Por Rogério Tadeu Romano *
A vitória de Lula, nas eleições de 2022, trouxe da parte dos derrotados um movimento golpista que se manifestou nas estradas brasileiras.
Observe-se o que disse o Estadão, em 2 de novembro do corrente ano:
“Ainda há ocorrências no Acre, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Paraná, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. O total de manifestações desfeitas pela corporação chegou a 563. “
Nesses atos antidemocráticos, há faixas onde se requer “intervenção militar”.
Pedir intervenção é reivindicar para as Forças Armadas uma função que não é delas. Qualquer saída de qualquer situação é pela Constituição e não da Constituição.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes ordenou na noite da segunda-feira (31/10) a liberação de todas as rodovias bloqueadas por caminhoneiros apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Com isso, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Polícias Militares estaduais são obrigadas a desobstruir todas as vias públicas que estejam com o trânsito interrompido pelos protestos.
Agiu bem o STF em tutela satisfativa de urgência.
Trata-se de um crime contra a democracia.
Lincoln dizia que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, como acentuado em célebre discurso 9 de novembro de 1863 no Cemitério Militar de Gettysburg.
Disse Burdeau (Traitè de Science Politique, tomo V/57) que “se é verdade que não há democracia sem governo do povo, a questão importante está em saber o que é preciso entender por povo e como ele governa”.
Em verdade, a democracia é exercida direta e indiretamente pelo povo e em proveito do povo. Diz-se que é um processo de convivência, primeiramente, para denotar sua historicidade, depois para realçar que, além de ser uma relação de poder político e verificar-se o respeito e a tolerância entre os conviventes.
Mas é necessário ter o necessário cuidado para com a chamada “democracia de fachada”, dentro da construção de um poder discricionário, abusivo, para quem nada é obstáculo e tudo pode.
Coloca-se em risco a segurança nacional, praticando-se um crime contra ela mediante uma tentativa de autogolpe.
Disse bem Carlos Andreazza (O fetiche reacionário de Carlos Bolsonaro) que “o bolsonarismo investe no estabelecimento de uma cultura plebiscitária entre nós; um fetiche por meio do qual o líder populista governaria (reinaria) – prescindindo de instituições intermediárias – em conexão direta, verdadeira, sem filtros deturpadores, com o povo. É assim na Venezuela, onde as hienas, imprensa incluída, foram estranguladas uma a uma.
“Uma legislação aprovada através de plebiscito” nada mais será do que o estabelecimento de um poder paralelo exclusivamente destinado a sufocar o Parlamento, a democracia representativa e, pois, a própria atividade política.”
Com o ato narrado, afronta-se a democracia. Adota-se o princípio da especialidade e aplica-se a nova lei de segurança nacional ao caso, hoje inserida no Código Penal pátrio.
A democracia é meio de convivência, despertar do diálogo, sensatez.
O fato narrado poderia ser entendido como um atentado à democracia, ao estado de direito, ao exercício das instituições democráticas ao direito de ir e vir da população, inerente a esse estado democrático de direito.
Mas vamos adiante.
Os crimes contra a segurança interna são crimes contra o Estado de direito democrático. Falando em tese, as tiranias pregam o fim da democracia. A segurança do Estado depende de múltiplos fatores, entre os quais, por exemplo, a pujança de sua economia e o preparo e coesão de suas forças armadas. Quando se fala em crime contra a segurança do Estado, no entanto, pretende-se punir somente as ações que se dirigem contra os interesses políticos da nação. Os crimes contra a segurança do Estado são os crimes políticos. Para que possa caracterizar-se o crime político é indispensável que a ofensa aos interesses da segurança do Estado se faça com particular fim de agir. É indispensável que o agente dirija sua ação com o propósito de atingir a segurança do Estado. Nos crimes contra a segurança interna, esse fim de agir é o propósito político-subversivo. O agente deve pretender, em última análise, atingir a estrutura política do poder legalmente constituído, para substituí-lo por meios ilegais. Pode-se dizer que o fim de agir é aqui um elemento essencial do desvalor da ação neste tipo de ilícito, sem o qual verdadeiramente não se pode atingir os interesses da segurança do Estado. A existência do fim de agir é uma indefectível marca de uma legislação liberal nessa matéria. Mas pode-se também dizer que essa exigência do fim de agir está na natureza das coisas. Não há ofensa aos interesses políticos da nação, se o agente não dirige sua ação deliberadamente para atingi-los.
Temos ainda:
Os crimes inseridos no Código Penal pela Lei nº 14.197/2021 são necessariamente de competência federal;
Das decisões proferidas pelos juízes federais, cabe apelação ao TRF respectivo e, depois, o recurso ordinário ao STF;
Compete aos respectivos tribunais regionais federais o julgamento de habeas corpus impetrado contra ato de juiz federal, mesmo envolvendo delitos agora previstos na Lei nº 14.197/2021.
Observe–se a lei de segurança nacional:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.
Trata-se de crime formal, de perigo, instantâneo que permite a prática de tentativa.
A isso se some o crime de organização criminosa.
Falo em organização criminosa. O que é organização criminosa?
A Lei 12.850 prevê tipo penal, no artigo 2º, um crime com relação a quem promova, constitua, financie ou integre pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, incorrendo, nas mesmas penas, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva a organização criminosa.
A pena in abstrato previsto é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.
Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso.
Penso que é crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.
Foi editada a Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, que ainda conceituou a organização criminosa como a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Ora, deve o Estado velar pela paz interna, pela segurança e estabilidade coletivas. Afinal, crime é conduta humana que lesa o expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.
Está atingida a paz pública com a criação de organizações criminosas. Era, daí, necessária e premente a criação de lei, apresentando preceitos primários e secundários punitivos, na defesa social.
O crime é contra a democracia brasileira.
Não se trata de um mero ato antidemocrático, mas de um crime.
Estas pessoas não estão apenas movidas por um sentimento de indignação. Querem afrontar a democracia.
Trata-se de um crime político.
Extrai-se de decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g. RC n. 1473-SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ 18.12.2017), que “crimes políticos, para os fins do artigo 102, II, b, da Constituição Federal, são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais e, por conseguinte, definidos na Lei de Segurança Nacional, presentes as disposições gerais estabelecidas nos artigos 1º e 2º do mesmo diploma legal. 2. “Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito. Precedentes” (RC 1472, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rev. Ministro Luiz Fux, unânime, j. 25/05/2016).
Certamente esse senhor que ainda está na presidência da República, deve ser investigado como mandante ou coautor desse delito, à luz do artigo 29 do Código Penal, pois, certamente, tem o domínio do fato. Tudo deve ser investigado pelo Ministério Público Federal, lembrando-se que a atual composição a Procuradoria Geral da República está caminhando junto a esses desejos do fascismo que se instalou no Brasil, agindo em quadro de aliança com o Planalto. Com a saída desse senhor que ocupa a presidência a República o inquérito deve transcorrer perante a primeira instância da Justiça Federal no Distrito Federal.
De outro lado, os prejuízos causados à sociedade por essa conduta criminosa devem se objeto da devida reparação no juízo civil.
Que vença a democracia.
*É procurador da república com atuação no RN aposentado.
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