Por Rogério Tadeu Romano*
I – UMA INTRODUÇÃO
Os jornalistas têm, em sua atividade diuturna, recebido várias pressões com relação a opiniões que emitem, suas palavras e informações que trazem para a opinião pública visando a melhor informa-las com relação a assuntos de interesse da sociedade.
É comum e não incomum serem processados por crimes ditos contra a honra e ainda por ações que objetivam o ressarcimento por ato que consideram ilícito em que são requeridos contra ele danos morais.
Como não surgem acordos, geralmente em face dos valores altos que são apresentados à imprensa, são os jornalísticas notificados para retirar a reportagem do jornal e pagar, de imediato, essas importâncias, produzindo os advogados que defendem interesses de pessoas que se dão por ofendidas, atas notariais em cartório com objetivo de comprovar o fato. Ainda os jornalistas geralmente são perquiridos em casos de pedidos de explicação por conta de processos penais que seriam abertos.
II – PEDIDOS DE EXPLICAÇÃO
No processo e julgamento dos crimes de calúnia, difamação e injúria, chamados de crimes contra a honra, estuda-se o pedido de explicações, disposto no artigo 144 do Código Penal:
Art. 144 – Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.
Inferir significa um processo lógico de raciocínio consistente numa dedução. Assim, quando alguém profere uma frase dúbia, pela qual, por dedução, consegue-se chegar à conclusão de que se trata de uma ofensa, tem-se o que se chama de inferência, na lição de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 8ª edição, pág. 664).
Outra dúvida de interpretação com relação à lei surge no que concerne a expressão “a critério do juiz”. Quanto a essa expressão, o juiz a que se refere é o da futura queixa-crime e não o que processa o pedido de explicações. Essa a lição que se colhe de Aníbal Bruno (Direito Penal, 1966, volume IV, pág. 338), na linha que foi seguida por Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial, 1995, volume I, pág. 146 e ainda Jurisprudência Criminal, 1979, volume I, nº 125).
No mesmo sentido tem-se a lição de Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 1958, volume VI, pág. 129).
No entendimento de uma palavra ou de uma frase pode surgir uma incerteza. Para sanar a dúvida, faz-se o pedido de explicações.
Para isso o Código Penal, quando a matéria deveria ser pautada pelo Código de Processo Penal, faculta a quem se julgue ofendido a interpretação de seu possível ofensor, para que este esclareça a ofensa dúbia, a imputação equívoca, a pessoa a quem se referiu etc. Tal é cabível nos três delitos contra a honra (CP, artigos 138 a 140). Mas o pedido de explicações pressupõe a viabilidade de uma futura ação penal, pois não se poderá admitir a interpelação se, por exemplo, a eventual ofensa está acobertada pela exclusão do crime (CP, artigo 142) ou a punibilidade já se acha extinta (Código Penal, artigo 107).
Importante é que quando são empregadas palavras de duplo sentido, frases vagas ou reticentes, alusões veladas ou imprecisas, referências dissimuladas, rodeios, camuflagens, cabe o pedido de explicações.
Por certo o pedido de explicações é instituto de natureza processual inserido no artigo 144 do Código Penal.
Se alguém profere expressões ou conceitos dúbios a respeito de outrem, pode ajuizar-se o pedido de explicações. Confere-se à parte que foi pretensamente ofendida um instrumento procedimental para esclarecer a dúvida gerada. Sendo assim, como explicou Guilherme de Souza Nucci (obra citada, pág. 665), se a frase ou menção foi emitida sem qualquer maldade ou intenção de ofender, inexiste fato típico; caso tenha sido proferida com vontade de caluniar, difamar ou injuriar, há crime.
Mas já se entendeu que a interpelação judicial não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações (STF, Pleno, RT 709/401), entendimento este que diverge de outro, pelo qual se disse que, se o próprio ofendido entende que a frase é equívoca, não se pode indeferir liminarmente o pedido de explicações, dando por inequívoca a frase que poderia ser explicada (TJSP, Pleno, RT 546/305).
Trata-se de um procedimento criminal semelhante ao da notificação judicial, no processo civil, que não requer qualquer análise no que concerne ao mérito quanto à existência do crime contra a honra.
Para Fabbrini Mirabete (Processo Penal, 1992, pág. 536), trata-se de medida preparatória e facultativa para o oferecimento de queixa ou da denúncia. Nessa linha de entendimento, tem-se a lição de Rogério Lauria Tucci (Pedido de Explicações, RT 562/284-293). Veja-se ainda: RT 602/368; 627/365.
