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O fim da jornada 6×1 será mais um passo rumo a uma economia sustentável

Por Pedro Lúcio Góis*

Durante a semana, atingindo seu ápice nas manifestações populares realizadas em 15 de novembro, foi intensamente massificada e debatida a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que prevê, entre outras medidas, o fim da escala 6×1, proposta pela deputada Erika Hilton.

No Brasil, a CLT prevê uma jornada semanal de 44 horas de trabalho, o que representa que, algumas categorias, especialmente envolvidos em trabalhos em estabelecimentos cujo horário de operação excede as 8 horas diárias, como supermercados, comércio, shopping center, vigilância e outros, sejam expostos a uma jornada de 6 por 1 (6×1), ou seja, para cada 6 dias trabalhados, há um dia de folga.

Essa jornada de 6×1 é absolutamente extenuante e vários países no mundo já alteraram esse modelo, especialmente na Europa. Qualquer pesquisa simples sobre os impactos desse tipo de redução de jornada de trabalho é capaz de encontrar centenas de estudos que concluem que essa medida aumenta a produtividade do trabalho, melhora a qualidade de vida, saúde e dignidade dos trabalhadores, contribui para a redução das desigualdades e ainda para a construção de uma economia sustentável, representando menor impacto negativo para o meio ambiente.

A PEC atingiu a quantidade de assinaturas necessária para iniciar sua tramitação. Agora ela será analisada e debatida nas comissões pertinentes até que possa ser levada para votação em dois turnos em ambas as casas, aprovada por maioria qualificada e promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Inicialmente a maior parte das assinaturas veio de partidos de esquerda, mas essa é uma pauta que precisa transcender o campo político ideológico da esquerda para que seja aprovada. Por isso, é fundamental a pressão popular sobre seus deputados, senadores e sobre o governo, seja de que partido forem, para que esse projeto avance. Por fim, seria uma imensa sinalização ao mundo, às vésperas da COP30, a ser sediada no Brasil em 2025, a seriedade com que o país trata as questões referentes à construção de um futuro mais justo e sustentável.

Todos, pelo fim da jornada 6×1!

*É dirigente do Sindipetro/RN, da FUP e da CTB, bacharel em Direito pela UFERSA, especialista em Direitos Humanos pela UERN e empregado da Petrobrás.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Uma tentativa de golpe de estado

Por Rogério Tadeu Romano*

Trago o relato do Estadão, em reportagem, no dia 20.11.24:

“A Polícia Federal prendeu ontem um general da reserva, ex-integrante do governo Jair Bolsonaro (PL), outros três oficiais militares e um policial federal suspeitos de participação em uma trama para o assassinato do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e do vice, Geraldo Alckmin, além do sequestro e execução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A Operação Contragolpe é um desdobramento do inquérito que investiga uma “organização criminosa” suspeita de atuar em tentativa de golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito após o resultado da eleição presidencial de 2022 – quando Lula venceu o ex-presidente no segundo turno da disputa por uma margem pequena de votos.

A nova investida dos agentes federais amplia as suspeitas sobre Bolsonaro e seu entorno, descrevendo atuações do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, e, principalmente, do general reformado Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência – um dos presos ontem, apontado como o autor do arquivo que detalhava a possibilidade de envenenar Lula, matar Alckmin e explodir Moraes. No relatório encaminhado ao Supremo, a PF conclui que Bolsonaro, em dezembro de 2022, “estava naquele momento empenhado para consumação do golpe de Estado, tentando obter o apoio das Forças Armadas”.

Materiais apreendidos na Operação Tempus Veritatis, aberta em fevereiro, orientaram a operação policial que prendeu Fernandes e três “kids pretos”: o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rafael Martins de Oliveira e o major de Infantaria Rodrigo Bezerra de Azevedo, que servia no Comando de Operações Especiais. Foi preso também o policial federal Wladimir Matos Soares, que atuou na segurança de Lula.

Lucas Garellus, capitão do Exército que serviu no 1.º Batalhão de Forças Especiais em 2017, foi alvo de buscas pela suspeita de ter auxiliado em ação de monitoramento de Moraes.

Kids pretos é como são chamados os militares de alta performance em ações de grande impacto. A investigação atribui a Braga Netto – que foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição – envolvimento direto com a ação de kids pretos mobilizados para a “Operação Punhal Verde e Amarelo”, plano apreendido com Fernandes e que detalhava a estratégia para os assassinatos.”

Pois bem.

O que ali se presencia é a execução da tentativa de um golpe de Estado ou seriam “apenas” atos preparatórios desse crime? como indagou Nicolau da Rocha Cavalcanti (Bolsonaro cometeu crime de tentar um golpe?, in Estadão, em 14.2.24).

Nicolau da Rocha Cavalcanti, que a tipificação do “tentar depor” foi precisamente o modo encontrado pelo legislador de assegurar que o Estado tenha meios de defender a democracia antes do golpe.

Ali disse Nicolau da Rocha Cavalcanti, naquela manifestação:

“Afirmar que todas as ações prévias ao golpe de Estado propriamente dito (a deposição do governo) seriam meros atos preparatórios é minar a eficácia protetiva do art. 359M, além de representar um olhar simplista sobre o que é um golpe – sempre um processo complexo de ações, e não um único ato numa hora determinada. Tem-se aqui mais um motivo para a não divulgação seletiva de elementos probatórios: é preciso compreender o todo.

