Categorias
Artigo

Uma medida eleitoreira

Por Rogério Tadeu Romano*

 

I – O FATO 

Informou o site de notícias do Correio Brasiliense, em 28 de junho do corrente ano:

“O presidente Jair Bolsonaro (PL) escalou o advogado-geral da União, Bruno Bianco, para dar a última palavra quando o governo criar benefícios sociais neste ano de eleições gerais. No texto do decreto publicado, ontem, no Diário Oficial da União (DOU), caberá ao jurista a palavra final sobre a legalidade dos atos do Poder Executivo nas áreas eleitoral e financeira, criando um respaldo jurídico a mais contra eventuais medidas que o levem a responder na Justiça por condutas vedadas aos agentes públicos durante ano de eleição.

O comunicado da Secretaria-Geral da Presidência tenta descaracterizar a clara tentativa do presidente de se proteger de eventuais processos que levem à impugnação, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da chapa à reeleição por propaganda antecipada. “No último ano do mandato presidencial, todos os governantes se deparam com as limitações da legislação eleitoral e da legislação financeira. Entre as restrições normativas, encontram-se dispositivos cujos contornos são ambíguos e geram muitas dúvidas na aplicação prática”, justifica a secretaria.

O decreto define que passou a valer, desde ontem, que as atribuições do advogado-geral da União envolvem emitir parecer sobre: “I — a constitucionalidade e a legalidade de propostas de atos normativos a ele submetidas; e II — os tópicos em propostas de atos normativos que gerem dúvidas quanto à conformação com as normas de Direito Eleitoral e de Direito Financeiro, no último ano do mandato presidencial.

A ideia é gerar segurança jurídica para que o presidente possa ampliar ou conceder novos benefícios sociais em ano eleitoral, a exemplo do aumento no Auxílio Brasil — que, segundo anúncio de Bolsonaro na semana passada, saltará de R$ 400 para R$ 600 —, do vale-gás e do “voucher caminhoneiro”. Este último é, sobretudo, a grande aposta do Palácio do Planalto, que pretende fazer repasses de R$ 1 mil para manter o apoio da categoria, tida como estratégica pela campanha à reeleição. O benefício alcançaria em torno de 700 mil motoristas.”

O caso é um claro e nítido exemplo da máquina do poder público ser colocado a serviço de um candidato, situação que se revela um abuso de poder econômico e político.

II – ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO 

De acordo com José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 2017) [é] intuitivo que a máquina administrativa não possa ser colocada a serviço de candidaturas no processo eleitoral, já que isso desvirtuaria completamente a ação estatal, além de desequilibrar o pleito – ferindo de morte a isonomia que deve permear as campanhas e imperar entre os candidatos – e fustigar o princípio republicano, que repudia tratamento privilegiado a pessoas ou classes sociais.

Trata-se de abuso do poder econômico e político de candidatura, conduta vedada pela Lei Complementar 64/90 e ainda pela Lei das Eleições que proíbe, à luz do parágrafo 10 do artigo 73 da Lei Eleitoral tal conduta, que é vedada no pleito. Ele diz que não pode haver “instituição” de novos gastos no período anterior às eleições.

O Tribunal Superior Eleitoral já assentou que (i) “o abuso de poder político é “condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República” (TSE – ARO no 718/DF – DJ 17-6-2005); (ii) “Caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato” (TSE – REspe no 25.074/RS – DJ 28-10-2005).

Isso se comprovaria independente de dolo ou culpa da parte do agente público.

[…] A aferição do abuso do poder econômico, político ou do uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos. […]” (Ac. de 7.2.2017 no RO nº 138069, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)

É conduta vedada ao agente público aquela tendente a afetar a igualdade entre os candidatos durante as eleições: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006).”

Isso leva ainda ao cancelamento do registro do candidato.

O chamado aditivo no benefício que substituiu e rebatizou o Bolsa Família vem a pouco mais de 100 dias das eleições. Trata-se de clara burla à vedação da lei eleitoral que impede novos gastos a menos de seis meses do pleito.

Dir-se-ia que tal seria permitido por uma futura emenda constitucional que assim permitiria esse novo gasto.

Dita ademais o artigo 237 do Código Eleitoral:

“Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

  • 1º O eleitor é parte legítima para denunciar os culpados e promover-lhes a responsabilidade, e a nenhum servidor público. Inclusive de autarquia, de entidade paraestatal e de sociedade de economia mista, será lícito negar ou retardar ato de ofício tendente a esse fim.
  • 2º Qualquer eleitor ou partido político poderá se dirigir ao Corregedor Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, e pedir abertura de investigação para apurar uso indevido do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, em benefício de candidato ou de partido político.
  • 3º O Corregedor, verificada a seriedade da denúncia procederá ou mandará proceder a investigações, regendo-se estas, no que lhes fôr aplicável, pela Lei nº 1.579 de 18 de março de 1952.”

Caso isso seja concretizado estar-se-ia diante de um abuso de poder econômico.

Como disse Pinto Ferreira (Código Eleitoral Comentado, terceira edição, 1991, pág. 233) “quando disse que “a interferência do poder econômico e o desvio u abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto serão coibidos e punidos.”

Bem disse Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pág. 525) que “o abuso de poder econômico e político são hipóteses causadores de inelegibilidade, e, como tais previstas na Lei Complementar 64/90. Destarte, se ocorrerem antes do registro, e não forem suscitadas quando da AIRC, precluirá a faculdade de vergastá-las por meio de AIJE, eis que não são causa de inelegibilidades decorrentes de preceito constitucional.”

Mas, entenda-se que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), que é meio próprio para combater o abuso de poder econômico e político por parte de candidato ou partido, pode ser ajuizada em qualquer tempo, desde que entre o registro de candidato e diplomação. Nem antes, nem depois.

Dir-se-ia, outrossim, que esses gastos viriam da edição de uma emenda constitucional, que permitiria o reconhecimento de um “estado de emergência” da parte do governo federal e a concessão de benesses assistenciais durante a eleição. Seriam “um pix caminhoneiro e um novo auxílio”.

A Lei das Eleições proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública em ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior como se disse.

Penalidades: suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso; multa no valor de cinco a cem mil UFIR aos agentes responsáveis, aos partidos políticos, às coligações e aos candidatos beneficiados, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (cf. §§ 4° e 8° do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997); e cassação do registro do candidato ou do diploma do eleito que tenha sido beneficiado, agente público ou não (cf. § 5° do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997).

De toda sorte isso fere cláusula pétrea.

