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Recuso o fatalismo de quem acha que somos puras marionetes das redes

João Pereira Coutinho*

Nunca olhei para as redes sociais como o Quinto Cavaleiro do Apocalipse. Ingenuidade minha, talvez. Ou sorte.

A primeira vez que usei a internet tinha 22 anos. Quando conto isso a certos auditórios púberes, eles riem na minha cara. Como era viver nas cavernas, sem WhatsApp ou Facebook?

Era horrível, gente. Uma pessoa acordava, vivia a sua vida com outra paz de espírito e, na maioria dos casos, não tinha uma conta do psiquiatra para pagar.

Depois, quando a internet chegou, tratei do fenômeno de forma puramente instrumental: era um meio para, não uma forma de vida em si.

Exemplo: o Google é perfeito quando sabemos o que pesquisar. Mas jamais me passaria pela cabeça levar a sério todos os gatafunhos que aparecem na rede como se fossem as tábuas da lei. O ceticismo, que é estimável em qualquer área da vida, é imprescindível na selva virtual.

O mesmo vale para os anúncios personalizados. Os gigantes tecnológicos vendem o meu perfil para que os anunciantes possam tentar-me com uma precisão mefistofélica?

Admito que sim. Em certos casos, até agradeço: da música ao cinema, da literatura aos lugares, são incontáveis as descobertas que fiz porque alguém as fez por mim.

Mas recuso o fatalismo tecnológico de quem acha que somos puras marionetes das redes sociais, sem autonomia ou controle.

Não somos. Não sou. A última palavra será sempre a minha.

Tive sorte, definitivamente. A minha geração também. Mas que dizer da geração pós-1996 —a geração Z, na linguagem dos especialistas— que nasceu, cresceu e irá envelhecer e morrer olhando para o ecrã do celular?

Esse é o grande mérito de “O Dilema das Redes”, o documentário do momento na Netflix: quem não conheceu a vida analógica está mais desarmado para a vida virtual. Isso é particularmente chocante em questões de verdade e mentira, talvez a grande observação do documentário.

Ilustrada 29.set Coutinho

Sim, as redes viciam; exploram as preferências dos usuários; arruínam a sanidade deles com imagens inatingíveis de perfeição.

Sem falar dos “likes” que brincam com a autoestima da espécie a uma escala literalmente planetária: como afirma um dos tecnossábios entrevistados no filme, todos precisamos da aprovação dos outros, mas não de milhares de outros, de cinco em cinco minutos.

Mas o problema principal está na forma como as redes aprofundam e cristalizam a nossa ignorância. Exemplo: se acreditamos que a Terra é plana, seremos encaminhados para a ala do manicômio onde existem outros malucos como nós. O que significa que as nossas convicções nunca são testadas ou contestadas, são apenas reforçadas.

Se isso é cômico em matéria geofísica (eu gosto dos terraplanistas e me divirto com eles), é menos cômico em matéria política. Esquerda e direita sempre existiram na política moderna; e a diversidade de opiniões é a maior proeza das democracias liberais e pluralistas.

Mas para que essas democracias funcionem, é preciso que os participantes do jogo democrático aceitem previamente uma verdade, ou um conjunto de verdades, que é exterior e objetiva.

Eu posso preferir a liberdade sobre a igualdade (ou vice-versa). Mas convém que, antes do debate, os diferentes participantes aceitem a validade da democracia, ou da decência, ou da honestidade, ou da racionalidade, como alicerces de qualquer sociedade civilizada.

Quando não existe esse consenso mínimo, tudo é violência e gritaria, com os diferentes símios a tentarem esmagar o crânio do inimigo.

No fundo, as mídias sociais reatualizam o velho problema do relativismo: se não existe a verdade, mas apenas a minha verdade mil vezes reforçada, isso me autoriza a usar a força bruta para converter os incréus.

Haverá saída para este labirinto?

Há: a internet é um faroeste e, como aconteceu com o próprio faroeste, a regulação e a lei acabarão por chegar a esse território selvagem. O combate ao anonimato, por exemplo, é uma das mais importantes batalhas.

Mas as leis não resolvem tudo. É preciso que os usuários, sobretudo os mais jovens, aprendam a sair do aquário e a respirar fora dele.

Isso implica que noções arcaicas de conhecimento e reflexão —ler livros, escutar especialistas, estudar, viver “cá fora”— são hoje mais importantes do que nunca. Não apenas porque nos tornam melhores; mas porque nos tornam mais vigilantes e menos otários perante a última vigarice do feed de notícias.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

*Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Deputado aponta contradição de Carlos Eduardo, chama ele de sonso, é bloqueado por ex-prefeito e ironiza: “sentiu?”

O deputado estadual Sandro Pimentel (PSOL) lacrou com a cara do ex-prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves (PDT) que fez uma crítica a governadora Fátima Bezerra (PT) acusando-a de falta de liderança para evitar a saída da Petrobras do Estado.

Pimentel rebateu dizendo chamando de sonso o pedetista que apoiou Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018 contrariando orientação partidária.

“O governo que está retirando a Petrobras do Rio Grande do Norte é o mesmo que o senhor apoiou na eleição. Mais pobre e mais miserável com seu apoio. Não venha dar uma de sonso”.

A reação de Carlos Eduardo foi de bloquear o deputado do PSOL que reagiu com uma ironia clássica dos grupos de Whatsapp:

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Na batalha das redes, a extrema direita ganha por W.O.

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

Por Rosana Pinheiro Machado

The Intercept

Enquanto você lê esta coluna, parte da rede bolsonarista de WhatsApp recebe aproximadamente 5 mil mensagens nos quase 2 mil grupos de apoio ao ex-capitão.

“A extrema direita ganha por W.O.”, quando há vitória de um time sem adversário. Assim Pedro*, expert em tecnologia e política, define a atual disputa ideológica entre direita e esquerda nas redes sociais. Ele segue sua explicação: “é como se fosse uma guerra aberta, na qual a direita vem com drone e bombardeio, e a esquerda joga um fogo de artifício para o alto para tentar demonstrar reação, sem exatamente entender que está numa guerra”.

Pedro se vale de muitas figuras de linguagem para explicar e dar sentido ao horror da caixa de pandora que tem em mãos. O último monitoramento realizado por sua equipe analisou 2.513 grupos de WhatsApp bolsonaristas, 93.886 usuários e mais de 5 milhões de mensagens conspiracionistas sobre o coronavírus compartilhadas desde fevereiro.

Eu acessei o software, sem preparo psicológico prévio, e fiquei enojada e atônita por alguns dias. Para pesquisadores que trabalham com big data e extrema direita, é normal lidar com uma quantidade imensa de dados desse tipo. Mas não é o meu caso. A sensação de ver a máquina do ódio funcionando a todo a vapor, segundo a segundo, me fez entender um pouco o que Pedro queria dizer com uma guerra sem adversário.

