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O princípio da obrigatoriedade da ação estatal na saúde e as divergências federativas

Por Rogério Tadeu Romano*

Em 1988, o Brasil rumou para um caminho democrático ao ver promulgada a sua Constituição-cidadã.

Alinha-se a Constituição de 1988, no Brasil, a um moderno Estado Democrático de Direito que reclama uma Democracia Participativa aberta, dentro de uma Constituição aberta a todas as instâncias de participação permanente. Fácil e ver que os esquemas político-institucionais baseados em estruturas antigas, do tipo liberal-individualista, não se adaptam às novas exigências da ordem coletiva.

O Estado tem o dever de zelar pela saúde, a educação, a A saúde é concebida como direito de todos e dever do Estado, que a deve garantir mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos. O direito à saúde rege-se pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços que a promovem, protegem e recuperem.

As ações e serviços de saúde são de relevância pública, por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público, nos termos da lei, a que cabe executá-los diretamente ou por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Na lição de José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 696), se a Constituição atribui ao Poder Público o controle das ações e serviços de saúde, significa que sobre tais ações e serviços tem ele integral poder de dominação que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização.

A atuação no campo da saúde diz respeito ao sistema único de saúde, integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde, constitui meio pelo qual o Poder Público cumpre seu dever de relação jurídica que tem no polo ativo qualquer pessoa e a comunidade, já que o direito à promoção e à proteção da saúde é ainda um direito coletivo. O sistema único de saúde implica ações e serviços federais, estaduais, distritais(DF) e municípios, regendo-se pelos princípios da descentralização, com direção única em cada esfera de governo, de atendimento integral, com prioridades para atuações preventivas e da participação da comunidade, o que confirma seu caráter de direito social pessoal, de um lado, e de direito social, coletivo, de outro.

Responsável pelas ações e serviços de saúde é o Poder Público, na medida em que a Constituição fala em ações e serviços públicos de saúde, para distinguir a assistência à saúde pela iniciativa privada, que ela também admite.

Pois bem.

É impositiva a ação estatal, em todas as esferas federativas, quando o assunto é a saúde pública.

O Princípio da obrigatoriedade da ação estatal ensina que o Estado deve prevenir, por todos os meios possíveis, as ameaças à saúde pública.

No passado presente, é sempre indispensável dizer, vivemos a maior crise sanitária de nossa geração. Suas repercussões são terríveis na ordem econômica, social, da educação.

Os entes federativos têm vivido sérios problemas quanto à adequação das medidas que devem ser tomadas, no exercício do poder de polícia, em face da Lei nº 13.979/2020.

Sabe-se que a Constituição disciplinou a competência dos entes federativos como concorrente.

Mas, será dito que o Município tem competência para adotar medidas próprias dentro de seu especial interesse local.

Sobre a matéria disse o ministro Carlos Velloso, no AI-AgR n° 481.886:

“Ora, a fixação do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, situados no território do Município, é da competência deste, dado que se constitui em matéria ou assunto de interesse local (C.F., art. 30, I). Destarte, a legislação local, que assim disponha, desde que o faça de forma razoável, tem legitimidade constitucional. Assim procedendo, a legislação municipal não causa ofensa aos dispositivos inscritos no art. 170, IV, (livre concorrência), V (defesa do consumidor) e VIII (busca do pleno emprego), dado que esses princípios devem ser visualizados no sistema da Carta. Haveria ofensa ao princípio da livre concorrência se a legislação proibisse para uns o funcionamento num certo horário e facultasse para outros. Isto, evidentemente não ocorre, no caso. É dizer, o horário de funcionamento é para todos os estabelecimentos comerciais. Os princípios de defesa do consumidor e busca do pleno emprego (C.F., art. 170, V, art. 5o, XXXII) (C.F., art. 170, VIII), por sua vez, devem conviver com o poder de polícia exercido pelo Município, que tem por finalidade o interesse coletivo. No caso, interfere o interesse de parcela da comunidade, que são os empregados dos estabelecimentos, com direito ao descanso. De outro lado, a busca do pleno emprego não e faz desordenadamente.

A alegação no sentido de que a legislação municipal, no ponto, é atentatória ao princípio da isonomia □ C.F., art. 5o, caput, não é razoável, dado que o horário estabelecido atinge a todos e não apenas a alguns comerciantes. Não há invocar, no ponto, o horário de funcionamento de lojas situadas em “shopping-centers’ , dado que essas lojas não se igualam, em termos de localização, às lojas situadas nas vias públicas. Ora, o princípio da igualdade se realiza na medida em que desiguais são tratados com desigualdade e iguais com igualdade.” (AI(AgR) n° 481.886-SP, 2ª T., unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 1.4.2005).

E se houver discordância com relação ao horário comercial dentro do confronto entre os decretos estadual e municipal na matéria?