Vitor Rhein Schirato, professor do Departamento de Direito do Estado da USP, afirma que PEC “não pode tudo”, mesmo ela tendo o poder de mudar a Constituição.

— Temos que entender que as cláusulas eleitorais são cláusulas pétreas, pois estão diretamente relacionadas à democracia. Existem as regras de igualdade de justiça do pleito, que tem que ser isonômico. Isso implica nas vedações da lei eleitoral, como criar e ampliar benefícios, diretamente relacionada à cláusula democrática da Constituição — diz. — Não posso criar uma PEC que autoriza um estado de emergência inexistente para quebrar a isonomia das eleições.

III – OS LIMITES DO DECRETO 

O decreto editado é norma secundária que deve ser visto e analisado dentro dos limites da lei.

A propósito escreveu Marcos Aurélio P. Valadão (Sustação de atos do Poder Executivo pelo Congresso Nacional, com base no artigo 49, V, da Constituição Federal – Revista de informação legislativa, v. 38, n. 153, p. 287-301, jan./mar. 2002):

“Ocorre que, se os atos normativos editados pelo Poder Executivo forem editados com obediência aos princípios inscritos no art. 37 da CF/88, esses atos não poderão ser atacados pela via do controle previsto no artigo 49, inciso V, da CF/88. A exorbitância do poder regulamentar eiva o ato de inconstitucionalidade, por vício de ilegalidade (vai além dos limites da lei). No entanto, pode-se ter um ato inconstitucional que não exorbite do poder regulamentar, mas que seja inconstitucional por ferir um dos princípios do citado artigo 37, que não seja o da legalidade. Por exemplo, um decreto presidencial, que, dentro dos estritos limites da lei, amplie determinados benefícios, porém violando o princípio da impessoalidade. Não há aqui exorbitância do poder regulamentar, mas há inconstitucionalidade. Não é possível, nesse caso, que o Congresso Nacional edite um decreto legislativo sustando o decreto presidencial. Quanto aos atos executivos autônomos, que não correspondem à regulamentação de leis, o seu controle fica mais complexo, já que o parâmetro de controle, que é, normalmente, a lei, passa ser a própria Constituição. Neste caso, i.e., dos regulamentos autônomos, ou decretos autônomos, que são passíveis do controle direto de constitucionalidade, não podem ser objeto de sustação pelo Congresso Nacional, pois não são atos da espécie “poder regulamentar”, mas inseridos no “poder normativo”.

E conclui por dizer:

“Ou seja, o controle que pode ser exercido pelo Poder Legislativo, com base no art. 49, inciso V, da CF/88, é limitado e restringe-se às hipóteses de extrapolação do poder regulamentar, no sentido de não-adequação aos limites da lei regulamentada (disposições contra legem, extra legem ou ultra legem), configurando violação ao princípio da legalidade, e diz respeito somente aos atos do chefe do Poder Executivo, isto é, os decretos regulamentares, não abrangendo os decretos autônomos ou qualquer outro ato emanado na esfera do Poder Executivo. Qualquer outra hipótese de inconstitucionalidade só poderá ser objeto de controle pelo Poder Judiciário. Entender-se de outro modo seria como se ler no supercitado inciso V do artigo 49 da CF/88 não a expressão “atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar”, mas “atos normativos no âmbito do Poder Executivo eivados de inconstitucionalidade direta ou indiretamente”; o que configuraria, evidentemente, uma ampliação distorcida do comando constitucional.”

O decreto editado invade os limites da lei.

Não pode um decreto do executivo federal aditar matéria que está na lei. No caso a Lei Complementar 73/93 já dava os parâmetros e limites de atuação da Advocacia Geral da União(AGU).

Entre os italianos, Ranelletti, além de outros, entende que o caráter especifico da lei, no sentido material, está na novidade ou modificação (“novità), e não na generalidade, se bem que seja esta uma característica habitual trazida à norma jurídica.

Ranelletti, com razão, nega o caráter de lei às regras que o Estado regula a sua própria atividade, por lhe parecer que não produzam efeito jurídico em relação a terceiros.

Ao lado da generalidade é, sem dúvida, elemento intrínseco, inapartável da lei, a modificação do direito preexistente alterando situações juridicas anteriores. A novidade de que falou Ranellleti.

Ora, no Brasil, não ocorre no ato administrativo normativo (decreto), mas somente na lei, generalidade e novidade.

Aliás, dita o artigo 5º, inciso II, da Constituição, quanto ao princípio da legalidade e da reserva de lei, que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou não fazer senão em virtude de lei.

A lei que se fala é formal e material de modo que é ato normativo oriundo de reserva do Parlamento.

Há, para o caso, uma supremacia e preeminência de lei formal.

O princípio da legalidade eleva a lei à condição de veículo supremo da vontade do Estado.

Decreto não é lei. É norma secundária que se dá nos limites da lei, repita-se.

Não há no Brasil regulamentos independentes, há regulamentos de execução, em matérias que digam respeito à Administração, que servem para aplicação da lei. Não podem operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Operam secundum legem.

No passado, durante o império, foi editada em 1840 um lei interpretativa do Ato Adicional de 1834.  Não há decreto interpretativo de lei eleitoral, ademais para extrapolar seus limites.

IV – A QUESTÃO DAS CALAMIDADE PÚBLICA 

Observa-se naquela mesma reportagem do Correio Brasiliense que destaco:

“Doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro explica que a manobra do governo tem pouca margem de aceitação no meio jurídico, caso seja alvo de contestação na Justiça Eleitoral.

“O Brasil está muito longe de uma situação que poderia se enquadrar na calamidade pública (na qual a criação do pacote de bondades poderia ser enquadrada). A gente não está em uma situação emergencial. Nós temos um custo elevado decorrente de duas situações especiais: política de preços da Petrobras e guerra na Ucrânia. É forçoso o argumento de que isso justificaria uma atividade emergencial por parte do governo federal. É um argumento que não se sustenta”, afirmou.”

Pergunta-se: haveria caso de calamidade pública para o momento?

O que é estado de calamidade pública?

Para entender o conceito de calamidade pública se faz necessária a compreensão prévia de outros dois termos: primeiramente o conceito básico de desastre, e complementarmente o conceito de situação de emergência. A definição de tais conceitos é apresentada pelo texto do Decreto 7.257, de 04 de Agosto de 2010, que assim afirma em seu Art. 2º, incisos II a IV:Art. 2º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:[…

II -desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais; III -situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; IV – estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido.

