“Extrovertido”,“sorridente”,“batalhador”, “cheio de sonhos” … Esses são alguns dos adjetivos que recorrentemente são dados ao jovem Luan Barreto, estudante universitário e técnico em eletrotécnica de 23 anos que foi brutalmente assassinado na noite de 1º de julho, na Avenida Lauro Monte, em Mossoró
O caso, que chocou todo o Rio Grande do Norte, e segue rodeado de mistérios e dúvidas, permanece sem respostas claras. Todos os indícios levam a crer que Luan foi vitimado após uma ação desproporcional e completamente atabalhoada da Polícia Militar de Mossoró. Até o momento os três PM’s foram afastados das funções enquanto caso é apurado, mas os questionamentos permanecem.
Quem matou Luan? De que arma partiu a bala que acertou sua cabeça? Onde estão as imagens das câmeras de segurança que rodeavam a cena do crime? Porque essas imagens não foram solicitadas imediatamente? Sob quais circunstâncias um motociclista, às 20h30 da noite, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade levaria um tiro em cheio na cabeça? Todas essas questões permanecem povoando os noticiários, o imaginário popular e também o pensamento dos familiares e todos àqueles que amavam Luan Barreto.
Passados 17 dias do crime bárbaro, e de uma investigação que ainda não apontou os responsáveis pela tragédia, o Blog do Barreto conversou com exclusividade com familiares, amigos e a namorada de Luan, buscando conhecer melhor quem era esse rapaz, quais eram seus sonhos e esperanças e de que forma aqueles que o amavam estão lidando com luto e a sensação de injustiça. Parte do bate papo com os familiares foi registrado em vídeo e pode ser conferido ao final dessa reportagem
Lucas Barreto conta que um dos sonhos de seu irmão mais velho era o de garantir que a mãe não precisasse mais trabalhar e que eles pudessem, no futuro, ter uma vida mais confortável. Para que isso se realizasse, Luan trabalhava em dois empregos e também fazia faculdade de Ciência e Tecnologia na Universidade Federal Rural do Semi-árido.
“Desde cedo ele começou a trabalhar, já aos 12 anos. Seu primeiro trabalho foi numa oficina de carro e moto. Depois disso, meu irmão trabalhou como servente, marceneiro, padeiro, vidraceiro e por último estava trabalhando como eletrotécnico, após ter concluído o curso de Eletrotécnica no IFRN. Ele tinha a fama de trabalhador justamente por isso. Estava se dando super bem no emprego atual, pois era exatamente na área que ele buscava e se formou. Uma coisa que ele falava muito para nossa mãe era sobre o desejo de reformar a nossa casa e também conseguir fazer com que ela não precisasse mais trabalhar tanto”, comentou Lucas.
O amigo Neemias Marinho reforça o caráter honesto e trabalhador de Luan. Para ele, o jovem era exemplo de superação e empenho, uma vez que dava conta de todas as suas atividades cotidianas sem esquecer de dedicar tempo aos amigos e a namorada. Para Neemias mesmo com suas inúmeras responsabilidades, Luan nunca deixou de pensar naqueles que estavam próximos.
“Luan é uma pessoa muito importante na minha vida. O que mais vai ficar na lembrança é a sua honestidade, sua força de vontade e capacidade de se superar. Mesmo não tendo tempo livre ele decidiu fazer uma faculdade. Ele trabalhava até as 18h, saia e ia estudar. Acordava cedo para ir à academia, depois já ia para o trabalho e ainda arrumava tempo para os amigos, para a família e pra namorada”
A tia de Lucas, Andreia Lígia, ressalta a alegria de Luan em viver e a felicidade que ele trazia a todas as pessoas que estavam ao seu redor. Ela foi uma das primeiras pessoas a chegar à cena do crime e os questionamentos que ela fez foram fundamentais para impedir que o caso de Luan fosse engavetado sem uma maior investigação.
“Tem um ditado que diz que para a pessoa ser elogiada precisa morrer. Pode até parecer que com Luan está acontecendo isso, mas não é. Ele sempre foi muito querido e isso transparece nas manifestações nas redes sociais e também nas ruas. As pessoas fazem questão de nos dizer que ele era muito alegra e querido. Gente que conhecia ele há muito tempo, gente que conhecia há pouco, era um consenso de como ele era um bom rapaz. Luan não havia completado sua missão aqui na Terra, que era de dar uma vida melhor para a mãe dele, infelizmente isso foi interrompido”, afirmou a tia
A prima de Luan, Lara Lívia, afirma que a vida de Luan sempre foi cheia de atividades e responsabilidades. “Ele conseguia conciliar tudo. Ele era o provedor da casa, mas sempre tinha tempo para tudo, para o trabalho, para os amigos… Há dois ele havia me falado que tinha o sonho de entrar n faculdade, mas sempre foi empurrando isso pra frente pois precisava prover as coisas dentro de casa e isso era a prioridade. Ele sempre falava que precisava trabalhar para que no futuro pudesse ter uma vida mais confortável, mais tranquila”, comentou.
“Não consigo acreditar nem aceitar que isso aconteceu. Para mim ele vai voltar a qualquer hora” afirma namorada da Luan.
A namorada de Luan, Myrla Rodrigues também conversou com exclusividade com Blog do Barreto e contou como têm sido os primeiros dias após o bárbaro crime cometido contra o rapaz.
De acordo com as informações da própria Myrla, Luan foi baleado quando ia buscar a namorada no trabalho, por volta de 20h30 da noite. Ela narra como foram os momentos antes de descobrir que o rapaz havia sido alvejado e estava no hospital:
“Eu estava aguardando por ele, fiquei esperando até umas 21h20, 21h30 e comecei a perceber uma demora incomum. Comecei a ligar e tentar contato, mas sem nenhum retorno. Quando ele ia se atrasar ele sempre me avisava, mas como ele trabalhava a noite achei que ele estava ocupado, por isso decidi pegar um Uber para ir para casa. Pouco tempo depois de chegar em casa comecei a receber as fotos que estavam circulando nos grupos de notícias e nessa hora fiquei desesperada. Ao chegar no hospital nos deram a notícia, mas eu não consegui acreditar”, afirmou a namorada.
A notícia da morte de Luan ainda não foi completamente processada por Myrla, que tem apenas 18 anos. Ela conta que tinha muitos planos e projetos com Luan e que admirava a sua força de vontade, alegria e coragem para enfrentar os desafios.
” Ainda não acredito nem consigo aceitar que isso aconteceu. Para mim ele vai voltar a qualquer hora. Saber que ele saiu de casa e que nunca mais vai voltar é algo que eu ainda não processei completamente. Ele me disse um dia que íamos vencer na vida e conquistar tudo o que sonhávamos. Isso infelizmente foi arrancado de nós”, concluiu.
