Por Rogério Tadeu Romano*
Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) impôs um bloqueio sobre as contas da empresa Starlink, que também pertence ao bilionário Elon Musk,
Diante disso informou o portal do jornal O Globo, em 3.9.24, por Lauro Jardim:
“O Partido Novo protocolou ontem ao STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) em que pede que o fim imediato da suspensão.
Por sorteio, a ação foi distribuída para Nunes Marques relatar. Justamente o ministro que é tido como um dos que, ao lado de André Mendonça, divergiam da decisão tomada na semana passada por Moraes.
O Novo pede a suspensão imediata da decisão de Moraes e que depois o plenário do STF julgue o caso em sessão física.
Na ação, de 29 páginas, os advogados do Novo sustentam que a decisão de Moraes é inconstitucional e desrespeita o princípio da liberdade de expressão:
“A decisão ora impugnada e proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, é violadora dos preceitos fundamentais da liberdade de expressão e da manutenção de qualquer veículo como meio para a manifestação de pensamento, na forma do artigo. 5º, inc. IV, e do art. 220, ambos da Constituição Federal. (…) As redes sociais, tal como a rede “X”, possuem essencialidade na vida cotidiana das pessoas para que elas possam se informar, interagir-se enquanto sociedade, conectar-se com conhecimentos e visões de mundo diferentes ou similares entre si e comunicar a sua forma de pensar livre de amarras de censura, sujeitando-se tão somente às hipóteses de responsabilização penal e cível em caso de abuso.”
Data vênia é incabível a ADPF aqui noticiada.
Cabe dizer que o citado partido político sequer tem legitimidade, por ser terceiro, para ajuizar um eventual agravo interno em processo em que se discute a medida tomada contra aquela empresa.
Com o devido respeito trago as seguintes anotações com relação a ADPF.
Cabe lembrar que a arguição de preceito fundamental é remédio constitucional subsidiário que só deve ser ajuizado à falta de remédio inserido no direito processual comum. É instrumento próprio do processo constitucional na defesa de preceitos fundamentais.
Pode-se entender que a arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato da autoridade pública.
A discussão que trago à colação diz respeito ao que o artigo 1º da Lei 9.882/89 chama de ato do poder público.
Disse o ministro Alexandre de Moraes que deve-se ver os fundamentos e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais.
Na linha de Klaus Schlaich, o ministro Alexandre de Moraes observou que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário.
Conforme entendimento iterativo do STF, meio eficaz de sanar a lesão é aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, devendo o Tribunal sempre examinar eventual cabimento das demais ações de controle concentrado no contexto da ordem constitucional global.
O ministro Gilmar Ferreira Mendes (Jurisdição constitucional) anotou que: “A primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manifestar, de forma útil, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria para retirar desse instituto qualquer significado prático.
Observou o ministro Alexandre de Moraes: “Note-se que, em face do art. 4º, caput, e § 1º da Lei nº 9.882/99 que autoriza a não admissão de arguição de preceito fundamental quando não for o caso ou quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade, foi concedida certa discricionariedade ao STF, na escolha das arguições que deverão ser processadas e julgadas, podendo, em face seu caráter subsidiário, deixar de conhece-la quando concluir pela inexistência de relevante interesse público, sob pena de tornar-se uma nova instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores.
Anotou ainda o ministro Gilmar Mendes (obra citada) que “dessa forma, entende-se que o STF poderá exercer um juízo de admissibilidade discricionário para a utilização desse importantíssimo instrumento de efetividade dos princípios e direitos fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência de outros mecanismos jurisdicionais efetivos.”
Para tanto, afirmou o ministro Gilmar Mendes que a ADPF “é típico instrumento do modelo concentrado de controle de constitucionalidade (Arguição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei 9.882, de 3.12.1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva,2011. p. 170).
A legislação, no que tange à modalidade direta de ADPF, foi enfática ao prever, em seu art. 1º, que caberá ADPF em face de ato do Poder Público. Note-se, aqui, a extensão desse termo, que não se circunscreve apenas aos atos normativos do Poder Público. Portanto, e como primeira conclusão, a ADPF poderá servir para impugnar atos não normativos, como os atos administrativos e os atos concretos, desde que emanados do Poder Público. Trata-se, já aqui, de atos não impugnáveis por via da ação direta de inconstitucionalidade como se sabe, a arguição de descumprimento de preceito fundamental somente poderá ser utilizada, se se demonstrar que, por parte do interessado, houve o prévio exaurimento de outros mecanismos processuais, previstos em nosso ordenamento positivo, capazes de fazer cessar a situação de suposta lesividade ou de alegada potencialidade danosa resultante dos atos estatais questionados. Essa a conclusão de André Ramos (Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de direito constitucional: controle de constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 57-72)
Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização de referida ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público. Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a arguição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato.
Será, portanto, o caso, naquele exemplo citado, de extinguir o feito, sem julgamento do mérito, por inadequação da via eleita.
*É procurador da República aposentado com atuação no RN.
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