Não se trata o pedido de explicações de verdadeira medida cautelar, embora seja preventiva e conservativa de direitos. Não se trata, ainda, de medida urgente e satisfativa.
III – A NOTIFICAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL
Por outro lado, há a notificação.
Dir-se-á, à luz do artigo 726 do CPC de 2015:
‘quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante, poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito’.
Não se trata de medida cautelar embora, assim como nos protestos e interpelações, seja providência preventiva e conservativa de direitos. Não se trata de providência satisfativa. Ela fica aquém do limite de uma medida satisfativa de urgência(que se dá, por exemplo, na concessão de medida liminar na posse).
A notificação, ao contrário do protesto que produz efeito por si mesmo, independentemente de qualquer ato da parte contra a que se protesta, transmite ao notificado a comunicação de algo que se leva ao conhecimento do destinatário.
Não se trata de medida interinal cautelar que surge no direito de família, como é o caso da chamada fixação de separação de corpos, como aduziu Mandrioli(Riv.dir.proc,, 1964, pág. 551). Ali, no direito de família, há os chamados provvedimenti presiddenciali, tratados no artigo 708 do CPC italiano. Essas providências, no direito de família, não têm previsão temporal, pois eles devem se estender até o trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na causa matrimonial, ficando a medida imune às prescrições referentes aos provimentos cautelares que podem ser revogados a qualquer tempo. A notificação, ao contrário, exaure-se em sua peculiar exteriorização de vontade receptícia.
Como lembrou Ovídio Baptista(Curso de Processo Civil, volume III, 2ª edição, pág. 332) as notificações, ao contrário do que se dá com os protestos e interpelações(ato que corresponde a uma exteriorização de vontade que não tem consequências jurídicas em si mesma, ficando dependente de ato ou omissão do interpelado como expressou Pontes de Miranda- Comentários ao Código de Processo Civil, IX, 318), são muitas vezes impostas por lei, como forma obrigatória de comunicação de vontade, indispensáveis, nesses casos, como pressupostos de validade e eficácia de algum outro ato jurídico. Há, em verdade, certas ações que pressupõem obrigatoriamente a prévia notificação judicial do ofendido.
Essa notificação, como já dito, poderá ser judicial ou extrajudicial. De toda sorte ela não terá caráter contencioso, no sentido de constituir uma lide. Exaure-se em sua peculiar exteriorização de vontade receptícia. Basta que o requerente demonstre o interesse em judicializar essa manifestação de vontade e convença o juiz de sua hipotética legitimidade e interesse, como disse Ovídio Baptista da Silva(obra citada, pág. 332). Tal se dá ainda com relação ao protesto e a interpelação. Ela não tem caráter contencioso, repito, ao contrário dessa medida provisional citada(separação de corpos) que representa, para uns, execução-para – segurança, distinta da chamada segurança para execução. Assim são outras medidas provisionais, muitas de direito de família, de cunho satisfativo, de solução provisória: obras de conservação em coisas litigiosas; entrega de bens de uso pessoal de cônjuge ou de filhos; posse provisória de filhos; afastamento de menor autorizado a contrair casamento; depósito de incapazes, a separação de corpos, guarda e educação de filhos e direito de visita; interdição e demolição de prédios(medida satisfativa de execução – para –segurança). A notificação, como o protesto ou a interpelação não é nada disso. É fenômeno inverso daquele que ocorre com as medidas urgentes satisfativas. Repito: a notificação, o protesto e a interpelação não são medidas cautelares, isso porque não atingem sequer o grau de intensidade assecuratória própria da medida cautelar. A notificação não é medida cautelar, que exige os requisitos do perigo de demora e fumaça de bom direito e que não fazem coisa julgada material. Muito menos ainda satisfativa.
Na matéria já decidiu o STJ:
É nula notificação por correspondência recebida por um terceiro alheio ao processo (Resp n. 1.531.144-PB, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 15.3.2016).
Essa notificação extrajudicial é efetuada através de um Cartório de Títulos e Documentos.
Se a ‘pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital’, haverá necessidade da intervenção judicial. Nesses casos, ‘o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito.
Aliás, já se dizia no artigo 870 do CPC de 1973(revogado):
Art. 870. Far-se-á a intimação por editais:
I – se o protesto for para conhecimento do público em geral, nos casos previstos em lei, ou quando a publicidade seja essencial para que o protesto, notificação ou interpelação atinja seus fins;
II – se o citando for desconhecido, incerto ou estiver em lugar ignorado ou de difícil acesso;
III – se a demora da intimação pessoal puder prejudicar os efeitos da interpelação ou do protesto.