Pedro tem um vasto e respeitado currículo profissional na área de política e tecnologia, mas prefere manter sua identidade protegida para seguir nos bastidores sua luta contra a desinformação. Abrindo a caixa de pandora diariamente, ao mesmo tempo em que tenta dialogar com as principais lideranças do campo da esquerda no Brasil, o pesquisador tem uma visão bastante árida da fragilidade tecnológica do campo progressista. Para ele, as esquerdas têm uma dupla defasagem na disputa política-tecnológica.

Primeiro, uma parte da esquerda ainda não entendeu – e talvez não esteja disposta a entender – que a grande mudança de paradigma político no século 21 foi impulsionada pela tecnologia. Segundo, esse estado de inanição apenas reflete algo de fundo, que é uma falta de projeto e orientação para o futuro.

É claro que existem movimentos, mídias, ativistas, influenciadores digitais e parlamentares que se preocupam com o tema e têm grande impacto nas redes. Não se trata de ignorar o trabalho daqueles que, há alguns anos, estão tentando mudar esse quadro. O ponto é meramente reconhecer que esses esforços não chegam perto de compor estrategicamente um ecossistema de atores que se movem, mais ou menos de forma coordenada, num processo de disputa política propriamente dito.

Pedro relata situações em que desenvolveu projetos digitais para partidos e lideranças de esquerda. Sua frustração é, campanha após campanha, ver que o trabalho é muitas vezes interrompido após as eleições: “Não dá para parar. Esse é um projeto contínuo”.

Acreditar que basta ganhar a eleição de 2022 para mudar o quadro catastrófico em que nos metemos faz parte do autoengano generalizado e sintomático que acomete a esquerda tradicional há quase uma década.

Surgem manifestações coxinhas, a gente dá risada. Bolsonaro se coloca como candidato, a gente diz que ele não terá tempo de televisão e que o sistema político irá se regenerar em torno da polarização PT versus PSDB. Bolsonaro cresce nas pesquisas, é porque Lula está preso – sim, evidentemente, mas podemos pensar que não foi só isso? Bolsonaro ganha as eleições é porque levou a facada  – sim, esse foi um elemento desestabilizador, mas podemos pensar que não foi só isso?

Não se trata de ignorar os muitos golpes que a esquerda e o PT, em particular, sofreram. Mas é preciso também entender que a extrema direita vem se articulando nas mídias desde a virada do milênio. E essa articulação tem sido feito com propósito, tentativa de coordenação de diferentes vertentes e sistematicamente espalhando paranoia e pânico moral contra inimigos forjados.

Quando não entendemos que a vitória de Bolsonaro faz parte de um projeto muito maior, só nos resta esperar as pesquisas de aprovação do governo a cada semana e ficar agarrados naquelas que indicam alguma queda da base dos 30% do que seria o núcleo-duro bolsonarista. Resta-nos torcer para que o governo se autodestrua. Basta eleger alguns parlamentares e tentar não perder em 2022. Resta-nos acreditar que tudo o que aconteceu no Brasil foi fruto das fake news bolsonaristas produzidas no “gabinete do ódio”. Acreditamos que, ao prender seus agentes estratégicos, o núcleo-duro bolsonarista seria desestruturado.

Essa é uma visão limitada de como se articula a rede bolsonarista política e tecnologicamente. Pedro dá o exemplo da prisão de Sara Winter, que não tinha nenhuma menção no ecossistema de extrema direita. Após sua detenção, houve uma explosão de seu nome na rede, em uma onda de viralização de linguagem religiosa que pedia por orações por ela em mais de 1.031 grupos cheios de emojis de amém e linguagem de guerra espiritual.

“Infelizmente, a rede de distribuição de informação do ecossistema é muito maior do que a operação da Polícia Federal foi capaz de identificar”, diz um relatório realizado pela equipe de Pedro, demonstrando que, para além dos grupos militantes declarados, essa rede atua também por clusters presentes em grupos de venda, pornografia e caminhoneiros.

Pedro sempre bate na tecla que a incompreensão de como funciona o ecossistema traz resultados negativos para a esquerda enquanto um campo de oposição. “Muitas pessoas pensam que basta acabar com o gabinete do ódio como se a rede bolsonarista fosse meramente uma estrutura de poder e financiamento vertical. A grande incompreensão é não entender que essa rede atua com suas próprias mídias e é muito mais autônoma, horizontal, autofinanciada do que se imagina”.

O gabinete do ódio – que precisa, sim, ser desestruturado –  é, portanto, consequência (e não apenas a causa) de um alinhamento de forças de articulistas e influenciadores outrora pulverizados. Acabar com esse ponto de organização não necessariamente mina os 18 mil outros domínios de divulgação política mapeados por Pedro.

É evidente que esse ângulo de olhar a realidade traz uma profunda angústia e uma sensação de impotência. A primeira coisa que nos perguntamos é como sair dessa. É possível que os ratos voltem para os esgotos depois de as comportas terem sido abertas? É possível regenerar um sistema putrefato que funciona livremente?

Em primeiro lugar, penso que é importante não perder de vista que nem tudo é vitória por W.O. do lado de lá. O professor especialista Fábio Malini, pioneiro no estudo de big data e política das redes no Brasil, comentou comigo recentemente que não podemos esquecer que o poder bolsonarista, atualmente, advém de uma máquina de propaganda governista, o que, a meu ver, enfraquece a espontaneidade e autenticidade do ecossistema.

Malini também destaca o fato que ideias progressistas estão ganhando espaço nas redes e no mercado editorial, citando Felipe Neto e Djamila Ribeiro, por exemplo, e que mais atenção pública tem sido dada ao trabalho de parlamentares de esquerda. O professor também mostra que as hashtags #antifa #antirracismo e #auxilioemergencial são exemplos de disputas narrativas que o campo progressista venceu nas redes.

Ambos os pesquisadores concordam que o anticientificismo de Bolsonaro é um ponto fraco. Quando a gente fala de esperança nas redes, ela vem da renovada atuação de cientistas pautando debates nacionais, os quais não apenas defendem o conhecimento técnico, mas também a democracia.

Buscando uma luz no fim do túnel, questionei Pedro se havia um ponto de abalo nesse ecossistema. Ele me disse que as mensagens de pessoas infectadas por coronavírus são um ponto importante de desestabilização. Começaram a circular mensagens de pessoas chorando, relatando sofrimento e morte, dizendo que não era uma “gripezinha”. Malini entende que isso afeta a classe médica e também os demais grupos apoiadores, produzindo um efeito negativo que não é instantâneo, mas tem “influência de longo prazo”.

Nada disso, contudo, impacta imediatamente a caixa de pandora bolsonarista, especialmente via WhatsApp. É por isso que, no curto e no médio prazo, é tão importante investigar e regular as mídias. Não se trata de uma salvação, mas um passo importante para impor limites no avanço da extrema direita, que até agora andou sem freios.

Quando conversei com o historiador Federico Finchelstein para minha última coluna, perguntei como e quando acabam regimes fascistas baseados em mentiras. Ele me respondeu que, olhando para o passado, o esgotamento se dá da maneira mais trágica: quando as pessoas começam a morrer. Essa é uma resposta que faz todo o sentido e encontra eco na própria política de morte bolsonarista, que agora atinge seus próprios apoiadores.