Por óbvio, aplica-se a Súmula 645 do STF e ainda Súmula Vinculante:

PSV 89

A proposta foi formulada pelo ministro Gilmar Mendes com o objetivo de converter a Súmula 645 do STF em súmula vinculante. A partir da publicação, o verbete deverá ser convertido na Súmula Vinculante 38: “É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”.

Mas, recentemente, em sede de Suspensões de Liminares, onde o mérito não foi objeto de cogitação, mas a adoção de medidas determinadas em face de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, em março deste ano, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, restabeleceu a plena eficácia do Decreto estadual 65.545/2021 de São Paulo que determinava a classificação do Município de São José dos Campos na fase vermelha do Plano São Paulo de combate à pandemia da Covid-19. A decisão cautelar foi proferida em dois pedidos de Suspensão de Liminar (SL 1428 e SL 1429) contra decisão do Tribunal de Justiça estadual (TJ-SP) que havia autorizado a migração do município para a fase laranja, menos rígida.

Então o que fazer com relação a matéria, envolvendo fechamento do comércio e dos serviços não essenciais, até mesmo um lockdown, tomados na devida proporcionalidade, quando União, Estados, Municípios, têm decisões conflitantes, de caráter prescritivos, com functores deônticos?

Penso que o assunto, por envolver uma pandemia, tem que ser tratado como direito à saúde.

Se entendido como tal a competência seria concorrente, como julgado pelo Supremo na ADi 6341. Por compreender ser aplicado ao caso o princípio da precaução/prevenção, há de prevalecer a norma do ente federativo concorrente que, sendo mais restritiva, tenha o maior condão profilático na matéria. Sobre a matéria há interesse estudo de Gabriel Vedy (O princípio constitucional da precaução como instrumento do meio ambiente e da saúde pública”, Ed. Forum, 3ª ed., 2020).

Essa vertente diz respeito à aplicação dos princípios da prevenção e da precaução o que exigiria maior atenção das autoridades sanitárias e o implemento de medidas mais severas.

Em sendo assim, sob essa ótica, na controvérsia entre as medidas legais tomadas pelo município ou pelo Estado Membro, adotar-se-ia a mais grave e a mais incisiva para o caso.

O objetivo do Princípio da Prevenção é o de impedir que ocorram danos à saúde, concretizando-se, portanto, pela adoção de cautelas, antes da efetiva execução de atividades potencialmente produtoras de danos.

O Princípio da Precaução, por seu turno, possui âmbito de aplicação diverso, embora o objetivo seja idêntico ao do Princípio da Prevenção, qual seja, antecipar-se à ocorrência das agressões à saúde.

Enquanto o Princípio da Prevenção impõe medidas acautelatórias para aquelas atividades cujos riscos são conhecidos e previsíveis, o Princípio da Precaução encontra terreno fértil nas hipóteses em que os riscos são desconhecidos e imprevisíveis, impondo à Administração Pública um comportamento muito mais restritivo quanto às atribuições de fiscalização e de licenciamento das atividades potencialmente danosas à saúde.

Com isso proteger-se-ia o direito à saúde, que tem natureza difusa na sociedade.

Para tanto, é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões, duas faces de uma mesma moeda: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução).

Essa necessidade de atuação do Poder Público é respaldada na existência de outro princípio: o princípio da obrigatoriedade da ação estatal.

Sendo assim, repito, há de prevalecer a norma do ente federativo concorrente que, sendo mais restritiva, tenha o maior condão profilático na matéria, dentro de um necessário pacto pela vida.

É procurador da República aposentado.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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A vida e o direito de ir e vir

Por Luiz Antonio Marinho da Silva*

A liberdade de expressão é um bem jurídico sagrado. Pedra de arrimo da democracia. Durante vinte e um anos esse direito foi suprimido. Jornais censurados, telenovelas mutiladas, peças teatrais tesouradas, canções picotadas, opiniões tolhidas, palavras caladas.

Tempos arbitrários.

A Constituição Federal de 1988 afastou as trevas, refez a luz. A cidadania alçou centralidade. Ulisses Guimarães bradou: Constituição Cidadã.

É exercício de cidadania proteger a si próprio e aos seus semelhantes nessa quadra duradoura de pandemia.

Sentir a dor alheia. Empatia. Nem precisaria de ato da governadora Fátima Bezerra e de outros governadores do Brasil para ficar em casa ou limitar a saída às ruas com um vírus matador à espreita.

É ato de solidariedade humana, de amor ao próximo, Independentemente de credo ou religião.

Pouco importa se cristão, muçulmano, de direita, de esquerda, de centro. Há um bem maior a ser protegido. A vida. Sem vida não há economia, disse ontem um ministro. Disse o óbvio, mas o óbvio às vezes é preciso ser dito. O óbvio ululante.

O direito de ir e vir em uma pandemia que já caminha para doze meses e uma tsunami de lágrimas pelas vidas arrebatadas, com uma nova onda avassaladora, merece mitigação.

