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Joca, Caramelo e os animais enquanto companhia e a vida

Por Tales Augusto*

Bem, acredito que todos lembramos do caso recente do cachorro Joca, que de forma irresponsável foi num vôo errado e passou muito mais tempo do que podia suportar e acabou morrendo.

Destino melhor teve o cavalo Caramelo, sobreviveu em meio ao desastre climático que assola o Rio Grande do Sul. Contudo, é fundamental registrar que quando filmado pelas câmeras de tv em cima de uma casa, onde o telhado mal o comportava, uniu o país em torno de uma torcida que ele fosse salvo e foi.

Colocaram nele o nome de Caramelo, interessante. Pois este mesmo nome generalizado para uma gama de cachorros que temos em nosso país. O Caramelo, que é diferenciado, por parecer ser onipresente. Pode se tornar patrimônio do nosso país através de Projeto de Lei.

O convívio entre humanos e outros animais é Histórico, da Pré-história para a contemporaneidade, mais e mais laços foram criados e há uma tendência em aumentar o papel que os animais possuem na vida de muitos.

A família do tutor do cachorro Joca, falou o quanto ele foi importante na pandemia, foi a companhia de João e mais, em um período de depressão, ele foi seu AUmigo 🐕. Tive um “Aumigo” 🐕 chamado Pitoco e ele foi muito cedo, ele me salvou durante a pandemia e é impossível que eu o esqueça.

Mas caso você se pergunte sobre o cavalo Caramelo e o motivo de tanta empatia em relação a ele, respondo que pela sua resiliência e por termos na durante algum momento que um animal foi nosso amigo, companhia e alguns os consideram filhos, inclusive amanhã já parabenizo as Mães de Pets.

Os animais não falam (alguns podem imitar sons humanos e vozes), porém, até agradeço por não falarem, já que o silêncio deles ou sua forma de comunicação não necessita de palavras, mas são amor, de graça, sem pedir nada em troca.

Alguns podem até dizer que ao invés de gastar tempo em salvar animais, os adotar ou alimentar os abandonados de rua, deveríamos focar só nos seres humanos. Ora, nem dos humanos, muitos moram nas ruas, não por quererem, mas por não terem um lar ou serem acolhidos, respeitados. Muitos animais se multiplicam e o poder público não atua, assim como achamos que também não são “problemas” nossos.

Ora, aos que falam isso e especialmente se há entre eles cristãos (lembrem que o cristianismo provém do judaísmo, mas são religiões diferentes, eles nem em Jesus acreditam), tem no Gênesis a história, mito (ou como quiser explicar/acreditar) da origem da terra e vida. Javé, Iavé ou Eu Sou, criou antes os animais. Provavelmente deve pensar que errou, o mundo estaria melhor sem os humanos, somos a causa maior do aceleramento do aquecimento global e outras mazelas que assolam a humanidade e infelizmente a fauna e flora.

Sobre os animais, meu Santo preferido e padroeiro é São Francisco, o protetor dos animais. Que ele interceda a Deus em relação a todos os animais e que as vítimas dos descasos como o Joca, e as vítimas do Rio Grande do Sul, independente da espécies, consigam ser salvas e as que se foram, tenham seu descanso!

*É Professor Efetivo EBTT no IFRN, lotado no Campus Apodi, também é autor do livro História do RN para Iniciantes, é Mestre em Ciências Sociais e Humanas com pesquisa voltada ao Êxito Escolar de Pessoas Oriundas das Classes Populares, além de poeta e provador nas horas vagas.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Os princípios da prevenção e da precaução diante de desastres ambientais

Por Rogério Tadeu Romano*

Noticiou o Estadão, em 7.5.24, que em meio à tragédia das cheias no Rio Grande do Sul, o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto há 12 anos em lei federal, terá seu texto apresentado apenas no fim de junho deste ano.

O PNPDC está previsto na Lei 12.608, de 2012, mas até hoje nenhum governo tinha se mobilizado para tirá-lo do papel. É mister implementá-lo diante da importância do plano e do impacto que ele vai causar na atuação da União, dos estados e dos municípios em casos de desastres.

Ali se diz:

Art. 2º É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de acidentes ou desastres. (Redação dada pela Lei nº 14.750, de 2023)

Reza, outrossim, o artigo 1º, :inciso VIII, quando prescreve sobre a prevenção: ações de planejamento, de ordenamento territorial e de investimento destinadas a reduzir a vulnerabilidade dos ecossistemas e das populações e a evitar a ocorrência de acidentes ou de desastres ou a minimizar sua intensidade, por meio da identificação, do mapeamento e do monitoramento de riscos e da capacitação da sociedade em atividades de proteção e defesa civil, entre outras estabelecidas pelos órgãos do Sinpdec (Incluído pela Lei nº 14.750, de 2023)

Com diretrizes, objetivos e metas bem definidas, se tentará realizar um trabalho mais eficiente, com planejamento em mais longo prazo e uma atuação integrada e coordenada entre a União, os estados e os municípios, além do Distrito Federal.

O quadro caótico que enfrenta-se diante da tragédia que abateu o Rio Grande do Sul, em maio de 2024, que se repete após outro havido alguns meses antes, reforça a necessidade dessa atuação em defesa da sociedade.

A ministra Marina Silva afirmou que é preciso reconhecer que o Brasil é um país suscetível a grandes estiagens e cheias, além de afirmar que o fenômeno climático La Niña deve levar seca à Amazônia e ao Rio Grande do Sul neste ano.

Na verdade, esses desastres naturais são parte de um problema ambiental complexo, que se estende por décadas e vários governos.

Relatou o G1 – MEIO AMBIENTAL, em 7.5.24, que o relevo de Porto Alegre é um ponto-chave para entender o acúmulo de água que causa enchentes na região metropolitana da capital do Rio Grande do Sul.

Além de ter um território baixo, a capital do Estado é circundada de um lado por 40 morros, e limitada de outro lado pela orla fluvial do lago Guaíba.

Um plano diretor que permita, sem a mínima organização, a construção e ocupação de prédios em detrimento das questões ambientais existentes, só incrementará esses desastres naturais.

Houve um boom de construções muito altas na região. Mais especificamente na quadra que envolve o cruzamento das avenidas Borges de Medeiros, Ipiranga e Edvaldo Pereira Paiva, no bairro Praia de Belas. Entre os exemplos está a nova sede do Fórum Central de Porto Alegre.

A reportagem do portal de notícias do Jornal do Comércio, publicada em 7.3.23, nos causa preocupação:

“Ricardo, tu achas que a gente deve ter mais prédios na orla?”. A pergunta foi feita pelo secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, na abertura de um vídeo nas redes sociais, divulgado poucos dias antes da Conferência do Plano Diretor de Porto Alegre, que teve início nesta terça-feira, 7 de março, na Pucrs.

O vice-prefeito da Capital, Ricardo Gomes (PL), responde que a cidade teve origem na beira do Guaíba, depois se afastou dele, e agora, com uma nova relação com o rio no atual momento, “a hora de discutir isso (mais prédios na orla) é no novo Plano Diretor”.

“É o momento de discutir se vamos mais ter mais prédios na orla, a altura (dos prédios) que é sempre um tabu no planejamento urbano”, completa Gomes. O vice-prefeito conclui fazendo um convite para que todos participem da Conferência do Plano Diretor e possam decidir o que é melhor.

O secretário Bremm vai além e faz uma nova provocação no vídeo, antes de convidar o público a participar da Conferência do Plano Diretor: “Será que a gente tem que levar os prédios um pouco mais próximos da orla? Será que temos que manter essas áreas isoladas? A gente viaja pelo mundo e vê cidades mais próximas, tem uma orla durante toda a semana, não apenas no fim de semana”, conclui o titular do Meio Ambiente e Urbanismo.”

Ainda ali se disse:

“Questionado por que a prefeitura provocou o debate sobre mais prédios na orla e se há um projeto do Executivo sobre o tema, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), negou que exista algo além do que já está posto atualmente.

Melo citou a autorização para a construção de torres de até 150 metros de altura na área das Docas do Cais Mauá, na altura da Rodoviária – aprovada com a mudança no Plano Diretor no Centro Histórico – os 19 edifícios do condomínio Golden Lake da Multiplan, ao lado do BarraShopping, as torres comerciais junto ao estádio Beira-Rio, e o Pontal do Estaleiro, que já está construído.

“Nós temos 72 quilômetros de orla, que vem do Cais Navegantes e vai até a divisa com Viamão/Itapuã. O que está concebido aqui na orla é o Plano Diretor que prevê mudanças urbanísticas e permite construções aqui perto da Estação Rodoviária de Porto Alegre (Cais Mauá). Já está autorizado e ainda não saiu a licitação. O Pontal do Estaleiro está resolvido. Temos ainda a construção de torres do BarraShoppingSul que ainda não saíram. Depois (dessas construções), não estamos enxergando outros projetos sobre a orla do Guaíba. É isso que está posto” , afirmou. “Não tem mais nada posto sobre a orla”, reforçou Melo durante entrevista coletiva nesta terça-feira, antes de palestrar na reunião-almoço MenuPoa da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), no Palácio do Comércio.”

Bernardo Mello Franco assim se referiu ao problema em sua coluna no jornal O Globo, em 8.5.24:

“Escolhas políticas estão na origem da emergência climática. Autoridades que negam a crise ajudam a agravá-la. Governantes que não investem em prevenção contribuem para ampliar os desastres.

O prefeito de Porto Alegre não aplicou um centavo no sistema contra enchentes em 2023. Sem manutenção, diques e comportas entraram em colapso. A água invadiu o centro histórico, tomou as ruas, deixou bairros submersos.

…….

O governador gaúcho patrocinou o desmonte da legislação ambiental do estado. Aprovadas em 2019, as mudanças afrouxaram as regras de licenciamento, liberaram o corte de árvores nativas, reduziram a proteção de rios e nascentes.”

É a autópsia de uma tragédia ambiental.

Lembrou bem Fernando Dias de Ávila Pires que “meio ambiente não é coisa de esquerda ou direita”.

Reflita-se com relação a questão ambiental que requer meditar com relação a seus princípios, realçando-se a prevenção e a precaução.

Passo aos princípios da prevenção e da precaução.

O princípio da precaução, formulado na Conferência de Bergen para a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada de 8 a 16 de maio de 1990, determina que diante de ameaça séria ou irresistível ao meio ambiente, a ausência absoluta de certeza científica não deve servir de pretexto para a demora na adoção de medidas para prevenir a degradação ambiental.

O objetivo do Princípio da Prevenção é o de impedir que ocorram danos ao meio ambiente, concretizando-se, portanto, pela adoção de cautelas, antes da efetiva execução de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras de recursos naturais.

O Princípio da Precaução, por seu turno, possui âmbito de aplicação diverso, embora o objetivo seja idêntico ao do Princípio da Prevenção, qual seja, antecipar-se à ocorrência das agressões ambientais.

Enquanto o Princípio da Prevenção impõe medidas acautelatórias para aquelas atividades cujos riscos são conhecidos e previsíveis, o Princípio da Precaução encontra terreno fértil nas hipóteses em que os riscos são desconhecidos e imprevisíveis, impondo à Administração Pública um comportamento muito mais restritivo quanto às atribuições de fiscalização e de licenciamento das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

O Princípio da Precaução (vorsorgeprinzip) surgiu no Direito Alemão, na década de 1970, mas somente foi consagrado internacionalmente na “Declaração do Rio Janeiro”, oriunda da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada em 1992, encontrando-se presente no Princípio 15 daquela, no sentido de que “de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades” e que “quando houve ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Também foi o Princípio da Precaução expressamente previsto na Convenção da Diversidade Biológica e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática.

O Princípio da Precaução está claramente presente no art. 225, § 1º, I, IV, V, da Constituição Federal resguardando o objetivo primordial do texto constitucional, qual seja, manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, salvaguardando a sadia qualidade de vida (ao Ser Humano). O fim maior da Carta Constitucional é preservar a dignidade humana, portanto, mantendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado isto se torna possível.

Gerd Winter, segundo nos informa Paulo Affonso Leme (obra citada, pág. 56), diferencia perigo ambiental de risco ambiental. Diz que: “os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque sempre permanece a possibilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados. Se a legislação proíbe ações perigosas, mas possibilita a mitigação dos riscos, aplica-se ‘o princípio da precaução’, o qual requer a redução da extensão, da frequência ou da incerteza do dano”.

Afirmou François Eward (La précaution, une responsabilité de L’Etat, Le Monde, edição eletrônica, 10 de março de 2000) que “o princípio da precaução entra no domínio do direito pública que se chama “poder de polícia” da Administração. O Estado que, tradicionalmente, se encarrega da salubridade, da tranquilidade, da segurança, pode e deve para esse fim tomar medidas que contradigam, reduzam, limitem, algumas das liberdades do homem e do cidadão.”