Mas, em termos de ação política, essa não é uma resposta aceitável para o campo de oposição, que não pode esperar – e não tem esperado – que as pessoas morram.

A verdade é que pouco adianta regular as mídias e prender criminosos extremistas sem apresentar um projeto político e tecnológico alternativo a médio e longo prazo. A luta comunicacional contra a extrema direita é inglória e assimétrica porque os fascistas atuam por mentiras que tocam no âmago no medo – e o medo é um sentimento que mobiliza os indivíduos visceralmente. Mas é possível entrar nessa batalha de forma honesta mudando o modus operandi.

Por pelo menos quatro décadas, os gurus da extrema direita estudaram as táticas políticas da esquerda. Agora, está na hora de a esquerda fazer o movimento contrário, não para copiar os métodos sujos, mas para entender seu funcionamento.

A experiência da extrema direita aponta para a formação de uma rede em que as pessoas se sentem incluídas no processo político, se sentem atores ativos e não passivos no ecossistema bolsonarista. Isso já estava claro nas minhas pesquisas e de Lúcia Scalco com jovens no Morro da Cruz, realizadas em Porto Alegre em 2017. Os simpatizantes repassavam mensagens e criavam conteúdos voluntariamente no YouTube para espalhar em outras redes.

Há muito pouco disso no campo da esquerda tradicional, que usa o WhatsApp ainda de forma vertical, cadastrando números de telefone para passar informação de políticos e partidos unilateralmente. Também se disseminou a promoção de intermináveis lives, bastante explicativas do mundo e muito pouco participativas – e não raramente com a caixa de comentários do Instagram fechada. Por uma hora, o político x fala com o líder do movimento y – e há quem acredite que isso é disputa de redes. Esse é um modelo que está fadado ao fracasso.

A esquerda precisa já se ocupar das redes de forma mais propositiva, horizontal e articulada para formar um ecossistema inclusivo, que não fique permanentemente caçando a carteirinha de seus membros.

O campo tradicional da esquerda precisa se abrir, fomentar alianças amplas, ampliar as linhas de debate, formar novas lideranças e oferecer esperança, utopia e projeto no lugar do medo.

Este artigo não representa a mesma opinião do blog. Se não concordar, faça um rebatendo que publique como uma segunda opinião sobre o tema.

 

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Candidatos não usam bem as redes sociais

Por João Miras*

A presença de um candidato nas redes sociais, aliada a um forte trabalho de comunicação, pode ser decisiva para o resultado nas urnas. Atualmente, é praticamente impossível pensar uma campanha eleitoral sem o uso dessa ferramenta.
É impossível imaginar que, hoje em dia, qualquer pessoa consiga se comunicar sem usar os meios digitais, o que vale também para uma eleição. Cada vez mais pessoas têm mais acesso a essas plataformas. Quem apostar nas redes sociais vai conseguir falar com mais pessoas e com mais agilidade.

A utilização de ações de marketing político nas mídias sociais já estava nos projetos de todos os candidatos a vereador e prefeito para as eleições municipais deste ano. Mas, por conta das restrições de mobilidade da pandemia, foram além de uma natural ambientação e se precipitaram vertiginosamente para as novas mídias, já que não há nenhuma outra forma disponível para se comunicar com a população. O isolamento social decorrente da crise sanitária não permitiu que os candidatos se movessem planejadamente para as redes, mas, verdadeiramente, fossem empurrados para elas.

Estudei o impacto de todos os fenômenos midiáticos das últimas décadas na comunicação política e posso afirmar que o que ocorre agora, desde a última etapa da evolução na tecnologia da informação, não tem precedentes na história, e a grande maioria dos candidatos e equipes de campanha não estão preparados para enfrentar o desafio das mídias sociais.
Pelo que estou vendo nas dezenas de municípios onde realizo consultorias e palestras, posso afirmar que os candidatos entenderam que marketing eleitoral nas mídias sociais seria apenas uma questão de jogar para o formato digital on-line peças criadas para o marketing político convencional, anteriormente veiculadas em mídias tradicionais o que, evidentemente, é incorreto.

As mídias sociais para impactarem necessitam de um certo informalismo por personificar relações e se caracterizam muito mais por serem uma janela em que se olha para dentro da casa, do que alguém olhando de dentro da casa para a rua, notadamente na atividade de comunicar uma candidatura e suas características. Não só pela característica da nova mídia, mas também porque o candidato é um ser humano e não uma empresa, faz-se necessário entender sua exposição pela ótica do pessoal, e não do institucional.

A implementação de uma campanha política nas redes sociais é o segundo passo também de uma decisão anterior, a de ter uma definição clara de planejamento estratégico de comunicação. Isso significa ter uma estratégia de condução e posicionamento da candidatura, de conceituação da criação de conteúdo e de formulação de linguagens próprias para os vários segmentos. Essas necessidades são básicas numa campanha e sempre precisarão de profissionais experientes, como planejadores e estrategistas de comunicação. Mas, em geral, as campanhas não dispõem dessa experiência.

O uso das redes sociais em uma campanha eleitoral deve ser entendido também como uma extensão de outras ações de presença digital por um site ou blog, por exemplo, em que o candidato possa apresentar seu perfil, ideias e propostas.

O marketing político nas mídias sociais parte do pressuposto da criação de um relacionamento mais próximo entre o candidato e seu eleitorado, já que é essencialmente marketing de relacionamento. É essa a ideia por trás das redes sociais, criar um canal rápido, fácil e barato para que o candidato possa dialogar com os eleitores, e eles com os candidatos.

É essa última parte que faz toda a diferença nas campanhas de marketing eleitoral nas mídias sociais: o retorno do candidato para os eleitores e o uso desse feedback como base para o refinamento de propostas de campanha.

Mas, além de uma análise conceitual, existem mesmo possibilidades de veiculação e segmentação que as novas mídias oferecem e que, enquanto fator de alcance dos públicos-alvo, também diferem totalmente dos modelos de estruturação dos antigos pacotes de planos de mídia tradicionais.

Os políticos envolvidos nas pré-campanhas das eleições municipais deste 2020, definitivamente, não estão preparados para bem utilizar essas novas mídias em suas campanhas. Sem exceção.

Mas não é só. Como alguns aplicativos e plataformas se tornaram verdadeiras retransmissoras, pela enorme base de inscritos, e considerando a possibilidade dos impulsionamentos, abriu-se a possibilidade de os políticos, adotando filtros de segmentação adequados, veicularem para públicos que sequer o acompanham no relacionamento social oficial de seguidores.

Com a enorme rejeição que a classe política em geral tem no momento, por causa das sucessivas crises econômicas e sociais geradas por crises políticas consecutivas, muitos políticos têm preferido o caminho de usar as redes em branding para construção de reputação e autoridade de marca, deixando de lado muitas vezes os processos de integração e engajamento com seus seguidores. O ideal é fazer os dois.