Sonhos destruídos. Vida roubada. Uma tragédia e muitas marcas.
Com a morte de Luan, também foram embora os planos e esperanças do jovem sonhador. Conhecido por sua humildade e gentileza, o rapaz que trabalhava em dois empregos e almejava dar um futuro melhor para a mãe, sem dúvida, marcou positivamente todos os que o conheceram em sua tão breve jornada nessa vida.
O irmão de Luan, Lucas, afirma que a mãe dos rapazes tem sofrido muito. “Nunca vi minha mãe tão triste quanto agora. Tenho feito de tudo para tentar manter ela animada e feliz, mas isso é difícil porque eu também não consigo parar de me sentir triste. O que desejamos é que esse crime seja apurado, os responsáveis paguem por ele. Só assim poderemos ficar um pouco mais tranquilos com tudo isso”, ressalta.
A prima de Luan, Lara, comentou a importância das investigações como forma de garantir que a justiça seja feita e que os responsáveis pelo crime sejam punidos. Dessa forma a família encontrara algum amparo em meio a essa tragédia.
“É impossível para a família e para os amigos seguirem em frente sem ter respostas sobre esse crime. A gente precisa disso. Não significa que vai passar, mas pelo menos vamos aos poucos aceitar a situação. Temos que ir atrás de saber quem foram os responsáveis por isso, como isso ocorreu. Só assim vamos poder desencasar nosso coração” afirmou Lara.
Neemias também ressaltou a importância da busca por justiça. “Luan foi um cara muito importante pra mim, a gente só quer saber quem foi que fez isso, que a justiça seja feita e a gente possa ter um pouco mais de conforto”, afirmou Neemias
Confira a seguir o bate papo na íntegra com a família de Luan. Nesse material exclusivo os familiares falam sobre a vida sem o rapaz, os sonhos que não poderão ser realizados e também sobre o processo de investigação do crime, as mobilizações em defesa de uma apuração justa e a rede de solidariedade entorno da família e amigos.
O governador do Rio Grande do Norte Rafael Fernandes Gurjão caminhava para mais uma solenidade maçante (no caso a formatura dos contabilistas do Colégio Santo Antônio) daquelas cheias de bajuladores, que os políticos só vão por obrigação, no Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão).
Era por volta das 19h30 do dia 23 de novembro de 1935 e o governador nem fazia ideia do que estava por vir até que surge no vácuo o som dos estampidos. Começava naquele momento o que para a direita se convencionou chamar de Intentona Comunista de 1935 e para a esquerda se tenta dar o nome de Levante ou Insurreição no lugar da palavra que significa “cometimento temerário” ou “plano insensato”.
No quartel do 21º Batalhão de Caçadores do Exército um grupo de sargentos tomou o controle, quebrou a hierarquia e prendeu oficiais em nome de Luís Carlos Prestes, conhecido como “Cavaleiro da Esperança”, líder da Aliança Nacional Libertadora (ANL).
No Rio de Janeiro e em Recife também teríamos sublevações, mas as duas cidades não foram tão longe quanto Natal. A capital dos potiguares tornava-se naquele 23 de novembro a primeira cidade comunista das Américas.
A revolução, intentona, levante ou insurreição espalhou pelo Rio Grande do Norte e quase metade do Estado foi tomado de assalto.
À frente do movimento estavam tipos populares como sapateiro José Praxedes que proclamou a instauração de uma Junta Governativa Popular Revolucionária. Mossoró estava representada pelo funcionário do Colégio Atheneu João Galvão. Além de João Francisco Gregório, presidente do Sindicato dos Estivadores que assumiu o controle do cais do porto.
O líder militar do movimento era o Sargento Quintino Clementino Barros, um músico. Ele tomou o quartel do 21º BC do Exército em poucos minutos com a ajuda do soldado Raimundo Francisco de Lima (“Raimundo Tarol) e o cabo Giocondo Dias (“Cabo Dias”).
Os oficiais rendidos não aceitaram aderir à revolução e ficaram presos no cassino do quartel. Coube ao “Cabo Dias” pronunciar a voz de prisão: “os senhores estão presos em nome do capitão Luiz Carlos Prestes!”.
Enquanto isso o governador e seu séquito fugiam. Primeiro Rafael Fernandes se escondeu no consulado improvisado do Chile. Depois no da Itália e por fim foi parar em um navio mexicano ancorado no porto de Natal onde ficou até ter o poder restabelecido com ajuda de forças policiais da Paraíba. Foram três asilos políticos em três dias.
Durante pouco mais do que três dias, ou 82 horas como apontam alguns historiadores, ocorreram saques, ou expropriações, todo o dinheiro do Banco do Brasil foi raspado e parte dele distribuído entre os pobres. O bonde passou a funcionar com preços das passagens reduzidos e a revolução se espalhou por quase metade das 41 cidades potiguares naquela época.
Com a chegada de forças militares da Paraíba e com o fracasso do levante no Rio de Janeiro e em Recife os sublevados decidiram por evitar um banho de sangue e fugiram no dia 27 de novembro.
A seguir mostramos uma série de fatos que você não conheceu na escola quando estudou a respeito da “Intentona Comunista de 1935”.
Disputas entre oligarcas deram condições políticas para o movimento
Há menos de um mês Rafael Fernandes tinha tomado posse no cargo em tumultuado processo eleição indireta. Era primeiro (e seria o único) governador sob a égide da liberal constituição de 1934.
A confusão se dava pela eleição de 1934 que manteve os padrões da República Velha (1889/1930) com fraudes, violência e voto de cabresto, três elementos que findam sendo uma coisa só: o desrespeito à vontade do eleitor.
Foi neste pleito que escolheu os deputados que elegeriam o Governador do Rio Grande do Norte de forma indireta. As forças políticas que davam as cartas no Estado estavam divididas entre o Partido Popular (PP) que reunia os oligarcas derrotados no Golpe de 1930 e o a união dos grupos de Café Filho e do ex-interventor Mário Câmara que formavam a Aliança Social.
Na primeira contagem a dupla Café Filho e Mário Câmara levou a melhor, mas o PP denunciou fraudes e o recém criado Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou novas eleições.
Novamente o tripé voto de cabresto, violência e fraudes estava posto lado a lado. No fim o PP venceu elegendo três deputados federais e 14 estaduais contra dois federais e 11 estaduais de seus adversários.
Rafael Fernandes virou governador, mas teria que lidar com o ranço dos adversários que passaram a conspirar diariamente. Não era uma conspiraçãozinha de gabinete. Era algo aberto e provocador.
Assim relata Natanael Sarmento em “Às Armas Camaradas!” (pág.30)
“As tramas conspiratórias à deposição de Rafael Fernandes eram públicas, os conspiradores não davam importância à confidencialidade. A movimentação dos chefes políticos interioranos, prefeitos, ligados ao interventor Mário Câmara, e as confabulações dos partidários de João Café Filho, ocorriam à luz do dia”.