Parágrafo único. Quando se tratar de protesto contra a alienação de bens, pode o juiz ouvir, em 3 (três) dias, aquele contra quem foi dirigido, desde que Ihe pareça haver no pedido ato emulativo, tentativa de extorsão, ou qualquer outro fim ilícito, decidindo em seguida sobre o pedido de publicação de editais.
Tem-se pelo CPC de 2015:
Art. 726. Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito.
- 1º Se a pretensão for a de dar conhecimento geral ao público, mediante edital, o juiz só a deferirá se a tiver por fundada e necessária ao resguardo de direito.
- 2º Aplica-se o disposto nesta Seção, no que couber, ao protesto judicial.
Mas há hipóteses em que o requerido deve ser previamente ouvido se a notificação for judicial:
Art. 728. O requerido será previamente ouvido antes do deferimento da notificação ou do respectivo edital:
I – se houver suspeita de que o requerente, por meio da notificação ou do edital, pretende alcançar fim ilícito;
II – se tiver sido requerida a averbação da notificação em registro público.
Tem-se outrossim, em continuidade ao que tínhamos no CPC de 1973:
Art. 729. Deferida e realizada a notificação ou interpelação, os autos serão entregues ao requerente.
Proferida essa decisão não cabe recurso. Mas o STJ, no âmbito do CPC de 1973, já entendeu:
É cabível a impetração de mandado de segurança (RMS n. 9.570-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 25.6.1998). Essa decisão teve com paradigma o caso de protesto judicial contra alienação de bens.
IV – A ATA NOTARIAL
Essa notificação extrajudicial é acompanhada, geralmente, de ata notarial.
A ata notarial é um instrumento público no qual o tabelião documenta, de forma imparcial, um fato, uma situação ou uma circunstância presenciada por ele, perpetuando-os no tempo. A ata notarial tem eficácia probatória, presumindo-se verdadeiros os fatos nela contidos.
A ata notarial tem como objetivo comprovar fatos, coisas, pessoas ou situações de sua existência ou de seu estado. É necessário o testemunho de um tabelião ou pessoa autorizada no cartório. Sendo assim, serve como prova de veracidade para fins judiciais. Segundo o Art. 364 do Código de Processo Civil Brasileiro, o documento público e a presença do tabelião são suficientes para a comprovação dos fatos(Tabelionato Gaúicho, em 27 de maio de 2019).
V – A QUESTÃO DA OFENSA À HONRA
Estamos diante da chamada crítica jornalística e não de uma ofensa à honra.
Na identificação do que se deva entender por honra, a doutrina, de forma tradicional, distingue dois diferentes aspectos: um subjetivo, outro objetivo. Subjetivamente, a honra seria o sentimento da própria dignidade; objetivamente, reputação, bom nome e estima no grupo social.
Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade(animus injuriandi).”
Na difamação, a ação consiste em atribuir a alguém a prática de determinado fato, que lhe ofende a reputação ou o bom nome. A reputação é a estima que se goza na sociedade, em virtude do próprio trabalho ou de qualidades morais, da habilidade em uma arte, profissão ou disciplina, algo mais do que a consideração e menos do que o renome e a fama.
Por sua vez, a injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.
As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.
Faça-se uma distinção entre a injúria preconceituosa, prevista no artigo 140, § 3º, do Código Penal, e o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989. A injúria racial consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de elementos referentes á raça, cor, etnia, religião ou origem(a ação penal é publica condicionada). Por sua vez, o crime de racismo implica na conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade, crime este, imprescritível e inafiançável, que se procede mediante ação penal pública incondicionada.
VI – A CRÍTICA JORNALÍSTICA E O DIREITO À INFORMAÇÃO
Estamos diante da chamada crítica jornalística e não de uma ofensa à honra.
Diante disso discute-se a liberdade de informação.
A palavra informação, como situa José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 218), se entende “o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções “a do direito de informar e a do direito de ser informado”. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de ser informado”. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que, tanto os indivíduos como a comunidade, estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.
Sendo assim a liberdade de informação compreende a procura, o acesso, o recebimento, a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que cometer. Não se discute que o acesso de todos à informação é um direito individual consignado na Constituição, que também resguarda o que se chama de sigilo da fonte.
A liberdade de informação jornalística se centra o direito à informação.
A liberdade de informação que se fala é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação e obtê-las.