O princípio da precaução busca se antecipar e prevenir a ocorrência de prejuízos ao meio ambiente. Destina-se a toda a sociedade, inclusive Governo e legisladores, para que sejam instituídas medidas e políticas destinadas a prevenir a poluição.

Uma aplicação estrita do princípio da precaução leva a inverter o ônus da prova e impõe ao autor potencial provar, com anterioridade, que sua ação não causará danos ao meio ambiente. Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág. 69) ainda nos traz à colação a lição de Alexandre Kiss e Dinah Shelton, nesse sentido.

A dúvida aproveita ao impactado ambientalmente.

Por fim, ressalte-se que um dos principais instrumentos do princípio da precaução é o estudo prévio de impacto ambiental, expressamente referido no inciso IV do artigo 225 da Constituição Federal, por meio do qual devem ser estimados os riscos que tragam as instalações de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. O fato desse importante instrumento ser obrigatoriamente público demonstra que o princípio da precaução é afeto não só a determinadas camadas sociais, mas a toda sociedade, conforme dito anteriormente.

Censura-se a ausência da precaução.

Ressalta-se, ainda, que o instituto do direito adquirido, em se tratando da preservação do meio ambiente, não pode permitir a violação das normas ambientais. Para a compreensão desta questão, explicitaremos um exemplo: “uma indústria, previamente licenciada, deve ser frequentemente monitorada e adequar-se aos novos padrões ambientais e tecnológicos sob pena de cassação da licença”. A constatação deste fato demonstra que “devem ser abolidos os direitos adquiridos” a fim de que não seja consagrado o direito de poluir naquelas atividades que já estão em funcionamento”.

Enfoco outros princípios, dentre os quais:

  1. a) reparação, que foi exposto no Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro/92, onde se diz que os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Registro ainda, na linha de Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág.76), na linha de José Juste Ruiz, “quaisquer que sejam as dificuldades que experimenta o estabelecimento da Responsabilidade Internacional dos Estados na esfera do meio ambiente, não cabem dúvidas de que as regras do direito internacional existentes na matéria são também aplicáveis mutatis mutantis nesse âmbito particular. O princípio mesmo de responsabilidade e reparação de danos ambientais constitui, sem dúvida, um dos princípios reconhecidos no Direito Internacional do Meio Ambiente. Já, no direito interno, o Brasil adotou na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), como ainda ensinou Paulo Affonso Leme Machado, a responsabilidade objetiva ambiental, tendo a Constituição de 1988 considerado imprescindível a obrigação da reparação dos danos causados ao meio ambiente;
  2. b) informação, que foi exposto no princípio 10 daquela Declaração do Rio de Janeiro/92, no sentido de que cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades. Aliás, a Primeira Conferência Europeia sobre Meio Ambiente e Saúde, realizada em Frankfurt (1989) sugeriu à Comunidade Econômica Europeia uma Carta Europeia do Meio Ambiente e da Saúde, prevendo que “cada pessoa tem o direito de beneficiar-se de um meio ambiente permitindo a realização do nível o mais elevado possível de saúde e de bem-estar; de ser informado e consultado sobre os planos, decisões e atividades suscetíveis de afetar ao meio tempo o meio ambiente e a saúde; de participar no processo de tomada de decisões” , como se lê “La Charte Européenne de l’ Environnenmente en de la Santé, in Recueil International de Législation Sanitaire”, volume 41, n. 3, 1990, páginas 594 a 597;
  3. c) participação popular: segundo ensinamento de Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, pág. 80) visa à conservação do meio ambiente. Insere-se num quadro muito amplo da participação diante dos interesses difusos e coletivos da sociedade. O princípio está presente na Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, em seu artigo 10. Dentro dessa linha, tem-se, como bem acentuou Paulo Afonso Leme Machado, à luz de Alexandre-Charles Kiss, que “o direito ambiental faz os cidadãos saírem de um estatuto passivo de beneficiários, fazendo-os partilhar da responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira. Para tanto, são conhecidas as chamadas Organizações Sociais que tratam dessa matéria, ONG, que intervém de forma complementar, contribuindo para instaurar e manter o Estado Ecológico de Direito. Essas entidades devem ser independentes como preconizou o item 27, § 1º, da chamada Agenda 21. Como tal é importante seja dado, dentro do princípio democrático, amplo acesso à Justiça a essas entidade;
  4. d) obrigatoriedade da intervenção do Poder Público: Pelo princípio 11 da Declaração do Rio de Janeiro/92, “Os Estados deverão promulgar leis eficazes sobre o meio ambiente”. Sendo assim, como ensinou Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág. 88), a gestão do meio ambiente não é matéria que diga respeito somente à sociedade civil, ou uma relação entre poluidores e vítimas da poluição. Os países, tanto no Direito Interno como no Direito Internacional têm de intervir ou atuar.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Crime de posse de maconha para uso pessoal: a tutela da saúde pública como justificativa para o racismo

Por Gláucio Tavares Costa e José Herval Sampaio Júnior*

O preconceito, que é tão somente um juízo preconcebido fruto da ignorância, engana e a vaidade petrifica a ignorância. Esse prólogo é essencial para tratarmos da maconha e sua proibição, bem como refletirmos na mesma toada sobre a possível descriminalização das demais drogas em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).

A descriminalização da maconha e até mesmo outras drogas, voltou à pauta das discussões, eis que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, em 02/08/2023, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.

A ação analisa um recurso de repercussão geral da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição, em face da condenação de um homem por portar 3 gramas de maconha. O órgão defende que a lei de drogas é inconstitucional, pois fere o direito à liberdade individual, já que “o réu não apresenta conduta que afronte à saúde pública, apenas à saúde do próprio usuário”.1

I – Interpretações das normas de criminalização do uso e tráfico de drogas

Pois bem. O artigo 28 da Lei de Drogas, a Lei n° 11.343/2006, abriga a norma de criminalização do uso de todas as drogas relacionadas na Portaria n° 344/1998 do Ministério da Saúde, a denominada norma penal em branco heterônima, que complementa o tipo penal, especificando as substâncias proibidas, arrolando nesta categoria a maconha.

A norma penal do artigo 28 da Lei 11.343/2006 preconiza:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

  • 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
  • 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
  • 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
  • 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
  • 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
  • 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I – admoestação verbal;

II – multa.

  • 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

O transcrito tipo penal objetiva proteger o bem jurídico, saúde pública, e como se observa deixou de reprimir com prisão o porte de drogas para consumo.

O grande dilema enfrentado no Recurso Extraordinário n° 635659 é que a Lei de Drogas não fixou critérios objetivos para diferenciar consumo próprio de tráfico ilícito de drogas, o que vem ocasionando interpretações distintas da norma incriminadora pelos agentes do sistema de persecução penal (Polícia, Ministério Público e Judiciário), causando uma patente e injustificada insegurança jurídica, e algumas vezes outras situações ilícitas em decorrência dessa indefinição.

Conforme a atual regulamentação, quando os agentes da persecução penal constatam alguém na posse de pequena quantidade de drogas, podem entender que é posse para uso de drogas, o que implica na aplicação da norma supra, muito menos rigorosa do que a norma penal do art. 33 da Lei de Drogas, que tipifica o crime de tráfico ilícito de drogas, com pena privativa de liberdade de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Diversamente, se os agentes da persecução penal compreenderem, diante da mesma quantidade de drogas, que é tráfico, o investigado ordinariamente é submetido a prisão.

A discricionariedade conferida aos agentes do Estado em considerar, a depender da quantidade de drogas na posse da pessoa investigada, se é posse de drogas para uso ou tráfico tem gerado aplicações díspares das normas, ensejando a prisão ou não a depender da cor da pele do investigado, de sua classe social etc, pelo que urge a execução isonômica da lei e da forma mais objetiva possível. Assinale-se aqui a denominada seletividade social ao punir, posto que as abordagens policiais acontecem na imensa maioria nas comunidades e bairros de baixa renda, não podendo mais se ignorar essa triste realidade.3

No julgamento do RE n° 635659, os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin entenderam que o art. 28 da Lei n° 11.343/2006 é inconstitucional exclusivamente em relação à maconha, enquanto o Ministro Alexandre de Moraes propôs a fixação de um critério nacional, exclusivamente em relação à maconha, para diferenciar usuários de traficantes, arrematando que: “O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade.” Se pretende que todas as pessoas investigadas tenham o tratamento atual dado aos homens brancos, maiores de 30 anos e com nível superior, consoante se esboça na decisão proferida em 02/08/2023.4.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), se o limite proposto por Barroso e por Moraes for adotado, 31% dos processos por tráfico de drogas em que houve apreensão de maconha poderiam, em tese, ser reclassificados como porte pessoal em nosso País. Outros 27% dos condenados nesses mesmos termos poderiam ter os julgamentos revistos por estarem dentro do parâmetro (Martins, 2023).

O julgamento do Recurso Extraordinário n° 635659 foi adiado a pedido do ministro Gilmar Mendes para construir uma solução consensual.

É importante nos tópicos adiante tratamos de particularidades sobre a maconha para somente voltarmos a abordar o uso da maconha perante o Direito Penal.

II – A maconha e sua proibição

A maconha apesar de ser consumida há milênios fins recreacionais e medicinais em todo o mundo, somente há dois séculos teve início a sua proibição em vários países. A sua prevalência de uso fica somente atrás do consumo de álcool e de cigarros, constituindo-se assim na droga ilícita mais utilizada no mundo (Crippa et al, 2005).

No Brasil, a cannabis foi introduzida pelos colonizadores portugueses, no início de 1800. A sua intenção pode ter sido para cultivar a fibra do cânhamo, mas os escravos sequestrados da África estavam familiarizados com o consumo de cannabis e uso psicoactivo.

Noutra referência, Martins (2023) assinala, entretanto, que segundo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, a planta foi trazida escondida pela população negra escravizada em 1549 e era usada em práticas religiosas e terapêuticas. O país foi o primeiro a criminalizar o uso da maconha com a Lei de Posturas, criada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 1830, que penalizava “escravizados e outras pessoas” que fumassem o “pito do pango” com três dias de cadeia e chicotadas.

Nos Estados Unidos, em 1937, a administração de F.D. Roosevelt implementou o Marihuana Tax Act of 1937, a primeira lei nacional dos Estados Unidos que proibiu a posse de cannabis através de um imposto impagável sobre a droga.

O termo maconha (em castelhano: marijuana) está associado quase que exclusivamente ao uso psicoativo da planta. A alcunha marijuana é bem conhecida nos EUA, o empenho das autoridades norte-americanas durante os anos 1920 e 1930 em proibir o uso da droga estava imbuída de associá-la aos mexicanos.

O próprio México já havia proibido a planta em 1925, na sequência da Convenção Internacional do Ópio. Os proibicionistas americanos usaram deliberadamente o nome mexicano da marijuana com o objetivo de convencer a população dos Estados Unidos contra a ideia de que a planta deveria ser legal, dando ênfase a aspectos negativos associados a nacionalidade mexicana.

 Aqueles que “demonizaram” a droga, chamando-a de maconha, omitiram o fato de que a chamada “maconha mortal” era idêntica a cannabis sativa, que tinha na época uma reputação de segurança farmacêutica. No entanto, devido a variações na potência das preparações, a cannabis já havia perdido, na década de 1930, a maior parte de sua antiga popularidade como medicamento.

III – Efeitos da cannabis no corpo humano

A cannabis pode produzir vários efeitos subjetivos em humanos: euforia, disforia, sedação, alteração da percepção do tempo, aumento da interferência na atenção seletiva e no tempo de reação, alteração nas funções sensoriais, prejuízo do controle motor, do aprendizado e prejuízo transitório na memória de curto prazo, além de efeitos neurovegetativos como boca seca, taquicardia e hipotensão postural. Efeitos adversos incluem crises de ansiedade, ataques de pânico e exacerbação de sintomas psicóticos existentes (Crippa et al, 2005).

A planta cannabis sativa possui mais de 400 componentes, sendo que aproximadamente 60 deles são componentes canabinóides. O principal constituinte psicoativo da cannabis é o D9-tetrahidrocanabinol (D9-THC), isolado pela primeira vez na década de 60. Sua influência no cérebro é complexa, dose-dependente e parece ser o componente responsável pela indução de sintomas psicóticos em sujeitos vulneráveis, o que é compatível com o efeito de aumentar o efluxo pré-sináptico de dopamina no córtex pré-frontal medial.

Nos últimos anos, ocorreu um aumento de interesse acerca do uso terapêutico do D9-THC, tendo sido demonstradas diversas utilidades clínicas, como, por exemplo, para o tratamento da dor, náusea e vômito causados por quimioterapia, perda de apetite em pacientes com AIDS, distúrbios do movimento, glaucoma e doenças cardiovasculares.

