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Operação do MP investiga formação de milícia no RN

MPRN investiga formação de milícia no RN (Foto: cedida)
O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) deflagrou nesta quinta-feira (13) a operação Occupatio Bellica, com o objetivo de combater a atuação de uma narcomilícia nas praias da Pipa e de Sibaúma, em Tibau do Sul, litoral Sul potiguar. Ao todo, foram cumpridos 8 mandados de prisão preventiva e outros 11 de busca e apreensão em Natal, Goianinha e Tibau do Sul e ainda na cidade pernambucana de Joboatão dos Guararapes, na Grande Recife. A ação teve o apoio da Polícia Militar.
Occupatio Bellica é uma expressão em latim que se refere a práticas das Idades Antiga e Média de ocupações de propriedade por meio de violência. O grupo preso nesta quinta é investigado desde 2019 por realizar invasões em terrenos e propriedades alheias localizados na Pipa e em Sibaúma utilizando ameaças.
A investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPRN, foi iniciada com a finalidade de apurar possível crime de constituição de milícia privada na Pipa. Além das invasões ilegais e ameaças, o grupo mantém ligações com uma facção criminosa e com traficantes de drogas, o que configura a constituição de uma narcomilícia.
Durante as investigações, o MPRN descobriu em que, após invadir os terrenos, o grupo desmatava os locais e construíam edificações em um prazo inferior a 48 horas com o objetivo de simular uma situação já concretizada para tentar usucapir os terrenos, tudo isso sem autorização e em desacordo com determinação legal.
As áreas invadidas e desmatadas ilegalmente, em seguida, eram postas à venda por valores que variavam entre R$ 10 mil e R$ 500 mil.
Para o MPRN, os crimes cometidos pelo grupo afeta a todos em Tibau do Sul, seja o morador local, os proprietários dos terrenos invadidos, os vizinhos, o meio ambiente, o setor imobiliário, a imagem do município, a Prefeitura que não tem impostos arrecadados e ainda o turismo, o que reflete diretamente na economia da localidade.
As provas obtidas pelo MPRN demonstram que o grupo integra uma milícia privada, contribuindo e concorrendo direta ou indiretamente, para o cometimento dos mais diversos crimes e esquema criminoso das invasões de terrenos.
A ação contou com a participação de quatro promotores de Justiça, 15 servidores do Gaeco/MPRN e 55 policiais militares, além do apoio do Gaeco do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
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Foro de Moscow

Foro de Moscow 29: COMO A CRISE DA PM NO CEARÁ TEM IMPACTO NO RN?

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Reportagem

A origem e a ascensão das milícias

Por Alexandre Versignassi

Superinteressante 

“Milícia” é um eufemismo para “máfia”. São os moradores das áreas controladas por milícias. Uma máfia formada por ex-policiais, policiais na ativa, policiais expulsos, carcereiros e leões de chácara em geral que se mostrem leais ao sistema e não vomitem depois de cortar a cabeça de alguém a mando dos chefes.

Dois milhões de fluminenses vivem sob esse regime feudal.

O serviço que uma milícia presta é o de segurança. Num primeiro momento, segurança contra a ação de bandidos comuns. Num segundo, segurança contra a ação da própria milícia. As milícias são as grandes suspeitas pela morte de Marielle Franco. Em outro assassinato, o da juíza Patrícia Acioli, em 2011, não se trata de mera suspeita. A magistrada era conhecida por para condenar bandidos fardados com o mesmo rigor com que se condena bandidos não fardados. Terminou executada com 21 tiros. Onze PMs foram condenados.

Vamos entender melhor de onde veio essa máfia, e como os tentáculos dela chegaram à política.

Grupos de extermínio

A raiz das milícias está nos grupos de extermínio – gangues de policiais e ex-policiais que passaram a vender serviços de “proteção privada” a comerciantes na década de 1960. Eram assassinos de aluguel que agiam sob as bênçãos da ditadura militar. Os generais, afinal, usavam os serviços desses grupos para caçar “subversivos”, ou seja, qualquer um que representasse uma ameaça ao seu poder.

O fim da ditadura não acabou com os grupos de extermínio. Tanto que a Chacina da Candelária, em 1993, foi obra de um deles. Atiradores dispararam contra 60 crianças e adolescentes que dormiam do lado de fora da Igreja da Candelária, no centro do Rio, num atentado que terminou com oito mortos. Três PMs acabaram condenados, todos com penas superiores a 200 anos. Nota: nenhum passou muito tempo preso. O último deles saiu da cadeia faz tempo, em 2012.