É a liberdade de imprensa, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia.
Vem a pergunta: Pode o direito penal ser um instrumento de cerceamento da liberdade de imprensa? Ora, certamente, não.
Realmente não é possível usar o direito penal para criminalizar opinião, como garantia de imunidade dos detentores do poder, de forma a intimidar jornalistas.
Discute-se se houve por parte do jornalista uma crítica ácida. Certamente, sim, mas isso não a torna criminosa, pois há uma distância abissal entre a prática do delito e a crítica feita pela imprensa, mesmo que de forma ríspida.
Sendo assim, impõe-se, inclusive, ao legislador, na realidade, selecionar, com vista a identificação do bem jurídico tutelado, somente aqueles comportamentos frequentes e intoleráveis, que venham a causar intensa ameaça a um determinado valor essencial, dentro do que chamamos de princípio da intervenção mínima.
Certamente uma crítica feita pela imprensa, de forma ácida, não repugna um mínimo-ético-social que venha a atingir o direito de outra pessoa(princípio da lesividade).
Não se pode esquecer que o Direito Penal, ultima ratio da ordenação jurídica, depende da congruência do bem, a ser resguardado por meio do tipo legal, com os valores constitucionais, os quais lhe conferem conteúdo material, como ensinou Claus Roxin(Derecho Penal, parte general, fundamentos, La estructura de la teoria del delito, 1997, t. I, pág. 51 a 58).
Há, sem dúvida, evidente distância entre a ofensa à honra, que leva aos tipos penais já discutidos, e ainda a crítica jornalística, de modo a entender que a conduta em discussão não pode ser considerada como típica, uma vez que exercida dentro do que se chama de direito à informação.
Não se pode retirar da sociedade, sob pena de ofensa à democracia, o senso autocrítico com relação aos fatos, de forma a inibir o direito à opinião.
Veja-se que o Supremo Tribunal Federal, em decisão, por sua segunda turma, no AI 705.630 – AgR/SC, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu o que segue: ´a liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar; o direito de buscar a informação, o direito de opinar, o direito de criticar; a crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais; a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade; não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, vincule opiniões em tom de crítica severa, dura, ou até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações foram dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender´.
Já dizia Rui Barbosa (A ditadura de 1893), sob o império da Constituição de 1891, tecendo comentários sobre os atos do governo Floriano Peixoto que: “A Constituição proibiu a censura irrestritamente, radicalmente, inflexivelmente. Toda lei preventiva contra os excessos da imprensa, toda lei de tutela à publicidade, toda lei de inspeção policial sobre os jornais é, por consequência, usurpatória e tirânica. Se o jornalismo se apasquina, o Código Penal proporciona aos ofendidos, particulares, ou funcionários públicos, os meios de responsabilizar os verrineiros”.
Não cabe assim falar em ação inibitória, a teor do artigo 461 do Código de Processo Civil, para cessar o efeito de lesão em sede de liberdade de imprensa. Isso porque não há de se falar em censura à imprensa dentro de um Estado Democrático de Direito. Não há porque falar em ato censório que não pode ser validado pelo ordenamento jurídico, violando o que o Supremo Federal decidiu na ADPF 130, sem que, sequer, seja dado ao jornalista um direito ao contraditório.
Deve ser realçado o direito fundamental à liberdade de expressão, inclusive à liberdade de imprensa, assegurado ainda pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos(artigo 19), adotado pela Assembleia Geral da ONU em 16 de dezembro de 1966 e incorporado, formalmente, ao direito positivo brasileiro, em 6 de dezembro de 1992(Decreto 592/92). A eles se somam a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, promulgada pela IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá, em abril de 1948, que consagra a “liberdade de expressão”(artigo IV) e ainda a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, que garante, por sua vez, às pessoas em geral o direito à livre manifestação do pensamento, que se distancia de qualquer censura estatal, como se lê do artigo 13 desse Pacto Fundamental.
Resguarda-se, de modo a preservar a prática da liberdade de informação, o exercício do direito de crítica, que dela emana, que se trata, como já entendeu o Supremo Tribunal Federal, de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.
Assim, negar aos meios de comunicação social o direito de buscar informações e de interpretá-las, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes, algo incompatível com a liberdade de ideias, é, no Estado Democrático, inconciliável com a proteção constitucional da informação.
Deve-se entender que, sob a Constituição de 1988, o Estado não dispõe do poder sobre a palavra, sobre as ideias, sobre as convicções que são manifestadas pela Imprensa.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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