A disputa entre duas pontas da elite política acabou aproximando membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da ANL aos derrotados da eleição de 1935.
Era uma situação que enfraquecia politicamente o governador e contribuiu para o levante comunista.
Para piorar a situação, Fernandes tinha demitido 300 guardas-civis que estavam indignados e prontos para aderir à revolução.
Tudo isso em um contexto do mundo entre guerras (1918/39) em que a polarização entre nazifascimo e comunismo esmagava a democracia liberal. Isso, claro, se refletia num Brasil que dali a dois anos sofreria com o Golpe do Estado Novo.
As tensões no Rio Grande do Norte eram reflexo da disputas entre a ANL e a Ação Integralista Brasileira (AIB) – de orientação fascista- em que o próprio Getúlio Vargas tentara se equilibrar entre os polos para, ao golpear a frágil democracia brasileira em 1937, colocar os dois grupos na ilegalidade,
A revolução se espalha pelo interior
Com o controle em Natal a fase seguinte seria espalhar a revolução para o interior. Assim foram formadas três colunas: a primeira rumou ao litoral sul até a divisa com a Paraíba. A segunda saiu pelo litoral norte com o objetivo de alcançar por esse trajeto Macau e Mossoró até a divisa com o Ceará. A terceira rumou para as regiões Central e Seridó.
O objetivo era depor prefeitos, assumir o controle administrativo e soltar os presos políticos. Além de confiscar dinheiro e armas.
Aliciar novos revolucionários era outro plano.
Essa estratégia se repetiu em quase metade dos 41 municípios existentes no Rio Grande do Norte naquela época. Os governos populares com lideranças ligadas ao PCB, Aliança Social e ANL.
Foi tomado o controle nas cidades de Santa Cruz, Nova Cruz, Currais Novos, Acari, Ceará-Mirim, São Gonçalo, Taipu, Baixa Verde (atual Campo Redondo), Macau, São Miguel, São José de Mipibu, Arês, Canguaretama, Goianinha, Lajes e Angicos.
A Guerrilha do Vale do Açu
No Vale do Açu, antes mesmo da revolução, já estava em uma guerrilha rural sob o comando de Manuel Torquato. Natanael Sarmento em “Às Armas Camaradas!” (Pág. 83) o descreve como um homem de leituras, convicções políticas e, sobretudo, de ação.
Ele chegou a ser preso em Mossoró, mas conseguiu fugir. A sua atuação foi um ensaio do que estava por vir.
A guerrilha surgiu antes do levante de 35 e seguiu após o fracasso. Eram ataques surpresas em que o líder conclamava os camponeses à luta contra a exploração e o monopólio da terra.
Por conta da estratégia que se assemelhava ao cangaço, os jornais de forma proposital faziam os leitores crerem que o militantes da Guerrilha do Vale do Açu eram cangaceiros.
A guerrilha só caiu em 1936.
Mossoró teve papel discreto
Nos anos 1930 Mossoró já era a segunda cidade em importância do Rio Grande do Norte, mas curiosamente a terra da resistência ao bando de lampião oito anos antes ficou em compasso de espera.
E olhe que a cidade tinha um PCB organizado e em permanente contato com a guerrilha de Assú.
Brasília Carlos Ferreira em “O Sindicato do Garrancho” (Pág. 137) é quem melhor narrou o quadro na capital do Oeste.
“Em Mossoró, estranhamente, não aconteceu nada. Além de toda preparação anterior e da combinação prévia de não resistência por parte das corporações ali sediadas, havia a ‘guerrilha’, homens armados, experientes e dispostos, esperando apenas o sinal para saírem das matas e começarem a luta”.
A expectativa seria de Mossoró ser dominada sem um único tiro, mas faltava um sinal para deflagrar o movimento. Equipes se revezavam nos Correios à espera do telegrama até que chegou a mensagem: “Zeca baixou o hospital”. Era a senha para abortar a missão.
A revolução tinha fracassado.
O único feito prático do levante comunista em Mossoró foi a libertação de presos políticos da Cadeia Pública para se juntar à “Guerrilha”.
Dinarte, o “general” fanfarrão e o monsenhor integralista
Um dos fatos mais emblemáticos do Levante Comunista de 1935 no interior do Rio Grande do Norte foi a batalha da Serra do Doutor. A ela dois futuros governadores do Estado estão atrelados de forma, digamos, pitoresca.
A começar por Dinarte Mariz que foi governador e senador (pelo voto e biônico) e se forjou politicamente com base numa narrativa que se não foi inventada foi bem aumentada.
Dinarte, oligarca do Seridó, empolgado adesista de 1964, gabava-se de ser um anticomunista que pegou em armas. “Não sou anticomunista de gabinete. Sou anticomunista de fuzil na mão”, disse em discurso no Congresso Nacional (Às Armas Camaradas, Pág. 92).
Ele se colocava como um “general da batalha da Serra do Doutor”. Os jornais alinhados aos oligarcas reproduziam esse suposto heroísmo dando-lhe a patente de “General da Serra”.
No entanto, a badalada Batalha da Serra do Doutor, ocorrida na atual cidade de Campo Redondo, região do Trairi, não passou de uma troca de tiros sem vítimas cujo prejuízo se limitou a explosão com uso de dinamite em um caminhão abandonado no local. Os combates de ambos os lados fugiram.
Dinarte estava distante e só chegou quando o confronto tinha encerrado.
O ex-comandante da Polícia Militar e ex-prefeito de São Gonçalo do Amarante José Paulino de Souza conta que esse tal heroísmo de Dinarte não passou de uma busca por apoio logístico (informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30”, pág. 125).
“Dinarte foi para Santa Luzia, na Paraíba, a procura de meios de defesa. Depois que tudo terminou ele voltou com uma tropa da Paraíba, segundo soube, para cooperar na reorganização da resistência. Mas general ele não foi”.
O delegado Enoch Garcia, responsável por relatórios sobre o movimento, também descarta o heroísmo em campo de batalha atribuído à Dinarte (informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30”, pág. 132):
“Todo mundo queria que Dinarte tivesse tomado parte da Serra do Doutor. Ele não tomou parte da Serra do Doutor, como eu não tomei, como Humberto Gama não tomou. Lá tomaram parte Pedro Graciliano, José Epaminondas, Genésio Cabral, Antonio de Castro… e, inclusive, muitos civis (…)”.
Se a fanfarronice de Dinarte foi pitoresca neste episódio a do Monsenhor Walfredo Gurgel, outro futuro governador, não deixa por menos.
Seguidor na época do integralismo, ele largou a batina, pegou um revolver e colocou na cintura para combater na Serra do Doutor para onde também levou bombas no carro. Ele foi ao local, não entrou em combate e voltou.