Tanto a situação de emergência quanto o estado de calamidade são decorrentes da existência prévia de um desastre (ou conjunto de desastres) cujos efeitos (prejuízos) evoluíram para um estágio anormal, implicando no comprometimento da capacidade de resposta do entre público diante da situação.

Perceba-se que a diferença entre a situação de emergência e o estado de calamidade está no nível de intensidade dos danos e prejuízos decorrentes que, neste último, são mais abrangentes e severos.

O estado de calamidade pública se configura em um conjunto de situações reconhecidamente anormais que impliquem em grave perturbação da ordem pública, decorrentes de desastres potencialmente nocivos, sejam de origem natural ou provocada.

Portanto, o estado de calamidade pode ser configurado em um conjunto de situações reconhecidamente anormais que impliquem em grave perturbação da ordem pública, decorrentes de desastres potencialmente nocivos, sejam de origem natural ou provocada.

O estado de calamidade pode ser nitidamente reconhecido sempre que um desastre (ou conjunto de desastres) evolui para estágios críticos, de modo a acarretar séria ameaças à vida dos cidadãos e ao equilíbrio social, implicando em expressivos danos, sejam estes humanos, materiais e/ou ambientais.

O estado de calamidade pública é considerado no direito financeiro uma situação anormal em que a capacidade de ação do poder público fica seriamente comprometida.

Nessas situações, com a devida aquiescência do Congresso Nacional, o Executivo pode solicitar a declaração da calamidade pública.

Assim pode-se visar à flexibilização de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No art. 65, a LRF prevê flexibilidade em casos especiais como desaceleração de atividade econômica ou crescimento negativo do PIB e estado de defesa, de sítio ou calamidade pública. Em Despesas com pessoal na recessão e Despesas com pessoal em fim de mandato (e na recessão),

Deverão ser analisamos a duplicação de prazos para enquadramento aos limites na recessão. No caso de calamidade pública, ficaria suspensa a contagem dos prazos para enquadramento aos limites do estoque da dívida e das despesas com pessoal. É como se os prazos fossem “congelados” pelo tempo em que persistisse a situação. Porém, como, devido à recessão, a duplicação já se aplica desde o 1º trimestre de 2015, não haveria grande vantagem na decretação da calamidade pública sob esse ângulo.

Ainda como essa situação excepcional, originalmente, contemplava eventos adversos naturais que causassem danos humanos, materiais e ambientais, o art. 65 da LRF dispensou também o cumprimento de metas fiscais e o corte automático.

Ora, o mundo capitalista, a partir dos Estados Unidos da América e Europa passa por um período de estagflação. Alta inflação e recessão.

Parece-nos que não há essa calamidade pública.

As cláusulas pétreas são encontradas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.

V – UMA AFRONTA A UMA CLÁUSULA PÉTREA 

As cláusulas pétreas são encontradas no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal.

Ali se diz:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

  • 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.

Ora, qualquer proposta de emenda tendente a excluir os limites materiais do poder reformador se afigura inconstitucional, porquanto as cláusulas pétreas são imprescindíveis e insuperáveis.

Imprescindíveis porque simplificar as normas que estatuem limites, outrora depositados pela própria manifestação constitucional originária, é usurpar o caráter fundacional do poder criador da Constituição.

Insuperáveis, pois alterar as condições estabelecidas por um poder inicial, autônomo e incondicionado, a fim de reformar limites explícitos à atividade derivada, é promover uma fraude à Constituição.

Essa fraude à Constituição consiste numa agressão à superioridade de atividade constituinte de primeiro grau, colocando em risco a ordem jurídica estabelecida.

As cláusulas pétreas são as que possuem uma supereficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso dos incisos I a IV já traçados. Daí não poderem usurpar os limites expressos e implícitos do poder constituinte secundário.

Logram eficácia total, pois contém uma força paralisante de toda a legislação, que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma. Ultrapassá-las significa ferir a Constituição.

Esse decreto é afronta o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico pelas razões já acentuadas.

Será caso, a seu tempo, de ajuizamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral(AIJE) visando a punir eventuais atos fulcrados no decreto aqui noticiado.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

Auxílio emergencial & eleição

Por Ney Lopes*

O Senado aprovou o segundo turno de votação da proposta de emenda à Constituição, que institui estado de emergência até o final do ano para ampliar o pagamento de benefícios sociais.

O reconhecimento de estado de emergência serve para que os pagamentos não violem a legislação eleitoral.

A criação de benefícios destinados a pessoas físicas é proibida em ano de eleições.

A única exceção é a vigência de estado de emergência.

Dispensa justificativas o reconhecimento de que o país vive realmente um estado emergencial, o que aliás ocorre até nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França e outros países, que tomam medidas semelhantes.

Não há lógica evitar aprovação de benefícios sociais, sob o argumento de que estamos em ano eleitoral.

Seria sentenciar os necessitados a morrerem de inanição.

Caberá aos órgãos judiciais, de fiscalização e a própria população o acompanhamento da legalidade do estado de emergencial.

Foram as seguintes medidas aprovadas, ainda dependentes de votação na Câmara dos Deputados para serem aplicadas.

Acréscimo de R$ 200 no benefício mensal (de R$ 400 para R$ 600); Meta: incluir todas as famílias elegíveis (fila “zerada”).

Auxílio Gás dos Brasileiros (vale-gás de cozinha). Parcela extra bimestral no valor de 50% do valor médio do botijão de 13 kg; parte do valor poderá ser usado para operacionalização do benefício.

Auxílio para caminhoneiros: R$ 5,4 bilhões. Voucher de R$ 1 mil mensais para cadastrados no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC). Será concedido para transportadores autônomos, independente do número de veículos eles que possuírem.

Auxílio para taxistas: R$ 2 bilhões. Benefício para profissionais cadastrados como motoristas de táxi. Serão contemplados aqueles cadastrados até 31 de maio de 2022, mediante apresentação do documento de permissão.

Gratuidade para idosos: Transferência de R$ 2,5 bilhões para estados e municípios para custear a gratuidade no transporte público para cidadãos acima de 65 anos. Distribuído na proporção da população idosa de cada estado e município.

Créditos para etanol: R$ 3,8 bilhões. Auxílio para estados que outorgarem créditos tributários do ICMS para produtores e distribuidores de etanol hidratado.

Estados ficam autorizados a “zerar” a tributação sobre a gasolina, desde que façam o mesmo para o etanol. Reforço orçamentário para o programa, que promove compra de alimentos de pequenos produtores e sua destinação para famílias em situação de insegurança alimentar.

O Congresso e o governo agem corretamente.

Não é possível deixar os carentes do país a mercê da própria sorte, diante da crise global que atravessamos.