Interações com os eleitores por meio dos canais das redes sociais podem também ser fonte de opiniões que retroalimentam a campanha eleitoral. Pode ser também por meio delas (além das tradicionais pesquisas profissionais de opinião, que são muito mais importantes no campo das eleições majoritárias) que o candidato e sua equipe podem ter uma visão mais específica de determinados segmentos. Ajuda muito.

Há profissionais qualificados para trabalhar com mídias sociais em campanhas eleitorais, mas o mais difícil é um profissional com experiência em marketing político para assumir o grande desafio de trabalhar corretamente a imagem de um candidato, considerando a pessoa e a perspectiva da marca.

Mas ter um perfil em uma rede social não vai garantir a eleição de ninguém. O que realmente elege um candidato é uma ação de marketing digital com estratégia e planejamento estritamente sincronizada com muitas outras ações de campanha, principalmente as do marketing político clássicas.

*É estrategista de marketing político e autor dos livros “Política e Comunicação A Evolução da Democracia e a Propaganda em 122 Anos de República no Brasil” e “Pensando Fora da Caixa — Uma Coleção de Imagens Escritas sobre um Jeito de Pensar a Vida e a Política”.

Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.

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Reportagem

Covid-19 derreteu extremismo e fábricas de fake news na política digital

Por Luiz Pimentel e Luiz Gallo

Poder 360

e você pesquisar por utilização de fake news, cortinas de fumaça e propaganda (não confundir com publicidade) enganosa na política, chegará a um roteiro que tem como protagonistas o Brexit e as eleições de Boris Johnson na Inglaterra, Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil.

Tudo isso em curto período de 2016 ao início de 2020. Mas a pandemia do novo coronavírus teve um efeito colateral devastador na forma como a política vinha sendo conduzida digitalmente.

Todos os mecanismos e robôs utilizados para fomento do extremismo (basicamente de direita) foram nocauteados sem dó pela covid-19. A informação crível passou a ser exigência global e escanteou a sabotagem.

A referência para essas táticas recebera alcunha de firehosing, em alusão às mangueiras de incêndio e seu potencial de espalhar água contra fogo.

No caso, o objetivo era de espalhar gasolina no fogo. Ironicamente, os principais incentivadores das práticas eram os que chamavam de fake news informações que os contradissessem. Algo como um fulano que grita “Fogo” dentro de sala de teatro com isqueiro em uma mão e galão de combustível na outra.

Mas o tsunami da covid-19 invadiu não apenas a vida real da população global como penetrou silenciosamente nos meios digitais sem que os maiores interessados percebessem.

A consequência imediata no nosso caso é um cenário que isolou os polos políticos e questiona o que o populismo de direita no poder fará para nos proteger, além de desmerecer doença, autoridades científicas e adversários.

O primeiro reflexo disso é notado justamente na mudança brutal em como o personagem mediano se relaciona com seus respectivos governantes.

A necessidade e urgência do cidadão comum, que não trafega por nenhum dos polos extremos do debate, fez com que ele invadisse a rede em busca de informações e orientações úteis e precisas.

Como o protocolo de condução do combate à covid foi polarizado entre um extremo que era contrário ao isolamento social e outro, favorável, o debate foi politizado e passou a exigir a tomada de um dos lados.

Capitaneada por Jair Bolsonaro, a ala radical de direita adotou o negacionismo científico e o desdém como argumentos. Só que esse rugir nas redes sociais foi encoberto pela multidão politicamente nova que entrou no debate e a tática de ataques e descréditos perderam força na exigência de respostas assertivas e não de desmerecimento de quem pensava diferente.

A argumentação acima é sustentada por números obtidos junto à comunicação de governos e prefeituras de localidades posicionadas em todos os pilares do espectro político –o PSL em Santa Catarina, o PSDB em Mato Grosso do Sul e o PDT em São Luís, no Maranhão.

CENTRO, NORDESTE E SUL

Mato Grosso do Sul é um Estado tão novo quanto historicamente conservador. Em 2018, o segundo turno foi disputado por dois apoiadores de Jair Bolsonaro, o governador Reinaldo Azambuja e o juiz Odilon de Oliveira, conhecido nacionalmente pelo combate ao tráfico de drogas. O PT sequer teve candidatura.

O agropecuarista Reinaldo Azambuja (PSDB) foi reeleito governador do Estado que completava 41 anos munido de um vídeo de apoio de Bolsonaro como bala de prata e o apoio do PSL como munição extra caso fosse preciso.

Outro Estado onde o conservadorismo passou a régua nas eleições de 2018 foi Santa Catarina. Para governador, o bombeiro militar Carlos Moisés da Silva, apelidado Comandante Moisés, sentou-se à cadeira amparado por mais de 70% dos votos no segundo turno em seu primeiro ano como político. Caminhou na mesma esteira de partido, o PSL, e perfil de Jair Bolsonaro.

Os territórios no Centro-Oeste e Sul tornaram-se, assim, um certo parque de diversões para redes sociais vertidas em palanques políticos, com camarote cativo para o conservadorismo principalmente da direita mais extrema.

Só que o alastramento mundial da covid-19, transformado em pandemia, mudou rapidamente o cenário do tabuleiro desse jogo estratégico.

Mato Grosso do Sul viu o engajamento de suas publicações aumentar em 564% apenas em março, quando conseguiu, em suas redes sociais, se comunicar com, aproximadamente, 28% da população do Estado, marca inédita até então.

O crescimento da presença do governo de Santa Catarina nas plataformas quase decuplicou –aumentou 911%. As páginas oficiais no Instagram, Facebook e YouTube cresceram 176%, 56% e 671%, respectivamente.

Já a Prefeitura de São Luís, administrada pelo PDT, também registou um crescimento significativo de fãs e seguidores no período. No Facebook e Twitter, houve crescimento quatro vezes maior do que no mês de fevereiro. No Instagram, o crescimento de seguidores triplicou em comparação ao mês anterior.

É possível creditar o crescimento à entrada em cena do cidadão do meio pelo próprio histórico das propriedades e pelo racha evidenciado.

“Nossos resultados estão sendo fora da curva. Tivemos explosão de acessos no Instagram e Twitter e reversão de queda no Facebook. As pessoas estão dialogando e buscando apoio nas nossas redes e comentários de desconstrução não sobressaem mais”, afirma o coordenador de redes sociais de São Luís, Fernando Alves.

Se a esquerda não conseguia se armar para defender posição à altura no embate pré-covid, a direita levou o pêndulo tão ao extremo que transformou todo o cinza entre os polos em oposição, quando esta se viu obrigada a descer do muro.

A crise fez o centro aparecer nas estatísticas orgânica e massivamente.

MORO, O PINO DA GRANADA

A batalha das redes ficou explícita quando aconteceu a demissão de Sergio Moro do cargo de ministro da Justiça.

A empresa de consultoria e pesquisa Quaest criou um ranking de monitoramento das redes sociais em janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro tomou posse na presidência.

