Por Rogério Tadeu Romano*
Noticiou-se que o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), desembargador Amílcar Maia, derrubou, na noite do dia 27.12.2024, duas decisões liminares de primeira instância que obrigavam o Governo do Estado.
Falou-se que o Desembargador decidiu que liminares implicavam em “lesão à ordem administrativa”.
O presidente do TJRN acrescentou que a manutenção das liminares tinha potencial de provocar “grave lesão à economia pública”, tendo em vista que é notória a falta de recursos do governo estadual.
A alteração do calendário de pagamentos poderia afetar, escreveu Amílcar Maia, a capacidade da gestão estadual de “financiar os serviços de sua competência e o próprio pagamento da folha de dezembro dos empregados e servidores estaduais, ativos e inativos”.
É mister lembrar sobre o instituto processual civil da suspensão de liminar.
A Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo 4º, determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.
Na visão de Celso Agrícola Barbi, trata-se de providência de caráter cautelar aquela que, na classificação de Calamandrei, diz respeito a medidas que antecipam a decisão do litígio, isto é, que se destinam a provocar uma decisão provisória, enquanto não se obtém a decisão definitiva.
O certo é que, diante da concessão de liminares de cunho satisfativo ou cautelar em ações civis públicas, a pessoa jurídica de direito público tem se valido do remédio para suspendê-la. Essas liminares teriam o caráter de providência executiva lato sensu ou ainda mandamentais, exigindo da Administração o ajuizamento dos remédios autônomos correspondentes ao recurso de agravo de instrumento e a suspensão de liminar.
Contra a liminar concedida a favor do pleito trazido pela pessoa requerente em ação civil pública tem a entidade pública duas saídas: o recurso de agravo de instrumento em face de decisão de caráter interlocutório, e a suspensão de liminar.
Trata-se de providência de cunho cautelar e de natureza metajurídica.
A maioria da doutrina é no sentido de que ao Presidente do Tribunal não cabe a análise da antijuridicidade. Fica patente a aplicação do princípio da supremacia do interesse público no uso de conceitos jurídicos indeterminados em prol da sociedade.
Para Betina Rizzardo Lara , a liminar, tanto na ação civil pública quanto no Código de Defesa do Consumidor, apresenta uma natureza eminentemente cautelar. E prossegue:
“Os pressupostos para a concessão da liminar do art. 12, da mesma forma que do art. 4º, serão sempre, portanto, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Como além de acautelar, a liminar concedida de forma direta, adianta provisoriamente os efeitos da tutela jurisdicional definitiva, havendo então uma coincidência entre o que é deferido com a medida provisória e o que se pretende obter ao final, ela é cautelar-satisfativa.”.
Por sua vez, Hugo Nigro Mazzili fala em exemplos de ação cautelar satisfativa, tal se dá quando o industrial instala o equipamento antipoluente no prazo determinado, tornando desnecessária o ajuizamento de ação principal.
A Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, no seu artigo 8º, § 9º, dispôs, em matéria de mandado de segurança, que, quando se evidenciar, desde logo, a relevância do fundamento do pedido, e decorrendo do ato impugnado lesão grave irreparável ao direito do impetrante, poderá o juiz, a requerimento do mesmo, mandar, preliminarmente sobrestar ou suspender o ato aludido.
A matéria ainda foi disposta em sede de mandado de segurança, na Lei nº 1.533, que tratou da matéria.
Em 1964, foi editada a Lei nº 4.348/64 discorrendo sobre casos em que liminares não poderiam ser concedidas em mandado de segurança e discorrendo sobre a suspensão de liminar, no artigo 4º.
Posteriormente, a Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, em seu artigo 4º, determinou que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Por força do parágrafo primeiro daquele artigo 4º, aplica-se o disposto à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.
O certo é que, diante da concessão de liminares de cunho satisfativo em ações civis públicas, a pessoa jurídica de direito público tem se valido do remédio para suspendê-la. Essas liminares teriam o caráter de providência executiva lato sensu ou ainda mandamentais, exigindo da Administração o ajuizamento dos remédios autônomos correspondentes ao recurso de agravo de instrumento e a suspensão de liminar.
Em posição isolada, Cássio Scarpinella Bueno preconiza que a grave lesão que justifica o pedido de suspensão só tem sentido se a decisão concessiva de liminar ou da sentença for injurídica.
Disse ele:
“É de se destacar, que não qualquer grau de injuridicidade no direito assegurado ao particular pela concessão de liminar ou do próprio mandado de segurança afinal, não podemos entender como inconvivíveis, simultaneamente, o interesse particular e o interesse público. Em última análise, se se pretende suspender, não há como cogitar in concreto da aplicação da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Eis aí a explicitação que entendemos necessária na hipótese.(…) Diante dessas considerações, somente se pode concluir no sentido de que, iluminando a demonstração da grave lesão à economia pública constante do art. 4º da Lei nº 4.348/64, deve o requerente da suspensão da liminar ou da segurança demonstrar também a injuridicidade (ilegitimidade) do ato judicial praticado em benefício do impetrante. Não basta, desta sorte, a demonstração das razões políticas (ou metajurídicas) indicadas naquele dispositivo legal.”.