Vale recordar, que quando o governo Lula instituiu o “bolsa família” (ideia originária de programa social da senhora Ruth Cardoso,esposa de FHC) , a oposição da época foi contra, com os mesmos argumentos dos que se opõem ao atual governo.

A roda gigante da vida girou e aqueles anteriormente contrários hoje são favoráveis e os que apoiaram atualmente condenam.

O fato prova que o interesse político esteve sempre acima da visão coletiva do bem comum.

Afinal, a função social do estado é agir dessa maneira.

*É jornalista, advogado e ex-deputado federal – nl@neylopes.com.br.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Análise

RN com mais dependentes do Auxílio Brasil do que empregados com carteiras assinadas deveria ser tema no debate público

No Rio Grande do Norte temos 437.500 trabalhadores com carteira assinada num Estado com 3,5 milhões de habitantes. Nesta mesma unidade federativa são 443.398 pessoas recebendo Auxílio Brasil.

É um dado assustador que se repete em outros 11 Estados brasileiros.

O assunto passou batido entre os pré-candidatos ao Governo do Rio Grande do Norte. Foi um tema pouco explorado no debate público esta semana.

O que temos são políticos incoerentes apontado o dedo para a incoerência alheia. Sujos que falam dos mal lavados e a discussão que importa passa batido.

Os nossos políticos mostraram mais uma vez que formam exércitos num deserto de ideias.

Os potiguares precisam de emprego e desenvolvimento.

Categorias
Matéria

Pessoas recebendo Auxílio Brasil superam as que tem emprego com carteira assinada no RN

Bruno Vital

Tribuna do Norte

O Rio Grande do Norte fechou o mês de março com menos postos de empregos formais do que beneficiários do Auxílio Brasil (AB). Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que o Estado terminou o primeiro trimestre de 2022 com 437.500 trabalhadores formais com carteira assinada (excluindo o setor público), enquanto que o número de beneficiários do programa Auxílio Brasil é de 443.398 potiguares. De acordo com especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, o cenário é considerado preocupante e denuncia a fragilidade do mercado de trabalho potiguar.

Segundo levantamento do Ministério da Cidadania, o Rio Grande do Norte tem 443 mil beneficiários do auxílio do Governo Federal, que substituiu o Bolsa Família como um dos principais programas de transferência direta e indireta de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. No mês passado, foram injetados R$ 181,2 milhões na economia local com o Auxílio Brasil. O rendimento médio de cada pessoa cadastrada no programa assistencial é de R$ 408, valor que cobre apenas 70% de uma cesta básica em Natal (R$ 575,33).

“É uma balança que pende para o lado da vulnerabilidade. Isso mostra a nossa situação no Estado, que é uma situação de absoluta dependência da proteção social. Nós temos um mercado de trabalho que é restrito para boa parte da população, um mercado informal que não dá conta de absorver toda essa massa gigantesca de pessoas e essas pessoas acabam precisando dessa proteção social, que é parte constituinte da nossa sociedade. Esses programas viraram parte fundamental de sustentação da vida”, comenta o economista Cassiano Trovão.

Somente em março passado, 1.069 postos de trabalho deixaram de existir no Rio Grande do Norte. Considerando os três primeiros meses deste ano, o saldo é ainda pior, com uma perda de 2.157 empregos. O dado registrado é 147% menor do que o contabilizado no mesmo período do ano passado, quando o Estado havia gerado 4.569 empregos de janeiro a março. Segundo o economista Janduir Nóbrega, o movimento foi ditado pela pandemia de covid. O especialista acrescenta ainda que a sazonalidade de postos de trabalho na agropecuária também ajuda a compreender o saldo negativo.

“Depois da parada geral do mercado por conta da pandemia, isso gerou lacunas de ofertas de produto e quando as coisas ficaram mais fáceis, no sentido sanitário, essa demanda precisou ser suprida de uma forma muito rápida, o que gerou essa quantidade de empregos.

Metade desses empregos foram oriundos do setor agropecuário, que naquele momento gerou empregos de uma forma muito rápida, está tendo seu encerramento da colheita, da cana-de-açúcar, das frutas e tudo isso impacta na demissão de funcionários. Vai começar um novo ciclo de produção, que vai gerar empregos no segundo semestre”, analisa Nóbrega.

O quadro de vulnerabilidade social observada no RN segue uma tendência regional, já que todos os estados do Nordeste apresentaram um número de beneficiários do Auxílio Brasil maior do que a quantidade de postos formais de trabalho (CLT). Além dos nove nordestinos, outros quatro estados do Norte formam o grupo dos que possuem mais dependentes do AB do que empregados. Em todo o país, 14 estados possuem mais trabalhadores formais do que beneficiários do auxílio (detalhes no box).

No entanto, a perda de 1,069 empregos coloca o RN entre os quatro estados do Nordeste que tiveram saldo negativo de geração de trabalho. Além do estado potiguar, o Caged revelou que Alagoas (-10.029), Pernambuco (-6.091) e Sergipe (-2.502) tiveram mais demissões do que admissões em março. Os demais estados conseguiram ficar no verde e geraram novos postos de trabalho.

“A ideia é de que grande parte desse povo estivesse no outro lado da balança, trabalhando, ganhando sua remuneração e dando conforto para as suas famílias. Por outro lado, quando esse pacote atende parte da população, diminui a pressão no mercado de maneira geral e mantém o consumo de forma constante. Individualmente é pouco dinheiro, mas o montante geral termina sendo muito forte. Quando o Estado começar a gerar emprego e sair dessa lerdeza, a tendência natural é que parte dessa população, que está no auxílio, migre para o emprego. Seria a melhor coisa que poderia acontecer”, acrescenta o professor de economia Janduir Nóbrega.

Cassiano Trovão, que também é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), destaca que a perspectiva a curto prazo não é positiva. “Faz 16 semanas que o mercado vem revisando as expectativas do IPCA para cima, ou seja, não existe sinal de melhora da inflação. Com isso, a resposta do BC é que a taxa de juros básica da economia vai subir e com ela todas as outras taxas”, explica.

O especialista acrescenta que o cenário de inflação em alta acaba distanciando as empresas de novos investimentos. “Com crédito mais caro para consumo, tudo aquilo que o empresário pode colocar em termos de produção e de investimento fica comprometido. Então, as expectativas não são nada boas”, complementa.