O legislador foi prudente. Para não instituir um tipo penal muito amplo, violando o princípio da legalidade, determinou que, para haver crime, a tentativa de deposição deve se dar “por meio de violência ou grave ameaça”. Entendo que um presidente da República, reunido com seus ministros de Estado, atuando para que o resultado da eleição não fosse respeitado constitui, sim, uma grave ameaça. Isso é muito diferente do que alguém escrever, num grupo de WhatsApp, “não podemos deixar o Lula assumir”.

O Código Penal prevê não apenas os crimes e as respectivas penas. Na sua Parte Geral, estabelece como esses crimes devem ser aplicados – e essa aplicação normativa é o que distingue, entre outras coisas, a sentença judicial da mera opinião. Por hipótese, em muitos casos do 8 de Janeiro talvez não haja o preenchimento da tipicidade subjetiva, em especial acerca da compreensão de “governo legitimamente constituído”. Como se sabe, “o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo” (art. 20 do Código Penal). De toda forma, a situação é outra, por exemplo, quando se refere a alguém que, para assumir o cargo, jurou cumprir a Constituição e, mais tarde, sancionou a própria Lei n.º 14.197/2021.”

A tipificação do ‘tentar depor’ foi o modo de assegurar que o Estado tenha meios de defender a democracia antes do golpe.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

O delito de tentativa golpe de Estado está localizado no Capítulo II da nova lei, chamado de “dos Crimes contra as Instituições Democráticas”. E o bem jurídico penal é o próprio Estado Democrático de Direito, o qual consta no preâmbulo da CF e nos artigos 1, caput, sendo o modelo, a forma institucional do Brasil.

Ademais, as normas constitucionais definem o sistema republicano, democrático e representativo no qual o voto é o meio pelo qual se ascende ao cargo político-eleitoral, não se admitindo a tomada violenta do poder.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, caracterizando o crime comum. O sujeito passivo é a sociedade e o Estado.

Quanto à tipicidade objetiva, trata-se de delito de forma livre de mera conduta. Incrimina-se a conduta de tentar depor governo legitimamente constituído, o que significa governo eleito democraticamente, conforme as regras constitucionais, e devidamente diplomado.

O delito somente ocorre se a tentativa de deposição utilizar violência ou grave ameaça, não se podendo confundir este delito com a renúncia ou impeachment daquele que foi eleito ou mesmo com cassação parcial ou total da chapa.

Nota-se que a violência deve ser empregada na tentativa de deposição para que o delito se caracterize.

A grave ameaça deve ser à pessoa (havendo interpretação de que pode ser contra as instituições), o que pode ocorrer por palavra, por escrito, gestos ou outro meio simbólico de causar mal grave e injusto.

O governo constituído que pode sofrer o golpe de Estado é municipal, estadual, distrital ou federal.

Consoante tipicidade subjetiva, incrimina-se a prática dolosa de usar violência ou grave ameaça para tentar depor um governo legitimamente constituído.

Este crime não admite forma tentada e se consuma com a tentativa de depor o governo legítimo mesmo que o governo se mantenha.

A pena, 4 a 12 anos e mais as penas das violências cometidas, como lesões corporais e outras práticas contra a pessoa, comporta regime fechado a depender o caso concreto. Admite-se prisão preventiva se houver requisitos e fundamentos do artigo 312 ( CPP) já que a hipótese no artigo 313, inciso I do CPP está presente. Não é cabível prisão temporária.

Não se admite a incidência de instrumentos de barganha como transação penal, suspensão condicional do processo ou acordo de não percepção penal. E a ação penal pública incondicionada, tramitando pelo rito ordinário.

Cometeu-se um crime contra a ordem democrática.

Lembre-se o artigo 359 – L do CP:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Sobre o tema disse Fernando Augusto Fernandes (O terrorismo por omissão e o artigo 359 – L do Código Penal, in Consultor Jurídico, em 29.12.2002):

“O crime mais adequado, contudo, é o do artigo 359-L, incluído no Código Penal pela Lei nº 14.197/21, que descreve a conduta de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, com pena é de 4 a 8 anos,”além da pena correspondente à violência”. Apesar do artigo sobre violência política (artigo 359-P, do CP) ter também deixado de fora o fim político da conduta delituosa e optado por” razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, o crime de abolição violenta do Estado de Direito já traz a tentativa no próprio crime, sem limitação da atuação que naturalmente é política.

Trata-se de crime formal, que exige o dolo como elemento do tipo. A ação pode vir por violência ou ameaça, que há de ser séria, objetivando, inclusive, restringir o exercício de um dos poderes da República, para o caso o Judiciário.

A ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura esse crime.

O crime é de perigo presumido.

Fatalmente, tendo a Lei de Defesa do Estado Democrático substituído a Lei de Segurança Nacional, não pode ser esquecido que delitos perpetrados com motivação política são, portanto, crimes políticos.

O caso é gravíssimo.

Havia uma organização criminosa instalada com o propósito de dar um golpe de Estado.

A Lei 12.850 prevê tipo penal, no artigo 2º, um crime com relação a quem promova, constitua, financie ou integre pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, incorrendo, nas mesmas penas, quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva a organização criminosa.