O Governo do Rio Grande do Norte, a exemplo de outros estados – muitos deles com medidas ainda mais rígidas – não podia ficar omisso. Não pode prevaricar. É dever constitucional do Estado zelar pela saúde e pela vida do cidadão.

Bem disse o meu professor, e de muitos, jurista Ivan Maciel, em seu artigo “A tragédia e o jogo político”, publicado na Tribuna do Norte: “Diante da catástrofe que se abateu sobre o nosso país, a omissão representa conivência com o vírus.”

*É Procurador-geral do Estado do RN.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Uma controvérsia quanto ao entendimento do artigo 57, § 4º, da CF

Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia (Foto: Cristiano Mariz/Veja)

Por Rogério Tadeu Romano*

*É procurador da República com atuação no RN aposentado.

Observo o artigo 57, parágrafo quarto da CF:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)

  • Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006).

Por sua vez, na linha da norma paratípica, a norma típica secundária, Regimento Interno do Senado, no artigo 59 assim determina:

“Os membros da Mesa serão eleitos para mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente”.

Possibilita-se a recondução para membro da mesa, desde quando seja para outro cargo diverso do que o parlamentar ocupava antes.

Tal recondução era vedada na ordem constitucional pretérita.

Constituição atual permitiu, na sua redação primeira.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade de recondução para o mesmo cargo de eleição imediatamente subsequente (RTJ, 119: 964 e 163: 52).

O Supremo Tribunal Federal também entendeu que “a norma do parágrafo quarto do artigo 57 da CF, que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido (STF, RTJ, 163: 52).

Constituição e o regimento do Senado impedem que membros da Mesa Diretora sejam reeleitos na mesma legislatura, ou seja, no período de quatro anos entre duas eleições gerais.

Isso é claro, diante dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e, ainda, o republicano, um princípio democrático por excelência.

No entanto, divulgou o site Antagonista (7 de fevereiro de 2020) o que segue:

“Para ficar mais dois anos na presidência do Senado, porém, Alcolumbre tirará da manga, no momento que considerar oportuno, um parecer da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) datado de novembro de 1998, que levanta a possibilidade de reinterpretação do texto constitucional e da norma interna.”

Para tanto, pensam em ressuscitar o parecer 555, que dá interpretação permissiva a tal reeleição, baseando-se, inclusive, em que as funções exercidas na Mesa Diretora — incluindo a de presidente, claro — como de “natureza executiva”, e não de “legislativa”. “É função de direção, supervisão, polícia, administração e execução. Em tudo e por tudo, se afigura função executiva e administrativa”, diz trecho do parecer. Sendo assim, uma vez que o sistema republicano havia passado a permitir a reeleição de titulares do Poder Executivo um ano antes, em 1997, “não haveria mais razão doutrinária” para impedir a reeleição de presidentes do Senado, ainda que na mesma legislatura.

O ressurgimento da ideia de permitir a reeleição dos atuais presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados atesta o baixo apreço da classe política pela longevidade das normas.

Um desvio, de resto, encontradiço até no Supremo Tribunal Federal, cujo vaivém de decisões desvaloriza a missão de resguardar a fortaleza constitucional, como bem acentuou Editorial da Folha, em 24 de agosto do corrente ano.

O Supremo Tribunal Federal tem uma oportunidade para impedir a concretização de tal entendimento.

O PTB representou ao STF para que este consagre o veto à reeleição dos presidentes parlamentares em qualquer situação, não só na legislatura presente.

É claro que, no quadro da política brasileira, poderá haver insondáveis interesses por detrás dessa iniciativa no processo constitucional.

Lembrou Rafael Tomas de Oliveira (Republicanismo deve reger eleições municipais para a mesa diretora de câmara municipal in Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2016), que o princípio republicano, destacado logo no caput artigo  da Constituição Federal de 1988, possui densidade normativa, devendo vincular os poderes constituídos em todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Ainda nessa linha de raciocínio, tem-se que o princípio republicano exige a alternância de poder.

É igualmente elemento normativo do princípio republicano a alternância no poder. As repúblicas modernas, que se organizam por meio do regime democrático, devem possuir, institucionalmente, mecanismos que possibilitem a troca da pessoa ou grupo que, transitoriamente, detém o exercício do poder político (em qualquer dimensão ou esfera de governo), sob pena de criar-se uma espécie de regime dinástico, aristocrático ou oligárquico que coloque a república apenas como símbolo político-jurídico, como ainda disse Rafael Tomas de Oliveira, naquele artigo citado. 