Consta que nas imediações faltou remédio para dor de barriga para atender os que fugiam da batalha. Não ficou claro se Monsenhor Walfredo Gurgel foi um dos que recorreu aos serviços da medicação.
Mas tanto em tanto em “Ás Armas Camaradas” (Pág. 96) como em informação extraída de “O Comunismo: as lutas políticas do RN na década de 30” (Pág. 128) a citação sobre o surto de dor de barriga vêm logo após a história da participação relâmpago do religioso/político na resistência.
O “dinheiro achado” e “os observadores de engorda de tatu”
Após tomar o poder, os revolucionários ocuparam a casa oficial do governador, controlaram os rádios dos quarteis e os correios e telégrafos assim como o cais do porto.
Agora o que fazer? O objetivo era implementar uma reforma agrária e distribuir dinheiro para a população. Outra ação importante foi o pagamento dos salários atrasados da extinta Guarda Civil.
O dinheiro foi recolhido no Banco do Brasil e na Recebedoria de Rendas. No primeiro foram expropriados dois mil, novecentos e quarenta contos, centro e quatro mil réis e no segundo oitocentos e oitenta e seis contos, cento e vinte e quatro mil réis. Os revolucionários tinham uma fortuna em mãos.
Para tirar o dinheiro do Banco do Brasil foi necessária uma escolta levando o mecânico Manoel Severino que arrombou o cofre com o uso de um maçarico.
Após o fim do levante, em telegrama enviado à Vargas, Rafael Fernandes relatou um “confisco” de mais de cinco mil contos de réis.
De fato, a história registra a recuperação de apenas 800 mil réis, ficando pelo menos mais de dois terços da fortuna sem dono.
Várias lendas surgiram na capital. Uma delas é a dos “achadores de dinheiro”. Quatro décadas antes do nascimento do bordão “Follow the money” (“Siga o dinheiro”) ficar conhecida durante a investigação feita pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein do caso “Watergate” que derrubou o presidente estadunidense Richard Nixon, a sabedoria natalense já tinha percebido essa como a melhor estratégia para identificar quem se deu bem com o “dinheiro achado”. A frase comum era: “se o tatu está gordo, alguma coisa ele come”.
De fato, do nada surgiram novos ricos. Casas foram reformadas. Empreendedores improváveis estavam posando de cidadão de bem, gerador de empregos e pagador de impostos.
“A Liberdade” que não circulou
Um dos problemas para a revolução dizia respeito à comunicação. Logo que tomaram o poder os revolucionários requisitaram duas belonaves da Companhia Aérea Condor para distribuir informativos à população.
Mas era necessário por um jornal nas ruas.
Com a imprensa oficial sob controle revolucionário, foi instituído o jornal “A Liberdade”, que nas palavras de Natanael Sarmento em Às Armas Camaradas (Pág. 65) mais parecia uma obra de ficção:
“A Liberdade, o jornal oficial revolucionário, mais parece uma obra de ficção. Um artigo sobre A Marcha da Revolução Libertadora traz afirmações apologéticas e inverídicas da revolução no país. Um amontoado de notícias sobre levantes, greves e vitórias do movimento Nacional Libertador, inverídicas”.
A edição de “A Liberdade” ficou sob responsabilidade de Raymundo Reginaldo da Rocha. Na primeira e única edição foi apresentado o programa da revolução que previa reforma agrária, democracia, proteção aos trabalhadores e moratória da dívida externa.
Houve publicação de artigos sobre arte e uma pitoresca publicidade do Sal de Frutas Eno, um produto estrangeiro em uma publicação de um Governo Popular Revolucionário Nacional Libertador.
Mas “A Liberdade” sequer chegou a circular com seus mil exemplares. A tiragem foi apreendida pelas tropas da reação que retomaram o poder na capital em nome do governador Rafael Fernandes e do presidente Getúlio Vargas.
Mulheres também estiveram no Levante Comunista
É lógico que na terra de Nísia Floresta, Celina Guimarães, Alzira Soriano e Maria do Céu Fernandes haveria uma intensa participação feminina em seu maior levante popular.
Houve uma tentativa de apagar da memória a participação feminina no movimento, mas não há como negar nos relatórios os trechos sobre as “mulheres vestidas de homem” que vestiram as fardas militares e pegaram em armas.
Eram integrantes da União Feminina. Algumas delas donas de casa. Outras lavadeiras. Gente da periferia de Natal que se colocou na luta por uma sociedade mais justa.
Leonina Félix teve intensa atuação no processo enfrentando ataques da mídia reacionária que lhe atribuía insultos como os apelidos de “amante”, “amásia” ou “mulher vestida de homem”.
Junto à ela estiveram Chica Pinote, Chica da Gaveta, Maria da Cruz Nunes e Raymunda Pires.
Foram ao todo 33 mulheres indiciadas e denunciadas pela participação no levante de 1935 ao Tribunal de Segurança Nacional. Contando a movimentação em todo o Brasil naquele mês de novembro 42% das mulheres denunciadas estavam no Rio Grande do Norte.
O herói fake da PM
Um dos episódios mais lamentáveis do pós-35 foi a manipulação de documentos públicos para a criação do mito do Soldado Luiz Gonzaga, herói da resistência à intentona comunista.
Por décadas ele foi peça de propaganda anticomunista no Rio Grande do Norte, inclusive sendo objeto de uma mausoléu no Cemitério do Alecrim erguido nos anos 1970 pelo então governador Tarcísio Maia.
Tudo não passou de uma falsificação desmascarada pelo desembargador João Maria Furtado no livro “Vertentes”, publicado em 1976.
Gonzaga era um morador de rua, considerado uma pessoa com problemas de sanidade mental que filava comida no quartel da Polícia Militar e fazia alguns serviços para os soldados. Durante a fuga de alguns policiais no cerco ao quartel da PM lhe deram um fuzil.
Furtado conseguiu comprovar que o major Luiz Júlio forjou o alistamento de Gonzaga e adulterou os relatórios que originalmente ignoravam a história da figura conhecida como “Doidinho” com o apoio do Dr. João Maria Medeiros.
A desconfiança sobre a farsa persistiu por vários anos pela ausência de citações sobre a morte dele em depoimentos e reportagens nos jornais. Também permaneceu sob mistério a autoria do assassinato.
Somente nos anos 1990 o autor do homicídio apareceu. Trata-se de Sizenando Filgueira da Silva que aos 75 anos decidiu confessar numa entrevista à Tribuna do Norte, publicada em 12 de dezembro de 1995. Extraímos o depoimento do livro “O Comunismo e as Lutas Políticas no RN na Década de 1930” de autoria de Luiz Gonzaga Cortez.