A pena in abstrato previsto é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.

Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso.

Penso que é crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.

É crime contra a paz pública, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa.

Não haverá bis in idem com relação a qualificação dos crimes de roubo com emprego de arma e de organização criminosa com a majorante prevista no artigo 2º, § 2º, da Lei 12.850.

Uma vez que não ocorre o bis in idem, sendo o agente punido pelo crime de organização criminosa, há que se qualificar o crime praticado por seus integrantes em concurso de agentes, como se vê do roubo (artigo 157, II, CP).

Exige-se o dolo específico, envolvendo o acordo de vontade, um verdadeiro vínculo associativo.

Penso que a associação criminosa deve envolver a prática de crimes dolosos, não culposos, ou contravenções com pena máxima superior a 4 (quatro) anos.

Assim como na quadrilha ou bando estamos diante de um crime permanente, onde os agentes são levados a delinquir indefinidamente, dentro de uma estruturação ordenada, com necessária divisão de tarefas, ainda que informalmente, mesmo que na prática de crime continuado ou ainda de habitualidade, como se vê no tráfico de mulheres, dentro de uma contínua vinculação entre os que participam da organização.

É um crime coletivo, plurissubjetivo ou de concurso necessário de condutas paralelas, computando-se as pessoas ainda que inimputáveis, cuja presença irá acarretar, a teor do artigo 2º, § 4º, a majorante de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) se há participação de criança ou adolescente.

Dir-se-ia que se trata de crime envolvendo militares.

Ora, os chamados crimes militares não são crimes políticos.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, 4ª edição, 1958, volume I, pág. 187) que os crimes políticos são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado, como unidade orgânica das instituições político e sociais.

Na lição de Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo II, 3ª edição, 1967, pág. 225) há os critérios objetivistas e subjetivistas.

O critério subjetivista toma em consideração o motivo. É o caráter político do móvel que atribui natureza política ao ato.

Para os objetivistas, será político todo crime que ofende ou ameaça direta ou indiretamente a ordem política vigente em um país.

Para o caso, leve-se em conta que os acontecimentos reportados no dia 8 de janeiro de 2023 não envolvem crimes militares. São crimes políticos.

Ainda na matéria, Aníbal Bruno trouxe à colação o artigo 8º do Código Penal Italiano: “É delito político todo delito que ofende um interesse político do Estado, ou um direito político do cidadão. Considera-se também delito político o delito comum determinado no todo ou em parte, por motivos políticos”.

Disse então Aníbal Bruno naquela obra:

“Tomado assim o conceito, tem-se procurado estabelecer entre os crimes políticos: crimes políticos próprios, os que ofendem a organização política do Estado; crimes políticos impróprios, os que acometem um direito político do cidadão. E, ainda, crimes políticos puros, os que têm exclusivamente caráter político e crimes políticos relativos, compreendo os complexos ou mistos, que ofendem ao mesmo tempo um direito político e um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal comum, e os crimes políticos conexos a crimes políticos.”

Diverso, é o crime taxado como crime social, em que o criminoso se rebela contra a organização econômico-social do mundo.

Como bem acentuou o site de notícias jurídicas Consultor Jurídico, em 27 de fevereiro de 2023, a Justiça Militar não julga crimes cometidos por militares, mas crimes militares. Assim, é de competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro, independentemente de serem civis ou integrantes das Forças Armadas.

Com base nesse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a Polícia Federal a abrir uma investigação” para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e Polícias Militares relacionados aos atentados contra a Democracia que culminaram com os atos criminosos e terroristas do dia 8 de janeiro de 2023″.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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General Girão está no lucro em escalada golpista

A lista com os indiciados por golpe de estado divulgada na última quinta-feira não constou o nome do deputado federal General Girão (PL).

Ele está no lucro, por enquanto, diga-se. E olhe que Girão se esforçou muito para constar no rol de golpistas indiciados por tentativa de golpe de estado.

No dia 6 de dezembro de 2022, em pleno curso da trama golpista, o deputado defendeu a formação de milícias armadas bolsonaristas formadas por CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores). “Temos convicção de que aqueles homens e mulheres que são atiradores cadastrados como CAC’s podem, sim, fazer parte de um efetivo mobilizável para as Forças Armadas. Afinal de contas, já são hábeis no manuseio da arma como instrumento de defesa”, afirmou no Twitter.

O tenente coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, delator do golpe bolsonarista, contou que havia um movimento de CACs para formar uma milícia armada e ajudar no golpe.

No dia 11 daquele mês de dezembro, o terrorista George Washington, condenado por colocar uma bomba em um caminhão-tanque no Aeroporto de Brasília, cobrou de Girão a formação de milícias formadas por CACs.

“General Girão, vão esperar até quando para acionar os CACs? Têm CACs prontos. Acione, general! Coloque-os em treinamento militar intensivo. Temos muitos fuzis a disposição, não nos deixe sair como bandidos”, escreveu para o deputado.

Na semana do Natal de 2022, quando a possibilidade de golpe ainda existia, Girão discursou para os golpistas na porta do 16º Batalhão de Infantaria Motorizado (16 RI), na capital potiguar, prometendo um “Papai Noel Camuflado”. “Eu quero dizer para vocês que essa semana é a semana que tá começando as festividades de Natal. Sim ou não? Então, todo mundo aqui eu espero que tenha sido bom filho, bom pai, bom irmão, boa esposa e aí botem o sapatinho na janela que Papai Noel vai chegar essa semana. Acreditem em Papai Noel. Pode até ser camuflado também”, declarou na ocasião.