Famílias se desdobram com R$ 400

Com o Auxílio Brasil de R$ 400 como única renda fixa mensal, a dona de casa Maria Lúcia, de 57 anos, conta que precisa “fazer mágica” todos os meses para sobreviver com o benefício do Governo Federal. Com o dinheiro, ela diz que consegue ajudar nas contas do mês e fazer uma pequena feira no supermercado, mas nem sempre é assim. “Tomo remédio controlado e é mais um gasto. A situação está muito difícil, se fosse pelo menos os R$ 600 do auxílio emergencial ficaria melhor. A gente tem que escolher o que vai fazer, que conta vai pagar no mês porque o dinheiro é curto”, diz.

A moradora do bairro Cidade da Esperança, na zona Oeste de Natal, afirma que atualmente a maior dificuldade é ir ao supermercado. Isso porque, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica está custando R$ 575,33 na capital potiguar, o que representa um aumento de 20,4% em um ano. “A gente vai no supermercado e qualquer sacolinha já está custando R$ 100, está sem condições um negócio desses. Quando eu tinha minha saúde ainda trabalhava na feira, mas hoje não tenho mais condições. Tenho 57 anos e nunca trabalhei CLT, é difícil a situação”, comenta.

Situação semelhante vive Maria Aparecida, 51, moradora do bairro das Quintas. O auxílio de R$ 400 é a principal renda mensal dela, que é complementada com ajuda de familiares. “Não tem muito o que fazer não, dá para ajudar na conta de luz, no botijão de gás, que também está nas alturas, mas é isso, a situação hoje é complicada para a gente. Eu trabalhava de diarista, mas hoje já estou muito velho e não tenho mais condições”, desabafa a natalense.

De acordo com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (Sethas), o Rio Grande do Norte tem 1,8 milhão de pessoas inscritas no Cadastro Único, que é a porta de acesso aos programas de assistência social do governo. Deste total, 1.140.550 estão classificadas em situação de extrema pobreza (432.758 famílias) e outras 150.906 pessoas estão classificadas no grupo da pobreza (52.923 famílias). Para o economista Cassiano Trovão, especialista em mercado de trabalho e desigualdade, o cenário expõe a dependência da população em relação aos programas de proteção social.

“Imagina se esses programas, o Bolsa Família e agora o Auxílio Brasil não existissem, o que seria desses potiguares? Isso nos leva a defender a questão da proteção social, de reconhecer a importância do papel do Estado em uma situação como essa de dificuldade econômica e social, em decorrência de uma fragilidade do mercado de trabalho”, pontua Trovão.

Números

Beneficiários do Auxílio: 443.398

Renda média do Auxílio: R$ 408

Potiguares na extrema pobreza: 1.140.550

Potiguares na pobreza: 150.906

Empregados CLT: 437.500

Admissões (março/22): 14.501;

Demissões (março/22): 15.570;

Admissões (março/21): 16.701;

Demissões (março/21): 15.483;

Estados com mais beneficiários Auxílio Brasil do que trabalhadores formais: 13

(RN, AL, BA, CE, MA, PE, PB, PI, SE, AC, AM, PA e AP)

 

 

Categorias
Artigo

Prova de fogo para “terceira via”

Por Ney Lopes*

A tramitação da PEC dos precatórios no senado será prova de fogo para a viabilização como “terceira via legítima” da candidatura do senador Rodrigo Pacheco à presidência.

Caso ele seja cooptado por aqueles que se opõem a mudança constitucional estará inviabilizando o pagamento do auxílio mensal de R$ 400 reais aos excluídos sociais, sobretudo do Nordeste.

Em tais circunstancias perderá fôlego para decolagem do seu nome.

A quebra do teto de despesas pública não é novidade brasileira. Ocorreu no Reino Unido, Estados Unidos, França e vários países, não por irresponsabilidade fiscal, mas pelo aumento das carências sociais.

Sabe-se, que o pagamento do precatório é sagrado. Trata-se de ordem judicial que deve ser respeitada.

Porém, não impede ajustes à realidade de calamidade pública, que atravessa o país.

Os mais necessitados, com precatórios até 600 mil reais, receberão à vista.

O parcelamento será apenas para os precatórios de bancos e grandes empresas, inclusive os especuladores que com deságio de 40% adquirem esses créditos e fazem “lobbie” para receber na “boca” do cofre do Tesouro Nacional.

Na condição de presidente do Senado, ajudar na aprovação da PEC será prova do espírito público do senador Rodrigo Pacheco, independentemente de sua vinculação ao presidente da República.

Pior do que tentar evitar que Bolsonaro politicamente se beneficie com essa proposta, seria rejeitá-la e deixar ao relento milhões de miseráveis.

Note-se que, embora o PT tenha votado contra na Câmara, Lula se mantém em silêncio e não contesta a medida de emergência.

Na eleição presidencial de 2022 prevalecerá o discurso consistente, com propostas verdadeiras nas áreas política, econômica e social.

O senador Rodrigo Pacheco deve preocupar-se com a mensagem objetiva a ser oferecida ao povo brasileiro, que começaria com o gesto altivo de não prejudicar a nação por eventuais desacordos com o presidente Bolsonaro.

Com certeza, o verdadeiro eleitor da “terceira via” irá aplaudi-lo, por ser contra a  radicalização inconsequente da política,

A prioridade social do momento deve superar as divergências políticas e convergir para o atendimento das demandas coletivas daqueles que estão excluídos na sociedade.

Isto se chama ajudar a construir a paz social.

*É jornalista, advogado e ex-deputado federal – nl@neylopes.com.br.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Sem categoria

A PEC do calote

Por Rogério Tadeu Romano*

A ideia do governo de financiar o novo programa social Renda Cidadã com recursos hoje reservados ao pagamento de precatórios – valores devidos após decisão definitiva na Justiça está sendo vista como pedalada fiscal por apenas adiar dívidas consideradas certas e driblar o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação. É a PEC dos precatórios, conhecida como “PEC do calote”.

Aliás, Merval Pereira(Fora de Controle, in O Globo, em 4 de novembro de 2021) disse bem que “além dos dados econômicos, há aspectos político-jurídicos que mostram o absurdo representado por essa emenda constitucional que pretende autorizar o governo a dar um calote em parte dos precatórios já autorizados pela Justiça.”

Ainda para compreender o problema concluiu ainda Merval Pereira:

“As “emendas do relator” e os fundos eleitorais milionários são despesas de que os políticos, especialmente os do Centrão, também não abrem mão, criando uma falsa situação de calamidade financeira para fazer com que a sociedade engula decisões desnecessárias.”

O não cumprimento de precatórios é uma afronta à Constituição.