Confira a fala de Sinzenado (Pág. 91):
“Ele não era herói nem militar na época. Ele apenas era um débil mental, menor de idade, e deram-lhe um fuzil para acompanhar os que fugiam do quartel em procura da base naval. Depois que fiz a prisão do major Luiz Júlio (comandante do Batalhão da PM), e de um coronel do Exército, eu olhava para a direita e vi quando ele estava procurando pontaria para atirar. Antes que atirasse eu atirei, só dei um tiro e ele caiu. Ele estava por trás de uma moita no mangue (…)”.
O livro Às Armas Camaradas (Pág. 82) traz a informação de que João Medeiros Filho escreveu uma carta a O Poti em 13 de outubro de 1985 admitindo a adulteração de documentos feita pelo pai para forjar o mito classificando-a como “alteração de boa-fé”. “No entanto, esse episódio da fraude do Soldado Luiz Gonzaga está longe da boa-fé. Fraude é fraude”, avaliou o autor Natanael Sarmento.
Até hoje muitos setores da PM potiguar celebram a figura de um herói forjado para uma propaganda anticomunista.
Bibliografia consultada:
BRASÍLIA, Carlos Ferreira: O Sindicato do Garrancho. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2000.
CORTEZ, Luiz Gonzaga: O Comunismo e as Lutas Políticas na Década de 30. Natal: Sebo Vermelho, 2015.
SARMENTO, Natanael: Às Armas Camaradas! A insurreição comunista e o Governo Popular de 1935 em Natal. Mossoró: Sarau das Letras, 2016.
A madrugada que separou os dias 31 de março e 1º de abril de 1964 foi marcada pela ruptura do Estado Democrático de Direito no Brasil levando o país a 21 anos de ditadura militar.
Tudo isso há exatamente 55 anos.
Entre historiadores renomados é unanime que foi um Golpe de Estado com direito a tanques nas ruas, inclusive.
No Rio Grande do Norte os efeitos da ruptura com a democracia foram sentidos de forma imediata. O Estado vinha de uma eleição acirrada e marcada pelo radicalismo em 1960 quando Aluízio Alves, após romper com Dinarte Mariz, derrotou Djalma Marinho e se tornou governador do Estado.
Aluízio deu apoio ao golpe e foi um aliado de primeira hora dos militares.
O prefeito de Natal era Djalma Maranhão, político abertamente de esquerda que atuava como terceira via entre as oligarquias comandadas por Aluízio e Dinarte. Djalma possui fortes divergências públicas com Aluízio.
Maranhão entraria para história também por ter feito a campanha de alfabetização “Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, baseada nos métodos do pedagogo Paulo Freire.
Com deflagração do golpe, ele faria da Prefeitura de Natal o principal foco de resistência no Rio Grande do Norte. O Palácio Felipe Camarão se tornaria o “QG da Legalidade e da Resistência”. No entanto, o entorno de Maranhã era frágil por se limitar a lideranças sindicais, estudantes e assessores.
Enquanto isso, Aluízio publicava na Tribuna do Norte uma nota em que pedia ao povo potiguar para se conservar calmo evitando manifestações que aprofundem divisões.
Apesar do discurso apaziguador caberia ao governador encaminhar as primeiras ações de repressão política no Rio Grande do Norte perseguindo lideranças sindicais e políticos adversários.
Djalma foi deposto do cargo em 2 de abril de 1964 quando tropa militares invadiram o Palácio Felipe Camarão e o prenderam enviando para o 16º Regimento de Infantaria, o conhecido 16 RI. Os militares ainda propuseram que ele renunciasse ao mandato conquistado nas urnas em 1962, mas o prefeito preferiu resistir.
Mas não seria Maranhão o primeiro preso político do novo regime. Durante as negociações para tirar o prefeito do poder o líder sindical Evlim Medeiros (Sindicato da Construção Civil de Natal) seria preso após ser reconhecido por um oficial do exército sendo levado para o 16 RI antes do desfecho que culminou com a prisão do líder da resistência ao golpe no RN.
Após ser posto em liberdade, Djalma Maranhão se exilou em Montevidéu onde morreu em 30 de julho de 1971, segundo seu companheiro de exílio Darcy Ribeiro, a causa teria sido saudade.
Aluízio que comandava as perseguições logo seria convertido de vilão a vítima.
Os dias seguintes ao Golpe seriam marcados no Rio Grande do Norte pelo fechamento de sindicatos e prisões de lideranças políticas.
Enquanto isso, o golpe reunia formalmente ferrenhos adversários. Aluízio e Dinarte estaria alinhados dentro do sistema governista e fundariam juntos a Arena no Rio Grande do Norte em 1965 embora a convivência não fosse boa.
Mossoró no contexto do Golpe
Na época do Golpe Militar Mossoró era administrada por Raimundo Soares, aliado da família Rosado, que comandava a política local.
Os principais líderes políticos da cidade, Vingt e Dix-huit Rosado, logo aderiram ao regime e fariam parte das articulações alinhados à liderança de Dinarte Mariz.
Em Mossoró não há muitos estudos sobre o que aconteceu na cidade na madrugada entre 31 de março e 1° de abril.
O único político mossoroense a organizar alguma forma de resistência foi o deputado estadual eleito em 1958 Cesário Clementino que fora líder sindical dos ferroviários. Em 1964 ele era suplente, mas teve esta condição política cassada pelo regime.
O período militar foi de hegemonia rosadista e de disputas pelo comando do Palácio da Resistência. A única quebra dessa sequência aconteceu em 1968 quando o ex-aliado dos Rosados Antônio Rodrigues de Carvalho derrotou Vingt-un por 98 votos.
O relatório Veras
Nos primeiros dias pós-Golpe, Aluízio Alves mandou buscar em Recife os delegados da Polícia Federal José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras que produziriam o “Relatório Veras” identificando os “subversivos” do Estado.
Eles produziram um trabalho de 67 páginas em que apontaram cujos alvos preferidos eram servidores da rede ferroviária, da Prefeitura de Natal, estudantes, artistas e sindicalistas.
Na lista constam o professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo e o pastor José Fernandes Machado. Além de, claro, Dajalma Maranhão.
No mesmo período, Aluízio Alves efetuou a demissão de 82 servidores públicos estaduais acusados de “subversão”.
A política no RN durante a Ditadura Militar
Nos primeiros dias pós-Golpe o processo de união das oligarquias Alves e Mariz se deu no campo formal com os dois grupos organizando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
No campo político o confronto entre os dois continuava ainda que estivessem alinhados com o regime. Apoiado por Aluízio, Walfredo Gurgel foi eleito governador derrotando Dinarte. O troco foi dado no ano seguinte quando Dinarte conseguiu vetar a candidatura de Aluízio ao Senado. Foi feito um acordo entre a Arena Verde e a Arena Vermelha que fez do mossoroense Duarte Filho senador. Isso não garantiu a pacificação do partido.