Por fim, no 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas promoveram um motim golpista atacando as sedes dos três poderes ele postou vídeo incitando a sanha dos que queriam abolir o estado democrático de direito.

“Estão transformando a proximidade da Praça dos Três Poderes/Brasília numa FORTALEZA MEDIEVAL. E tudo porque precisam afastar o POVO, o verdadeiro SOBERANO DO BRASIL. Lembrando que estamos terminando apenas a primeira semana GovLula e 70 dias de acampamentos patrióticos. Entenderam?”, provocou.

Girão está no lucro, talvez por sua irrelevância política no plano nacional.

 

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Foro de Moscow 11 nov 2024 – O debate sobre a jornada de trabalho 6×1

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O peso ideológico da vitória de Donald Trump

Por Wilson Pedroso*

Donald Trump venceu as eleições presidenciais dos Estados Unidos e voltará a comandar a Casa Branca. A vitória do republicano deverá ter impactos importantes para a economia e a diplomacia mundiais, mas, antes de qualquer outra análise, devemos admitir que ela tem um peso ideológico que não pode ser ignorado. Os americanos mostraram-se mais alinhados à direita, em um movimento que já é observado em outras nações na história mais recente.

No caso da eleição de Donald Trump, chama a atenção o fato de que ele tenha vencido a disputa contra Kamala Harris em duas frentes distintas, tendo conquistado a preferência dos delegados dos colégios eleitorais e também dos eleitores americanos. Segundo noticiou a imprensa, a vitória dupla não acontecia desde a vitória de George W. Bush, há 20 anos.

Esse resultado deixa claro que os americanos apoiam as ideias radicais de direita de Trump. Cenários semelhantes foram observados, por exemplo, na Argentina, com a eleição de Javier Milei, e no Brasil, quando Jair Bolsonaro chegou à presidência.

Donald Trump conquistou os americanos com um discurso protecionista, focado no crescimento econômico do país e no fortalecimento da segurança nacional, com endurecimento das regras de imigração e maior vigilância das fronteiras. Mas ninguém vence eleição apenas com discurso. Ele fez uma campanha agressiva e estratégias complexas em várias frentes.

Entre as principais táticas adotadas por Trump, está o uso de tecnologia de ponta, como as ferramentas de Inteligência Artificial, para aprofundar a comunicação com os eleitores. Ele também apostou na reestruturação do Partido Republicano, garantindo ampliação da base e apoio às suas propostas. E, por fim, fez ataques sistêmicos a Kamala Harris, com divulgação de informações que contribuíram fortemente para desconstrução de sua imagem junto à opinião pública.

Sim, a campanha de Trump foi bem arquitetada e, independentemente de ideologia política ou preferência partidária, merece ser estudada com atenção pela classe política. No Brasil, a vitória do republicano já vem mobilizando esquerda e direita. E todos concordam em uma coisa: as eleições americanas poderão ter reflexos negativos para a economia brasileira.

Ainda é cedo para uma avaliação mais aprofundada sobre o que exatamente está por vir. Mas certamente o governo brasileiro terá desafios pela frente.

*É analista político e consultor eleitoral com MBA nas áreas de Gestão e Marketing.

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1996-2024: PT no 2º turno em Natal e uma breve análise do cenário político no RN

Por Saul Oliveira*

Em 1996, O Partido dos Trabalhadores chegou ao Segundo Turno de Natal. Naquele ano, a então Deputada Estadual Fátima Bezerra, em seu primeiro mandato, frustou os sonhos da elite natalense e desbancou o candidato dos Alves e do então Governador Garibaldi, João Faustino (PSDB). E disputou com Vilma de Faria (PSB), candidata dos Maias, do Senador Jose Agripino Maia, sendo derrotada no 2º Turno, por 51,68% a 48,32%. Neste ano, a deputada federal Nátalia  Bonavides (PT) desbancou um Alves, Carlo Eduardo (PSD), considerado favorito ao pleito e avançou para a 2º disputa com o Deputado Federal Paulinho Federal Paulinho Freire (União Brasil), candidato do Prefeito Álvaro Dias (Republicanos), dos Senadores Rogerio Marinho (PL) e Stervenson Valentim (Podemos) e de outras figuras políticas,  indo da extrema direita a direita do RN. Sendo Freire,  eleito Prefeito de Natal, por 55,34% a 44,66%.

Em 2018, a eleitora de Jucurutu, Aparecida Brito, me falou Natália será a sucessora de Fatima Bezerra na política. Considero a sabedoria popular de uma riqueza imensa e muitas vezes ela desbanca leituras de analistas políticos. Neste caso, lembro de análises que subestimaram Natália e falaram que ela que seria menos competitiva até para chegar ao 2º turno no pleito de nossa capital.

Maior figura política que o Rio Grande do Norte viu surgir nos últimos anos, disse o presidente Lula em seu discurso, na Zona Norte de Natal em comício referindo-se a então candidata a Prefeita Natália.