Na matéria reza o artigo 100 da CF:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

A legislação processual civil prevê um procedimento especial para as execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública o qual não tem a natureza própria da execução forçada, visto que se faz sem penhora e arrematação.

Não havendo oposição de embargos, ou sendo estes rejeitados, o juiz, através do Presidente do Tribunal Superior, expedirá a requisição de pagamento, que tem o nome de precatório. O juiz de primeiro grau não requisita diretamente o pagamento, mas dirige-se, a requerimento do credor, ao Tribunal que detém a competência recursal na matéria. Em sendo assim é obrigatória a inclusão, no orçamento de verba necessária ao pagamento dos débitos constantes dos precatórios apresentados até 1º de julho do ano anterior, como já era previsto na Constituição de 1967, Emenda Constitucional nº 1, no artigo 117.

O artigo 100, parágrafo quinto, da Constituição de 1988 assim dita:

  • 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Precatório é uma espécie de requisição de pagamento de determinada quantia a que a Fazenda Pública foi condenada em processo judicial, para valores totais acima de 60 salários mínimos por beneficiário.

Os precatórios podem ter natureza alimentar, quando decorrerem de ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias ou indenizações, ou não alimentar, quando tratam de outros temas, tais como desapropriações e tributos.

Ao receberem os depósitos das entidades devedoras, os Tribunais responsáveis pelos pagamentos organizam listas, observando as preferências previstas na Constituição da República (débitos de natureza alimentar cujos titulares tenham 60 anos de idade, sejam portadores de natureza grave ou pessoas com deficiência) e a ordem cronológica de apresentação dos precatórios.

Ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, diretor do Asa Investments, avaliou que o adiamento dos precatórios é uma “pedalada fiscal”, uma vez que a dívida não paga continua existindo. “Tem gente dizendo que é pedalada ( o adiamento de pagamento dos precatórios). É pedalada. Mas é pior do que isso, é calote. Se há dinheiro, mas não pago a dívida na data combinada para abrir mais espaço para gastar, lá na frente, pode fazer isso de novo e não pagar nunca”, disse.

Algumas questões importantes ficaram ausentes da LRF, como, por exemplo, o rigor no pagamento de precatórios – uma das maiores vergonhas fiscais do País.

São dívidas que o setor público tem por decisões do Poder Judiciário, que eram sistematicamente desrespeitadas. Trata-se de valores estimados para Estados e municípios em R$ 100 bilhões, que foram presenteados pelo Congresso Nacional pela Emenda Constitucional n.º 62, de 9 de dezembro de 2009, que instituiu, na prática, o calote oficial nos precatórios, reduzindo sobremaneira esse débito ao obrigar parte dos credores a disputar seus direitos na bacia das almas dos leilões de deságio e alongando ainda mais os pagamentos ao estabelecer porcentuais irrisórios sobre a receita dos entes federados.

A partir da Constituição de 1988 tivemos algumas moratórias.

O poder constituinte originário, por meio do art. 33 do ADCT, decretou, pela primeira vez, a moratória para pagamento de precatórios em 8 (oito) parcelas anuais nos seguintes termos:

“Art. 33. Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição.

Parágrafo único. Poderão as entidades devedoras, para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos da dívida pública não computáveis para o efeito do limite global de endividamento”.

Para assegurar a fonte de receitas para a realização de despesas com os pagamentos de parcelas anuais o parágrafo único, do art. 33, acertadamente, possibilitou a emissão de títulos da dívida pública pelo ente político devedor, títulos esses não computáveis para efeito de limite global de endividamento de que cuida o inciso VII, do art. 57 da CF.

Como consequência dos desvios de recursos propiciados pela primeira moratória, legitimada pelo poder constituinte original, houve necessidade de decretar a segunda moratória para pagamento dos precatórios em 10 (dez) parcelas anuais, por meio da EC nº 30/2000 que inseriu o art. 78 no ADCT2, nos seguintes termos:

“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos

………………………………………………………

  • 2º. As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas ate o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora”.

A grande falha dessa moratória é que não se previu fonte de custeio para pagamento das parcelas anuais, contrariando regra elementar de Direito Financeiro. A cada moratória os defeitos são agravados, tanto no que diz respeito aos vícios jurídicos, como no que tange a dilação do prazo de pagamento, de oito anos para dez anos.

A terceira moratória foi decretada pela EC n° 62/2009 que acrescentou o art. 97 ao ADCT contendo 18 parágrafos. É a moratória mais violenta em termos de desrespeito aos princípios constitucionais protegidos por cláusulas pétreas e a mais confusa de todas elas.

Precatório é despesa obrigatória, fruto de decisão judicial. Fixar limites para o seu pagamento significa escolher pagar a alguns dos credores da União.

Em 2013, o STF declarou inconstitucional esse dispositivo, que está no artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Na época, a maior parte dos ministros da Corte acompanhou o relator, ministro Ayres Britto (que já havia se aposentado), e considerou o artigo inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.

O ministro Luiz Fux, atual presidente do STF e que na época foi redator do acórdão, considerou que o dispositivo resultava em desrespeito à duração razoável do processo, uma vez que o credor quer um resultado palpável para a realização do seu direito de receber a quitação da dívida, já devidamente reconhecida pela decisão judicial.

Em 2015, o STF modulou os efeitos da decisão para dar “sobrevida” a regimes especiais de pagamento que já haviam sido adotados por Estados e municípios enquanto o julgamento estava em curso. Naquela decisão, a Corte deu prazo de mais cinco anos para os parcelamentos, a contar a partir de 1º de janeiro de 2016 – ou seja, o prazo se encerraria no fim de 2020.

“Modulam-se os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade proferidas nas ADIs nº 4.357 e 4.425 para manter a vigência do regime especial de pagamento de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009 por 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016”, diz a decisão de 2015.

“Como em toda e qualquer decisão que fixa prazo para o Estado atuar, estão em jogo a efetividade da Constituição Federal e a credibilidade do STF”, afirmou Fux. “Daí a importância de o pronunciamento de hoje fixar mecanismos que criem incentivos sérios para retirar a Fazenda Pública da situação confortável com que vinha lidando com a administração de sua dívida originada por condenação judicial. Deixar de pagar precatórios não deve jamais voltar a ser uma opção para governantes”.

Vencido o prazo fixado (fim de 2018), o ministro afirmou que deve ser imediatamente aplicável o artigo 100 da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de sequestro de verbas públicas para satisfação do débito quando não ocorrer dotação orçamentária. Ele chamou a atenção para a necessidade de o STF rever sua jurisprudência sobre a intervenção federal em caso de inadimplência de governos locais com precatórios. Para o ministro, a intervenção, ainda que não resolva a questão da falta de recursos, serviria como incentivo ao administrador público para manter suas obrigações em dia. Segundo a jurisprudência da Corte, a intervenção federal está sujeita à comprovação do dolo e da atuação deliberada do gestor público.