A partir daí, ele sempre liderou com folga o ranking de popularidade, que compila dados de Twitter, Facebook, Instagram, YouTube, Google e Wikipedia.

Na véspera da demissão de Moro, principiou certo fenômeno no horizonte das análises. A popularidade do ex-juiz começou a subir, pois surgiram os primeiros boatos de que sairia do governo por descontentamento com ingerência sobre sua pasta.

Na sexta-feira (24 de abril), quando em entrevista coletiva às 11h anunciou a saída, pelas duas horas seguintes a popularidade de Moro, que vinha em baixos 30,7 pontos de 100 possíveis, cresceu até atingir 52,1.

Já a de Bolsonaro caiu de 82,9 para 75,8. A diferença entre os dois baixou de 52,2 pontos para 23,7.

A tendência continuou no dia seguinte, sábado, quando Moro foi a 55,3 e Bolsonaro desceu a 70,3, colocando ambos em primeiro e segundo lugares com 15 pontos a separá-los.

Só que o reflexo no número de seguidores nas redes acende um sinal amarelo para as práticas adotadas pelos políticos, seus times e admiradores ou haters.

Imediatamente à demissão de Moro, Bolsonaro perdeu mais de 55 mil seguidores no Instagram e quase 14 mil no Facebook, enquanto o número de seguidores no Twitter aumentou em quase 20 mil, sem muita lógica.

Já Sergio Moro teve um ganho só no Instagram de quase 200 mil seguidores.

Um outro levantamento sobre a sexta-feira fatídica, feito pela FGV/DAPP, aponta que o debate entre os dois, que teve pronunciamento-resposta do presidente às 17h do mesmo dia, mexeu com 70% dos perfis do Twitter previamente engajados em discussão política.

Na região ocupada pela extrema-direita, o gráfico mostra claramente que esta ficou bastante dividida entre os que apoiavam o ex-juiz e os que o criticavam pela saída.

Nas duas horas seguintes ao pronunciamento de Moro, as hashtags #BolsonaroTraidor e #ForaBolsonaro dispararam em primeiro e segundo lugares nos trending topics.

Uma terceira hashtag oposta começou a crescer depois disso e foi estimulada em tuíte do filho 03 do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.

A ferramenta Bot Sentinel, verificadora de fraudes e uso de robôs, apontou, no entanto, que “trollbots are tweeting” (robôs estão tuitando, basicamente) a hashtag para que ganhasse espaço entre os assuntos mais comentados e ficasse em destaque.

Na segunda-feira posterior, os indícios de utilização de robôs ganharam mais força quando começou a subir entre os assuntos mais comentados uma hashtag com erro de grafia, que citava o nome do presidente como Bolsonaro, com um “L” a mais.

A suspeita ganha força porque é difícil imaginar um enorme número de pessoas, em contingente necessário para que uma hashtag suba nos trending topics, cometendo exatamente o mesmo erro de grafia.

É importante apontar que essas análises se baseiam fundamentalmente no Twitter por razões que veremos ao longo deste texto.

“A movimentação dos trending topics (ranking de assuntos mais comentados do Twitter) deixou o cenário muito claro. Antes, havia um certo monopólio (conservador).

“Desde que começou a pandemia, quando sobe uma hashtag (conservadora), logo sobe também uma contra-hashtag (oposta), diz Pedro Barreto, digital intelligence da Vert, empresa de Transformação Digital.

TWITTER É O FÍGADO DO DEBATE

Dado que o núcleo duro bolsonarista se reflete em pesquisas de apoio realizadas no período, como a que apurou a aprovação do presidente na demissão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, uma semana prévia à de Moro, a posição dessa ala de extrema-direita tangencia os 25% do eleitorado hoje.

A consultoria Atlas Político, em diferente pesquisa, apontou que 76% das pessoas concordavam com o isolamento social. Como são componentes heterogêneos e formam um total de 100% quase redondos, é possível cravar que a ala fechada com o presidente pariu no primeiro mês de crise da covid-19 no país uma oposição de 75%, com maior ou menor força de atuação e participação política.

Só que não ficou por aí.

O tom da participação do público no debate politizado sobre o novo coronavírus diminuiu significativamente os decibéis do rugir extremado.

A análise de emoções das redes sociais (sim, isso existe, é quantificado e levado bem a sério nas estratégias políticas) tem como elemento principal os comentários.

A explicação lógica é, grosso modo, se você ficou enraivecido com um serviço mal entregue, um atendimento ruim ou situação que os valha, você criará conteúdo de ataque, e isso é feito em geral na redação de comentários ou em postagens no Twitter.

Já se você ficou surpreendentemente satisfeito com algo ou se quer agradar com facilidade alguém, dá um like (curtida) em outra rede e pronto.

Digamos que comentários nas redes diversas e tuítes sejam digitados preferencialmente com o fígado.

Nas redes e propriedades governamentais, um público novo e gigantesco se formou em um terceiro viés. Pessoas com posições de “neutralidade emocional” assumiram protagonismo em forma de comentários, em proporção que lhes conferiu a liderança com 70% dos comentários no governo de Mato Grosso do Sul em tom questionador, buscando informações críveis e que os direcionasse.

A grande novidade foi que tudo isso aconteceu organicamente, pois a pandemia pegou a todos de calças curtas. Não havia tempo para se desenhar estratégia de combate, mesmo que no fogo contra fogo.

“Perdeu força a velha política de construir na desconstrução. Aquela política de falar mal de mim para você e depois falar mal de você para mim se dissipou. As pessoas começaram a considerar: ‘O cara (Bolsonaro) está louco. Vamos ver para onde aponta o caminho oposto’.”, diz Oscar Diego De La Rubia, diretor de marketing do governo do Estado de Mato Grosso do Sul.

A curva em U ficou escancarada quando o secretário de Saúde do MS, Geraldo Resende, sugeriu em entrevista que aqueles que defendem o final do isolamento social no Estado deveriam assinar um documento abrindo mão de respiradores caso caíssem em estado grave e necessidade de cuidados intensivos pela covid-19.

“Quando fomos ver a reação, os que defendiam o isolamento e as ordens científicas estavam apoiando a manifestação do secretário, para desespero dos negacionistas”, diz Oscar Diego De la Rubia.

O caso ilustra como o lado extremo direito foi atingido em um de seus pontos fracos: a soberba, mimada e alimentada pelas vitórias sucessivas no discurso de narrativa das redes que teve o ápice na eleição presidencial de 2018.

Essa soberba ou uma certa miopia os impediu de enxergar que não só o tabuleiro de disputa estava ganhando reforços de peças contrárias em quantidade massiva, mas que o esporte tinha mudado.

PODER ESCOOU PARA GOVERNADORES

Se antes a pauta era unicamente política e permitia certa ou grande volubilidade na adoção ou troca de camisas dos times, desta vez o que foi colocado na mesa era um jogo de (aparentemente) vida ou morte.