No começo do século 21, esses grupos sofisticaram sua operação. Em vez de agir meramente como mercenários, tomaram o controle de regiões carentes da cidade. Tornaram-se um Estado paralelo, com exército próprio. Consolidavam-se, assim, como milícias propriamente ditas.

Elas começaram matando e repelindo traficantes. Para demonstrar seu poder, adotaram justamente a estratégia dos antigos grupos de extermínio: largar na rua os corpos daqueles que abatiam. Na prática, substituía-se um crime organizado por outro. Mas, ao prover uma paz aparente, em contraste com a insegurança ainda maior nos territórios do tráfico, as milícias conseguiram consolidar seus domínios, principalmente na Zona Oeste do Rio.

Em troca, passaram a cobrar taxas sobre vários setores da economia local: o de energia (botijões de gás), o de entretenimento (gatonet), o de transporte (vans de lotação), o de imóveis (tomando terrenos de moradores e alugando para lixões clandestinos). Tudo isso mais o velho serviço mafioso de proteção. Passaram a cobrar coisa de R$ 10 mil por mês de pequenas empresas para que não fossem assaltadas, não tivessem seus empregados atacados nem seus caminhões roubados.

No fim, as milícias acabaram formando uma corporação multimilionária à margem da lei. Para dar uma ideia: só com o que elas extorquem dos motoristas de lotação nos bairros de Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste, de acordo com o Ministério Público, as milícias tiram R$ 27 milhões por mês.

Acordos com o tráfico

Com o tempo, a linha que dividia milícia e tráfico ficou mais tênue. Várias milícias passaram a oferecer proteção para traficantes, contra a ação de grupos rivais, e a lucrar elas também com o comércio de cocaína. De acordo com especialistas, a facção com mais acordos com as milícias é o Terceiro Comando Puro, que controla o complexo de Acari, na Zona Norte – o mesmo onde a vereadora Marielle Franco denunciava abusos policiais.

O Comando Vermelho também estaria na lista de parceiros. Em 2015, o jornal O Dia relatou que uma milícia tinha vendido o Morro do Jordão, em Jacarepaguá, para o CV. A facção teria pago R$ 3 milhões para instalar suas bocas de tráfico ali. “Esses paramilitares podem criar uma nova forma de negócio. Tomar comunidades e vendê-las. Passar o ponto”, disse à época o ex-oficial do Bope Paulo Storani, hoje um sociólogo especializado em segurança pública.

O perfil das milícias também está mudando. 42 dos 143 milicianos presos em 2010 eram PMs da ativa. Em 2016, essa proporção caiu para dez PMs da ativa entre 155 milicianos presos.

Uma tradição miliciana, porém, segue firme: a infiltração na política. Além de lançar candidatos milicianos, eles influem em todo o processo eleitoral. Nas eleições municipais de 2016, o jornal O Globo investigou que milicianos cobravam uma licença para propaganda política e comícios em áreas dominadas. Também selavam acordos de distribuição de cargos para milicianos, no caso de vitória. Ao se vincular a políticos, em vez de apresentar candidatos próprios, as milícias teriam a vantagem dupla de se instalar no poder público, mas sem mostrar a sua cara.

O que nos resta

Milicianos, traficantes, políticos parasitas. Essa fauna forma um enclave de barbárie na segunda maior metrópole do País (e não só nela). Um enclave que não respeita os valores mais básicos da civilização, a começar pelo direito à vida, que foi tirado de Marielle Franco em 14 de março de 2018.

A vereadora lutava contra o banditismo fardado, tal como Patrícia Acioli. Só que sair desse episódio de terror vendo todo PM como um miliciano é tão obtuso quanto achar que todo morador de favela é ladrão, tão acéfalo quanto bradar que Marielle Franco “defendia bandido”. Os policiais honestos são tão vítimas dessas máfias quanto os cidadãos das comunidades infestadas pelo crime.

O fato é que existe um conflito sério em andamento. E ele só vai acabar se a sociedade for tão dura contra o crime quanto o crime é duro contra a sociedade. Tal dureza, porém, só faz sentido se for usada com tolerância zero a abusos de poder por parte das autoridades, porque esse mesmo abuso é o que deu origem à máfia das milícias.