O THC atua como relaxante muscular e anti-inflamatório. Dentre os benefícios, produz efeito anticonvulsivo, anti-inflamatório, antidepressivo e anti-hipertensivo. Além de ser usado também como analgésico e no tratamento para aumentar o apetite.

Não se desconhece, a propósito, que a maconha causa efeitos tóxicos se consumida com frequência por vontade ou por diversão e para alguns acaba sendo até porta-de-entrada de outras drogas mais cruéis, no entanto não devemos fazer uma omissão do seu efeito terapêutico, que para muitos pacientes acaba sendo essencial na luta contra doenças que podem levar a óbito (Gonçalves, G. A. M. e Schlichting, C. L. R., 2014).

Comparada ao consumo de outras substâncias, o uso da maconha apresenta efeitos deletérios à saúde humana bem menores do que, por exemplo, o cigarro ou o açúcar. Paul van der Velpen, chefe do serviço de saúde de Amsterdã, na Holanda, alerta que: “açúcar é a droga mais perigosa do nosso tempo.”

Greco (2015) nos informa que, segundo o estudo científico “Avaliação comparativa de risco de álcool, tabaco, maconha e outras drogas ilícitas usando a abordagem de margem de exposição”, publicado na Revista Scientific Reports em 2015, comparou os efeitos de sete drogas recreativas nos seres humanos e concluiu que a maconha é a menos mortal delas. O álcool foi considerado a mais mortal, seguido por heroína, cocaína, tabaco, ecstasy, metanfetaminas e, finalmente, maconha, que foi classificada como tendo “baixo risco de mortalidade.” Os responsáveis pelo estudo são Dirk Lachenmeier, PhD em química de alimentos e toxicologia da universidade alemã de Karlsruhe; e Jürgen Rehm, diretor do Centro de Saúde Mental e Vícios de Toronto, no Canadá.9

IV – A discriminação racial como fator preponderante para a proibição da maconha

Apesar de a maconha apresentar menores danos à saúde pública se comparada a outras substâncias de uso permitido, a origem dos seus usuários observada no Século XIX: negros no Brasil e negros e mexicanos nos EUA, nos parece que foi fator preponderante para a proibição e mais tarde da criminalização do uso da maconha.

Pode-se inferir que a proibição da cannabis teve por escopo afirmar valores da classe dominante em detrimento ao uso da maconha por escravos e imigrantes nas Américas, especialmente nos EUA, onde, após a Lei de Emancipação dos Escravos de 1863 e derrota dos estados sulistas na Guerra de Secessão em 1865, o racismo ganhou nos estados do Sul um novo ingrediente: o ressentimento pela derrota na guerra.

É possível cogitar também que a maconha por ser uma droga natural, de fácil cultivo, que apresenta significativos efeitos terapêuticos deveras afastavam potenciais consumidores da indústria farmacêutica, de forma que a proibição da maconha encontrava-se aliada aos interesses deste segmento econômico. Certamente, uma eventual coligação entre o preconceito racial e os interesses da indústria farmacêutica não pode ser descartada no estudo dos motivos da proibição da cannabis sativa.

Boiteux, Luciana (2019) avalia que a política proibicionista de drogas se sustenta numa lógica internacional baseada em convenções que indicam a criação de tipos penais envolvendo drogas, sob influência norte-americana. Nos Estados Unidos, a construção da proibição teve como base a ideia de reprovação moral a pessoas que faziam uso de algumas substâncias, estando a criminalização associada a específicos grupos raciais e sociais minoritários e discriminados como ferramenta de controle social dos indesejáveis e de gestão da miséria. Posteriormente, a política se radicalizou com a ideia construída de uma “guerra às drogas”, que durante muito tempo justificou a intervenção norte-americana no mundo, além de legitimar guerras internas nos países que a declararam, como no Brasil, agregar valor a determinadas mercadorias e fazer muita gente lucrar com esse mercado ilícito e violento.

No artigo “A proibição como estratégia racista de controle social e a guerra às drogas”, Boitex arremata que “a guerra às drogas é uma guerra contra pessoas, mas não contra todas, é uma guerra contra negros e negras, para os quais a única política social disponível é a política penal e a violência de Estado.”

V – A ausência da tipicidade material da conduta de posse de pequena quantidade de maconha para uso

Consoante no primeiro capítulo mencionado, o tipo penal descrito no art. 28 da Lei de Drogas visa proteger o bem jurídico saúde pública. No entanto, nos parece que a criminalização da maconha para proteger a saúde pública é tão somente uma justificação retórica que guarda às ocultas consigo a discriminação racial que ensejou a proibição da droga outrora.

Cabe esclarecer que a substância Tetraidrocanabinol integra a Lista F-2 de substâncias psicotrópicas da Portaria n° 344/1998 do Ministério da Saúde e que o tipo penal do art. 28 da Lei de Drogas é aplicável ao uso de qualquer substância que se encontra relacionada na denominada norma penal em branco.

Em que pese a norma incriminadora referida, tem-se que as condutas descritas no art. 28 da Lei n° 11.343, quais sejam, de adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, pequena quantidade de maconha não apresentam tipicidade material, não configurando a prática de crimes, eis que abrangidas pelo denominado Princípio da Insignificância.

Isto porque, não há relevância penal na conduta do uso de pequena quantidade de maconha, posto que não tem aptidão para lesionar a saúde pública nem qualquer outro bem jurídico relevante. Na verdade, a criminalização de tal conduta é que representa lesão ao Direito, na medida que vilipendia bens jurídicos constitucionalmente consagrados, qual sejam: a intimidade e a vida privada, que alfim e ao cabo materializam o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República brasileira.

Nessa linha de ideia, assevera Cardinali (2014) que a norma penal do art. 28 da Lei n° 11.343/2006 em relação a ínfima quantidade de maconha “ressente-se da ausência de suporte constitucional, porque se insere na esfera da vida íntima e privada do usuário, direito constitucionalmente garantido no inciso X do artigo 5º da nossa Constituição Republicana de 1988, como consectário do próprio princípio fundamental da dignidade da pessoa humana expressamente inserido logo no seu art. 1º, como se vê do seu inciso III.”10

Com efeito, a conduta de uso de pequena quantidade de maconha para uso próprio, em que pese se enquadrar nos elementos descritivos do tipo penal do art. 28 da Lei n° 11.343/2006, enquadrando-se formalmente ao preceito primário penal, não o faz na dimensão material da tipicidade penal, na medida em que não agride ao bem jurídico saúde pública, sendo, portanto, insignificante do ponto de vista do Direito Penal.

VI – Conclusão

Se a título de proteger a saúde pública, o Direito Penal fosse invocado para proibir substâncias prejudiciais à saúde humana, certamente se proibiria primeiro o cigarro, depois o açúcar, o álcool, entre tantos outros produtos comprovadamente mais deletérios à saúde humana do que a cannabis, cuja ofensividade é diminuta, se comparada às substâncias tóxicas toleradas pelo Direito, como o herbicida Glifosato, que é o agrotóxico mais utilizado no Brasil, cuja ingestão está associada a provável causa de câncer.

Comporta pontuar que nos parece meramente simbólica apelar pela proteção da saúde pública para justificar a proibição do uso da maconha, para tão somente escamotear o preconceito racial que de fato, como supra detalhado, foi o ventre do proibicionismo da maconha e da criminalização sem bem jurídico efetivo a proteger.

Nesse contexto, cabe ao Supremo Tribunal Federal avançar em sua análise Recurso Extraordinário n° 635659 e perscrutar a (in)constitucionalidade da norma do art. 28 da Lei n° 11.343/2006 em face da conduta da posse de pequena quantidade de maconha para uso legisferada sob o manto do racismo, assegurando, por outro lado, a almejada segurança jurídica e isonomia de tratamento, providências que estão sob a batuta da Justiça e que o STF em assim agindo, mesmo que haja discordâncias por questões ideológicas, cumprirá o seu papel de guardião da Constituição, bem como definirá uma tese jurídica que na prática evitará as escolhas arbitrárias que têm sido feitas por muitas autoridades, e que em cada caso concreto, por diversas circunstâncias, que não cabe nesse artigo, poderiam ser evitadas a partir de uma decisão que leve em consideração as ponderações aqui trazidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. “Açúcar é a droga mais perigosa do nosso tempo”, diz especialista. Terra, 2013. Disponível em: https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/degusta/alimentacao-com-saude/acucar-e-a-droga-mais-perigosa-do-nosso-tempo-diz-especialista,ca0e95201b631410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html. Acesso em: 08 de agosto de 2023;

  1. BRASIL. Sistema Nacional de Política sobre Drogas. Lei n° 11.343/2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Boiteux, Luciana. A proibição como estratégia racista de controle social e a guerra às drogas. Le Monde Diplomatique Brasil, 2019. Disponível em:https://diplomatique.org.br/a-proibicao-como-estrategia-racista-de-controle-social-e-a-guerra-as-drogas/. Acesso em: 14 de agosto de 2023;

  1. Cannabis no Brasil. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cannabis_no_Brasil#cite_note-22. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Cardinali, C. S. (2014). Juízo de Direito do 4° Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?GEDID=000497D6414BE1456F2A1958BB597DBF651419C5025E2D41>. Acesso em: 16 de agosto de 2023;

  1. Crippa, Alexandre et al. Efeitos cerebrais da maconha – resultados dos estudos de neuroimagem. Trabalho realizado no Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica, da FMRP-USP. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(1):70-8. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.scielo.br/j/rbp/a/FmxBSz7SQQNBkYVDxQj35SD/?format=pdf . Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Entenda o que é o glifosato, o agrotóxico mais vendido do mundo (2019). Associação Brasileira de Saúde Coleitva. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/movimentos-sociais/entenda-o-que-e-o-glifosato-o-agrotoxico-mais-vendido-do-mundo/40996/. Acesso em: 16 de agosto de 2023;

  1. Lei de Drogas. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Drogas. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Legislação sobre a cannbis. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Legisla%C3%A7%C3%A3o_sobre_a_cannabis. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Paiva, Vitor. Maconha é 30 vezes mais poderosa que remédios anti-inflamatórios. Hypeness, 2019. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2019/07/maconha-e-30-vezes-mais-poderosa-que-remedios-anti-inflamatorios/. Acesso em: 08 de agosto de 2023;

  1. Gonçalves, G. A. M. e Schlichting, C. L. R. (2014). EFEITOS BENÉFICOS E MALÉFICOS DA Cannabis sativa. Revista UNINGÁ Review. Disponível em: <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.mastereditora.com.br/periodico/20141001_084042.pdf>. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Grego, Maurício (2015). Maconha é menos mortal que álcool e tabaco, afirma estudo: Um estudo científico comparou os efeitos de sete drogas recreativas nos seres humanos e concluiu que a maconha é a menos mortal delas. Exame. Disponível em: https://exame.com/ciencia/maconha-e-menos-mortal-que-alcool-e-tabaco-afirma-estudo/. Acesso em: 08 de agosto de 2023;
  2. Martins, André. Maconha legalizada no Brasil? Entenda o julgamento do STF. Exame, 2023. Disponível em: https://exame.com/brasil/maconha-legalizada-no-brasil-entenda-o-julgamento-do-stf/. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Marasciulo, Marília. Entenda por que a maconha foi proibida ao redor do mundo: O consumo da erva remonta há milênios, mas passou a ser condenado apenas há alguns séculos. Revista Galileu, 2019. Disponível em https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/07/entenda-por-que-maconha-foi-proibida-ao-redor-do-mundo.html. Acesso em: 07 de agosto de 2023;

  1. Seminário apresenta os benefícios do uso medicinal da cannabis. Agência Fiocruz de Notícias, 2022. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/seminario-apresenta-os-beneficios-do-uso-medicinal-da-cannabis#:~:text=O%20THC%2C%20como%20%C3%A9%20conhecida,tratamento%20para%20aumentar%20o%20apetite.>. Acesso em: 08 de agosto de 2023;

  1. Supremo Tribunal Federal. Ministro Alexandre de Moraes propõe critério para diferenciar usuários de traficantes de maconha. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=511645&ori=1. Acesso em: 07 de agosto de 2023.

*Gláucio Tavares Costa é Assessor Jurídico do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico e graduado em Farmácia pela UFRN.