“No nosso termômetro (de monitoramento) percebemos que a extrema-direita e o governo se retraíram (na comunicação pelas redes). Viram a cagada de subestimar o corona e estão tentando jogar responsabilidade nas costas de governadores e prefeitos. Só que é voo de galinha. Ninguém acredita mais ou aguenta essas táticas”, diz Roberto Marques, sócio da empresa digital Social Qi, que tem o governo de São Paulo entre os clientes.

Os tópicos do ser ou não ser deixaram de conduzir a elucubrações do tipo: “Bom, esse jogador pode defender posições de caráter no mínimo duvidoso, mas se eu me der bem financeiramente, vai valer a pena ficar do lado dele”. E passaram a ser: “Em quem eu confio minha saúde e da minha família sobre um vírus potencialmente letal: comunidade médica ou negacionistas científicos?”.

Quando o presidente disparou que a reação da população em se trancar dentro de suas casas era exagerada por conta de uma “gripezinha”, somente 12% das pessoas em pesquisa Datafolha se posicionaram em concordância com o “exagero da medida de isolamento social”.

“Os componentes da nossa cultura pesaram. O indígena: quando tem uma doença, eles vazam para o meio do mato porque sabem que o contágio é devastador. A nossa herança negra registra que é preciso trabalhar —mas exige segurança. Está criando mecanismos para se cuidar”, disse o ex-ministro Mandetta em entrevista à jornalista Mônica Bergamo depois de ser demitido.

A desatenção com a forma como a covid-19 era tratada pelos políticos não contaminou os governadores. No dia seguinte ao fatídico pronunciamento da “gripezinha” e “histórico de atleta” à nação, noite de 24 de março, 26 dos 27 governadores se uniram em videoconferência com o presidente demandando série de atitudes, o que foi encarado como traição, principalmente dos ex-aliados políticos Wilson Witzel (RJ) e João Doria (SP). Só não participou o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (PMDB).

Se os representantes dos 26 Estados se posicionaram junto à maioria da população por princípios morais ou por motivação política, é indiferente para o resultado final, que apontou que a avaliação deles saltou de 26% para 44% de ótimos/bons e caiu de 27% para 15% de ruins/péssimos. Um belo rendimento de capital político para um mês.

Com os índices de aprovação da população em queda, o governo iniciou nova manobra na direção de cooptar, pelo menos, os políticos do chamado Centrão, na tal busca pelo grupo do meio, que se fez presente logo que eclodiu a crise.

Mas o que interessa para a análise da queda do extremismo na estratégia política digital é entender como cada ferramenta é utilizada e sua respectiva capacidade bélica.

PREFERÊNCIAS NACIONAIS

A rede social preferida entre os brasileiros é o YouTube, que tem penetração de 95% entre os internautas no país.

Foi por lá também que a direita conseguiu propagar ideologia de forma mais bem-sucedida. Desde as eleições, dos 10 canais que mais cresceram no Brasil na plataforma, 6 são conservadores. Já a esquerda só emplacou um canal entre os 100 que mais cresceram.

Apesar de ser um monstro de audiência, o Facebook, que atinge 130 milhões de brasileiros, não tem perfil adequado para servir como plataforma de manutenção de ânimo político.

Como falamos anteriormente, quem produz conteúdo com viés político (em forma de posts ou comentários) o faz ou por extrema necessidade ou de modo figadal.

A rede de Mark Zuckerberg se tornou meio que a casa da avó, blindada contra palavrões e manifestações agressivas por estar cercada de álbuns de família, fotos dos netinhos e vídeos fofos.

Com 89% de penetração entre os brasileiros, o Whatsapp guarda a terceira posição no país. Politicamente, ele complementa o YouTube na disseminação ideológica na rede. E vai além.

Enquanto o YouTube é repositório de conteúdo público, o que desencoraja a maioria das manifestações raivosas e, principalmente, falsas (as tais fake news), a privacidade do Whatsapp encoraja a prática.

Principalmente porque você está se relacionando dentro de uma bolha de iguais na ferramenta de comunicação de propriedade do Facebook. O primeiro perigo disso é justamente a bolha, que acaba legitimando qualquer conteúdo.

O ex-presidente dos EUA Barack Obama exemplificou bem o perigo de persuasão das bolhas formadas em torno de um conteúdo ao dizer que depois de assistir algumas vezes ao canal Fox News estava quase convencido de que se concorresse ao cargo novamente nem ele votaria em si próprio.

O segundo perigo que acomete o Whatsapp (mas também a nave-mãe, o Facebook) é a permissão em impulsionar conteúdos para que cheguem ao maior número de pessoas possível sem checagem da veracidade dos mesmos.

Daí o auê sobre a reportagem de Patricia Campos Mello, na Folha de S.Paulo, na reta final da eleição presidencial, em que ela revelou a rede de robôs contratados para impulsionamento de propaganda bolsonarista em pacotes de até R$ 12 milhões.

Quando o tema virou pauta da CPI das Fake News, a própria repórter virou alvo principal da chamada milícia digital responsável pelo bombardeio nas eleições.

O terceiro perigo do WhatsApp foi revelado por um estudo da universidade norte-americana NorthWestern.

No mapeamento de cientistas digitais da universidade, os grupos de direita brasileiros apareciam em número muito superior aos de esquerda, além de serem bem mais pulverizados pelo país e, especialmente, produzirem e espalharem muito mais conteúdo do que a oposição, na base de 46,55% versus 30,09%.

Foram acompanhadas pouco mais de 2,8 milhões de mensagens na reta final das eleições, de 1° de setembro a 1° de novembro de 2018.

Nesse caso, a progressão de vantagem cresce exponencialmente, já que além de espalharem mais propaganda, compõem exército mais numeroso.

Quando chegamos à rede preferida dos políticos, o Twitter, que ocupa um modesto 6º lugar na preferência de 27,7 milhões de brasileiros perfilados por lá, o jogo já se encontra em vantagem avançada. Ou encontrava-se, antes de a covid-19 sacudir esse globo de neve e não sabermos como as peças vão se posicionar exatamente após o final da pandemia.

É bom contextualizar que o cenário está devidamente paramentado para os extremos no Twitter dada a personalidade da rede. É por lá que as pessoas descarregam as tensões.

Isso converte a plataforma em terreno de maior engajamento para discursos destrutivos, como foi o trampolim que conduziu a extrema-direita ao poder.

A “personalidade” da rede foi captada por estudo conduzido pela antropóloga e programadora da Unicamp Adriana Dias que, ao monitorar o Twitter durante 15 períodos de 24 horas cada intervalados, chegou à média de uma manifestação de ódio a cada 8 segundos na rede no Brasil.

Isso funcionou igualmente a favor de extremistas até a covid-19 começar a fazer as primeiras vítimas no país.

No final de março, o Twitter deu um basta e apagou dois tuítes do presidente da República, de passeios por Brasília onde causava aglomerações.

Em nota, a rede social justificava que baniria “conteúdos que iam contra informações de saúde pública orientadas por fontes oficiais”.