E conclui aquele autor:

É igualmente elemento normativo do princípio republicano a alternância no poder. As repúblicas modernas, que se organizam por meio do regime democrático, devem possuir, institucionalmente, mecanismos que possibilitem a troca da pessoa ou grupo que, transitoriamente, detém o exercício do poder político (em qualquer dimensão ou esfera de governo), sob pena de criar-se uma espécie de regime dinástico, aristocrático ou oligárquico que coloque a república apenas como símbolo político-jurídico.” 

Afinal, há deveres de proteção à Constituição, como revelou Canaris (Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2009).

As casas legislativas da República têm um compromisso republicano de forma que tal pretensão nociva de reeleição fere princípios constitucionais nucleares e deve ser objeto de confrontação dentro das formas que a Jurisdição constitucional permite.

Entretanto, segundo o chefe do Ministério Público Federal, “não cabe ao Judiciário, ainda que pela via do controle abstrato de normas, substituir-se ao Legislativo a fim de definir qual o real significado da previsão regimental”.

O PGR destacou que a interpretação e a aplicação de normas regimentais, em regra, escapam do controle judicial, “uma vez que o primado da separação de Poderes inibe a possibilidade de intervenção judicial na indagação de critérios interpretativos de preceitos regimentais definidos pelas casas legislativas”.

A AGU (Advocacia-Geral da União) enviou, em 16 de setembro, 1 parecer ao Supremo em que também defende que só os próprios congressistas devem decidir sobre a possibilidade ou não de reeleição para as presidências de Câmara e Senado.

“Então oficiando como consultor jurídico, o Ministro Luís Roberto Barroso concluiu que a vedação constitucional não se aplicava necessariamente a quem houvesse assumido “mandato-tampão”. Veja-se: A partir da Emenda Constitucional nº 16/97 – que tratou da reeleição para Presidente, Governadores e Prefeitos –, e independentemente do juízo que se faça acerca dessa inovação, o fato é que já não é possível afirmar que a reeleição afronte qualquer princípio fundamental da organização política brasileira, aí incluídos os valores democráticos e os direitos fundamentais. Logo, se a reeleição no âmbito do Executivo é possível, nada impede, por igual, a recondução no âmbito das Mesas das Casas Legislativas, salvo, naturalmente, vedação contida em alguma norma expressa. Nessa linha, aliás, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a vedação à reeleição contida no art. 57, § 4º do texto constitucional não precisa ser reproduzida nas Constituições estaduais, justamente por não se tratar de exigência que decorra diretamente dos princípios básicos da organização política. (…) Pois bem: não se colhe no relato do § 4º do art. 57, acima transcrito, uma inequívoca proibição à reeleição de quem tenha substituído o Presidente que renunciou. Por outro lado, como a Constituição não tratou diretamente da hipótese aqui cogitada, também não seria correto afirmar que a possibilidade de reeleição decorra do texto constitucional. Entretanto, parece razoável assumir que restrições à escolha livre dos ocupantes da Mesa por parte dos Senadores é que deveriam depender de previsão expressa, e não o oposto. No caso da reeleição dos Chefes do Executivo, a situação particular daqueles que os substituíram ou sucederam no curso de seus mandatos foi objeto de disciplina constitucional específica (CF, art. 14, § 5º6 ). O art. 57, § 4º não se ocupa dessas hipóteses. O sistema, portanto, contém ou uma ambiguidade ou uma lacuna. (…) Em face das premissas alinhavadas acima, é possível extrair algumas consequências. Não será incompatível com o art. 57, § 4º da Constituição a interpretação que considere possível ao Presidente do Senado, eleito para completar mandato anterior, candidatar-se a um mandato autônomo. Não se trata, contudo, de uma imposição direta do texto constitucional. Cuida-se, afinal, de um espaço de decisão política aberto pela Constituição. Não custa lembrar que a Carta funciona como um código mínimo de regulação da vida política, mas não esgota necessariamente todas as questões possíveis. Ao contrário, o normal e desejável é que as Constituições estabeleçam princípios básicos, em cujos limites as maiorias de cada tempo terão liberdade de conformação, respeitados os direitos das minorias. Em casos como o presente, em que a Constituição admite duas interpretações possíveis, o normal é que prevaleça a decisão produzida nas instâncias políticas. O Senado Federal, inclusive, já exerceu essa competência ao definir, sobre a interpretação do mesmo art. 57, § 4º, que os eleitos para a composição da Mesa Diretora no segundo biênio da legislatura não ficam impedidos de concorrer aos mesmos cargos na eleição seguinte, uma vez que o funcionamento congressual seria segmentado em legislaturas. Em se tratando de questão afeta ao funcionamento do Congresso Nacional, a solução constitucionalmente adequada será privilegiar a interpretação conferida à norma pela própria Casa Legislativa, em respeito à sua independência orgânica. O STF, tradicionalmente, reconhece a primazia das Casas na resolução de questões interna corporis, respeitadas as balizas constitucionais. A hipótese de que se trata parece se inserir nesse contexto.”

