Por Gláucio Tavares Costa*
Consoante registrado na página de notícias do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 (NOTÍCIAS DO STF, 2023).
No julgamento finalizado em 14/10/2011, o STF pontuou:
- ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”… Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais… INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa… Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família… Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural… A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros… A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos… Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
(STF – ADI: 4277 DF, Relator: AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 05/05/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 14/10/2011) (Negritado)
A partir de então o debate sobre a questão foi reascendido: “várias polêmicas vieram à tona transcendendo a discussão sobre casamento homossexual e preconceito, convidando também à reflexão sobre liberdade de expressão religiosa.” (RIBEIRO, 2024)
A Dinamarca foi o primeiro país do mundo a ampliar o direito à união civil aos LGBTs. Na época, em 1989, a prefeitura de Copenhague promoveu um evento na sede do governo para celebrar a parceria registrada de 11 casais. A mudança foi um marco para o país, onde até 1933 era proibido expressar a homossexualidade em público (MOURA, 2023). Não obstante, os homossexuais dinamarqueses só puderam se casar no país a partir de 2012, com a aprovação de uma lei pelo Congresso.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução n° 175, de 14/05/2013, dispondo sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo, obrigando os cartórios a celebrarem casamento civil homoafetivo (MOURA, 2023).
Antes mesmo do julgamento da ADI n° 4277, da ADPF n° 132 e da mencionada resolução do CNJ, o Deputado Clodovil Hernandes havia apresentado em 27/03/2007, o Projeto de Lei n° 580/2007, que objetiva alterar o Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união homoafetiva. Em reação conservadora, em 05/05/2009, foi apresentada proposição de lei para incluir no Código Civil a proibição à união homoafetiva. O Projeto de Lei 5.167/2009 visa proibir que relações entre pessoas do mesmo sexo equiparem-se ao casamento ou a entidade familiar. Atualmente, tais projetos de lei encontram-se apensados e sob relatoria da Deputada Erika Hilton do PSOL de São Paulo.
Nenhuma proposta de esgotamento do tema ou de sua clarificação completa está em jogo. Inobstante, dentre os argumentos levantados pelos debatedores favoráveis a união formal homoafetiva, podemos ressaltar que “é muito mais moral para uma sociedade que seus cidadãos homossexuais estejam casados do que dentro de relacionamentos pouco duradouros”(Argumentos, 2022), e que “casamento não é baseado em procriação, tampouco em bens. O casamento é baseado no amor, e existem relações homossexuais com amor.”(Argumentos, 2022). No âmbito jurídico, deve-se ter em conta compete ao Estado assegurar a dignidade das pessoas, promovendo uma sociedade igualitária, onde o ser humano é tratado como portador de direitos, inclusive de constituir casamento com pessoa do mesmo sexo.
Por outro lado, há quem sustente que “o casamento sempre foi uma aliança entre um homem e uma mulher, ordenada por sua natureza à procriação e educação dos filhos, assim como à unidade e bem-estar dos cônjuges” (RITCHIE, 2018).
Nesta posição conservadora da contenda, assevera-se que o casamento homossexual “viola a ordem mora natural estabelecida por Deus, comete-se um pecado e se ofende a Deus” (RITCHIE, 2018). Além disso, sustenta-se que “a finalidade principal do casamento é a procriação, e esta instituição existe há milhares de anos exclusivamente para esse fim, portanto, não pode designar casais do mesmo sexo” (Mapa dos argumentos, 2012). Pontifica-se ainda que a Constituição brasileira refere-se ao casamento como união entre “homem e mulher”, nos termos do art. 226, § 3º, CRFB/1988, bem como o Código Civil, no art. 1.514, não sendo compatíveis com o ordenamento jurídico casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Em que pese a sanha conservadora em modelar o mundo como algo padronizado a diretrizes culturais próprias, derivadas, no geral, de preceitos religiosos, como se todas as pessoas devessem adequar-se a vontade e a fé de alguns e a inércia do Congresso brasileiro em enfrentar a presente temática, tendo em vista que os projetos de lei que versão sobre a permissão ou proibição do casamento homoafetivo tramitarem há mais de 15 anos, no Estado brasileiro convivem todos e todas, pelo que o Direito tem inclinado-se a reconhecer a diversidade cultural e o direito fundamental a proteção das famílias, na trilha do pluralismo como categoria sócio-político-cultural e na missão de promover o bem de todos, consoante declamado no julgamento da ADI n° 4.277.
Referências bibliográficas
- ANÔNIMO (2022). Argumentos Favoravéis para o Casamento Homoafetivo. Universidade Anhanguera Educational. Recuperado de https://www.studocu.com/pt-br/document/anhanguera-educational/direito-civil/argumentos-favoraveis-para-o-casamento-homoafetivo/36596814. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- ANÔNIMO (2012). Mapa dos argumentos linguísticos contra o direito ao casamento no cenário político brasileiro. PUC-Rio. Recuperado de https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/20680/20680_5.PDF. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- BRASIL. Projeto de Lei n° 580/2007, de 27/03/2007. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=346155. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- BRASIL. Projeto de Lei n° 5.167/2009, de 05/05/2009. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=432967. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- LEÓN, L. P. (2023). Comissão da Câmara aprova projeto que proíbe casamento homoafetivo. Agência Brasil. Recuperado de https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-10/comissao-da-camara-aprova-projeto-que-proibe-casamento-homoafetivo#:~:text=O%20projeto%20de%20lei%20que,Fam%C3%ADlia%20da%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- MOURA, Jéssica (2023). Casamento homoafetivo só é reconhecido em 17% dos países. Deutsche Welle – DW. Recuperado de https://www.dw.com/pt-br/casamento-homoafetivo-s%C3%B3-%C3%A9-reconhecido-em-17-dos-pa%C3%Adses/a-66951133. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- RIBEIRO, Paulo Silvino (2024). União Homoafetiva em debate no Brasil. Brasil Escola. Recuperado de https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/uniao-homoafetiva-debate-no-brasil.htm. Acesso em 17 de agosto de 2024.
- RITCHIE, John (2018). 10 razões pelas quais o “casamento” homossexual é prejudicial e deve ser combatido. Instituto Plinio Corrêa de Oliveira. Recuperado de: https://www.ipco.org.br/10-razoes-pelas-quais-o-casamento-homossexual-e-prejudicial-e-deve-ser-combatido.
- Supremo Tribunal Federal. Mês da Mulher: há 12 anos, STF reconheceu uniões estáveis homoafetivas: Segundo o IBGE, na época da decisão, a maioria dos casais de pessoas do mesmo sexo era formada por mulheres, 30/03/2023. Recuperado de https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1. Acesso em 17 de agosto de 2024.
*É mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico. Graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Analista judiciário do Tribunal de Justiça potiguar.
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