A Deputada e a Governadora possuem semelhanças em suas histórias de trajetórias políticas. Já foram as mais votadas para Câmara dos Deputados e já disputaram um 2º turno em Natal. O presente, o passado e o futuro da esquerda e do campo progressista nas figuras dessas duas lideranças políticas.

Concluindo com uma breve análise do tabuleiro político do RN. Com os resultados das urnas quem vive na política sabe que 2026 é logo ali. No campo da Direita já ouvi de uma de Jornalista “Não terá majoritaria para todo Mundo”. Pois já aprece nomes como o atual Prefeito Alvaro Dias, os Senadores Rogerio Marinho e Stervenson Valetim, o Prefeito de Mossoró Allyson Bezerra (União Brasil).

No campo progressista, Natália saiu com grande capital político e cacifada para qualquer disputa majoritária em nível do estado. A análise não só de hoje, com os resultados de 2022, me chamou a atenção de um eleitor do interior do estado num grupo criado de forma espontânea para campanha de Lula. “Está na hora de Natalia disputar cargos maiores”.

Volto a análise do resultado do 2º Turno em Natal e perspectivas para a próxima nova Gestão da Capital para de fato concluir. Sendo também Assistente Social gosto mesmo é de análises do povo quem possui a faculdade da Vida. Assistindo no Jornal Nacional a fala do Prefeito Eleito de Natal, me falou uma idosa: “Este que ganhou tem tudo para governar para os ricos, pois só falou em investir no turismo, quem faz turismo não é pobre”. A campanha foi pautada por sorteio de vagas em creches, cobertura da saúde no município, transporte público, problemas que afetam a maioria da população natalense.

*É assistente social.

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Governo Federal aposta em câmeras corporais para reduzir violência policial, mas Rio Grande do Norte não adere à iniciativa

Por Olavo Hamilton*

Já é clichê: o Brasil tem a polícia que mais mata e a que mais morre no mundo inteiro. Segundo dados de 2022 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apenas em 2021, cerca de 6.145 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou fora dele. Esse número reforça o impacto da letalidade policial, enquanto as baixas dentro das forças de segurança também seguem em ritmo preocupante, com aproximadamente 183 policiais assassinados no mesmo período. Essa espiral de violência, associada a fatores como a falta de preparo e os embates em contextos de grande desigualdade social, coloca o Brasil em uma posição de extremo contraste com outras nações em relação à segurança pública.

Com a intenção de mudar esse estado de coisas, o governo federal lançou em 2024 um programa destinado a equipar as forças de segurança estaduais com câmeras corporais. Estudos internacionais apontam que o uso dessas câmeras auxilia na redução da letalidade policial e no número de vítimas, sejam elas civis ou agentes. Experiências realizadas em São Paulo, por exemplo, mostram uma queda de até 50% nas mortes em confrontos após a implementação das câmeras em fardas de policiais militares. O uso do equipamento permite documentar operações e abordagens, o que não só aumenta a transparência das ações como desestimula comportamentos inadequados de ambas as partes, promovendo um ambiente mais seguro e controlado.

No novo programa, anunciado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em outubro de 2024, foram destinados R$100 milhões para a compra de aproximadamente 35 mil câmeras corporais que beneficiarão as forças policiais em 16 estados. As unidades da federação que aderiram ao programa incluem Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Paraíba, Piauí, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. Cada um desses estados deverá cumprir normas especificadas pelo governo federal, conforme disposto na Portaria nº 648/2024, para garantir que as câmeras sejam utilizadas de forma contínua e estratégica em abordagens, atendimentos a ocorrências e operações. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) já iniciou testes com os equipamentos, enquanto a Polícia Federal (PF) também considera sua implementação.

O Rio Grande do Norte, entretanto, não aderiu ao programa federal. Embora o estado tenha iniciado um projeto piloto próprio com câmeras em 2023, a falta de integração ao programa nacional pode gerar desvantagens. A ausência de um financiamento mais robusto e a falta de continuidade na instalação dos dispositivos limitam o impacto positivo que as câmeras podem trazer na redução da violência policial e no aumento da segurança para os próprios agentes públicos. A decisão do Rio Grande do Norte de não participar desse novo investimento pode representar um retrocesso na proteção tanto dos policiais quanto (e sobretudo) da população, perpetuando um ambiente de tensão e insegurança.

A instalação de câmeras corporais é um passo em direção a uma segurança pública mais transparente e eficiente, mas a adesão de todos os estados é essencial para garantir que os índices de violência – que tanto vitimizam a sociedade quanto os próprios policiais – possam, de fato, ser reduzidos em todo o território nacional. Muitas vidas potiguares serão perdidas por conta dessa omissão.

*É Advogado, Conselheiro Federal da OAB, Doutor em Direito pela UnB, Professor da Uern.

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Do interior à capital: o PT cresce e projeta novas lideranças populares no RN

Deputada Estadual Isolda Dantas*

Chegado o fim das eleições municipais de 2024, surgem análises de conjuntura e prospecções eleitorais de todo gosto, especialmente da elite política tentando emplacar a narrativa de derrota do PT e da esquerda. Enquanto deputada estadual líder da bancada do PT na ALRN, militante petista desde os 16 anos, cientista social de formação e professora, escuto anúncios precipitados desta natureza a cada pleito eleitoral. Trago, então, algumas considerações sobre as eleições municipais no Rio Grande do Norte para refletirmos juntos: da capital ao interior, o PT se fortalece, apresenta novas lideranças populares e consolida-se como a principal força política a representar a esperança e as lutas do povo potiguar.