Na matéria anoto o que disse o ministro Celso de Mello, no julgamento dos Mandados de Segurança nº 34.574 e nº 34.602:

“A análise do conteúdo material do art. 57, § 4º, da Constituição da República – que não se reveste de caráter fundamental (eis que não se qualifica como princípio sensível de nossa organização política) nem se impõe à observância compulsória dos Estados-membros e Municípios (ADI 792/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – ADI 793/RO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – ADI 1.528-MC/AP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI – ADI 2.262-MC/MA, Rel. Min. NELSON JOBIM – ADI 2.292-MC/MA, Rel. Min. NELSON JOBIM – ADI 2.371-MC/ES, Rel. Min. MOREIRA ALVES – Rp 1.245/RN, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, v.g.) – revela que a aplicabilidade de referido preceito normativo somente teria pertinência se atendidos determinados requisitos de ordem objetiva nele inscritos, sob pena de, ausentes tais pressupostos, viabilizar-se, mediante inadmissível extensão analógica de regra vedatória, a incidência de cláusula manifestamente restritiva de direito público subjetivo à candidatura, tal como advertiu o eminente Professor HELENO TAVEIRA TORRES no estudo por mim anteriormente citado:

A aplicação do parágrafo 4º do artigo 57 da CF está condicionada a pressupostos fáticos bem objetivos. Ora, o presidente atual não compunha a Mesa Diretora na condição de presidente (mesmo cargo), não exercia mandato de dois anos e não foi eleito no primeiro ano da legislatura. Logo, como normas de proibição não admitem analogia, qualquer tentativa de impedir sua candidatura resulta em puro arbítrio. ………………………………………………………………………………………… É matéria tipicamente ‘interna corporis’, estranha ao artigo 57, parágrafo 4º, da Constituição Federal e de competência do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD).” (grifei) De outro lado, cabe ter em consideração, na linha do exposto pelo eminente Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO no já mencionado parecer por ele elaborado como Advogado, que, naquelas controvérsias cujas soluções jurídicas mostram-se diversas, impõe-se “(…) privilegiar a interpretação conferida à norma pela própria Casa Legislativa, em respeito à sua independência orgânica” (grifei), pois, como não se desconhece, “(…) O STF, tradicionalmente, reconhece a primazia das Casas na resolução de questões ‘interna corporis’, respeitadas as balizas constitucionais”

Sendo assim já se entendeu que se o artigo 57, § 4º, da Constituição não monopoliza a solução para a controvérsia das reconduções, então há espaço para interpretação; e, na medida em que esse espaço existe, deve ser ele titularizado pelo Congresso Nacional, por uma questão de conformidade funcional.

A matéria agitada deve ser objeto de julgamento pelo STF, havendo que diga que “a uma tendência da Corte Suprema de entender que valerá o entendimento do Congresso Nacional, por suas Casas Legislativas, na solução da controvérsia, por ser matéria interna corporis.

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Liberdade de Ofensas

Por Fernando Rizzolo

Uma das características da nossa Constituição de 1988 é a determinação da Liberdade de Expressão, principalmente nos incisos IV e IX do artigo 5º. Poderíamos dizer que foi um grande avanço, pois vínhamos de um regime militar em que a censura estabelecia o cerceamento do livre expor das ideias. Contudo, uma observação deve ser avaliada em um contexto não apenas político, mas na esfera social em que se davam as relações interpessoais nos últimos anos do regime de exceção até os dias de hoje.

Para nos aprofundarmos no conceito social muito influenciador a partir dos anos 80, temos que traçar duas vertentes, uma na esfera cultural, na qual se esboçava a liberdade de não mais aprisionar as crianças em uma educação mais rígida ou mais antiga, seguindo os novos preceitos da psicologia, que preconizava liberdade em excesso às crianças, e outra ampliada pela televisão, que, através das novelas, mostrava jovens desrespeitando seus pais e até contestando sua educação. Na época, costumava-se dizer de forma jocosa que “os psicólogos defendiam que todos problemas dos jovens eram advindos da educação dada pelos pais”, jargão que se utilizava para justificar inclusive no inconsciente coletivo dos pais que foram reprimidos, ou tiveram uma “educação antiga”, que as regras mudaram, que o caminho certo para a felicidade futura dos filhos era deixá-los fazer o que quisessem, para não serem “traumatizados”.

Criamos, assim, uma geração de mimados, inseguros, contestadores sem fundamentos, que, com o advento da Constituição de 1988, que consagra a Liberdade de Expressão, tiveram seu comportamento legitimado por nada menos que a Carta Magna.

Foi assim que, ao surgir um governo de direita, que faz uso de palavrões, xingamentos e propõe o politicamente incorreto, ocorreu uma explosão que subverte preceitos constitucionais, levando ao desrespeito por parte dos jovens da geração nascida a partir dos anos 70 com relação aos mais velhos.

