que possui o caráter de norma de ordem pública.
Ora, afinal, como se tem das lições de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito), as normas de ordem pública têm aplicação restrita.
Não respondia o então procurador da República a processos administrativos disciplinares, mas a procedimentos outros, de cunho preliminar, objetivando colher elementos, se existentes, para a comprovação de culpa. A lei fala claramente em processo administrativo.
Em síntese: Ex-magistrados ou procuradores podem se candidatar a menos que tenham sido demitidos em decorrência de processo administrativo ou judicial, ou se exonerado na pendência de processos administrativos disciplinares (PADs). No caso do ex-procurador não havia nem uma coisa nem outra.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que determina a cassação do registro tem efeito imediato. Caberá, ab initio, embargos de declaração, se for o caso, e, envolvendo matéria constitucional, recurso extraordinário ao STF.
Será caso, em face da falta de efeito suspensivo do recurso ao STF de medida cautelar, para dar esse efeito, onde o pleiteante deve sustentar a presença dos requisitos de mérito dessa tutela: plausibilidade do direito e grave perigo de dano irreparável.
*É procurador da república aposentado com atuação no RN.
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