Há de se lembrar de que em 2016 sofremos um golpe antidemocrático que destituiu a presidenta eleita Dilma Rousseff sob o efeito de um antipetismo tão odioso que quase inviabilizou a campanha e o diálogo petista naquele ano. De lá pra cá, vimos a prisão injusta do presidente Lula, uma dura perseguição de nossas lideranças, a eleição e governo da extrema direita, antes de testemunharmos a prova da inocência de Lula e sua eleição em 2022. No RN, vimos a eleição e reeleição da governadora Fátima ainda em primeiro turno, mesmo em condições muito adversas.

É ainda em um contexto de retomada do debate democrático, sob forte influência de uma ofensiva conservadora e aparelhamento da máquina pública que o PT fez 252 prefeituras em todo o país, quase 70 a mais do que em 2020. No RN, o resultado também indica um avanço significativo do partido.

Em Natal, Natália fez a maior votação da esquerda na capital potiguar em toda história, mas não para por aí! O PT de Natal teve uma votação expressiva para câmara municipal, igualando a maior bancada da história do partido. O professor Daniel Valença e a jovem Brisa Bracchi renovaram seus mandatos superando a maior votação anteriormente registrada por uma petista na capital. O time petista foi ainda ampliado com mais uma mulher, Samanda Alves, também com votação expressiva.

Em Mossoró, segunda maior município do estado, o PT também ampliou reelegendo a vereadora professora Marleide Cunha e elegendo uma jovem negra da periferia Pluvia Oliveira. As petistas eleitas serão as únicas mulheres na Câmara de Mossoró. Em Caicó, a sindicalista rural Ana Aline retomou a cadeira do PT na câmara, haja vista que na última legislatura o partido não teve representantes no parlamento municipal. Ao todo foram 62 vereadores eleitos neste pleito, 15 a mais que em 2020.

O PT do RN saiu de 3 (2020) para 7 prefeitos e treze vice-prefeitos, compondo 20 gestões municipais, número que representa um recorde estadual. Em Currais Novos, para ficar em um dos exemplos, com o legado do prefeito Odon Jr., o PT conquistou seu terceiro mandato consecutivo com a eleição de Lucas Galvão. Em cenário semelhante, Jandaíra elegeu a terceira gestão petista, com Reginaldo Vitorino, após as duas gestões de Marina Marinho, a prefeita com melhor avaliação do RN. Além dos retratos vindos do Seridó e do Mato Grande, em José da Penha o partido elegeu Jairo Mafaldo; em Sítio Novo, Andrezza Brasil; Elvécio Gurgel em Janduís; Genilson Maia em São Fernando e Dr. Raniery em Santa Maria.

Assim, o resultado das urnas de 2024 mostram vitórias do PT que não podem ser diminuídas. Evidente que todo processo inspira reflexão, mas aqueles que se precipitam em anunciar derrotas e fracassos do PT, na verdade tentam esconder e abafar seus medos de nossa maior fortaleza: a projeção e surgimento de novas lideranças petistas em profusão e o encantamento sem precedentes dos trabalhadores potiguares por nosso projeto coletivo.

Como bem disse Natália Bonavides em seu discurso no último domingo “Tudo isso só foi possível porque foi um projeto, um sonho coletivo” e como diz a canção, “os sonhos não envelhecem” e completo: não morrem, renascem e se fortalecem a cada vez que juntamos tanta gente sonhando. Foi o que ocorreu nessas eleições. Convido aqueles e aquelas que sonharam conosco em 2024 a seguir conosco: sonhando e lutando, alimentando a esperança e organizando a luta com trabalhadores e trabalhadoras rumo a um outro mundo possível, mais justo, livre e igual. 2026 é logo ali: nossa estrela se revigora e há de brilhar ainda mais.

*É presidente do PT de Mossoró e deputada estadual.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Um caso de responsabilidade civil de um município

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo texto de editorial da Folha, publicado em 1.11.24:

“De 48 pacientes submetidos à cirurgia de catarata, no final de setembro deste ano, por meio de mutirão numa maternidade em Parelhas (RN), ao menos 15 apresentaram quadro infeccioso e 8 tiveram de remover o globo ocular.

Trata-se de fenômeno trágico silencioso, como mostra levantamento da Folha. Nos últimos 15 anos, ao menos 276 pessoas no país perderam a visão, parcial ou totalmente (incluindo retiradas do globo ocular), em mutirões.”

É caso típico de apuração de responsabilidade civil daquela administração municipal.

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, até há pouco tempo atrás, aplicava de forma irrestrita a responsabilidade objetiva, mesmo em decorrência de atos omissivos estatais (como se vê do exemplo do RE 109.615-2-RJ e RE 170.014-9/SP). Por sua vez, a Segunda Turma se inclinava pela responsabilidade subjetiva nesses casos, como se lê do RE 179.147-1/SP e Ag no RE 602.223.

Necessário trazer alguns entendimentos com relação a responsabilidade civil do Estado.

Pedro Lessa sintetiza os três sistemas de responsabilidade em direito público: teoria do risco integral, ou por causa do serviço público; teoria da culpa administrativa; teoria do acidente administrativo ou da irregularidade do funcionamento do serviço público.