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Análise

Mossoró está vulnerável às milícias

Antes de ir ao assunto, um aviso aos portadores de deficiência cognitiva programada (expressão do filosofo Paulo Ghiraldelli): este texto não tem caráter informativo, mas de alerta as autoridades.

Virou moda em Mossoró os moradores dos bairros periféricos se juntarem para recuperarem as vias públicas com as próprias mãos. Esta página foi informada que por trás de cada ação tem um possível pré-candidato a vereador.

Não se trata de cidadania como dizem os rosalbestas passando pano na Internet e sim de ação política que mistura protesto e interesses pessoais de alguns envolvidos.

E onde entra a possibilidade de surgimento de milícias? É agora que começa o alerta. Explico.

As milícias surgiram a partir da ausência do poder público no Rio de Janeiro. Primeiro ofertaram segurança por conta própria. Depois transporte, “gatonet” e depois viraram parceiros do tráfico e mataram gente.

Em Mossoró começa com um sujeito tomando a frente para ajeitar o bairro abandonado pela gestão municipal, daqui a pouco eles se organizam para fazer a segurança por conta própria da vizinhança e daqui a pouco temos uma milícia instalada em algum bairro.

Tudo isso cobrando cotinha dos moradores.

As autoridades precisam ficar atentas. A vulnerabilidade existe. Falta só alguém enxergar a oportunidade.

 

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Artigo

Milícia: o vácuo do Estado gera o poder paralelo

Por Marco Antônio Barbosa*

As milícias vêm tomando conta dos noticiários político e policial do país. Descritas nominalmente no novo pacote anticrime do Ministro da Justiça, Sérgio Moro, estas facções se expandem em diversos estados, principalmente no Rio de Janeiro, onde dominam até o aluguel de prédios nas periferias, como investigado no caso do último dia 12 de maio, quando um conjunto habitacional irregular desabou na comunidade da Muzema, zona oeste da cidade. Mas por que as Milícias crescem?

O vácuo deixado pelo Estado sempre precisa ser ocupado. É neste momento que surgem os poderes paralelos. Quando não existe, por parte dos governantes, políticas para prover segurança, moradia, saneamento básico, gás, luz, entre outros itens de sobrevivência para os mais carentes, alguém toma esta responsabilidade em troca de dinheiro e poder. É a privatização das responsabilidades. Mas o preço é bastante alto e quem paga, mais uma vez, é o lado mais fraco da corda: a população.

Mas quem são os milicianos? São parte do Estado, travestidos de organizações ‘privadas’. Os mesmos que, do outro lado da moeda, também sofrem com o abandono dos políticos, mas possuem um pouco mais de acesso ao poder para se ‘virarem’. Policiais, que trabalham com salários ínfimos e com condições precárias, enxergam uma oportunidade. Agentes públicos, atolados em burocracias arcaicas e riscos não assumidos como, por exemplo, morrer por não liberar um ‘gato’ de luz ou uma obra irregular.

A falta de políticas públicas devasta as duas metades: os que prestam os serviços clandestinos e os que precisam de tais serviços. Este ciclo se retroalimenta. Assim como os cartéis do tráfico, as milícias utilizam também a mão de obra ociosa de uma população que não encontra a oportunidade do crescimento de renda pela educação. A escolha é única para quem não tem nem o que comer.

Organizadas e intrínsecas nas raízes mais fortes de um Estado falido, as milícias crescem e são cada vez mais difíceis de serem combatidas. Como acabar com o inimigo se ele é o próprio braço que deveria derrotá-lo?

É um câncer. Uma doença difícil de ser curada, mas o remédio está ao alcance dos nossos políticos há muito tempo. Ocupar os espaços deixados é caminho. Onde falta moradia, casas. Onde falta educação, escolas. Onde falta infraestrutura, saneamento básico, luz e água. Este é o tratamento a longo prazo.

Em curto prazo são necessárias grandes investigações isentas e independentes e leis mais duras para quem faz parte do crime organizado. Inteligência policial integrada em todo o país, além de salários e estrutura dignas para o risco assumido ao enfrentar estas facções.

Este ‘vírus’ é uma versão mais grave do crime organizado, pois já entendeu como se esconder e se expandir dentro do poder legislativo, executivo e jurídico.  Somente com este coquetel e muita paciência conseguiremos evitar o domínio das milícias. Nota médica: o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível, antes que seja tarde para salvar o paciente.