José Herval Sampaio Júnior é Juiz de Direito TJRN, Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Professor da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

 

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Faça o que eu digo, não faça o que eu faço

Por Auris Martins de Oliveira*

Historicamente, no contexto socioeconômico brasileiro, sob a dissimulação da moralização dos gastos públicos, muitas barbaridades contra a população são protagonizadas, exatamente, por quem deveria fiscalizar o uso dos recursos públicos. Sem o poder decisório, em específico sem alguém no poder máximo da nação, que ceda às pressões pelo desmantelamento do Estado, promovendo privatizações e desmonte dos serviços públicos, os senhores senadores de forma cirúrgica, tentam inviabilizar a gestão orçamentária do governo federal aprovando pautas-bomba. Mas, como reza a terceira lei de Newton “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”.

Para quem não sabe, as pautas-bomba foram as que contribuíram para derrubar a então presidente Dilma Rousseff, com um governo no final de 2014, com a menor taxa de desemprego da história, com emprego pleno, o Brasil saindo do mapa da fome, sem pedintes nas ruas e com a vida da ampla maioria da população melhorando muito. E o que aconteceu? Mesmo com o combate da grande imprensa e o governo apanhando nas redes sociais, a Dilma foi reeleita. Mas, por conta do inconformismo dos senadores e deputados derrotados, em seu segundo mandato, enfrentou dificuldades gigantescas com engessamento de sua gestão no congresso, culminando, com seu impeachment. Depois disto, cite-se só um exemplo de uma área, os servidores públicos passaram a lutar, não por melhorias de salário, mas para manter seus empregos.

Independentemente da cor partidária, se o nobre leitor acredita que deva votar, nestas próximas eleições, em um determinado candidato para prefeito, vote também nos seus vereadores. Caso acredite dever votar em alguém para ser governador, jamais vote em deputados que não estão apoiando seu candidato. Senador ou deputado federal, então, de igual forma. Procure saber qual presidente seu candidato apoia. Se apoiar seu presidente, vote; se não apoiar, não vote.

Destarte, caso contrário, você poderá estar contribuindo para inviabilizar a execução orçamentária daquele que teve a maioria dos votos da população. Poderá, se não analisar seu voto para o senado ou deputado federal, contribuir para sabotar alguém que era seu desejo ser presidente do Brasil. Ou inviabilizar o plano de governo, que você julgou ser o melhor, já que não se vota na prática em pessoas, mas em um plano de gestão para o país. Um orçamento público, com foco no rico ou foco no pobre, com foco na ampliação dos serviços públicos para a população, ou pelo seu sucateamento, em um plano econômico, que priorize o crescimento econômico, melhoria da renda, e do emprego, ou para manutenção e maximização da riqueza dos muito ricos.

No orçamento do Brasil, assim como, no governo Dilma Rousseff, o Senado Federal está aprovando pautas-bomba. Aprovando isenções tributárias bilionárias para alguns setores, reduzindo a arrecadação, sabotando a gestão orçamentária e minando programas de distribuição de renda, moradia, saúde e educação para a maioria da população carente. Outro tipo de pauta-bomba aprovada, além de tirar dinheiro do orçamento público, é obrigar o governo a gastar muita grana onde não precisaria. O presidente do Senado aprovou um projeto, cujas estimativas de impacto no orçamento público chegam aos 82 bilhões de reais, em benefícios para juízes. Não que os servidores públicos, com maior salário no Brasil, não devam ganhar bem, devem, sim. Mas, as outras categorias, idem; ou não? Note-se a hipocrisia da pauta-bomba, o foco não é a valorização do serviço público, é inviabilizar o orçamento público do plano de governo eleito, com maioria dos votos.

O ímpeto do Congresso Nacional, com suas duas casas (Senado Federal e Câmara dos Deputados), em desestabilizar a gestão pública federal é tamanho, que aprovaram a manutenção da desoneração da folha de pagamento. Seu surgimento foi em função de uma lei emergencial na época da pandemia, beneficiava dezenas de setores da economia, objetivando minimizar os impactos da desaceleração econômica; ou mesmo estagnação durante a pandemia da Covid-19. Mas, a pandemia acabou. O PIB hoje é maior que 2019, a atividade econômica é maior que antes da pandemia. Não tem mais motivo para manter uma lei emergencial, gerando, uma renúncia fiscal de receita, aproximadamente, de 17 bilhões por ano, ou 68 bilhões a menos para o plano de governo eleito pelo povo. Esse dinheiro vai fazer falta em algum lugar. Isso é sabotagem.

Essa sabotagem foi parar no STF e, com isso, abriu-se uma ampla discussão sobre o fato de que o Congresso Nacional também deve ter responsabilidade fiscal. Exatamente, são os congressistas, que usam a tribuna para apregoar o discurso de uso dos recursos públicos, de superávit governamental, ou que o governo gasta mais do que arrecada. Deve-se evitar, portanto, o discurso do sacerdote sem vocação, “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Para evitar essa hipocrisia, caro e paciente leitor, é necessário votar em quem apoia o presidente que você colocou lá. Caso contrário, sempre teremos um puxa encolhe e nunca seremos uma grande nação, com uma execução orçamentária e um plano de governo exequível; que a maioria dos contribuintes escolheu pelo voto democrático.

*É Doutor em Contabilidade pela UNISINOS e Professor na UERN.

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A questão do delito de posse de drogas para consumo pessoal diante do porte de drogas para o tráfico

Por Rogério Tadeu Romano*

I – ESTUDOS CIENTÍFICOS NA MATÉRIA E LEGISLAÇÃO APLICADA

No relatório da Comissão Schafer (Drug use in America: problem in perspective, 1973, 139), tem-se que “a dependência de drogas é um fenômeno dinâmico, e a formulação da política social deve refletir sua complexidade e relatividade. A base primária da dependência de todo uso de drogas é o reforço psicológico baseado na recompensa. Essa recompensa é composta de dois elementos: ela deriva de quaisquer efeitos cerebrais, alguns dos quais o usuário pode experimentar subjetivamente, e das complicadas sequências de variáveis psicossociais que formam as necessidades satisfeitas pelas experiências da droga e pelo comportamento que a procura. Quando a dependência física é uma parte da administração crônica de drogas, o temor dos efeitos adversos resultantes da abstinência serve como poderoso reforçador secundário do uso da droga. Nos Estados Unidos, a legislação federal e a de muitos Estados definiam como dependente de drogas “a pessoa que usa uma substância controlada e que está em estado de dependência física ou psíquica, ou ambas, decorrente do uso de tal substância de forma contínua. A dependência de drogas se caracteriza por respostas de comportamento e outras que incluem forte compulsão a tomar a substância em base contínua, de modo a experimentar seus efeitos psíquicos e para evitar o desconforto causado por sua ausência.”

De há muito existem várias convenções internacionais sobre a matéria que foram editadas.

Ensinou, para tanto, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume II, 5ª edição, páginas 235 e 236, item 900), ao falar sobre antecedentes e generalidades do tema:

“A primeira de tais convenções é a de Haia, de 1912 (ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 11.481, de 1915), tendo-se seguido outras, em Genébra, em 1925 e 1931 (ratificadas pelos Decretos nº 22.950, de 1933 e 113, de 1934). Destaca-se ainda outra convenção realizada em Genébra, em 1936, sob o patrocínio da Sociedade das Nações, tendo como objeto um acordo internacional para a repressão penal, por parte de vários Estados. Essa convenção foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 2.994, de 1938. Em 1946, elaborou-se, na ONU, em Lake Success, um protocolo modificando acordos e convenções anteriores, havendo, naquela organização, comissão especial sobre o assunto (United Nations Comission of Narcotic Drugs).

Em 1961, elaborou-se em Nova York uma Convenção Única, tratado internacional que anulou os anteriores, inclusive o protocolo de Lake Success. A Convenção Única foi ratificada pelo Brasil, tendo sido promulgada pelo Decreto nº 54.216, 27 de agosto de 1964. A Convenção classifica as drogas perigosas em quatro listas, anexas ao texto. Esta classificação é feita para regular as medidas de fiscalização. Na lista IV estão as drogas que exigem medidas especiais de fiscalização, que, a nível internacional, foi atribuída à ONU (artigo 5º) e se exerce através da Comissão de Entorpecentes do Conselho Econômico e Social e do Órgão Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, criado pela Convenção, que estabeleceu mecanismos de cooperação internacional e medidas repressivas de natureza penal a serem adotadas. Para as pessoas envolvidas com abuso de drogas estabeleceu-se a obrigação de tratamento para reabilitação e reintegração social.

Em 1971, foi celebrada, em Viena, Convenção sobre substâncias psicotrópicas, que entrou em vigor desde 16 de agosto de 1976.

Em 1972, foi aprovado protocolo que modificou a Convenção Única de 1961, introduzindo alterações no Órgão Internacional de Controle de Drogas, referindo-se também às informações a serem prestadas pelos Estados, no sistema de Controle Internacional, bem como ao tratamento de viciados. Tal protocolo foi promulgado pelo Decreto nº 76.248, 12 de setembro de 1975.”

A legislação penal no Brasil deve ser rememorada.

O Código Penal de 1890, no artigo 159, punia com pena de multa, “expor à venda ou ministrar substâncias venenosas, sem legítima autorização e sem formalidades prescritas nos regulamentos sanitários”.

O Decreto nº 4.294, de 6 de julho de 1921, cominava pena de prisão celular de um a quatro anos, “se a substância venenosa tiver qualidade entorpecente, como ópio e seus derivados, cocaína e seus derivados”. Na matéria ainda foi editado o Decreto nº 14.969, de 3 de setembro de 1921, punindo os droguistas, farmacêuticos ou comerciantes, referindo-se ainda a ação de ministrar mesmo praticada por qualquer pessoa. Foram ainda promulgados os Decretos nº 20.930, de 11 de janeiro de 1932; 24.505, de 29 de junho de 1934, o Decreto-Lei nº 891, de 25 de novembro de 1938, que constituiu fonte imediata da legislação brasileira na matéria, estando revogado. A parte criminal do Decreto-lei nº 891, passou ao Código Penal de 1940 (artigo 281), que veio a sofrer diversas e sucessivas alterações.

A Lei nº 4.451, de 4 de novembro de 1964, introduziu na enumeração prevista no Código Penal a ação de plantar. As normas gerais para cultivo de plantas entorpecentes e sua utilização foram fixadas pelo Decreto-lei nº 4.720, de 21 de setembro de 1942.

O artigo 281 do Código Penal foi novamente alterado pelo Decreto-lei nº 385, de 26 de dezembro de 1968, e, ainda, pela Lei nº 5.726, de 29 de outubro de 1971, de cunho repressivo, introduzindo rito especial para esses crimes.

Posteriormente, em 1976, foi promulgada a Lei nº 6.368/1976, que passou a dar maior amplitude ao tema, mas cujo procedimento instituído foi considerado defasado.

Em 2002, foi editada a Lei 10.409/2002, com a intenção de revogar a Lei nº 6.368/1976, mas o título de crimes foi vetado pela Presidência da República.

Veio a Lei 11.343/2006 que revogou as normas anteriores, mas obedecendo ao princípio da irretroatividade da lei mais severa.

Seu objetivo é prevenir o uso indevido de drogas e reprimir a produção não autorizada e o tráfico ilícito. Vale salientar que a citada norma jurídica foi publicada em 23 de agosto de 2006 e teve um período de vacatio legis de 45 dias, entrando em vigor em 8 de outubro do mesmo ano.

De toda sorte, as drogas psicoativas são hoje numerosas. Podem ser assim classificadas:

  1. a) Ópio e seus derivados, naturais ou sintéticos (heroína, morfina, codeína, dionina etc);
  2. b) Cocaína e seus derivados;
  3. c) Maconha (cannabis sativa);
  4. d) Anfetaminas (pervitin, benzedrina etc);
  5. e) Barbitúricos (derivados de ácido barbitúrico);
  6. f) Tranqüilizantes (drogas com efeito sedativo);
  7. g) Alucinógenos (LSD, mescalina, psilocibina etc).

Ópio é um suco espesso que se extrai de frutos imaturos (cápsulas) de várias espécies de papoulas soníferas, que é utilizada como narcótico. Os opiáceos são perigosos analgésicos, utilizados para eliminar ansiedade e tensão. O mais importante é a heroína, descoberta em 1898, e que se revela de quatro a oito vezes mais poderosa que a morfina. Os opiáceos provocam dependência física e tolerância. Os especialistas disseram que a dependência física causada pelos opiáceos faz com que o problema seja extremamente mais grave, não faltando quem queira limitar a esses casos exclusivamente o conceito de toxicomania. Diante dos opiáceos, a cocaína e, sobretudo, a maconha, passam a um plano inteiramente secundário.

Cocaína benzoilmetilecgonina ou éster do ácido benzóico é um alcalóide usado como droga, derivado do arbusto erythroxylum coca, com efeitos anestésicos e cujo uso continuado pode causar efeitos indesejados como dependência, hipertensão arterial e distúrbios psíquicos.