Estava claro que a força eleitoral de Alves não seria forte o suficiente diante de Mariz no plano nacional. Isso se materializou em 1969 quando uma articulação de Dinarte Mariz junto ao presidente Costa e Silva resultou na cassação do mandato dos direitos políticos de Aluízio Alves que ficaria dez anos impedido de candidatar-se.
Isso definiria os rumos da política potiguar nos anos seguintes com Aluízio se alinhando ao MDB e lançado o filho Henrique Alves e o sobrinho Garibaldi Alves Filho na política.
A partir de 1970, os governadores de todo o Brasil passariam a ser escolhidos de forma indireta e com influência dos ditadores de plantão. Nas escolhas de 1970, 74 e 78, mesmo no ostracismo Aluízio mantinha a popularidade e consultado em todas as definições dos governadores.
Assim, foram escolhidos governadores pela ordem: Cortez Pereira, Tarcísio Maia e Lavoisier Maia. Nas três disputas o mossoroense Dix-huit Rosado tentou sem sucesso se tornar governador do Estado, mas sempre fora preterido.
A escolha mais dramática aconteceu em 1974 quando estava tudo acertado para que o empresário Osmundo Faria (pai do ex-governador Robinson Faria) seria anunciado e na madrugada do dia que seria feito o anúncio, o padrinho político da escolha, o general Dale Coutinho sofreu um infarto e morreu. A fatalidade zerou as articulações levando Tarcísio Maia a ser escolhido.
PAZ PÚBLICA
Na eleição de 1978 foi forjada a primeira aliança entre as oligarquias Alves e Maia por meio da paz pública quando Aluízio Alves e Tarcísio Maia se juntaram em torno da candidatura ao Senado de Jessé Freire, da Arena. Aluízio chegou a indicar nomes no Governo de Lavoisier Maia.
A tal paz se desfez com o processo eleitoral de 1982 quando os estados voltaram a eleger seus governadores. Aluízio seria derrotado por 106 mil votos de diferença para o jovem ex-prefeito de Natal José Agripino.
Os perseguidos políticos e desaparecidos no RN
Após os primeiros dias do regime como já citado nesta reportagem a repressão voltou a se intensificar no Estado a partir do Ato Institucional número 5.
Em 1968, foram presos os estudantes Ivaldo Cartano, José Bezerra Marinho e Jaime de Araújo Sobrinho. O padre marista Emanuel Bezerra.
Gileno Guanabara também foi preso.
Um dos primeiros potiguares assassinados pela repressão foi Emmanuel Bezerra dos Santos, líder estudantil e liderança do Partido Comunista Revolucionário (PCR).
No Governo Médice, a repressão ainda foi mais intensa.
Um dos casos mais marcantes envolveu o casal mossoronse Luiz Alves e Anatália de Melo Alves. Ele foi preso e torturado, inclusive ouvindo gemidos de dor enquanto sua esposa também era seviciada.
Ela não resistiu e morreu em 22 de janeiro de 1972 após sessão de tortura em Recife se tornando uma mártir da resistência ao regime no Rio Grande do Norte. Os militares tentaram abafar o caso por meio de censura, mas os testemunhos de outros presos ajudaram a provar que ela foi executada por torturadores.
Em 17 de janeiro de 1973, outro potiguar atingindo pelo regime foi José Silton Pinheiro dos Santos foi outro potiguar assassinado pelo regime. Ele era estudante de pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
SEQUESTRO
Um dos momentos mais tensos da ditadura militar foi quando os grupos de esquerda que aderiram a lutar MR8 e ALN sequestraram o embaixador americano Burker Ellbrick em 4 de setembro de 1969.
A ação contou com a participação do potiguar Virgílio Gomes da ALN que seria morto após espancamento por parte de membros da Operação Bandeirantes em 29 de setembro daquele mesmo ano.
Vítima do “Cabo Anselmo”
Uma das figuras mais controversas da ditadura militar foi José Anselmo dos Santos, conhecido como “Cabo Anselmo” que se infiltrou dentro das organizações paramilitares de esquerda como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Neste agrupamento ele encontrou o potiguar Edson Neves Quaresma que foi assassinado após delação do “Cabo Anselmo”.
Bibliografia consultada
O golpe militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos: 1969-1973.
Autor: Luciano Fábio Dantas Capistrano
1964: Aconteceu em abril.
Autora: Mailde Pinto Galvão
Como se Fazia Governador Durante o Regime Militar: o ciclo biônico no Rio Grande do Norte.
Autor: João Batista Machado.
História do Rio Grande do Norte
Autor: Sérgio Luiz Bezerra Trindade
Subversão no Rio Grande do Norte: relatórios dos inquéritos realizados por José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras a mando do governo Aluízio Alves.
Ao lado do “elefante branco” materializado no prédio da Porcellanati, símbolo do fracasso da tentativa de industrialização em Mossoró, encontra-se o acampamento conhecido como Comuna Urbana do MST.
A visão da foto acima contrasta a necessidade e o desperdício. Enquanto muitos precisam de um lugar para morar, terra para plantar ou um emprego para se sustentar a Porcellanati teve todos os incentivos do Governo do Estado e da Prefeitura de Mossoró e fechou as portas, gerando desemprego e deixando dívidas milionárias no comércio local.
A seletividade de setores fica evidenciado ainda mais quando se percebe que o calote dado em Mossoró não gerou a mesma revolta que o acampamento na entrada do Conjunto Nova Mossoró. Foram três atentados à bala e muitas ameaças que se encerraram com o slogan “Bolsonaro 2018”. A polícia está investigando.
O caso gerou um debate sem fim nas redes sociais a respeito do caráter e origem das pessoas envolvidas no acampamento. Clichês sempre dão a tônica. “São vagabundos”. “Conheço um que tem casa própria”. “Sei de um que tem uma Hilux”. “É tudo bandido!”.
O Blog do Barreto virou os clichês pelo avesso e foi ao acampamento conhecer quem são as pessoas que estão lá, como vivem e as histórias de vida de algumas das 300 famílias que estão se revezando em grupos de 50 pessoas, a maioria chefiadas por mulheres desempregadas. Quem trabalha não recebe o suficiente para pagar a moradia e garantir a alimentação adequada. São trabalhadores braçais que vivem de “bicos”, empregadas domésticas e pessoas que fazem serviços esporádicos no comércio por hora trabalhada.
‘Quero um lugar para morar. Não para vender’
Moreno, baixa estatura, mãos calejadas e olhar sofrido. Tenilson Melo, aos 58 anos, segue a vida do trabalho pesado como pedreiro. Sua história é sofrida. Dos 8 filhos, um morreu no ambiente de filme de terror da saúde pública. “Tinha um casal de gêmeos que adoeceram. A menina sobreviveu. O menino não resistiu. Só tinha cinco anos”, encerra em tom resignado.