*é especialista em segurança e diretor da CAME do Brasil.

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Relação de Flávio Bolsonaro com milícias começou ser desvendada a partir de depoimento dado em Mossoró

Flávio Bolsaro está enrolado com milícias (Foto: Web)

Blog do Dina

As revelações feitas no presídio federal de Mossoró de Orlando de Curicica à procuradora da República Caroline Maciel foram o ponto de partida para, mais tarde, Flávio Bolsonaro ser implicado no caso.

Ao revelar a atuação do ‘Escritório do Crime’, os investigadores federais avançaram na trilha apontada por Orlando e se depararam com o major Ronald Paulo Alves Pereira e o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega.

Ambos, se descobriu, são líderes do ‘Escritório do Crime’.

Tanto Adriano Nóbrega quanto Ronald Pereira foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Para justificar a homenagem a Nóbrega, que ocorreu em 2003, Flávio argumentou que o então capitão prestava “serviços à sociedade, desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”.

Nóbrega havia sido apresentado a Flávio por um antigo colega do Bope, Fabrício Queiroz – o ex-assessor do filho de Jair Bolsonaro que está no centro do escândalo envolvendo repasses suspeitos de dinheiro para Flávio na Alerj.

As promotoras e a Polícia Federal já estão certas da participação do grupo de assassinos no crime contra a vereadora. Quem mandou matar e por qual motivo são questões ainda sem respostas, conforme relata Alan Abreu na Piauí.

“O crime se espalhou pelo poder constituído do Rio. Tem bancada. É uma metástase sem controle. O estado não sai mais dessa situação por suas próprias mãos”, disse ao repórter uma autoridade que participa das investigações do caso Marielle.

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Exílio de Jean Wyllys mostra que democracia se tornou perigosa no Brasil

Deputado desiste de mandato (Foto: Blog Sakamoto)

Por Leonardo Sakamoto

Por medo de ser assassinado, o deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ) desistiu do mandato e afirmou que não pretende voltar ao país tão cedo – ele está fora por conta das férias. Jean, que sempre recebeu ameaças de morte por conta de sua atuação parlamentar em defesa da população LGBTT e dos direitos humanos, sentiu sua situação piorar após a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes e das eleições do ano passado.

O deputado, que vive sob escolta policial, disse em entrevista ao jornalista Carlos Julianos Barros, na Folha de S.Paulo, que pesou na decisão as informações de que familiares de um policial militar suspeito de chefiar uma milícia no Rio de Janeiro trabalhavam no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. “O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”, disse.

Você não precisa gostar de Jean Wyllys ou concordar com ele para entender que uma democracia pressupõe a garantia que pessoas não sejam ameaçadas de morte por aquilo ou por causa daqueles que defendem.

Principalmente quando essas pessoas são políticos eleitos pelo voto popular para falar em nome de uma parcela dos cidadãos no Congresso Nacional. Porque, quando isso acontece, não é apenas o representante que está sendo expulso pelo clima de terror contra ele, mas é a opinião de cada eleitor e eleitora que está sendo amordaçada e violentada.

Uma democracia incapaz de investigar com rapidez e seriedade as ameaças de morte contra um congressista é perigosa. Uma democracia em que uma desembargadora divulga ameaças de morte contra um deputado federal nas redes sociais é disfuncional. Uma democracia em que políticos ironizam um parlamentar que deixa o país com medo de morrer é ridícula.

Não deixo de sentir uma certa vergonha alheia com relação às autoridades que afirmam, com peito estufado, que as

“instituições estão funcionando normalmente”. Qual o referencial histórico que adotam para tal avaliação? O Ato

Institucional número 5 do Brasil de 1968? A Noite dos Cristais da Alemanha de 1938?

Nosso país sempre matou seus pobres, suas mulheres, seus negros, suas minorias em direitos, seus sem-terra e semteto, seus trabalhadores rurais, seus ativistas, seus jornalistas, seus políticos e qualquer um que resolvesse se insurgir contra a desigualdade e a injustiça social. No ano passado, contudo, inauguramos um novo ciclo de violência política.

Marielle Franco e Anderson Gomes foram executados em março. Os ônibus da caravana do ex-presidente Lula foram alvos de tiros no mesmo mês. O então candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado em setembro que quase lhe custou a vida. Em outubro, o mestre capoeirista e compositor Moa do Catendê foi esfaqueado e morto por um eleitor de Bolsonaro após uma discussão. Isso não resume a violência, claro.