A cannabis refere-se a várias drogas psicoativas e medicamentos derivados de plantas do gênero cannabis. Como tal causa alguns efeitos psicoativos e fisiológicos quando é consumida. Entre esses efeitos estão o relaxamento e a leve utopia enquanto que alguns efeitos colaterais indesejáveis são a diminuição passageira da memória de curto prazo, boca seca, habilidades motoras levemente debilitadas e vermelhidão dos olhos.

Tecnicamente a maconha é um alucinógeno, não produzindo dependência física. Os usuários crônicos tornam-se psiquicamente dependentes. Os usuários de qualquer droga psicoativa têm sempre maior probabilidade de usar outras drogas. A maconha é prejudicial à saúde. Já houve entendimento de que dificilmente a maconha provoca tolerância e que as pessoas que a usam tendem a um comportamento passivo.

Anfetaminas são substâncias simpatomiméticas que têm a estrutura química básica da beta-fenetilamina. Sob esta designação, existem três categorias de drogas sintéticas que diferem entre si do ponto de vista químico. As anfetaminas, propriamente ditas, são a dextroanfetamina e a metanfetamina.

A anfetamina é uma droga estimulante do sistema nervoso central, que provoca o aumento das capacidades físicas e psíquicas. As anfetaminas são drogas sintéticas com ação estimulante sobre o sistema nervoso central. As afetaminas afastam o sono e aumentam a atenção e o vigor, sendo utilizadas comumente por atletas. Viciam de forma mais branda que os barbitúricos e os opiáceos. Doses elevadas produzem, contudo, perda de consciência, colapso e morte.

O barbitúrico é a substância chamada de “malonilureia ou hidropirimidina”. Esta substância resulta da união do ácido malônico com a ureia de onde se podem derivar substâncias com uso terapêutico. É um grupo de substâncias depressoras do sistema nervoso central. São usados como antiepilépticos, sedativos e hipnóticos. Os barbitúricos têm uma pequena margem de segurança entre a dosagem terapêutica e tóxica. São compostos que, em doses adequadas, podem produzir sono ou ação sedativa. Viciam com dependência física, e a superdosagem pode causar a morte, pela ausência de oxigênio e outras complicações provocadas pelo longo período de depressão. Os barbitúricos, mais do que qualquer outra droga, apresentam grande perigo de superdosagem, agravado quando há uso concomitante de álcool. O álcool potencializa o efeito da droga, e vice-versa.

Os tranquilizantes são medicamentos que têm a propriedade de atuar sobre a ansiedade e a tensão. São ainda utilizados no tratamento da insônia e nesse caso recebem o nome de drogas hipnóticas. Os tranquilizantes são drogas com efeito sedativo, empregadas para eliminar a ansiedade e as tensões emocionais. Utilizados no tratamento de doenças mentais, os tranquilizantes são largamente vendidos em todo o mundo. São compostos químicos de diferentes categorias: a) alcalólides, destacando-se a reserpina; b) fenotiazinas, das quais a mais conhecida é a clorpromazina; c) difenilmetanas, inclusive a benctizina; d) propanediols, especialmente o meprobamato. Essas drogas ora atuam sobre o sistema nervoso central ora atuam sobre o sistema nervoso visceral.

Alucinógeno denomina-se um conjunto de substâncias naturais ou sintéticas capazes de atuar sobre o sistema nervoso. A utilização dessas drogas com fins recreativos oferecem sérios riscos. Distorcem os sentidos e confundem o cérebro e afetam a concentração, os pensamentos e a comunicação.

O que é dependência de droga? A Organização Mundial de Saúde, em 1965, definia nos seguintes termos: “Dependência de drogas e um estado de dependência física ou psíquica (ou ambas) em relação a uma droga, resultante da administração de tal droga em base contínua ou periódica. As características desse estado variarão conforme o agente de que se teste, e essas características devem ser sempre esclarecidas, designando-se o tipo particular de dependência de droga do tipo de morfina, do tipo de barbitúrico, do tipo de anfetamina, etc”.

A natureza da droga que constitui objeto material da ação deve ser estabelecida através da perícia.

A partir de 1964, estudos se desenvolveram partindo de síntese do princípio ativo da Cannabis, realizada em 1964, por Raphael Mechoulam. Esse princípio é o 9-Delta tretrahidro canabinol (THC), com o qual numerosas experiências têm sido realizadas. O THC é rapidamente desativado quando exposto ao oxigênio, à luz, à umidade e a temperaturas elevadas. Fala-se que a maior quantidade de THC encontra-se nas sumidades flóridas da planta. O caule e as sementes contêm pouco ou nenhum THC. A maconha geralmente consumida tem reduzido conteúdo de substância ativa, em regra menos de 1% de THC. O haxixe é a resina pura da planta feminina, e é de cinco a dez vez mais potente que a maconha.

Fala-se que tecnicamente a maconha é um alucinógeno. Não produz dependência física. Os usuários crônicos tornam-se psicologicamente dependentes. O conceito de dependência psicológica, que foi adotado pela lei brasileira, tem sido muito questionado por vários estudiosos.

Os especialistas têm dito que não há necessidade de submeter a tratamento alguém pelo só fato de usar maconha, a menos que tais pessoas apresentem desvios de personalidade.

Pergunta-se: A cannaabis conduz ao uso de substâncias perigosas? Ela produz dano considerável à saúde, particularmente às funções cerebrais? A maconha está associada à criminalidade?

Pois o Relatório Schafer já afirmava que, se alguma droga está associada ao uso de outra, tal droga é o tabaco, seguida de perto pelo álcool. Nas pesquisas feitas pela Comissão, apenas 4% dos usuários da maconha teriam usado heroína. Entre os usuários de opiáceos, é grande o número dos que antes usaram maconha, mas nenhuma relação causal pôde ser estabelecida entre o uso de uma e outra espécie de droga, parecendo que o fato se relaciona com fatores de outra ordem.

Por sua vez um estudo elaborado por comissão especial do legislativo do Estado de Nova York concluiu que a maconha não conduz a comportamento agressivo, nem é causa de gradual passagem de heroína ou a outros tóxicos. Por sua vez, a comissão canadense concluiu que a relação de causalidade entre maconha e outras drogas é difícil de verificar.

Como toda droga a cannabis traz prejuízos à saúde. Mas já se disse que a maconha é menos prejudicial que o álcool. Acresça-se que nenhuma das pesquisas revelou efeitos da maconha trazendo lesões cerebrais ou outros efeitos graves. Aliás, em 1971, estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, nos Estados Unidos, afirmou que para a maior parte das pessoas a droga não parece perigosa.

Com relação a criminalidade já se observaram resultado das pesquisas concluindo que as pessoas que a usam têm um comportamento passivo. A comissão Schafer concluiu que “o peso da prova é no sentido de que a maconha não causa comportamento agressivo ou violento, mas ela pode servir para inibir a expressão de tal comportamento”. Ainda a Conferência dos Diretores de Institutos de Pesquisa, promovida em 1974 pelo Conselho da Europa, concluiu que não há relação de causa e efeito direta entre drogas e crime, salvo no caso de certas drogas específicas como a anfetamina. Todavia, drogas e criminalidade frequentemente aparecem juntas, pois as mesmas causas psicológicas e sociais conduzem a uma ou outra de tais formas de comportamento desviante.

Lembrou-nos, outrossim, Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, volume II, 5ª edição, página 239, item 901) que “o uso do tóxico resulta frequentemente de prescrições terapêuticas (tendência ao tóxico, posto que não habitual). A toxicomania constitui um impulso irresistível ao uso de entorpecentes, para satisfação de necessidade real ou presumida. Ela se caracteriza por um estado de intoxicação periódico ou crónico, prejudicial ao indivíduo e à sociedade, em consequência do uso constante de drogas.”.

Ora, o malefício que o uso habitual de entorpecentes traz à saúde pública é a sanidade do povo em geral é evidente.

Há não menos de cinco mil anos a Humanidade conhece as aplicações terapêuticas da maconha (cannabis sativa) e seus derivados. Os chineses, aliás, já a empregavam na medicina há milênios.

Vasta literatura surgiu de modo que se pôde observar alguns efeitos da maconha:

  1. a) Alivia dores em geral especificamente as relacionadas a nervos, enxaquecas e menstruações;
  2. b) No tratamento da síndrome da emaciação por infecção do HIV, reduziu sintomas como náusea, perda de apetite, cansaço extremo, ansiedade e dores;
  3. c) No tratamento do glaucoma, diminui a pressão intraocular causada pela doença;
  4. d) No tratamento da esclerose múltipla, alivia sintomas como espasmos musculares, dores e mau funcionamento de órgãos como intestino e bexiga;
  5. e) No tratamento da epilepsia, contém compostos canabinóides com propriedades anticonvulsivas;
  6. f) Com relação ao sistema imunológico, diminui a capacidade das cédulas T (de defesa) de lutar contra as infecções, prejudicando soropositivos como o organismo já comprometido. A inalação de THC diminui as defesas do pulmão, aumentando os riscos de infecções no órgão;
  7. g) O uso recreativo da maconha traz problemas para o aprendizado, a memória de curto prazo; as funções executivas, como a capacidade de se concentrar, prejudicando, principalmente, adolescentes, cujo cérebro está em construção;
  8. h) Um em cada nove fumantes de maconha se torna dependente;
  9. i) Há estudos que apontam o risco de câncer no pulmão causados pelo fumo;
  10. j) A maconha prejudica o desempenho psicomotor em várias tarefas, tais como a coordenação motora, a atenção no uso de máquinas complexas, com aumento de risco de acidentes de pessoas.

Acreditava-se que o sistema do corpo humano sensível aos compostos da maconha agia primordialmente no cérebro.

Recentemente cientistas brasileiros descobriram que o chamado sistema endocanabinoide atua sobre os rins, possibilitando estudos que levem a desenvolvimento de remédios contra a hipertensão e curar lesões renais, estas sem tratamento da diálise e do transplante de rins.

Um grupo de professores do Instituto de Biofísica da UFRJ trabalhou com versões sintéticas de endocanabinoides, substâncias produzidas pelo próprio corpo.

Noticia-se que um estudo iniciado com a tese de doutorado de Luzia Sampaio, hoje pós-doutoranda na UFRJ, levou a uma descoberta, resolvendo questão importante no sentido de que se era possível tratar lesões renais ao ativar o sistema endocanabinoide. Esse estudo está publicado na edição on line da revista “British Journal of Pharmacology”.

Mais um capítulo da história “maconha e medicina”, de forma a relatar que professores descobrem que sistema sensível aos compostos da “cannabis” atua também nos rins.

A medicação historiada no combate à hipertensão é uma notícia impactante.

Essa descoberta é formidável e aguça a discussão com relação à constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas e a questão da criminalização do uso da droga.

II – A TESE DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS

Necessário discutir o artigo 28 da Lei de drogas.

Anteriormente a Lei incriminava o usuário como aquele que adquiria drogas, guardava drogas e ou trazia consigo drogas para consumo pessoal. A Lei nº 11.343/2006 configura usuário como aquele que adquiri, guarda, traz consigo, tem em depósito e transporta drogas.

O artigo 28 caput da Lei promoveu um alargamento na incriminação do usuário de drogas. Quanto as condutas de ter em depósito e transportar o tipo penal apresenta a hipótese de novatio legis incriminadora, de forma que somente deverão ser punidos aqueles que praticarem tais condutas a partir de 8 de outubro de 2006.

Adquirir é comprar mediante pagamento. Guardar é armazenar para consumir em curto período de tempo, tomar conta de algo, proteger.

Na modalidade trazer consigo, entende-se o transporte pessoal do tóxico. É conservar a coisa junto à própria pessoa, oculta no corpo, nas vestes, ou de qualquer outro modo ligada ao sujeito. Ter em depósito é ter armazenado suprimento que traga uma ideia de mais perpetuidade, maior quantidade. Transportar é levar de um lugar para outro, em malas, veículos etc.

Há o entendimento de que o artigo 28 da Lei 11.343/06 não afastou o crime de trazer consigo ou adquirir para uso pessoal (antes, uso próprio) da esfera do crime de drogas. Assim não se afastou a criminalidade no fato de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização legal ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Está assim redigido o artigo 28:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

  • 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
  • 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
  • 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
  • 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
  • 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
  • 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I – admoestação verbal;

II – multa.

  • 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.

No passado, frente à legislação anterior à Lei nº 6.368/1976, Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, 139) entendia que o viciado não pratica o crime, sendo antes vítima dele.

Há um crime de perigo abstrato, presumindo-se, em qualquer das hipótesdes, um crime de perigo abstrato à saúde pública.

O objeto da tutela jurídica é a saúde pública, que se protege contra o mal causado pelo uso de drogas.