Apesar disso, a maioria é no sentido de que ao Presidente do Tribunal não cabe a análise da antijuridicidade, como se lê, em Marcelo Abelha. Fica patente a aplicação do princípio da supremacia do interesse público no uso de conceitos jurídicos indeterminados em prol da sociedade.
Tal princípio, a bem do sistema jurídico existente, onde a supremacia é de princípios constitucionais impositivos, como o da dignidade da pessoa humana, não pode persistir.
Bem disse Humberto Bergmann Ávila que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado não pode ser entendido como norma-princípio nem tampouco pode ser entendido como postulado normativo.
Tal princípio afronta a proporcionalidade, pois suprime espaços para ponderações. Agride tal princípio o postulado da concordância prática.
Assim, tal princípio não encontra respaldo normativo pelas seguintes razões:
- a) Por não decorrer de análise sistemática do ordenamento jurídico;
- b) Por não admitir a dissociação do interesse privado, colocando-se em xeque o conflito pressuposto pelo “princípio”;
- c) Por demonstrar-se incompatível com os preceitos normativos erigidos pela ordem constitucional.
Como conviver com tal princípio, se a ordem jurídica constitucional volta-se a proteção de interesses do indivíduo?
Não é o interesse público o fim do sistema jurídico. A pessoa humana, consoante proclamado pelo artigo 1º, III, da Constituição Federal é o fim, sendo o Estado não mais que um instrumento para a garantia e promoção dos direitos fundamentais.
Não se pode conceber uma ordem jurídica democrática que preestabeleça que a supremacia do interesse público sempre vencerá.
Agride-se com tal princípio as seguintes ideias: o meio escolhido deve ser o apto a escolher os fins a que se destina; dentre os meios hábeis a opção deve incidir sobre o menos gravoso em relação aos bens envolvidos e, finalmente, que a escolha deve trazer mais benefícios que a restrição proporcionada.
Por fim, em termos práticos, trago posição do Superior Tribunal de Justiça que, de forma cediça, reconhece incabível Recurso Especial em matéria de suspensão de liminar. É o que se tem abaixo, no voto do Ministro Teori Zavascki, no AgRg no Recurso Especial 821.423 – RJ, Agravante: Indústria de Produtos Alimentícios Piraquê S/A e Agravado Estado do Rio de Janeiro, onde se discutia suspensão liminar em mandado de segurança, que sabe-se, a teor da Súmula 626 do STF, vigorará até o trânsito em julgado da decisão. Ali foi discorrido que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a decisão suspensiva da execução da medida liminar, em mandado de segurança, na forma do artigo 4º da Lei nº 4.348/64 é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base do juízo da legalidade. Isso porque o recurso especial somente é cabível quando há violação direta e imediata às normas legais que disciplinam referida medida de salvaguarda do interesse público, na verdade secundário, o que não ocorre quando se discute a existência dos pressupostos para seu deferimento ou a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal: AgRg no Ag 1.210.652/PI, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 16 de dezembro de 2010; EDcl no REsp 842.050/PE, Relator Ministro Castro Meira, DJe de 27 de novembro de 2008.
A suspensão da segurança não é recurso, pois não está previsto em lei (princípio da taxatividade), e tampouco tem natureza jurídica de sucedâneo recursal (visto que a decisão proferida na suspensão da segurança não reforma, anula nem desconstitui a liminar ou a antecipação de tutela combatida). Trata-se, pois, de mero incidente processual, destinado apenas a retirar a executoriedade da decisão (suspendê-la), mantendo-a, entretanto, incólume.
Ao decidir o pedido de suspensão de segurança, o Juiz não adentra no mérito da demanda, mas se limita a verificar o preenchimento dos seus requisitos no caso concreto. Contudo, na análise do pedido de suspensão, não é vedado ao Presidente do Tribunal fazer um juízo mínimo de delibação das questões jurídicas contidas na ação principal. Por esse motivo, a jurisprudência entende ser inadmissível a interposição de recurso especial e extraordinário contra o acórdão que, em agravo interno (ou regimental) confirme ou reforme a decisão tomada pelo Presidente em suspensão da segurança.
O Superior Tribunal de Justiça entende, inclusive, que a decisão do relator na suspensão da segurança detém feição político/administrativa, razão pela qual não admissível interposição do recurso especial. Nesse sentido, citamos trecho do acórdão proferido nos autos do AgRg na MC 7512/RJ: “A decisão suspensiva da execução de medida liminar, com fundamento no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.437/92, é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base de juízo de legalidade. É, pois, da estrita competência do Tribunal Presidente e Plenário ou Órgão Especial a que o juiz que a proferiu está vinculado”.
*É procurador da República com atuação no RN aposentado.
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