Tenilson, demonstra tristeza quando provocado a comentar a respeito dos comentários das redes sociais que acusam o movimento de ser permeado por “vagabundos” e “bandidos”. “Eu acho errado pegar um terreno para morar e vender. A gente luta por um lugar para morar”, avisou.
Desde os 12 anos Tenilson trabalha. Sem muito tempo para estudar ele ajudava o pai na roça. “Quando meu pai faleceu fui para a cidade trabalhar como pedreiro”, disse. “Eu me incomodo com essa história de chamarem a gente de ‘bandido’. Só entrei numa delegacia para tirar documentos. Quero um lugar para morar. Não para vender”, reforça.
Tenilson nunca morou em casa própria. Acumula uma vida pagando aluguel. “Todos nós sabemos que precisamos batalhar para ter o que quer. Estamos aqui sem querer fazer baderna e aqui só tem pai de família muitos desempregados. Fico triste quando fico sabendo que atacam a gente na Internet”, lamentou.
‘Não sei o que é morar em casa própria, mas sei o que é pagar aluguel que consome tudo que ganho’
Baixa estatura, braços fortes e semblante que mistura o bom humor com a angustia de quem tem três filhos e o quarta está na barriga. Lunne Rafaela aos 25 anos sobrevive com um bico em uma lanchonete aos finais de semana onde trabalha como monitora no espaço kids.
Ela recebe R$ 80 reais por final de semana trabalhado. “Não sei o que é morar em casa própria, mas sei o que é pagar um aluguel que consome tudo que ganho”, frisa.
A vida de Lunne não é fácil. O marido sofreu um acidente de trabalho que esmagou o pé direito deixando-o inválido para o trabalho pesado. Ela mostra resignação com as histórias que contam nas redes sociais. “Eles nos julgam pela aparência. Somos trabalhadores de bem. Se a gente não tivesse essa precisão não estava aqui. Se eles vivessem a vida que a gente vive não falariam isso. Para a gente é tudo mais difícil”, disse. “Falam que a gente tem carro do ano, mas eu não tenho dinheiro nem para botar gasolina numa moto velha”, completou.
‘Com três hérnias de disco entrego água para pagar o aluguel”
Aldeci Fonseca, 59, carrega no rosto as marcas de quem dedicou a vida ao trabalho pesado nas salinas de Mossoró. Nas costas estão as dores e as consequências disso. Com três hérnias de disco está aposentado por invalidez. O benefício de um salário mínimo foi corroído por um empréstimo para sair do sufoco. “Só recebo R$ 640 por causa dos descontos”, lamenta o sem teto que paga R$ 350 de aluguel.
Para conseguir pagar o aluguel ele complementa a renda entregando água mineral e gás de cozinha quando as dores permitem. “Ganho um real por água vendida. Se eu vender dez garrafões eu ganho dez reais. Ganho cinco reais por gás vendido, mas a gente vende uma vez na vida”, frisa.
Num barraco em que se reveza com uma das noras no acampamento, ele conta que nunca morou em casa própria e sonha diariamente em se livrar do aluguel. “No dia que eu receber as chaves da casa eu quero ir para dentro morar. Tem gente que vende e é errado, mas a maioria aqui quer um lugar para viver”, avisou.
No momento em que fala sobre a vida dura as acusações de que “só tem bandido” é interrompido pela esposa, Francisca Martins, merendeira em uma escola pública. “Bom não é, mas a gente não vai revidar o que eles dizem da gente. Queremos a nossa casinha e um dia vamos conseguir”, declarou.
Magra, baixa estatura e o rosto com as marcas do trabalho duro, Francisca avisa que não perde a chance de reforçar a boa índole dos que lá estão: “Não queremos tomar a casa de ninguém. Queremos um lugar para morar”.
‘Estou aqui para ajudar”
Cheiro de comida cozinhada no fogão a lenha improvisada e o prédio da Porcellanati ao fundo, Francisco Vieira, 63, se perde olhando para o “elefante branco” onde trabalhou como soldador elétrico por dois anos. “É uma tristeza muito grande. A gente trabalhava noite e dia e produzia muito. Mesmo na época do trabalho a gente percebia uma coisa estranha porque todo o dinheiro ia para Tubarão (cidade catarinense, sede da Porcellanti). Eles usaram o dinheiro para recuperar a empresa de lá e quebraram aqui. Tenho 28 mil para receber deles, mas vou passar uma procuração para meu filho porque não acredito que esteja vivo quando esse dinheiro sair”, disse.
Atualmente aposentado, Vieira, como é conhecido no acampamento fala que tem casa própria graças a luta dos sem-terra. “Sempre fui um militante da causa. Ter onde morar não é suficiente para mim. Preciso estar aqui ajudando essas pessoas. Preferi segui no movimento porque é melhor do que ficar em casa sem fazer nada”, explicou.
‘Só não estou dormindo aqui por medo dos tiros’
Sentada ao lado do fogão a lenha Verônica Cordeiro, 37, está cabisbaixa. Rosto de quem parece ser mais velha do que indica a certidão de nascimento, ela conta que está desempregada e vive com a pensão de R$ 250 paga pelo ex-marido e pai de seus dois filhos. O dinheiro é usado para pagar o aluguel. Não sobra mais nada. Para se alimentar ela conta com ajuda do antigo companheiro que lhe entrega um cartão de um supermercado da cidade. “Para pagar água e luz eu me viro com as faxinas que aparecem”, conta.
Para fazer os bicos sempre precisou deixar os filhos pequenos sozinhos em casa. Hoje a situação se tornou menos arriscada. “A luta é antiga. Agora eles estão grandes, um já tem 18. Só não estou dormindo aqui por medo dos tiros. Foi assustador”, frisou.
Veronica relata que comprou fiado as tábuas para fazer o barraco. “Quando conseguir uma faxina para fazer eu pago”, avisou.
‘O jornalismo elitista tem um caráter fortemente ideológico e conservador’, diz jornalista
Ex-editor dos jornais De Fato e Gazeta do Oeste, William Robson Cordeiro tem dedicado os últimos anos à pesquisa em comunicação. Graduado em jornalista pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e mestre em comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atualmente faz doutorado em estudos da mídia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Parte do curso ele fez na Universidade de Barcelona de onde voltou recentemente.
Ao analisar o papel da mídia na construção de uma imagem negativa dos movimentos sociais ele critica o caráter elitista da mídia nacional. “Os meios de comunicação no Brasil são, em sua natureza, elitista e assim, na questão mais profunda que envolve a luta de classes, tende a operar em favor dos mais ricos (até porque, eles que são os donos da mídia). Não há a prática de um necessário jornalismo popular, que observe as necessidades de toda a comunidade com seriedade e justiça. O jornalismo elitista tem um caráter fortemente ideológico e conservador, de manutenção das castas. Assim, qualquer ação popular que venha enfrentar o establishment será propagada para a audiência como algo criminoso, horrendo, condenável”, avaliou.