Esse ciclo encomenda mortes, mas também permite que elas aconteçam, através da omissão e do incentivo.

Em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento.

Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados

Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não possuía história de preconceito aos judeus e não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, ascenderia na carreira e seria reconhecido entre seus pares por isso. Cumpria ordens com eficiência, sendo um bom burocrata, sem refletir sobre o mal que elas causavam.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-la em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Quis ela explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o “mal” se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência. Já fiz essa reflexão sobre o livro aqui, mas é pertinente retomá-lo neste momento.

Líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal. Ou, melhor dizendo,

“necessário”. Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, praticamente em uma missão divina.

Os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológico são a corja da sociedade e agem para corromper os valores, tornar a vida dos outros um inferno e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do “bem”.

Jean Wyllys foi vendido, ao longo dos anos, como uma dessas pessoas descartáveis, que ameaçam a existência de

“homens e mulheres de bem”. Nesse sentido, o agressor pode ser qualquer um.

A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie. Com o exílio de Jean Wyllys por medo de morrer, a barbárie marca mais um ponto.

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Por ora, o começo

Flávio se torna sombra no Governo Bolsonaro (Foto: ADRIANO MACHADO – REUTERS)

Por Janio de Freitas

Impossível não é, mas também não é convincente que Flávio e Jair Bolsonaro pontuassem seus percursos políticos com defesas, elogios e apoios práticos às milícias apenas por ideias degenerativas. Sem sequer conhecer a ligação do seu influente amigo e assessor Fabrício Queiroz com a poderosa milícia de Rio das Pedras.

O que emerge, quase só por acaso, da simplória denúncia de que um PM movimentou pouco mais de um milhão em um ano, tem potencial de chegar a desfechos dramáticos em várias frentes.

Tudo depende da disposição de investigar e, a fazê-lo, que não haja os dirigismos e limitações próprios dos grandes inquéritos brasileiros.

A operação de há dois dias em Rio das Pedras, aliás, foi um feito sem precedente que a intervenção militar no Rio construiu, mas não pôde concluir.

Sua continuidade, pedida pelo novo governador, foi negada pelo governo Bolsonaro. Se por desejo do Exército ou por motivos que fatos atuais e futuros sugiram são hipóteses disponíveis para os exercícios interpretativos. Apesar de hipóteses, valem mais do que as explicações dadas.

Os generais Braga e Richard, no pouco que saíram do silêncio, deram pistas da prioridade à apreensão de armas (sem êxito) e às milícias. O que combinava com as principais suspeitas sobre a morte de Marielle e do motorista Anderson.

Mas uma operação contra a milícia da Rio das Pedras precisava de mais do que as informações necessárias: exigiu uma composição humana especial, pelos riscos implícitos e até para evitar o vazamento ameaçador.

O problema para a operação era conhecido e vinha de muito longe. O comando da milícia por um major da ativa na PM, agora preso, e de um major expulso da PM, agora foragido, ambos tidos como muito perigosos e competentes, bloqueava as polícias.

Era mais do que suficiente ao corporativismo de uns e ao medo de outros, quando não ao comprometimento, para evitar ações policiais contra os milicianos e suas atividades a partir de Rio das Pedras.

O numeroso transporte em vans, controlado por aquela milícia, proporciona às investigações uma informação útil ao levantamento dos elos: os Queiroz têm permissão do comando miliciano para explorar esse serviço, e o fazem.

Se pagam a quota convencionada, é incerto, consideradas as retribuições às honrarias da Assembleia Legislativas patrocinadas por Flávio Bolsonaro para os dois majores.

Presença anotada no gabinete de Bolsonaro na Câmara, para uma filha de Queiroz que exercia sua profissão no Rio. Contradições nos dados de compras e vendas de imóveis por Flávio. Discordâncias entre fatos e as explicações por ele dadas. Os discursos em Brasília e no Rio pró-milícias. Condecoração a milicianos. A intermediação do amigo e “motorista” Queiroz com oficiais PM problemáticos. Empregos para filha e mulher de chefe miliciano, emprego fantasma para outra. As sucessivas derrubadas das explicações defensivas —enfim, nada disso é desconectado.

E o todo não é uma ilha isolada de outras realidades. Não pode ser. Não é crível que seja.