Foi a segunda vez que um governante teve conteúdo apagado no Twitter. O primeiro fora o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ironicamente inimigo profundo do seu par brasileiro, a quem apelidou recentemente de “coronalouco”.

Facebook e Instagram não ficaram atrás e apagaram igualmente conteúdo da presidência.

A lição que sobrou é que ódio não é opinião e seu ferrete marca o que é convencionalmente entendido como a antiga forma de se fazer política.

Em curto prazo, a técnica é até eficiente, mas em médio e longo termos ela desmorona pela própria escassez de alvos e pela terceirização de responsabilidades.

“Antigamente, falar do Bolsonaro te fazia perder caminhões de pessoas nas redes sociais. Hoje, eu critico no Twitter e o povo tá junto, cara. Você sente que tem muita gente arrependida, muita gente acordou”, afirmou o comediante e influenciador Rafinha Bastos em live realizada no final de abril.

CAMBRIDGE ANALYTICA, A MÃE DO FIREHOSING

Muito mais eficiente é a mãe de toda tática política na utilização das redes sociais. Ela nasceu associada à manipulação de resultados no referendo da permanência ou não do Reino Unido na União Europeia, o Brexit, em 2016. E foi seguida pela eleição de Donald Trump à presidência norte-americana no mesmo ano.

Quem desvendou as ferramentas de inteligência artificial vitaminadas por hacking foi a repórter do jornal britânico “The Observer”, Carole Cadwalladr, em 2017.

Nascida no País de Gales, ela foi destacada pelo jornal para cobrir uma pacata cidade no país, Ebbw Valle, onde a votação para saída do Reino Unido da União Europeia recebeu um dos índices mais altos, com 62% da população favorável à medida de abandono.

A repórter conhecia a cidade como uma tranquila região que dependia de minas de carvão, com população composta pelo chamado “working class”, inclinada à esquerda no espectro político. A votação pela saída tinha característica direitista, o que não fazia sentido no resultado final.

Cadwalladr chegou à cidade e diz ter visto diversas melhoras em instituições de ensino e de esportes bancadas pela União Europeia. Ao falar com pessoas na rua, ouvia o contrário, de que “a UE não faz nada por nós e precisamos de autonomia”.

Outro discurso corrente era relacionado ao medo de invasão de imigrantes e refugiados, sendo que Ebbw Valle nunca havia sido um polo de atração ou abrigo de nenhum dos dois.

Em suas andanças, ela diz ter encontrado somente um estrangeiro na cidade, uma polonesa. No levantamento do índice de imigrantes, a cidade é uma das que menos os recebem em todo País de Gales.

O artigo foi publicado e logo em seguida ela recebeu telefonema de uma moradora de Ebbw Valle, a dizer que faltou contar tudo aquilo que moradores da cidade recebiam pelo Facebook sobre ameaças, principalmente de desembarque em massa de turcos, sendo que o país nem faz parte da União Europeia.

Ela passou a investigar o modus operandi da propaganda pela rede social para desvendar como tinha sido tão eficiente neste caso, enquanto do outro lado do oceano Donald Trump era eleito presidente norte-americano usando métodos parecidos após o vazamento de informações de 50 milhões de perfis de norte-americanos no Facebook. A mesma empresa conectava os dois casos, a Cambridge Analytica.

Levou um ano para que a repórter conseguisse que um funcionário envolvido no esquema falasse abertamente sobre o caso. Ela e o jornal foram ameaçados tanto pela Cambridge Analytica quanto pela rede social, mas publicaram o material mesmo assim e abriram os portões do inferno sobre o que acontecia nos bastidores de propagandas políticas no Facebook.

Já com o relato da diretora de desenvolvimento de negócios da Cambridge à época, Brittany Kaiser, foi descoberto o vazamento de informações durante o período eleitoral nos EUA.

Milhões de pessoas tiveram seus dados na rede expostos e captados pela empresa, que os dividiu em cinco tipos de perfil diferentes para que mensagens de cooptação ameaçadoras influenciassem em seus votos.

Como a eleição no país é optativa, chegaram a um perfil de eleitor, por exemplo, que não votaria em Trump nem por decreto, e enviavam propaganda desestimulando-o a ir votar, para diminuir a chance de votos na rival Hillary Clinton.

Brittany exemplifica o sistema da empresa com o primeiro recado que esta passava durante as apresentações para potenciais contratantes.

O presidente da companhia, Alexander Nix, mostrava duas praias que exibiam duas placas. A primeira placa assinalava “Praia Particular”. Já a segunda, trazia: “Perigo de ataques de tubarão”. E completava perguntando ao ouvinte qual ele achava que era mais eficiente em espantar nadadores.

A imposição do medo, fortalecido por discurso de raiva, passou a ser dominante no jogo político global. Engajou as pessoas que tinham e têm a tendência de atribuir ao outro a responsabilidade pela própria frustração. E começou a cavar espaço em postos de liderança no mundo todo.

“Mas é preciso saber fazer isso. Olha o (Geraldo) Alckmin, por exemplo. Ele adotou a estratégia de falar mal de todo mundo e conseguiu a proeza de cair nas pesquisas durante o período eleitoral em 2018”, diz Oscar Diego De La Rubia.

Segundo o The Observer, Steve Bannon tinha relações com a Cambridge Analytica até se tornar o diretor-geral da campanha de Donald Trump à Presidência. É considerado a peça da disseminação da ideologia da operação.

Foi demitido em 2017 do governo Trump, mas logo foi cercado pelo clã Bolsonaro e considerado guru da família durante a campanha.

A proximidade seguiu após as eleições. Volta e meia um dos filhos postava foto em rede social em jantar com Bannon e reportagens apontam encontro com Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, em Brasília, poucos dias antes do confuso e raivoso discurso de Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2019.

Brittany Kaiser lançou recentemente livro em que conta em detalhes a operação Cambridge Analytica. O título diz o suficiente: “Manipulados”.

Já ela lamenta que o método não acabou junto à derrocada da empresa com a revelação dos métodos perversos de operação. Pelo contrário. “A morte da empresa fez nascer centenas de cambridge analyticas”, constatou.

A empresa-mãe apostou em cooptar rebanho por sentimentalização no Facebook com microsegmentação para chegar à turma do meio entre os extremos, que no caso do Brasil é calculada entre 60% e 70% do eleitorado.

E a tática é eficaz (ou foi) em relação a campanhas e eleições, só que perde relevância no dia a dia, quando é preciso manutenção e não persuasão.

Aí entram em cena outros tipos de ferramenta, os robôs que batalham por manipular a opinião pública principalmente por “assuntos mais comentados” (trending topics) do Twitter e em espalhar notícias quase sempre duvidosas em grupos de Whatsapp, para inflar a manada em uma plataforma e inflamar esta em outra.

Só que a tática tem na maioria das vezes a eficácia de um tiro. Uma vez disparado, você mantém o calor da arma por um tempo em outras redes, mas depois a realidade se sobrepõe. Nesse ponto, entrou o Brasil de Jair Bolsonaro.

E DAÍ?