Para William Robson, a mídia posa de imparcial, mas exatamente o inverso do que prega ao combater movimentos sociais. “A mídia também exerce um papel de domesticação e controle desta audiência neste quesito, pois ao criminalizar movimentos sociais que lutam por igualdade e direitos e, do mesmo modo criminalizar a pobreza, tenta passar a imagem de uma sociedade pacífica e trabalhadora que não pode ser incomodada com protestos e ações energéticas que venham a emergir das massas. Além disso, vendem isto como jornalismo isento, o que é uma tremenda desonestidade”, criticou.
O jornalista e pesquisador explica que há uma diferença de comportamento no Brasil em relação ao restante dos países na abordagem sobre protestos. “A mídia tem dois olhares quando movimentos sociais atuam no Brasil e no resto do mundo. No Brasil, invariavelmente, os protestos são realizados por ‘vândalos’. No resto do mundo por ‘manifestantes’. Estes marcadores de expressão tem um poder simbólico muito importante, visto que estabelecem status diferentes para situações que se assemelham apesar dos lugares diferentes: a luta popular. Trata-se, portanto, de elemento de construção simbólica que permeia a narrativa e induz as pessoas a odiar os movimentos dos quais também serão beneficiados e, ao extremo, a levá-las a reagir, como o que ocorreu nos acampamentos do MST em Mossoró, por exemplo. O poder do jornalismo está na capacidade simbólica de agir no pensamento e estimular ações”, explicou.
‘Movimentos sociais e populares são parte necessária da dinâmica política dos sistemas democráticos’, afirma sociólogo
O professor Dr. João Bosco de Araújo Costa, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) explica que os movimento sociais são fundamentais em países com desigualdade social brutal como o Brasil. “Os movimentos sociais e populares são parte necessária da dinâmica política dos sistemas democráticos. Da democracia, portanto. São os movimentos sociais, a exemplo do MST (sem terras) e MTST (sem tetos) que colocam nas agendas pública, política e governamental,
as demandas e reivindicações legítimas dos segmentos das classes sociais excluídas e privadas de acesso a bens e serviços. Também com sua atuação forçam sua entrada na agenda governamental e pressionam por políticas públicas que respondam a essas demandas justas e legítimas dos excluídos”, explicou.
Para o professor João Bosco, é preciso compreender o que está em jogo no país e entender a necessidade de se apoiar os movimentos sociais. Ele entende que existe parte da elite disposta a reduzir as desigualdades. “A brutal desigualdade social existente no Brasil é a razão de existir esses movimentos legítimos e imprescindíveis para a conquista de direitos pelos pobres e excluídos socialmente. Tem gente da elite que gosta de distribuir sopa e fazer caridade, outros optam por serem agentes organizacionais das lutas dos pobres por diretos proclamados na constituição e não acessados pela maioria da população”, lembrou.
No entanto, ele lembra que quando o assunto é governo a elite tem facilidades para ter suas reivindicações atendidas, restando aos movimentos sociais o recurso da pressão política. “Empresários e as elites endinheiradas reivindicam e pressionam os gestores públicos através das relações simbióticas e de compadrio com os agentes do Estado. Os pobres e excluídos fazem isso através da organização política em movimentos sociais e populares”, explicou.
‘As propriedades rurais ou urbanas que não cumpram de forma eficaz e plena sua função social, deverão ser objeto de desapropriação em função da coletividade e dos que dela necessite’, explica presidente da OAB/Mossoró
O presidente da subseccional de Mossoró da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Canindé Maia, está escrevendo um livro sobre a função social da propriedade privada. “A CF 88, não define somente esta Função Social da Propriedade na ordem econômica, mas também como direito e garantia do homem, sendo direito fundamental do povo brasileiro. Portanto pelo princípio fundamental da dignidade de pessoa humana, vinculado ao direito fundamental de acesso à moradia e produção, as propriedades rurais ou urbanas que não cumpram de forma eficaz e plena sua função social, deverão ser objeto de desapropriação em função da coletividade e dos que dela necessite”, explicou.
Canindé Maia explica que a Constituição Federal estabelece a função social da propriedade privada como forma de conter as desigualdades sociais. “A função Social da Propriedade veio com o direito de propriedade, ou seja, para se manter o direito de propriedade é essencial cumprir a sua função social, sendo esta um conjunto de regras constitucionais visando colocar a propriedade nas trilhas normais, como forma de evitar desigualdades pelo uso degenerado exclusivamente egoísta, merecendo a tutela jurídica para o atendimento dos interesses sociais, mesmo contra a vontade daquele que a possui, devendo se revestir a propriedade de caráter economicamente útil, produtivo, canalizando as potencialidades residentes no bem em proveito da coletividade, deixando de cumprir pode perder a proteção por parte do ordenamento jurídico”, relata.
O foco da propriedade privada com função social é estabelecer harmonia social. “A propriedade usada de maneira socialmente útil, no benefício geral, tornando-o instrumento de riqueza e felicidade para todos, isso é cumprir a Função Social da Propriedade. O Estatuto da Terra conceituou a Função Social da propriedade quando diz que esta favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias, mantendo a produtividade, conservação dos recursos naturais, além de observar a justa relação de trabalho entre proprietários e os que a cultivam”, acrescenta Canindé.
No entanto, o presidente da OAB/Mossoró pondera que ocupar é ilegal, mas cabe ao Governo desapropriar propriedades que não cumprem função social. “A ocupação não é legal, pois o proprietário pode entrar com ação de reintegração, o governo que tem a obrigação de desapropriar as terras que não cumpram a função”, frisou.
Opinião do Blog
A sociedade precisa conhecer melhor os movimentos sociais e quem são as pessoas que lideram, assim como compreender as histórias de vida dos que estão na luta. A mídia cumpre um papel fundamental de esclarecer isso, mas quando reforça estereótipos negativos aos movimentos sociais ela reforça o pensamento conservador.
Os movimentos sociais cumprem um papel fundamental na luta para reduzir desigualdades num país como Brasil marcado pelas diferenças sociais profundas de quem foi a última nação do mundo a pôr fim a vergonha da escravidão.
Embora não tenha amparo legal, as ocupações se tornaram o único instrumento dos movimentos sociais para garantir habitação e terra aos menos favorecidos. É uma forma de desobediência civil, uma ação de cunho político. Os meios das camadas populares não são os mesmos das elites que convivem com uma relação de proximidade com os agentes públicos.
O Brasil precisa discutir soluções para a desigualdade social de forma honesta, sem clichês e propagação de estereótipos que denigrem os mais humildes.