Isso porque os males causados à pessoa pelo emprego habitual de certas drogas são sérios e graves.

Lembrou Luis Fernando Diedrich(Um estudo sobre o art. 16 da Lei de Tóxicos, in Ius Navigandi, em 1.11.2000):

“… o simples usuário de um produto entorpecente não é um delinqüente e não pode ser tratado como um bandido. Aliás, sob este aspecto, é bom lembrar que, na maioria das vezes, adolescentes tornam-se delinqüentes para saciar a ânsia da dependência que, por certo, os atormenta.” (Brayan Akhnaton)

Não será caso de aplicação do princípio da insignificância, afastando-se o crime, para os casos de condutas envolvendo consumo pessoal, cultivo, semeadura e coleta de plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

É o que ocorre nos chamados crimes de porte de drogas para uso pessoal, linha esta que deve ser mantida no novo Código Penal. Será hipótese de lavrar um termo circunstanciado, providenciando-se as requisições.

Embora o artigo 28 da Lei 11.323, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, tenha alterado o tratamento penal para o porte de drogas ilícitas para consumo pessoal, substituindo a prisão de seis meses a dois anos pelas penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa obrigatória, a nova legislação manteve o desvalor penal do comportamento, não retirando a natureza delitiva da conduta.

A matéria voltou a ordem do dia com o posicionamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro que considera inconstitucionais todas as prisões de usuários de drogas, matéria objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal em breve, no RE 635659, que tem como Relator o ministro Gilmar Ferreira Mendes.

Em 2013, o defensor público de São Paulo, Leandro de Castro Gomes, recorreu ao Supremo Tribunal Federal da decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial de Diadema/SP que condenou réu, naquele processo, a dois meses de prestação de serviço à comunidade, por guardar 3 (três) gramas de maconha num único invólucro para consumo próprio.

Para Pier Paolo Bottini, a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afronta não só a norma constitucional que protege a intimidade e a vida privada, mas, sobretudo, a que prevê as bases sobre as quais se sustenta todo o modelo político e jurídico nacional; a dignidade da pessoa humana e a pluralidade.

Disse o Professor Bottini:

“Ao criminalizar o porte de droga para uso pessoal, a lei parece afrontar a ideia de dignidade da pessoa humana e de pluralidade, ambas previstas na Constituição Federal (artigo 1º, III e V). A primeira pode ser definida como a capacidade de autodeterminação do ser humano para o desenvolvimento de um mundo de vida autônomo, onde seja possível a reciprocidade. Pluralidade significa a tolerância no mesmo corpo social de diferentes mundos de vida, estilos, ideologias e preferências morais, respeitadas as fronteiras do mundo de vida dos outros.

Os princípios da dignidade e da pluralidade limitam o uso do direito penal como instrumento de controle social ou de promoção de valores funcionais. Em sendo esta a faceta mais grave e violenta da manifestação estatal, sua incidência se restringe à punição de comportamentos que violem esta liberdade de autodeterminação do indivíduo, que maculem este espaço de criação do mundo de vida.

Nesse sentido, a definição do espaço de legitimidade do direito penal exige do intérprete da Constituição o reconhecimento de que comportamentos praticados dentro do espaço de autodeterminação do indivíduo, sem repercussão para terceiros — ou seja, que não afetem a dignidade de outros membros do corpo social — não têm relevância penal.

Com base nessa assertiva, são estranhos ao direito penal comportamentos religiosos, sexuais, ideológicos, ínsitos à liberdade individual, que possam ser praticados com reciprocidade, ou seja, cujo exercício mútuo seja possível por todos os demais membros da sociedade. Em suma, que não afetem a autodeterminação de outros componentes do corpo social. Não por acaso, a criminalização do homossexualismo, da opção religiosa, do incesto, são rechaçadas pelo direito penal brasileiro, e duramente criticadas — quando presentes — nas legislações estrangeiras.

Como ensina ROXIN, “la protección de normas morales, religiosas o ideológicas, cuya vulneración no tenga repercusiones sociales, no pertenece em absoluto a los cometidos del Estado democrático de Derecho, que por el contrario también debe proteger las concepciones discrepantes de las minorias y su puesta em práctica”.

No entendimento de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Parte Especial, artigos 121 a 212 do CP, 7ª edição, página 253) “a esfera da intimidade é a mais ampla que a esfera do segredo e com ela não se confunde, mas refere-se à liberdade individual, que é atingida pela abusiva intromissão nos fatos da vida privada que devem permanecer sob reserva.”

III – RE 635659

Os ministros Edson Fachin, que apresentou voto-vista, e o ministro Luís Roberto Barroso, votaram, ambos pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, julgando inconstitucional o artigo 28.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes também já votou pela inconstitucionalidade do dispositivo entendendo que ele viola o princípio da proporcionalidade. Para o ministro, a punição do usuário é desproporcional, ineficaz no combate às drogas, e ofende o direito constitucional à personalidade. Em seu voto, no entanto, o ministro afastou apenas os efeitos penais da conduta, mantendo, “até o advento de legislação específica”, as punições de ordem administrativa (multa).

Destaco os principais trechos do voto do ministro Fachin:

  1. i) Declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, sem redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto, apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto material a droga aqui em pauta

(ii) Manter, nos termos da atual legislação e regulamento, a proibição inclusive do uso e do porte para consumo pessoal de todas as demais drogas ilícitas;

(iii) Manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) e concomitantemente declarar neste ato a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) até que sobrevenha a devida regulamentação legislativa, permanecendo nesse ínterim hígidas as tipificações constantes do título IV, especialmente criminais do art.333333 3, e dispositivos conexos da Lei 11.343 3 3 3 3 3;

(iv) Declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo, nominados neste voto (SENAD e CNPCP), aos quais incumbem a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exerçam suas competências e até que sobrevenha a legislação específica, emitam, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data deste julgamento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados iuris tantum no caso concreto;(v) Absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386 6 6 6 66666 6 6 6, III, do Código de Processo Penal l l l l l.(vi) E por derradeiro, em face do interesse público relevante, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades portadoras de experiência e autoridade nesta matéria, propor ao Plenário, nos termos do inciso V do artigo7oo do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o fim de, à luz do inciso III do artigo300 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação deste Tribunal neste caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização.

Por sua vez, o ministro Barroso declarou inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/06 quando aplicado à maconha, sem qualquer juízo de valor as outras drogas, e o parágrafo 1º do referido artigo, validando a produção limitada de até seis plantas, assim como é feito no Uruguai, até que o congresso nacional se pronuncie sobre a questão.

O ministro estabeleceu também um critério distintivo entre consumo e tráfico. De acordo com seu voto, consiste na presunção de inexistência de tráfico a posse de 25 gramas de maconha. Contudo, Barroso afirmou que a quantidade é mera referência, não impedindo o juiz do caso concreto de valorar os elementos para dizer que é caso de uso próprio mesmo a quantidade sendo maior ou que entende que exista tráfico mesmo a quantidade seja menor, hipótese que, segundo o ministro, o ônus argumentativo do juiz será aumentado.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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É inconstitucional o exercício de greve por parte de Policiais Civis

Rogério Tadeu Romano*

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional o exercício do direito de greve por parte de policiais civis e demais servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com repercussão geral reconhecida.

A tese aprovada pelo STF para fins de repercussão geral aponta que “(1) o exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. (2) É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do artigo 165 do Código de Processo Civil, para vocalização dos interesses da categoria”.

Segundo o voto condutor, feito pelo ministro Alexandre de Moraes, o interesse público na manutenção da segurança e da paz social deve estar acima do interesse de determinadas categorias de servidores públicos. Os policiais civis, complementou, integram o braço armado do Estado, o que impede que façam greve.

“O Estado não faz greve. O Estado em greve é um Estado anárquico, e a Constituição não permite isso”, afirmou. Também votaram a favor da proibição da greve a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Foram contrários à limitação ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Marco Aurélio.

Foi a seguinte a tese do STF para o julgado noticiado:

Tese:

1 – O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. 2 – É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do CPC, para vocalização dos interesses da categoria

Há uma prevalência do interesse público e social na manutenção da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII e 144.

Naquele julgamento lembrou o ministro Fachin:

“O julgamento do MI 670, Rel. para o Acórdão Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 31.10.2008, no entanto, marca relevante inflexão não apenas no que tange à parte dispositiva dos mandados de injunção, mas também porque, solucionando a omissão legal, disciplinou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal examinou a impetração do Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo – SINDIPOL, em que se requeria o reconhecimento do direito de greve à categoria, com base na Lei 7.783/89, dada a falta de norma regulamentadora da disposição contida no art. 37, VII, da Constituição Federal. Inaugurando a divergência que, posteriormente, seria acolhida pela maioria, o Min. Gilmar Mendes votou pelo deferimento do mandado de injunção, para, “nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis ns. 7.701/1988 e 7.783/1987 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis”. A remissão feita à fundamentação permite afirmar, ainda, que o Tribunal reconheceu que “o órgão judiciário competente poderia fixar critérios mais rigorosos dos que os previstos na legislação, tendo em vista as situações concretas”. Nos debates ocorridos em Plenário, o Ministro Relator para o acórdão fez expressa referência aos controladores aéreos para justificar que, em determinadas situações, as restrições ao direito de greve poderiam ser determinadas pelo Poder Judiciário.”

Confira-se decisão proferida no MI 774, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJe 1.7.2014, que requeria o reconhecimento do direito de greve a policiais civis: “Agravo regimental em mandado de injunção. 2. Omissão legislativa do exercício do direito de greve por funcionários públicos civis. Aplicação do regime dos trabalhadores em geral. Precedentes. 3. As atividades exercidas por policiais civis constituem serviços públicos essenciais desenvolvidos por grupos armados, consideradas, para esse efeito, análogas às dos militares. Ausência de direito subjetivo à greve. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” ( MI 774 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 27-06-2014 PUBLIC 01-07- 2014)

Por sua vez, ainda decidiu o STF:

“EMENTA Agravo regimental na reclamação. Ausência de ataque específico aos fundamentos da decisão agravada. Reclamação como sucedâneo recursal. Direito de greve. Policial civil. Atividade análoga a de policial militar. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. Não subsiste o agravo regimental quando não há ataque específico aos fundamentos da decisão impugnada (art. 317, RISTF). 2. Necessidade de aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional. 3. As atividades desenvolvidas pelas polícias civis são análogas, para efeito do exercício do direito de greve, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve (art. 142, § 3º, IV). Precedente: Rcl nº 6.568/SP, Relator o Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 25/9/09. 4. Agravo regimental não provido.” ( Rcl 11246 AgR, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 01-04-2014 PUBLIC 02-04- 2014)

A greve é um direito de coerção que visa à solução de um conflito coletivo. Pode ser considerada um direito potestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação. A greve tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder sob um determinado ponto da negociação.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores no setor privado. Prevê que a lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade. Apenas os abusos sujeitam os infratores às penas da lei.

A Constituição Federal reconhece ainda, no artigo 37, inciso VII, o direito de greve dos servidores públicos, proibindo-a apenas aos servidores militares. Todavia, o exercício desse direito dependeria da edição posterior de lei complementar para a sua regulamentação. O setor privado é regulamentado pela Lei nº 7.783/1989.

A Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o inciso VII, do artigo 37, da CF apenas para dispor que o exercício da greve no serviço público será definido por lei específica.

O direito de greve dos servidores públicos civis da iniciativa pública está previsto em norma constitucional de eficácia limitada e, em razão da omissão legislativa, o STF, nos autos dos Mandados de Injunção 670, 708 e 712, adotou a posição concretista geral e determinou a aplicação temporária ao setor público, no que couber, da Lei de Greve vigente no setor privado, até que o Congresso Nacional edite a lei regulamentadora.

O STF decidiu a questão por maioria (8 votos a 3), nos seguintes termos:

“Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.”

Com esta decisão, o setor público se submete, no que couber, à Lei nº 7.731/1989. Esta decisão terá validade até a aprovação da lei para o setor público.

Os ministros que votaram em sentido contrário sustentaram que o era necessário estabelecer especificações para o setor público. Ademais, limitavam a decisão apenas aos sindicatos impetrantes.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, competente para processar e julgar dissídio de greve de servidores públicos com abrangência nacional, há também jurisprudência reiterada que viabiliza o corte da remuneração, salvo situações em que a paralisação decorra de atrasos vencimentais/salariais ou de situações que impeçam o desempenho das atribuições dos cargos (cf. STJ, 1ª Seção, Pet 7.920/DF, relator ministro Gurgel de Faria, j. 9/10/2019, DJe 4/11/2019).