Disse ele que, desde que um particular sofre um prejuízo em consequência do funcionamento (irregular ou regular, pouco importa) de um serviço público organizado no interesse de todos, a indenização é devida como corolário do princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; segundo a teoria da culpa administrativa, só há direito à indenização, quando se prova imprudência, negligência ou culpa de qualquer espécie dos órgãos e propostos da União; a terceira teoria tenta a conciliação das anteriores: assim pressupõe o princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais, mas não vai a ponto de mandar que se indenizem todos os prejuízos resultantes do funcionamento, regular ou irregular, dos serviços públicos; sente-se neste terceira teoria um vestígio do conceito de culpa, mas a culpa, aqui, é impessoal, objetiva do serviço público como expôs no conhecido Do Poder Judiciário, pág. 165.

Na teoria do risco integral, o prejuízo sofrido pelo particular é consequência do funcionamento, seja regular ou irregular, do serviço público.

Mas visando atenuar a amplitude da responsabilidade objetiva constitucional, Hely Lopes Meirelles acena com uma discriminação do conceito de risco, mas que recebe a oposição de autores como Alcino Falcão (Responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas de direito público, RDP 11:45). Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro, São Paulo, 1978) , a teoria do risco integral faz surgir a obrigação de indenizar os danos, do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes; basta a lesão, sem o concurso do lesado; baseia-se esta teoria no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar danos a certos membros da comunidade impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Entendia Hely Lopes Meirelles que a teoria do risco administrativo não se confunde com a teoria do risco integral: “Nesta a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resulte de culpa ou dolo da vítima”; no risco administrativo embora se dispense a prova da culpa da Administração, permite-se que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização.

Mostra, logo após, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima, para excluir e atenuar a indenização, o que não aconteceria no caso de risco integral, modalidade extremada do risco administrativo, e segundo o qual a Administração fica obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Ora, como observam Mário Marzagão e Otávio de Bastos (Responsabilidade pública, 1956), essa teoria jamais foi acolhida em toda a sua intensidade.

A teoria do risco administrativo foi adotada pela doutrina, sendo reconhecida como a que mais se mostra adequada à compreensão da responsabilidade civil do Estado, acrescentando-se que, na legislação brasileira, a Administração Pública pode ser responsabilizada na forma do risco integral apenas quando praticar dano ambiental, na forma do artigo 14 da Lei 6.938/81, e artigo 225, § 3º, da Constituição Federal, ou dano nuclear, nos termos do artigo 21, XIII, alínea “ d”, da Constituição Federal.

Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estava em consonância com a doutrina majoritária, entendendo que a teoria adotada por nosso ordenamento jurídico, como regra, foi a do risco administrativo, a qual, conforme já dito, admite que o Estado demonstre, em sua defesa, a presença de causa excludente da responsabilidade ( AgR no AI 577.908/GO, AgR no Ai 636.814/DF).

Diante da gravidade do mal que atualmente assola o mundo, poderão, portanto, ser tomadas medidas diversas sempre no sentido de responsabilizar os órgãos públicos que, por ação ou omissão, contribuam para a proliferação de tamanho mal à saúde pública.

Caio Tácito (RDA 55/262) entende cabível a responsabilidade objetiva nos casos de dano anormal, decorrente de atividade lícita do Poder Público, mas lesiva ao particular.

Em posição oposta estão Aguiar Dias (RDA 15/65), Mário Mazagão (Curso de direito administrativo, 6ª edição, RT, 1977, pág. 203) e ainda Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 32ª edição, São Paulo, pág. 2006), todos considerando que desde o texto de 1988, a responsabilidade objetiva é a regra.

Mas não se desconhece que há campo vasto para a responsabilidade subjetiva no caso de atos omissivos, determinando a responsabilidade pela teoria da culpa ou falta de serviço, seja porque o serviço não funcionou, quando deveria funcionar normalmente, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.

A tese de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios gerais de direito administrativo, volume II, pág. 487) é a que melhor se amolda aos termos da Constituição de 1988, que nesse ponto seguiu as anteriores.

Disse ele:

“ A responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito pressupõe sempre ação positiva do Estado, que coloca terceiro em risco, pertinente à sua pessoa ou ao seu patrimônio, de ordem material, econômica ou social, em benefício da instituição governamental ou da coletividade em geral, que o atinge individualmente, e atenta contra a igualdade de todos diante dos encargos públicos, em lhe atribuindo danos anormais, acima dos comuns, inerentes à vida em Sociedade.

“ Consiste em ato comissivo, positivo, do agente público, em nome do e por conta do Estado, que redunda em prejuízo a terceiro, consequência de risco decorrente da sua ação, repita-se, praticado tendo em vista proveito da instituição governamental ou da coletividade em geral. Jamais de omissão negativa. Esta, em causando dano a terceiro, não se inclui na teoria do risco-proveito. A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funcionou ou funcionou mal ou do atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados.”

Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil, 9ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 270), conclui que a responsabilidade subjetiva do Estado não foi de todo banida de nossa ordem jurídica. A regra é a responsabilidade civil, fundada na teoria do risco administrativo, sempre que o dano for causado por agentes do Estado, nessa qualidade; sempre que houver uma relação de causa e efeito entre a atuação administrativa (comissiva ou por omissão específica) e o dano. Há omissão específica, como diz Guilherme Couto de Castro (A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro, 1977, pág. 37), quando o Estado por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Como bem disse Sérgio Cavalieri Filho, resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva (por omissão genérica), nos fatos e fenômenos da natureza, determinando-se a responsabilidade da Administração, com base na culpa anônima ou falta de serviço, seja porque este não funcionou, quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente.

Lembre-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, 19ª edição, nº 54) quando diz que, “nestas hipóteses, o Estado incorre em ilicitude “ por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível”

Sabe-se que os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Estado compreendem: a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente de licitude ou não do comportamento funcional ( RE 109.615 – 2, Relator Ministro Celso de Mello, DJU de 2 de agosto de 1996); d) ausência de causa excludente da responsabilidade funcional estatal (RTJ 55/503; RTJ 71/99; RTJ 991/3.777).

Aplica-se, para o caso, a responsabilidade civil objetiva do Estado de modo a responder aos danos que vierem a ser causados à população pela ação imprópria de seus agentes.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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A criação de Gore Vidal

Marcelo Alves Dias de Souza *

Outro dia, em um excelente grupo de WhatsApp do qual faço parte, “Leitores vorazes”, administrado pelo amigo Bruno Cavalcanti, fui por este indagado sobre quais seriam os meus “top five” no que toca a livros em geral. Citei “O nome da rosa” de Umberto Eco, “A montanha mágica” de Thomas Mann, “Amor a Roma” do nosso Afonso Arinos, “A era da incerteza” de John Kenneth Galbraith e o conjunto “Júlio César/Antônio e Cleópatra” de Shakespeare, para logo depois, refletindo um pouco, transformar essa quina numa meia dúzia, incluindo “Criação” de Gore Vidal.

E é exatamente sobre Vidal e sua “Criação” (“Creation”, 1971) que quero falar um pouco.

Gore Vidal (1925-2012), escritor e ativista político norte-americano, foi um intelectual à moda antiga. Polemista, na esteira de um G. K. Chesterton ou de um George Bernard Shaw. Prolífico e diversificado, escreveu teatro e muitos – ponha muitos nisso – ensaios. Democrata e alegadamente bissexual, tratou, à sua maneira, de religião, filosofia e política. Mas, de minha parte, o que mais aprecio em Vidal são os seus “romances históricos”.

Sobre “Creation”, ainda me recordo até da sua aquisição – falo do exemplar em inglês que primeiramente li – na London Review of Books, a uma quadra do Museu Britânico, no bairro de Bloomsbury, uma das livrarias mais charmosas de Londres. Pequenina, composta de um pavimento térreo e de um subsolo, tem um café que então eu adorava. Logo devorei o livro e voltei à mesma prateleira para comprar “Julian” (1964) e outros mimos do mesmo autor.

Certa vez disse – e agora reitero – que “Criação” tem um lugar especial na minha alma literária. Cyrus Spitama, a personagem principal, grego e persa ao mesmo tempo, é neto do profeta Zoroastro. Representação perfeita do “homem viajado”, ao derredor do século V antes de Cristo, foi embaixador persa perante a Índia, a China e a Grécia de então. Através de Cyrus Spitama, somos apresentados a Cyro (o Grande), a Cambisses, a Dario (o Grande) e a Xerxes, os grandes (e haja grandes nisso) governantes persas da dinastia dos Aquemênidas. Cyrus Spitama é um homem que, através de pequenos ajustes de datas confessados por Vidal (uma mentirinha branca, a favor do nosso deleite), em direção ao Ocidente, topa com os gregos Péricles, Pitágoras, Demócrito, Tucídides e Heródoto, entre outros luminares que aquela civilização produziu. Vai à China, de mestres do Taoísmo e de Confúcio, no Oriente mais distante. No meio do caminho, ele passeia pela Índia de Sidarta Gautama (o Buda), de Mahavira (fundador do Jainismo) e de seu discípulo/rival Gosala, com suas filosofias e teologias tão misteriosas para nós “ocidentais”. Uma vida entre reis, pensadores, profetas e magos, de encontros e desencontros, um romance que é, antes de tudo, uma aula de história, geografia, filosofia, religião e política. Ainda devo acrescentar, quanto ao eruditíssimo romance de Vidal, um componente bem pessoal: li “Creation”, praticamente, dentro do Museu Britânico. Foram manhãs e tardes em que, maravilhado, contextualizava mais ainda aquela história/estória de gigantes, passeando (e aprendendo) pelo acervo daquele grande museu.

Paulo Francis, polemista como poucos, que também tem uma crônica intitulada “A criação de Gore Vidal”, republicada no seu livro “Diário da corte” (Editora Três Estrelas, 2012), “elogiosamente” afirma que “Creation sugere que o humanismo já disse tudo o que tinha a declarar em 500 a.C. Não é bem assim. Ou talvez seja. Se ficarmos apenas no humanismo e omitirmos a ciência. É difícil superar Buda ou Confúcio. Nossos mentores Moisés e Cristo são bobos perto desses sábios (é de estarrecer o que Confúcio faria em face de Cristo. Provavelmente lhe daria uma esmola e sairia correndo)”.

Bom, como cristão enfadado, não vou entrar nessa querela. Apenas sugiro a diversa leitura da “Criação”.

*É Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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