E é com esse pensamento, com essa reflexão político-social que engloba todo um histórico de desrespeito às instituições, aos pais, aos que pensam diferente, que a direita canalizou essa força histórica de educação não opressiva para a novidade explosiva: culpar a esquerda, desrespeitar as instituições, xingar autoridades e até ameaçar membros do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, último baluarte da defesa do Estado Democrático de Direito.

Nessa “balbúrdia” generalizada, foi necessária então uma investigação por parte do STF sobre as fake news, uma vez que todos sabemos que o STF é composto por pessoas de notável saber jurídico, defensores da Constituição, juristas renomados que se dedicam ao labor da manutenção do devido processo legal e que jamais poderiam ser ameaçados, ultrajados, desrespeitados, num verdadeiro atentado à democracia do nosso país.

Portanto, quando alguém grita na frente da casa de um Ministro ou de uma autoridade, como se dizia antigamente, “a culpa é dos psicólogos, pois não podemos contrariar as crianças”. Com todo respeito aos psicólogos e sublinhando aqui que não concordo com essa afirmação leviana que se fazia outrora não só no Brasil, pois talvez seja ela mesma o motivo de o Brasil precisar hoje se sentar no divã e iniciar um processo de “livre associação”, obviamente não a tal associação criminosa, tão em moda nesse nosso pobre país.

 Advogado, Jornalista e Mestre em Direitos Fundamentais 

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A força de uma democracia

Por General Girão*

O art. 1o da Constituição Federal de 1988 preconiza que:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

a soberania;

a cidadania;

a dignidade da pessoa humana;

os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Com base na nossa Carta Magna, devemos nos debruçar sobre onde repousa a força dessa democracia: nos gabinetes dos eleitos ou na efetiva vontade popular?

Realizadas as eleições, temos o Poder Legislativo redesenhado, com os representantes do povo aptos a desenvolverem estudos e debates para a aprovação das regras de convivência, ou seja, as Leis que vão reger esse Estado Democrático de Direito.

No âmbito federal, os Deputados são eleitos para um mandato de quatro anos e os Senadores para oito anos, pressupondo que a sociedade deve aguardar esses períodos para renovação de seus representantes, mesmo que sejam identificados parlamentares que não estejam correspondendo ao que os eleitores esperavam. São raros os casos de perda do mandato, seja pela complexidade da justiça brasileira, seja por um corporativismo entre os pares.

No atual conjuntura, estamos a presenciar uma crise mundial em função de uma pandemia creditada ao novo coronavírus (COVID-19). Essa situação tem exigido decisões dos gestores da União, Estados e Municípios, gerando diferentes interpretações dos problemas e soluções por vezes desencontradas. Todavia, em meio a esse complexo panorama, o Legislativo Federal tem sido pródigo em aprovar proposições de grande impacto social e econômico, sem que sejam realizados adequados estudos de base e sem que as discussões possam aperfeiçoar os textos legais.

Vivemos há cerca de três décadas com o chamado “Presidencialismo de Coalisão” — fruto de uma Constituição Federal parlamentarista (1988) e de um sistema de governo presidencialista, como resultado do plebiscito de 1993. Esse modelo “ornitorrinco”, único no mundo, está comprovadamente falido, porque dá ao Congresso poderes que deveriam ser do Presidente da República, ao tempo em que atribui a este as responsabilidades por todos os fracassos porventura decorrentes da execução.

Críticos alegam que o Presidente da República deve saber “negociar” com o Congresso, de modo a aprovar as medidas necessárias para implementar o Programa de Governo aprovado pela maioria, em eleições gerais. Mas nossa História recente mostra dois “impeachments” e diversos escândalos de compra e venda de votos parlamentares, com destaque para o Mensalão e o Petrolão, ambos do PT, comprovando o quão falho é esse modelo.

Assim, temos uma situação em que os integrantes da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, por vezes eleitos com pouco mais de 0,1% dos votos do Presidente da República, têm poderes para articular a aprovação de medidas que contrariam frontalmente o Executivo, desprezando a vontade popular. Isso enfraquece a democracia, por negar ao povo o direito de reagir aos enganos ou ilusionismos praticados contra si.

Fica, portanto, a pergunta: onde mesmo está o poder de uma democracia? Nas ruas ou nos gabinetes legislativos de uns poucos eleitos?

“O fim do Governo é o bem dos homens” John Locke

 

*É Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte.

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Constituição no dos outros é refresco

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A Constituição do Rio Grande do Norte e a Constituição da República Federativa do Brasil estão aí para serem cumpridas. Na política o cumprimento delas depende do sabor das conveniências.

Se você é da oposição vale aumento de salário de servidores mesmo que seja ilegal. No Governo você invoca a carta magna.

Se você é oposição vale uma lei que rompa com os preceitos constitucionais. Se é Governo o apreço para legalidade aflora.