Em sendo assim dir-se-á que foi correta a decisão do TJRN que deferiu o pedido feito pelo Ministério Público Estadual para determinar o imediato encerramento da greve dos servidores da Polícia Civil. A decisão determina o restabelecimento integral dos serviços de polícia judiciária de forma plena em todo o Estado. O eventual descumprimento da decisão implicará na aplicação de multa diária de R$ 5 mil, limitada, a princípio, ao valor de R$ 100 mil, ao Sindicato dos Policiais Civis do Rio Grande do Norte (Sinpol/RN).

Em síntese: não pode a polícia civil entrar em greve em prejuízo da população.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Margem Equatorial: um mar de oportunidades

Por Gutemberg Dias*

A Margem Equatorial surge em 2015, na Guiana, com a descoberta de petróleo em sua margem continental, pela Exxon Mobil. Dessa descoberta até hoje já se vão nove anos, e as reservas do país saíram de zero para 11 bilhões de barris, equivalendo a aproximadamente 75% da reserva brasileira que é medida em 14,8 bilhões de barris.

Salienta-se que pesquisas recentes projetam uma reserva próxima dos 17 bilhões, ou seja, é um salto gigantesco para um país que não produzia uma gota de petróleo e, em poucos anos, será um dos maiores produtores do mundo. Destaca-se que a produção na Guiana foi iniciada em 2019, e hoje, a Exxon Mobil produz 375 mil barris (boe/dia) com planejamento para produzir mais de 1 milhão barris (boe/dia) até 2027.

Na mesma leva, o Suriname fez sua primeira descoberta em 2020 e já tem reservas aprovadas da ordem de 4 bilhões de barris. Existe a perspectiva para que se inicie a produção no país em 2025 e várias empresas, também, se mobilizam para atuar na região.

As descobertas nesses dois países projetam para o Brasil um cenário muito positivo, haja vista que a Margem Equatorial brasileira é bem mais extensa que a da Guina e do Suriname juntas. Além disso, o país já tem uma enorme expertise na exploração de petróleo em águas profundas e ultra profundas, a exemplo do Pré-Sal, que elevou a produção brasileira para mais de 4 milhões de boe por dia.

A Margem Equatorial brasileira se estende do Amapá até o estado do Rio Grande do Norte, esse último já com histórico de produção de petróleo em águas rasas e em terra. No total, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) já licitou 42 blocos nas bacias Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas. Tendo as pesquisas já iniciado na bacia Potiguar com descoberta de acumulação de hidrocarbonetos em dois poços exploratórios, ambos perfurados pela Petrobras, nos blocos de Pitu (BM-POT-17) e Anhangá (POT M-762_R15) nos primeiros meses de 2024.

Além da Petrobras (todas as bacias) empresas como Shell (Barreirinhas e Potiguar), TotalEnergies (Barreirinhas) , BP (Barreirinhas), Galp (Barreirinhas e parcerias com Petrobras em outras bacias), Enauta (Pará-Maranhão e Foz do Amazonas), PRIO (Foz do Amazonas), Murphy (Potiguar), 3R Petroleum (Barreirinhas), Chariot (Barreirinhas), Sinopec (Pará-Maranhão), Mitsui E&P (Barreirinhas) e Aquamarine (Barreirinhas) têm blocos exploratórios já concedidos pela ANP.

Com os resultados das acumulações na Guiana e no Suriname, a bacia da Foz do Amazonas apresenta um interesse elevado por parte das operadoras para realização das pesquisas exploratórias. Porém, em função das questões relacionadas ao licenciamento ambiental junto ao IBAMA – inclusive com um licenciamento de um poço exploratório negado para a Petrobras no ano passado – ainda não há pesquisa exploratória iniciada.

No outro extremo, a Bacia Potiguar surge como opção imediata para os operadores que detêm blocos, haja vista que as descobertas de acumulações pela Petrobras, em Pitu Oeste e Anhangá, projetam novas descobertas e, de certa forma, indicam redução dos riscos para os demais concessionários.

Os investimentos projetados para a exploração da Margem Equatorial somam um montante de mais de 1,09 bilhão de dólares para as concessões já licitadas pela ANP no ano de 2024. Isso equivale a aproximadamente 95% dos investimentos previstos nas concessões em operação em desenvolvimento no Pré-Sal, águas profundas e em terra. Essas informações fazem parte dos dados consolidados em 19/04/2024, disponíveis no Painel Dinâmico de Previsão de Investimentos na Fase de Exploração dos contratos de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural da ANP. Destaca-se que, só a Petrobras tem previsto, no seu planejamento 2023-2027, o investimento de 3,2 bilhões de dólares na Margem Equatorial.

Estudo mais recente divulgado pelo Observatório Nacional da Industria da CNI – Confederação Nacional da Industria projeta um incremento de R$ 65 bilhões no PIB nacional com a exploração dessas reservas, R$ 3,87 bilhões à arrecadação indireta e geração de 320 mil novos empregos.

A previsão para o Rio Grande do Norte, que saiu na frente na perfuração exploratória, pode adicionar ao PIB o valor de R$ 10,8 bilhões, correspondendo a um acréscimo de 15,9%, bem como, geração de 54.304 empregos. Esse estudo denota a importância para a economia do Brasil e dos estados que estão inseridos na Margem Equatorial.

É importante entender que, além dos investimentos e da geração de impostos e empregos, ainda teremos um forte investimento na pesquisa e inovação. Também na estruturação de hubs de bens, serviços e materiais na região, com objetivo de atender a todas as operações. Ou seja, são inúmeras as oportunidades de negócios para segmento de E&P, principalmente, no Norte/Nordeste.

Porém nem tudo são flores, haja visto que existem gargalos técnicos e burocráticos que precisam ser vencidos. Um deles é o licenciamento ambiental que hoje, na escala de projeto, é o item com maior criticidade, e que merece uma grande atenção por parte do Governo Federal, já que o licenciamento ambiental antecede o início das operações de pesquisa e impacta todo o cronograma dos projetos.

No mais. podemos dizer que a “Margem Equatorial é um mar de oportunidades” que precisamos, urgentemente, dar vazão aos projetos. Eles serão essenciais à reposição de nossas reservas e, pela pujança dos reservatórios descobertos, poderão colocar o Brasil em um outro patamar dentre os países com reservas e exploração de petróleo.

*É geógrafo, professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), ex-presidente da Redepetro RN, e integra o Conselho da PROGEL.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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“Rei do Engajamento”! Marketeiros destacam estratégias de Allyson para ter popularidade que o Blog aponta como desproporcional ao que entrega a sociedade

Há uma semana o Blog do Barreto demonstrou (leia AQUI) demonstrou como a popularidade do prefeito Allyson Bezerra (União) é desproporcional ao que ele entrega a sociedade. Afinal de contas são problemas que se acumulam e ainda assim ele consegue mais de 80% de aprovação de forma consistente desde o início da gestão.

Parte desse sucesso passa pelas redes sociais e a forma como ele transforma o que faz de bom em algo espetacular.

Isso chamou a atenção de marketeiros especializados em comunicação digital. É o caso de Emerson Saraiva (Eleja-se) que gravou um vídeo em que ao analisar de forma elogiosa a estratégia disse que Allyson é um prefeito travestido de produtor de conteúdo.

“Allyson Bezerra não é prefeito e posso provar. É produtor de conteúdo disfarçado de prefeito de Mossoró”, disse.

Emerson explica no vídeo que Allyson consegue transformar qualquer medida positiva em um conteúdo para as redes sociais e que políticos com esse perfil estão dominando a esfera pública. “Eles colocam a comunicação no centro de tudo e não movem um dedo sem pensar em transformar isso em conteúdo”, frisou.

Confira a análise:

Outro que abordou o assunto foi Lucas Pimenta (Escola dos Políticos) que aponta Allyson como um fenômeno político superior ao do popular prefeito de Recife João Campos (PSB) e Topázio Neto (PSD) de Florianópolis mesmo em uma cidade menor. “Ele não só tem taxa de engajamento maior que Topázio e João Campos como tem volume de interações maior que o prefeito de ‘Floripa’ mesmo em uma cidade com 200 mil habitantes a menos. Mais interações que o prefeito de Recife proporcionalmente mesmo em uma cidade cinco vezes menor”, declarou.

“O segredo de Allyson é ser simples. Ele fala como seu povo fala, se veste como seu povo se veste e aborda os mesmos assuntos que o seu povo aborda”, complementou.

Lucas classifica Allyson como o “Rei do Engajamento” entre os prefeitos.

Confira o vídeo:

Allyson adota uma postura nas redes sociais que nenhum político potiguar conseguiu imprimir.

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Quanto mais Fátima faz pelos policiais mais eles exigem dela

O Governo de Fátima Bezerra (PT) tem uma série de problemas e parte deles foram causados pela oposição que barrou a manutenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 20% em sua alíquota básica, isso em um ano eleitoral e com previsão de pressão das categorias.

Um parêntese: o tempo provou que a decisão não trouxe benefícios aos consumidores e só serviu para aumentar os lucros dos empresários.

A pressão dos sindicatos chegou e os das forças de segurança são os mais duros nas reivindicações mesmo sendo amplamente atendidos nos últimos cinco anos.

Há aí uma clara questão ideológica.

Fátima é uma governadora de esquerda e esse campo político é crítico do comportamento das forças de segurança que devolve a antipatia em forma de ressentimento político.

Com déficit de credibilidade com os servidores da segurança e precisando deles para apresentar resultados Fátima tentou conquistá-los atendendo suas demandas.

Mas nada do que foi feito merece reconhecimento das categorias que continuam detestando a governadora e mantendo pressão sobre ela. Quanto mais ela agrada, mais é cobrada.

Dados

Depois de 15 anos fez concurso para PM e após 13 anos fez o daa Polícia Civil (São nove concursos só na área de segurança) que resultaram na contratação de quase 3 mil novos agentes de segurança efetivos da PM, Polícia Civil, Bombeiros, Polícia Penal e Itep. Ainda existem quase 1.600 novos agentes de segurança ingressando, concluindo formação entre maio e setembro de 2024.

Só na Polícia militar são 1.120 praças 132 oficiais em formação. Os oficiais deverão concluir o curso em maio. Até setembro serão quase 4.600 novos agentes na gestão de Fátima Bezerra.

Além disso são quase 500 viaturas novas compradas

E já existem 75 novas viaturas para entregar em maio à Polícia Militar. Mais dois carros autobomba pra entregar em maio, um helicóptero novo, armamentos e coletes.

Na estrutura e condições de trabalho foram as novas delegacias, reformas em delegacias

Ainda temos em andamento a construção da cidade da Polícia Civil, Batalhão de Mossoró e Quartel de Bombeiros em Pau dos Ferros. Sem contar as reformas nos batalhões.

Na semana passada os policiais tiveram uma conquista histórica com a aprovação do auxilio-fardamento que se junta ao vale que antes dependia da boa vontade das prefeituras. Só esta semana ela fechou acordos com a Polícia Militar e com a Polícia Civil com reajustes salariais para as duas categorias.

Por essas e outras que a falta de reconhecimento das forças de segurança é puramente ideológica.

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Um caso concreto de direito penal do inimigo

Por Rogério Tadeu Romano*

Transcrevo trecho do que informou o portal de notícias CARTACAPITAL, em 15.4.24:

“A decisão do corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, de afastar a juíza Gabriela Hardt e três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) traz à tona, mais uma vez, um fantasma a assombrar o que restou da Lava Jato: uma fundação que seria criada para gerenciar um orçamento bilionário supostamente voltado a ações contra a corrupção.

O afastamento decorre da inspeção conduzida pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba e no TRF-4, responsáveis pelos processos da Lava Jato na primeira e na segunda instâncias, respectivamente.

A investigação identificou indícios de conluio com o objetivo de destinar valores bilionários para serem usados com exclusividade por integrantes da força-tarefa.

No âmbito desses acordos, a Lava Jato repassou à Petrobras 2,1 bilhões de reais, entre 2015 e 2018, período em que a empresa era investigada nos Estados Unidos. Cerca de 2,5 bilhões de reais, por fim, serviriam para criar uma fundação que supostamente empreenderia ações contra a corrupção.”

Ao final, por maioria de votos, o colegiado revogou o afastamento da juíza Gabriela Hardt – ex-substituta do hoje senador Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba – e do juiz Danilo Pereira Júnior. De outro lado, o conselho manteve o afastamento dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Lenz Loraci Flores De Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Destaco o que o portal Migalhas informou em 15.3.2019:

“Conforme Moraes, a execução e fiscalização do cumprimento de obrigações assumidas pela Petrobras no exterior, ainda que visem à mitigação da responsabilidade da empresa por fatos relacionados à operação Lava Jato, não correspondem às atribuições específicas dos membros do MPF em exercício na força-tarefa, ou com a competência jurisdicional do juízo da 13ª vara Federal.