“No caso dos precatórios, essa jurisprudência, ainda que inconscientemente, acabou alimentando a inadimplência do poder público”, observou. “O não pagamento do precatório, desde que despido de dolo, tornou-se prática que não envolve qualquer custo. O custo do não pagamento – a intervenção federal -, que existia em estado potencial na legislação brasileira, foi reduzido a absolutamente zero”, afirmou.

Diante disso é necessário que as autoridades brasileiras tenham o necessário cuidado diante do histórico dessas moratórias no sentido de não se envolverem em conduta.

Concluo por dizer que essa “PEC do Calote”, caso passe no Congresso Nacional, encontrará um caminho certo: o STF no seu poder-dever de controle da constitucionalidade.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

Categorias
Artigo

O inimigo da civilização

Por Jean Paul Prates*

A marca mais notória desta desdita vulgarmente chamada de “governo” Bolsonaro é a absoluta aversão a tudo que lembre o pacto coletivo de convivência e solidariedade que chamamos de civilização.

Desta aversão não escaparam nem as cadeirinhas de segurança para crianças, obrigatórias nos automóveis, e os radares de velocidade nas rodovias federais, ambos alvos de ataques do presidente logo no início do mandato.

Foi sem surpresa, portanto, que recebi a notícia do assassinato do maior programa de transferência de renda do mundo, responsável por alçar a um mínimo de dignidade milhões de famílias brasileiras.

Em 18 anos de funcionamento, o vitorioso Bolsa Família assegurou muito mais do que a subsistência de brasileiros e brasileiras que viviam na pobreza ou na miséria.

Ao custo médio anual de 0,5% do Produto Interno Bruto, o Bolsa Família foi também responsável pela redução da mortalidade infantil em 16%, aumentou a participação escolar feminina e contribuiu para a diminuição das desigualdades regionais.

Ao mesmo tempo, ajudou a girar para a frente a roda da economia: cada R$ 1 pago por meio do Bolsa Família revertia em R$ 1,78 no PIB.

Elogiado e copiado em todo o mundo, o Bolsa Família é a maior marca de um país que havia decidido enfrentar a miséria, a desigualdade, a falta de perspectivas e a infelicidade.

Portanto, não pode haver surpresa—ainda que a indignação seja imensa—quando vemos esse programa, um imenso legado dos governos petistas à nossa marcha civilizatória, ser destruído por esse governo das trevas capitaneado por Bolsonaro.

No abraço da demagogia tosca ao eleitoreirismo desavergonhado, 14 milhões de famílias — entre 56 milhões e 60 milhões de compatriotas nossos —foram atirados à fome e ao desespero. A parte da sociedade brasileira que ainda sabe de onde virá sua próxima refeição assiste atônita e compadecida. Mas há quem comemore. Infelizmente, o Brasil tem sua parcela de gente sem empatia, para a qual promover o resgate de quem não tem nada é “sustentar vagabundos”.

E foi assim que, numa canetada, o programa social e de transferência de renda mais bem sucedido do mundo foi exterminado pelo pior governo da história do Brasil.

A destruição do Bolsa Família coincide com o fim do Auxilio Emergencial da pandemia (instituído pelo Congresso Nacional, é bom lembrar), que atualmente beneficia cerca de 40 milhões de pessoas.

Esse duplo ataque aos mais vulneráveis abre espaço para a criação — sem debates, sem estudos, sem identificação de fontes de financiamento—de um tal Auxílio Brasil, a ser pago apenas durante o ano eleitoral e que vai alcançar somente cerca de 17 milhões de pessoas, uma parcela muito menor do número de brasileiros vítimas da miséria, da inflação, do desemprego e da fome causados pelas teses do Estado Mínimo, Lucro Máximo, teto de gastos e outros desses dispositivos “mágicos” do tal mercado.

Se Bolsonaro quer promover a tal guerra civil que ele sempre defendeu como “solução” para o Brasil, ele está no caminho certo.

Porque esse homem eleito para governar o Brasil é o chefe de uma horda deletéria. O mais maligno, mais cruel e insensível grupo que já governou este país—e olha que a concorrência não é pequena. Mas ainda que a História do Brasil tenha seu vasto quinhão de ignóbeis, imbecis, vilões, criminosos e incompetentes, nenhum desses facínoras atinge o nível de malignidade, insensibilidade e incompetência (tudo junto) como Bolsonaro.

Gostaria muito de esperar que, a esta altura, alguns patrocinadores dessa desventura histórica chamada Bolsonaro já estivessem colocando as mãos na consciência e reconhecendo o quão terrível é esse consórcio do mal que integram ou apoiam. Que não esperem para aprender a lição quando forem banidos pelas urnas e chegarem os processos e punições por todas as atrocidades cometidas, antes, durante e depois da pandemia.

A indignação é imensa, mas ao lado dela caminha a esperança. A democracia que Bolsonaro tanto quer destruir vai permitir ao Brasil dar a guinada vigorosa que é necessária para reverter essa agenda individualista, elitista e egoísta.

A vocação do Brasil é ser grande e feliz. Nós vamos saber cumprir nosso destino como nação.

*É senador pelo PT/RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

Categorias
Sem categoria

Foro de Moscow 4 nov 2021 – Como os parlamentares do RN votaram na PEC dos Precatórios?

Categorias
Matéria

Como votaram os deputados do RN na PEC dos precatórios?

Todos os oito deputados federais do RN votaram na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/21, conhecida como PEC dos precatórios que vai resultar num calote no pagamento de dívidas judiciais do Governo Federal para garantir o pagamento do  Auxílio Brasil, programa que substitui o Bolsa Família, que tem data para acabar: 31 de dezembro de 2022.

Somente Natália Bonavides (PT), Rafael Motta (PSB) e Walter Alves (MDB) votaram contra.

Já Benes Leocádio (Republicanos), Beto Rosado (PP), General Girão (PSL), Carla Dickson (PROS) e João Maia (PL)  votaram a favor.

A proposta foi aprovada por 312 a 144.

Atualizando (11h59): Walter Alves votou contra.

Categorias
Artigo

O jogo dos 7 erros

Por Luis Otavio Leal*

 

A conhecida brincadeira infantil de encontrar as diferenças entre dois desenhos aparentemente iguais tem como função pedagógica estimular o raciocínio lógico e a capacidade de concentração das crianças. Longe de querer estimular o raciocínio lógico de alguém, mas gostaria de discutir os 7 erros que notamos no debate sobre a aparente dicotomia entre o Teto dos Gastos e o Auxílio Brasil.