É assim na Câmara Municipal de Mossoró, Assembleia Legislativa ou Congresso Nacional. Nas redes sociais nem se fala.

O que importa é doce sabor das conveniências.

Constituição no dos outros é refresco.

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Extra! Já estão usando até a escravidão para dinamitar cláusula pétrea

Por Lenio Luiz Streck 

Abstract: Para Cristovam Buarque, vai um trecho de Rei Lear, de Shakespeare: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio”.

Há um conceito novo na praça. Muniz Sodré, em belo artigo na Folha de S.Paulo, conta-nos: “A distopia televisiva Years and Years (HBO), onde o mundo parece posto de cabeça para baixo, é amostra curiosa de um fenômeno ainda em busca de interpretação, que escolhemos designar como sociedade incivil”. Tempos de raiva, de anti-intelectualismo e quejandos.

Um bom exemplo dessa incivilidade foi o Twitter do ex-senador Cristovam Buarque sobre cláusulas pétreas, que bem demonstra o buraco em que estamos metidos:

“Perguntas brasileiras: e se nossa primeira Constituição tivesse colocado a propriedade de escravos como cláusula pétrea, por sua importância fundamental na economia da época?”

Sim, ele postou isso. Mas não é o primeiro e nem o único. Grupos de WhatsApp — as novas células terroristas das neocavernas — disseminam esse tipo de asneira ofensiva. Não me surpreende que Cristovam não tenha sido reeleito. Manchou sua história como professor. Que feio. A resposta ao ex-senador veio fulminante, pela voz do advogado Silvio Almeida: “Senador, sinto-me, como negro que sou, profundamente ofendido com sua comparação ridícula, sem sentido e desrespeitosa. O senhor tornou-se um homem triste e vulgar. Que a história trate de colocá-lo em seu devido lugar”. Amém, Silvio. And I rest my case.

Eis uma boa amostra destes tempos de incivilidade, em que um professor, ex-senador, ex-governador, diz uma barbaridade destas. Ele não deve ter amigos ou alguém em casa que o aconselhe. Será que não tem nenhum parente que tenha estudado Direito ou que tenha lido algum livro de Direito Constitucional? Mesmo um livro de Direito Constitucional facilitado ensinaria ao ex-senador (e aos outros disseminadores dessa nesciedade).

Sigo. O Brasil deve ser o único país do mundo em que as garantias constitucionais e processuais são vistas como inimigas. Pior: quem dissemina mais essa lenda é gente da comunidade jurídica.

Veja-se a reação raivosa dessa gente ao julgamento do Supremo no caso das ADCs. Uma advogada do RS disse que os filhos e filhas dos ordinários ministros deveriam ser estuprados. Outros posts em Twitter e Facebook incentivam o ódio. Gente do direito — e alguns do parlamento — pedindo que o STF seja fechado. Gente do MP pró-sociedade fazendo uma ode ao uso desmesurado do meio ambiente para fazer a felicidade de cada pessoa, afora outras coisas desse quilate (ver meu MP Pró-sociedade chama Lei do Abuso de Lei do Bandido Feliz). Eis o paradigma da incivilidade.

Ao lado disso tudo, o exercício da advocacia tem se transformado em uma corrida de obstáculos. Tem de matar dois leões por dia, desviar das antas, cruzar por um fosso de jacarés, beijar um leão e, ainda por cima, cuidar para não ser esnobado pelo meirinho.

Bom, esse é o trivial do cotidiano pelo qual passam centenas de milhares de causídicos. Mas, nos últimos anos, há um fenômeno novo, o da criminalização da advocacia. Advogados que fazem pareceres como procuradores de município ou autarquias são enquadrados como criminosos e, quiçá, membros de orcrim.

Escritórios são violados. Constantemente a OAB tem de recorrer ao STF — e tenho sido protagonista em alguns casos por indicação do Conselho Federal da OAB —, buscando medidas, especialmente reclamações, para proteger o exercício da profissão. Chegamos a esse ponto.

Eis a tempestade perfeita: juíza mede o tamanho das saias das advogadas, o que demonstra, simbolicamente, o grau de autoritarismo que se encalacrou nas instituições. Advogados são pressionados para que seus clientes façam delação. Advogados são vetados em delações. Querem alterar até o conceito de coisa julgada, afogando Liebman no rio de história.

Sobre tudo isso temos de refletir. Agora mesmo há um movimento nacional — até com passeatas em ruas e praças — pela aprovação de Emenda(s) Constitucional para alterar o julgado do STF nas ADC 43, 44 e 54. Vi um ex-senador do RS falando, efusivamente, que o parlamento deve salvar o país (leia-se: para ele, só com a alteração da Constituição é que poderemos livrar o país da impunidade proporcionada pelo STF). Nem vou falar de deputados boquirrotos que dizem barbaridades e depois pedem desculpas, prática, aliás, muito comum nesta terra patrimonialista. Faz o mal… e pede desculpas. Já propus até que se ampliasse o artigo do Código Penal que trata das exclusões de ilicitude: “o pedido de desculpas”.