“A atuação do MPF perante o Juízo da 13ª Vara Federal nos inquéritos e nas ações penais da Lava-Jato, a priori, jamais tornaria esse órgão prevento para a “execução” do acordo celebrado nos Estados Unidos, mesmo considerada a relação entre o Non Prosecution Agreeement e os fatos investigados no Brasil. (…)  O Non Prosecution Agreeement teve por objeto os atos ilícitos sujeitos à legislação norte-americana, que, embora relacionados, não se confundem com os ilícitos sujeitos à jurisdição brasileira.”

O ministro destacou ainda que, não bastasse isso, o conteúdo do acordo estabeleceu inúmeras providências não previstas no Non Prosecution Agreement, que apenas previu o creditamento da multa em favor do Brasil, sem nenhum condicionamento relacionado à constituição de uma pessoa jurídica de direito privado ou afetação desse montante a atividades específicas.

“Dessa maneira, em princípio, parece ter ocorrido ilegal desvirtuamento na execução do acordo realizado entre a Petrobras e o Department of Justice (DoJ)/Securities and Exchange Commision (SEC), que, primeira e discricionariamente, definiu os Procuradores da República do MPF do Paraná como as únicas autoridades brasileiras previstas no termo internacional, para, na sequência, em desrespeito ao Princípio do Juiz Natural, definir qual seria o juízo competente para a homologação do segundo acordo – 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba -, e, por fim, estipulou cláusulas subjetivamente escolhidas pelas partes para destinação dos valores da multa e inexistentes no acordo original.”

 Chama a atenção trecho do despacho emanado do ministro Salomão:

“Destarte, constatou-se um conjunto de atos comissivos e omissivos singulares que são efetiva e essencialmente anômalos (quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigile sem nenhuma cautela), sendo que tais ações da reclamada [Hardt], de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, como se vê de trecho da decisão proferida pelo ministro Salomão.

Ao que se sabe a Corregedoria Nacional de Justiça instaurou reclamação disciplinar para apurar a conduta da juíza federal Gabriela Hardt, que atuou na 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual tramitam os processos da Operação Lava Jato. O pedido, ajuizado pelo advogado Antônio Celso Garcia, alega parcialidade da magistrada na condução de ações e violação do princípio da impessoalidade.

A Reclamação Correcional tem base no art.103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e arts. 72 e seguintes do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

O acolhimento desse instituto correcional pressupõe a caracterização, ao menos em tese, de tumulto processual, consistente em erros procedimentais, abusos e atos praticados no processo ao arrepio da lei.

É sob esse aspecto que deve se entender o citado fato.

Destaco ainda o que acentuou o Estadão, em sua edição de 16.4.24, que “no caso de Gabriela, Salomão falou em “atos anômalos” e hipóteses de peculato e prevaricação e apontou “a existência de indícios de cometimento de graves infrações disciplinares”, com a suposta violação do Código de Ética da Magistratura Nacional. A avaliação do ministro se refere à conduta da magistrada na “gestão caótica de valores provenientes de acordos de colaboração e de leniência” na Lava Jato.”

Acresça-se a essa última reportagem que “a suspeita que mais pesa sobre Gabriela, no entendimento de Salomão, é a homologação de acordo cível entre Petrobras e força-tarefa da Lava Jato – a proposta de criação de uma fundação com dinheiro de multa de R$ 2,5 bilhões paga pela petrolífera nos EUA. O acordo foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal.”

A chamada fundação, que, para tanto que seria criada, era uma imoralidade. Esses formidáveis recursos obtidos dessas multas cobradas da Petrobras por aqueles atos contra a administração pública e lavagem de dinheiro, iriam para uma fundação, passando por cima do controle da chefia do Parquet, a tal ponto que, numa corajosa e correta intervenção a então PGR conseguiu matar na origem essa fundação (sinistra) diante de decisão correta do STF, da lavra do ministro Alexandre de Moraes. A vítima não foi a lava-jato, mas sim a União. Era a União Federal quem iria decidir para onde os recursos deveriam ser carreados. Para tanto, era o caso da educação pública no Brasil ser beneficiada com esses recursos oriundos de operações podres.

Foi a chamada “operação lava-jato” um exemplo patético do chamado direito penal do inimigo.

Para Manuel Monteiro Guedes Valente(Direito Penal do inimigo e o terrorismo, Almedina, pág. 101), em conclusão, “não pode a política criminal, que dota o Direito Penal do como e do se da punibilidade por meio das valorações e proposições jurídico-constitucionais, como ciência imbuída em vetores e princípios como o da legalidade constitucional ou do Estado de direito democrático, da culpabilidade, da humanidade e da ressocialização do delinquente, deixar-se embrulhar em uma lógica de punibilidade por exigência de leão americano ferido, mas deve ser uma verdadeira ciência que estuda o fenômeno e fundamenta a sua inserção ou deserção da legislação penal”.

Ora, essa teoria do doutrinador alemão “Günter Jakobs”, denominada como “Direito Penal do Inimigo” vem, há mais de 20 anos, tomando forma e sendo disseminada pelo mundo, conseguindo fazer adeptos e chamando a atenção de muitos.

Como disse Bruno Fiorentino de Matos (Direito Penal do Inimigo), de uma forma sintética, essa Teoria tem como objetivo a prática de um Direito Penal que separaria os delinquentes e criminosos em duas categorias: os primeiros continuariam a ter o status de cidadão e, uma vez que infringissem a lei, teriam ainda o direito ao julgamento dentro do ordenamento jurídico estabelecido e a voltar a ajustar-se à sociedade; os outros, no entanto, seriam chamados de inimigos do Estado e seriam adversários, inimigos do estado cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado.

Os inimigos perdem o direito às garantias legais. Não sendo capazes de adaptar-se às regras da sociedade, devem ser afastados, ficando sob a tutela do Estado, perdendo o status de cidadão.

Jakobs vale-se dos pensamentos de grandes filósofos como Rosseau, Hobbes, Kant e Fichte para sustentar suas teorias, buscando agregar valor e força aos seus argumentos.

Assim, aos cidadãos delinquentes, terão proteção e julgamento legal; aos inimigos, coação para neutralizar suas atitudes e seu potencial ofensivo e prejudicial.

Os três pilares que fundamentam a Teoria de Jakobs, que são: antecipação da punição do inimigo; a desproporcionalidade das penas e relativização ou supressão de certas garantias processuais e a criação de leis severas direcionadas à indivíduos dessa específica engenharia de controle social (terroristas, supostos líderes de facções criminosas, traficantes, homens-bomba, etc.), poderiam funcionar perfeitamente em uma sociedade que tivesse condições e capacidades especiais para distinguir entre os que mereceriam ser chamados de cidadãos e os que deveria ser considerados os inimigos.

Observo o que transcrevo do artigo de Charloth Back (Mensagens secretas da lava-jato: autoritarismo e direito penal do inimigo (político):

….

 “No contexto brasileiro, o Direito Penal do Inimigo tem sido usado na autoproclamada missão do Judiciário e do Ministério Público de “combate à corrupção”. Lula e demais políticos da esquerda estão sendo tratados como verdadeiros inimigos e não como cidadãos acusados em um processo crime; ou seja, os réus aqui não são sujeitos de direito, ou mesmo alvos de proteção jurídica. São, na verdade, objetos de coação, desprovidos de direitos e da proteção jurídica mínima a que todos os seres humanos têm direito, mesmo aqueles investigados por crimes. Cabe lembrar que a utilização do Direito Penal do Inimigo no Brasil não é uma inovação da Operação Lava Jato e de seus articuladores – nas operações policiais nas comunidades mais pobres e nas periferias, a regra é tratar tanto os criminosos como a população em geral de maneira equiparada a “inimigos sociais”, vide o episódio dos 80 tiros contra uma família negra no Rio de Janeiro.

Os métodos jurídicos que têm sido usados na Operação Lava Jato, principalmente quando se refere à investigação penal, são extremamente questionáveis face à nossa Constituição e às garantias mínimas do devido processo legal do Direito Internacional. Obtenção de delação premiada por meio de acosso, grampos em escritório de advocacia, divulgação de áudios obtidos de forma ilícita, como no caso da conversa entre Lula e a então presidenta Dilma Rousseff, e a exibição pública dos acusados, configuram uma série de condutas claramente ilegais.

A franca utilização do Direito Penal do Inimigo ao longo de toda Operação ficou evidenciada nos áudios e nas mensagens trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro, o procurador federal Deltan Dallagnol e membros do MPF, responsáveis pela condução dos processos, e foi identificada principalmente pela persecução seletiva, pela assimetria entre a defesa e a acusação, pela parcialidade do juízo, em todas as instâncias, e pela colaboração estreita com a mídia. Em primeiro lugar, é inegável que há uma persecução seletiva, minuciosamente instruída pelo ex-juiz e combinada nos mínimos detalhes com o MPF, por meio de sugestões sobre encaminhamentos, reprovação sobre a atuação de procuradores, criação de denúncia anônima, entre outras. Todas elas denotam uma conduta incestuosa: o Poder Judiciário, que deveria ser o garantidor de direitos é que viola as principais garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do julgamento imparcial.

Em segundo lugar, existe um completo desequilíbrio entre a defesa e a acusação, a qual sabe de antemão quais serão as decisões do Juízo, recebe orientações processuais sobre supostas provas e evidências e combina estratégias jurídicas e políticas com o ex-magistrado. Essa situação é típica de uma jurisdição inquisitória, que se arroga das funções de investigar, acusar e julgar, e que trata a defesa dos réus como se fosse uma mera formalidade, desprovida de qualquer possibilidade de influência nos rumos do processo, mitigando sua real importância no exercício da justiça e das garantias democráticas.

Em terceiro lugar, o julgamento de Sergio Moro se mostrou totalmente parcial e pendente à condenação dos réus da Lava Jato, independentemente de qualquer prova concreta, por razões mais políticas do que jurídicas. Esse aspecto é corroborado por declarações contrárias aos réus e pela busca de evidências e de informantes por parte do ex-juiz para auxiliar a acusação. Em quarto lugar, com a finalidade de criar uma mobilização popular a favor da Operação Lava Jato e de algum apelo social por conta da dita missão de “combate à corrupção”, houve – e há – uma íntima cooperação com setores da mídia, demonstrada pela articulação na ocasião da possível concessão de entrevista pelo ex-presidente às vésperas das eleições de 2018, o que nos dá a certeza de que este processo passa muito distante de um processo penal jurídico; é um processo penal político, com objetivo explícito de influenciar diretamente as últimas eleições e de garantir o retorno dos grupos conservadores ao poder.

Por trás de um discurso pretensamente democrático e de “defesa dos bens públicos”, está um autoritarismo judicial dissimulado, típico de Estado de Exceção e da aplicação do Direito Penal do Inimigo. No contexto da globalização neoliberal, o Direito, cada vez mais, tem sido usado para consolidar a exclusão e a subalternização de certos grupos sociais, raciais e políticos a favor do privilégio de outros. As normas e instituições jurídicas são empregadas de forma traiçoeira, visando minar os processos políticos emergentes e tendendo à violação sistemática dos direitos, o que constitui a prática do lawfare: a guerra por via jurídica, trazida da jurisprudência do direito militar, na qual se neutraliza o inimigo sem recorrer à guerra, somente por meio da lei e de outros instrumentos jurídicos institucionalizados. O Direito serve como uma arma para atacar grupos adversários, retirar-lhes a possibilidade de defesa e diminuir – vale dizer, “legalmente” – suas possibilidades de reação.”

Foi um novo tenentismo.

Sergio Moro e os procuradores da República daquela operação citada se constituíram a própria União Democrática Brasileira (UDN) de toga. Sabe-se que a UDN foi um partido de direita que agia em consonância aos interesses capitalistas americanos e da elite brasileira.

Assim agiram em função do que chamavam operação Lava Jato.

Uma aproximação excessiva entre juiz e parte contamina a imagem da Justiça, que deve ser imparcial.

Excessos foram cometidos: prisões preventivas alongadas, visando ao desespero dos investigados, via delação premiada (um instrumento de origem Filipina, em 1603), uma forma de tortura moderna; a condução coercitiva feita para desmoralizar e diminuir a força psicológica dos conduzidos à polícia para depor, impondo algo contra si mesmo. Todos esses desvios foram detectados pelo Supremo Tribunal Federal na defesa dos preceitos fundamentais. Somo ainda a isso as anulações, pelo STF, de decisões condenatórias feitas sem que se desse à defesa a palavra, após as alegações finais promovidas pelos réus que assinaram acordos de delação com o Parquet. Isso era uma afronta ao devido processo legal. A fixação da condenação em segunda instância em afronta ao princípio da presunção de inocência foi outro ponto onde se feriu direitos e garantias individuais.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.