Na questão particular de furar o Teto dos Gastos para conceder o Auxílio Brasil, conclui-se que mais uma vez não parece que o ‘fim’, por mais pertinente que seja em termos sociais, não justifica o ‘meio’ escolhido. Até porque o incremento adicional com o ‘turbinamento’ do Bolsa Família através do Auxílio Brasil, algo em torno de R$ 47 bilhões, seria ‘compensado’ com a perda de PIB decorrente dos juros mais altos. Esse, a meu ver, seria, portanto, o primeiro erro dessa discussão em torno do Auxílio Brasil: o custo em termos de elevação da inflação e de perda de crescimento de se furar o Teto dos Gastos para implementá-lo não compensaria o benefício, nem social, nem político.

Pensando a questão através do ponto de vista social, chegamos ao segundo erro do nosso “jogo”: quem é a favor da manutenção do Teto é contra o Auxílio Brasil. Isso não se confirma por uma simples razão: os dois podem coabitar perfeitamente nos números do Orçamento do Governo para 2022.

Colocando na ponta do lápis, temos que a peça orçamentária mandada pelo ministério da Economia para o Congresso previa uma despesa de R$ 34,7 bilhões com o Bolsa Família (R$ 190 para 15 milhões de beneficiários). O Auxílio Brasil, como originalmente proposto (R$ 300 para 17 milhões de beneficiários), custaria, no total, R$ 51 bilhões. Ou seja, um gasto adicional de R$ 16,3 bilhões. Já o programa repaginado dessa semana (R$ 400 para 17 milhões de beneficiários) chegaria a R$ 82 bilhões, um adicional de R$ 47,3 bilhões com relação ao originalmente proposto.

Com isso chegamos ao terceiro erro: o problema não está no Teto dos Gastos, mas nas emendas parlamentares. No Orçamento de 2021, o total de despesas discricionárias foi de R$ 110,20 bilhões, sendo que, destes, R$ 74,6 bilhões se destinavam ao Executivo e R$ 35,6 bilhões às emendas parlamentares. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022, o valor para as emendas parlamentares está em R$ 16,2 bilhões, sem contar as emendas do relator, que não têm um valor definido. Entretanto, considerando que o valor total das despesas discricionárias (R$ 114,8 bilhões) e que o orçado para 2021 para os gastos discricionários do Executivo seriam o mínimo para manter a “máquina” funcionando, chegaríamos a um valor máximo de R$ 40,2 bilhões (R$ 24 bilhões para as emendas do relator). Mantendo a proporcionalidade entre as despesas discricionárias do Congresso e as do Executivo, o valor seria ainda menor: R$ 37,1 bilhões. Ou seja, em um ano eleitoral, teríamos um crescimento de algo entre 4,2% e 12,9% nos recursos para os políticos atenderem às suas bases eleitorais em um cenário em que a inflação está ao redor de 10%. Focando nesses números, fica claro onde está o problema.

Para “dourar a pílula”, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em entrevista recente, disse: “Como a gente ia justificar furar o Teto para pagar precatórios e não furarmos o Teto para um programa social?”. Apesar de parecer ser uma frase, além de correta, justificável, ela seria o nosso quarto erro nessa discussão. Uma coisa não justifica a outra, por princípio. Porém, o fato gerador dos precatórios é completamente diferente daquele do Auxílio Brasil. Enquanto os primeiros são uma dívida financeira, cabendo até a discussão a respeito se elas deveriam estar no Teto ou não, o último é um gasto corrente. Outra diferença importante é que, enquanto os precatórios são imprevisíveis ao longo do tempo, dado que são determinados pelo Judiciário, programas sociais não o são, tanto que têm de ser aprovados pelo Congresso. Não faz sentido justificar o “estouro” do Teto devido ao Auxílio Brasil como sendo o mesmo expediente do caso dos precatórios. Como diria o sábio: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Por essas e por outras, a ideia de antecipar a discussão sobre a formatação do Teto dos Gastos, prevista para 2026, seria o nosso quinto erro. A questão pode ser até pertinente e, provavelmente, seria tema de debate no início do próximo governo, independentemente de quem esteja no Palácio do Planalto. Entretanto, ela não pode ser feita de forma açodada no calor de um momento de estresse. O sexto erro que identificamos nessa discussão seria colocar o Teto dos Gastos como um estorvo para a economia. Na verdade, ele salvou o Brasil de entrar em uma espiral de insustentabilidade da dívida pública que se avizinhava em 2016.

Por fim, chegamos ao sétimo erro dessa discussão: o Auxílio Brasil será bom politicamente para Jair Bolsonaro. Não vamos nem entrar no mérito do potencial de perda de renda pela alta da inflação e/ou pela queda do PIB, já discutido no nosso erro número 1. A questão aqui é bem mais simples: o Auxílio Emergencial atende a 40 milhões de beneficiários com um ticket médio de R$ 300. Se for confirmado como atualmente especulado, o Auxílio Brasil terá um valor maior, R$ 400, mas atendendo a bem menos pessoas: 17 milhões. O que deve pesar mais: a satisfação de 17 milhões de pessoas recebendo R$100 a mais, ou a raiva de 23 milhões que perderão R$300?

Ainda não temos a solução final para o imbróglio Auxílio Brasil/Teto dos Gastos. Mas, mesmo não sabendo ainda o fim dessa história, podemos chegar a algumas conclusões. A primeira é que o problema, na verdade, não é de espaço para o Auxílio Brasil no Teto dos Gastos – isso a PEC dos Precatórios resolve –, mas como, além disso, acomodar um aumento das emendas dos parlamentares. A segunda é que o mais importante não é se o Teto vai ser rompido ou alterado, uma vez que aqui não se fala em números, mas em expectativas. Esse instrumento foi criado para dar confiança ao investidor de que a trajetória da dívida pública brasileira, após anos de piora, seria sustentável. Para isso se colocou uma camisa de força nos gastos do Governo. A pergunta que fica no ar é: para que serve uma camisa de força com zíper? Nenhuma solução irá acalmar totalmente o mercado, dado que ainda teremos a tramitação das medidas para operacionalizar as decisões, e a simples lembrança de que os “invisíveis” do momento podem se tornar “visíveis” em alguma ocasião já seria motivo para se esperar muita emoção até o final do processo.

*É economista-chefe do Banco Alfa.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.