Um ponto em comum na maioria (falei maioria) das manifestações bizarras e reacionárias: elas vêm de gente (de)formada em… Direito. Sim, o Direito é locus privilegiado do reacionarismo. As faculdades estão formando reacionários e aprendizes de fascistas. As ofensas maiores que recebo por defender as garantias constitucionais vem de gente da área do… Direito. Claro. Não me admira que 57% da população que não toma vacina age desse modo porque se informa em células terroristas de WhatsApp. E, é claro, 25% das pessoas acreditam que Adão e Eva existiram.

O terraplanismo jurídico venceu. Bom, para um país em que os alunos já não levam livros para aula e ficam conferindo o que o professor diz revirando a Wikipédia, o que mais pode nos surpreender? Ninguém se operaria com um médico que estudou por livros do tipo “cirurgia cardíaca mastigada”, pois não? Mas no Direito tudo pode. Resumos, resuminhos, mastigados. Viva o macete. Depois dá nisso que estamos vivendo. O sonho de parte da comunidade jurídica é fechar o STF e prender o réu já em primeiro grau. E suspender a garantia de habeas corpus. E permitir uso de prova ilícita de boa-fé (como, aliás, constou no pacote de Dallagnol). O que houve com a comunidade jurídica?

Do jeito que vai a coisa, o símbolo da justiça — a balança — será substituída por um ovo, que é o personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho, que dá às palavras o sentido que quer.

Por isso, coisa julgada é… aquilo que quero; cláusula pétrea é cláusula dúctil, fofinha… com a qual se pode dizer qualquer bobagem e fazer qualquer tipo de comparação hedionda. E assim por diante.

*É é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados.

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Uma breve reflexão sobre as instituições democráticas

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Por Celso Tracco*

Muito se fala, atualmente, sobre as instituições públicas brasileiras. Que elas estão em pleno funcionamento, que asseguram o Estado Democrático de Direito, que estão sólidas e consolidadas. Em primeiro lugar, devemos deixar claro que as instituições públicas (Congresso, Judiciário, Presidência da República, entre outras) são regidas pela Constituição Federal de 1988 e, portanto, cabe a todos nós obedecer nossa lei maior. Assim se faz em uma democracia!

Aquilo que os nossos nobres deputados e senadores ganham de salários e outros privilégios está dentro da lei. É bem verdade que eles mesmos votaram essas leis em seu favor, mas agiram de acordo com a Constituição, portanto, dentro das regras do jogo democrático. Quanto tempo demora a tramitação de uma emenda constitucional? Ninguém sabe, e depende de muitos fatores: o que o Presidente da Câmara pensa a respeito; qual é quantidade de votos que a situação (favorável a essa proposta) tem; a fidelidade partidária dos deputados; a velocidade da tramitação nas diversas Comissões legislativas; etc. Caso uma emenda constitucional, ou um projeto de lei, seja de iniciativa do Executivo, a situação ficará ainda mais nebulosa. Por quê? Porque o Chefe do Executivo, o nosso Presidente da República, tem o poder de um monarca, conferido pela Constituição. Ele pode nomear milhares de assessores, ministros, diretores de Estatais, etc. Ele tem um poder constitucional imenso, mas não tem todo esse poder político, pois a eleição majoritária do Executivo nada tem a ver com a eleição proporcional dos parlamentares. O que acontece? O que vemos todos os dias desde a eleição direta de 1990: as chamadas crises institucionais, independentemente de quem seja o governante.

A necessária negociação do Executivo com o Congresso traz em seu bojo incontáveis interesses pessoais e partidários que podem levar a um aumento de gasto público, a favores aos partidos, a setores da sociedade, a leis específicas para beneficiar este ou aquele e, finalmente, favorecem a corrupção. E onde fica o interesse do povo, da sociedade, do bem comum, do crescimento da economia, dos empregos, da melhor qualidade de vida para todos? Creio que os índices de IDH, do PISA, de Segurança Pública, respondem essa pergunta.

O que devemos fazer? Fechar o Congresso? Obviamente não! Regimes autoritários sempre fracassaram no médio ou no longo prazo. Todos os países que deram certo, que alcançaram uma menor desigualdade social, um maior crescimento e distribuição de renda, uma estabilidade política, foram aqueles que empregaram e empregam uma liberdade econômica em um regime democrático. O que devemos fazer é nos manifestar através do voto! É elegermos parlamentares que efetivamente se identifiquem com a mudança do sistema político brasileiro! É um caminho árduo, difícil, custoso? Sem dúvida! Mas, se chegarmos a esse objetivo, estaremos assegurando uma nação estável, próspera, ordeira e solidária, para as futuras gerações.

*É escritor, palestrante e consultor.