Por Alan Lacerda*
A referência à calmaria no título é irônica, na medida em que denota o desinteresse do eleitorado natalense por novidades na gestão municipal. Pela segunda vez consecutiva, um prefeito é reeleito no primeiro turno sem ter realmente uma marca estruturante de gestão. Também pela segunda vez a vitória ocorre no primeiro turno, com relativa facilidade. Até os percentuais em votos válidos dos três candidatos (incluindo o titular no cargo) que obtiveram mais de 10% dos votos válidos foram parecidos com os da disputa de 2016 (ver tabela abaixo).
Não há anomalia entre o resultado eleitoral e a popularidade do ocupante do cargo. O prefeito Álvaro Dias (PSDB), o vice eleito em 2016 que assumiu o cargo em 2018, após a saída do titular para a disputa de governador, gozava de elevada taxa de aprovação (no indicador binário aprova/desaprova) do eleitorado, chegando a 66% na pesquisa Seta divulgada em 2 de novembro. O mesmo deu-se na competição de 2016 com Carlos Eduardo Alves (PDT), seu antecessor e integrante da família política Alves.
Há dois legados políticos, todavia, cujos efeitos não podem ser mensurados diretamente, que precisam ser mencionados aqui. A desastrosa gestão de Micarla de Sousa (PV), que apareceu como novidade em 2008 com uma campanha eficiente que a levou a vencer a atual governadora Fátima Bezerra (PT), então deputada federal, já no primeiro turno. No comentário político, é comum a constatação de que o eleitorado da capital potiguar tornou-se cauteloso a partir de então – o que pôde se verificar com o retorno de Carlos Eduardo à Prefeitura no pleito de 2012. Ele já havia ocupado o posto entre 2002 e 2008.
O segundo legado é o da fraqueza da oposição municipal, que não consegue estabelecer um contraponto persistente aos prefeitos na Câmara Municipal e no debate público. Os candidatos só aparecem como oposição estritamente municipal no ano da eleição, reforçando a já referida cautela do eleitor, que decide contra eles. Tais fatores são basicamente locais, não podendo ser atribuídos seja ao contexto potiguar seja ao nacional.
É possível detectar duas diferenças importantes entre as duas competições. Primeiro, houve maior dispersão no número de candidatos a prefeito neste ano, com o lançamento de dez aspirantes. Isso em nada dificultou, porém, a tarefa do prefeito em relação ao seu antecessor. Segundo, um candidato da direita radical atingiu o limiar de 10% dos votos, na figura de Sergio Leocadio (PSL), um delegado da Polícia Civil – ele concorreu, inclusive, pelo mesmo partido ao qual já pertenceu o presidente Jair Bolsonaro. O senador Jean-Paul Prates (PT) apenas amealhou alguns pontos a mais do que o seu correligionário, o hoje secretário estadual Fernando Mineiro (PT).
A fisionomia da campanha na capital foi marcadamente diferente dos eventos congêneres no interior. O uso de máscaras pelos políticos e por parte dos seus apoiadores parece ter sido maior em Natal, assim como foram menores o entusiasmo e as aglomerações nas ruas produzidos pela corrida eleitoral. Mesmo disputas pouco acirradas geraram maior interesse no interior potiguar.
Por fim, é bom registrar que a força ampliada do prefeito Álvaro Dias não significa necessariamente que ele está livre para a disputa de governador em 2022. Como parte do acerto entre PDT e PSDB, o ex-prefeito Carlos Alves, que cogita disputar novamente o pleito de governador, indicou como vice-prefeita Aila Cortez, pedetista e parente de sua esposa. Uma eventual saída de Dias implicaria o retorno do PDT à titularidade do cargo.
Disputa eleitoral em Mossoró segue padrão interiorano
Em contraste, a campanha na segunda maior cidade do estado, Mossoró (uma eleição ainda de maioria simples) seguiu o referido padrão interiorano, sendo bastante disputada entre a prefeita Rosalba Ciarlini (PP), uma integrante da família política Rosado, e o deputado estadual Allyson Bezerra (SD). A “Rosa”, como é conhecida no vocabulário político local, não havia perdido nenhuma eleição para a Prefeitura da cidade desde 1996, tendo apoiado candidaturas vitoriosas em 2004, 2008 e 2012. Nos demais pleitos, 1996, 2000 e 2016, ela própria logrou a vitória. Seu primeiro triunfo foi em 1988.
Em termos táticos, o objetivo central de Rosalba tinha que ser dividir o voto da oposição, em virtude do fato de sua avaliação positiva, a soma de ótimo e bom nas pesquisas, ser medíocre, variando entre 30% e 35% na maioria das sondagens. Bezerra, no entanto, tornou-se rapidamente o único candidato competitivo da oposição durante a campanha, canibalizando votos que poderiam ir para outros nomes oposicionistas.
A rigor, o pleito adquiriu uma polarização similar à observada em disputas de segundo turno, com a baixa avaliação da gestão sendo o limitador central do crescimento da prefeita. No fim, Allyson Bezerra obteve mais de 65 mil votos (47,52%), contra pouco mais de 59 mil (42,96%) da atual gestora. A derrota de Rosalba pode vir a marcar um declínio dos Rosado, que já chegaram a eleger dois governadores do estado, incluindo ela própria.
Finalmente, cumpre falar sobre eventuais efeitos da disputa sobre o âmbito estadual e a eleição de 2022. Espelhando de certa forma o resultado nacional do partido, o PT potiguar também teve desempenho insatisfatório no que toca às eleições de prefeito. A agremiação lançou candidatos em 26 dos 167 municípios do RN, tendo sido vitoriosa em apenas três cidades; um caso ainda está sub judice.
O resultado pode gerar certa perplexidade, dado o fato de que a atual governadora é uma petista. No entanto, Fátima Bezerra tem seu próprio ciclo político, que culminará com a tentativa de reeleição em 2022. Ela enfrentou queda generalizada de popularidade neste ano, em função da reforma previdenciária estadual e das medidas restritivas contra a pandemia. Fátima parece focada na área da segurança pública, com a contratação de mais de mil policiais militares, e na quitação de duas folhas salariais deixadas pelo governo anterior. É fato também que sua popularidade começa a melhorar em vários municípios. Na minha avaliação, não é possível inferir dos resultados das disputas municipais uma fraqueza eleitoral da gestora em 2022.
*É professor associado da UFRN e doutor em Ciência Política pelo (antigo) Iuperj. Texto extraído do UOL.
Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br
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