A presidência foi magistral em criar noticiário e/ou factoides durante a quase totalidade do governo até a pandemia. Ocupava o noticiário um dia e no seguinte, sem que fosse digerida a atividade prévia, já disparava novo petardo, que igualmente era encoberto pela fumaça do seguinte. E assim em diante.

O vírus roubou o protagonismo governamental.

Quando percebeu que o empresariado brasileiro impunha flexibilização da quarentena para que os negócios não ficassem inoperantes, o presidente se indispôs com o mundo todo, praticamente, e perdeu também a cadeira de popularidade para o ministro da Saúde da ocasião, Luiz Henrique Mandetta.

Aparentemente, a Polícia Federal se aproximou do coração do núcleo presidencial e Bolsonaro foi obrigado a se indispor com um dos pilares de sua eleição, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro.

Se verídicas as declarações de Moro, era ou salvar os filhos ou salvar a popularidade que o ex-juiz rebocava para o governo. Optou pela primeira.

Foi quando a reação pública se tornou incontrolável, por mais robôs que se utilizassem como defesa, em cenário que já vinha se desenhando.

O cidadão, que já não podia mais se dar ao luxo de cair num conto de fake news, pois o máximo que lhe aconteceria era passar um carão no grupo de Whatsapp da família por citar alguma teoria negacionista, se viu obrigado a reclamar a legitimidade de mudança ministerial delicada em meio à situação global inédita.

O calor escorreu dos polos e foi para a zona mista cinza.

Quem dá pinta de estar percebendo essa movimentação é o governador de São Paulo, João Doria. Ele encontrou nesse público a chance de se opor com embasamento a Bolsonaro e se apresentar como voz de bom senso diante das sandices presidenciais.

O discurso encontrou ressonância e ele se tornou uma espécie de liderança natural do movimento dos governadores que estão batendo de frente com o presidente.

Nas manifestações bolsonaristas de 18 de abril, Doria usou a “casa de Bolsonaro”, o Twitter, para marcar posição.

Em seus tuítes, classificou as manifestações de “a favor do coronavírus”. Também utilizou a rede para se manifestar sobre os buzinaços feitos em frente a um hospital paulistano, apontando-os como “uma sabotagem aos profissionais de saúde”.

Doria utilizou a clássica fórmula do presidente: a polarização, a criação de inimigos para se posicionar. Utilizou uma das poucas unanimidades da crise do coronavírus –o trabalho dos profissionais de saúde– para traçar uma cruzada do bem contra o mal. Do lado do bem ele colocou no xadrez contra Bolsonaro os médicos, enfermeiros e o isolamento social.

O que resta saber é se o cidadão comum vai deixar de lado os momentos BolsoDoria de 2018 e se posicionar ao lado do paulistano. Quem aguarda por aceno positivo é o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que seguiu a mesma trajetória do paulistano e sonha, como ele, com 2022.

Também é muito cedo para saber se essa é uma mudança de cenário que veio para determinar uma nova era na política digital.

Cabe por enquanto uma interrogação e um adendo ao título deste texto: “Covid derreteu (de vez) extremismo e fábricas de fake news na política digital?”.

Os próximos meses dirão. A única previsão garantida que existe no universo digital é que não há garantia de previsões. Mas raras são as mudanças que caminham casas para trás no tabuleiro.

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Matéria

Escritor produz livro em tempo real nas redes sociais

“Um provável homem doce”. Esse é o nome do experimento literário que o escritor potiguar Tullio Andrade está realizando em suas redes sociais. “A ideia é escrever um romance em tempo real, quase um reality show literário, no qual o desenrolar dos acontecimentos na vida das personagens se confundem com os fatos que vão acontecendo no mundo real”, explica o autor.

A iniciativa entrou no ar no começo de março e de lá pra cá vem incorporando no cotidiano das personagens elementos da vida real, como a pandemia do Coronavírus. O enredo se concentra na relação entre um Designer que acabou de  completar seus 40 anos está reavaliando sua vida e suas relações, especialmente sua relação com a única filha.

“Eu tinha a ideia de um núcleo inicial para tratar de certos temas que devem ser o centro do romance, as relações entre pessoas. Nesse panorama, a proposta é usar a realidade de coisas que eu me deparo no dia a dia para costurar o enredo quase de improviso com esses fatos que vão acontecendo”, explica. No entanto, segundo o autor, não estava prevista a pandemia pela Covid-19, então a história, respeitando os fatos do cotidiano, incorporou esse fato ao enredo e trouxe “novas camadas a serem exploradas na vida das personagens”, como afirma Tullio.

Para acompanhar o experimento “Um provável homem doce”, basta seguir o autor nas suas redes sociais (Instagram: @tullioandrade; e Facebook: “Tullio Andrade”) ou acessar o blog https://textostullioandrade.wordpress.com/

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Foro de Moscow

Foro de Moscow 51: CORONAVÍRUS: COMO USAR AS REDES A SEU FAVOR?

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Editorial

Falar da morte de Mariele não significa esquecer de Valéria, Luciana…

Ontem o Blog do Barreto publicou dois artigos sobre a morte de Mariele Franco que completou dois anos no último sábado. Estava no contexto assim como quando completou três anos do assassinato da jovem Valéria Patrícia também fizemos o registro.

Num país politicamente polarizado e esbanjando teorias da conspiração tudo vira política. Para quem é da esquerda Mariele foi assassinada a mando da família Bolsonaro, para quem é da direita a vereadora estava entranhada no milicianato.

Aqui no contexto de Mossoró logo se levanta a questão sobre Valério Patrícia, morta brutalmente em 11 setembro de 2016. O homicídio que comoveu a cidade  até hoje e não foi esclarecido. Esta é uma das vergonhas da polícia local que arquivou o caso.

O assassino de Valéria ficou impune. Como livre está quem matou Luciana Sartori com requintes de crueldade no natal de 2017.

Falar de Mariele não significa esquecer-se de Valéria. Também é preciso lembrar-se de Luciana, que ninguém resgata nessas horas também.

Por que será?

Num cenário de leitores de manchetes, de politização das tragédias o que importa é lacrar nas redes sociais e provocar falsos constrangimentos aos jornalistas.

Dane-se a reflexão!

Na falta de reflexão sobra passionalidade. Por ser reivindicado pela esquerda, o cadáver de Mariele Franco não tem valor para direita. Pouco importa a simbologia de ela ser negra, da favela, defensora dos direitos humanos e LGBT. Ninguém se toca que ela estava na base da base da pirâmide.

O foco é no ataque.

O caso de Valéria comove toda sociedade por ser um crime sem solução. A direita local recorre a ela como muleta para desqualificar qualquer manifestação local à memória de Mariele, mas a esquerda também se solidariza.

Já Luciana Sartori é claramente esquecido por todos. Desconfio que seja por se tratar de um brutal feminicídio.

O que ninguém se importa em todos os casos é com a dor das famílias. Falta empatia para se colocar no lugar de quem as perdeu. Mas quando se necessita politizar as favas a sensibilidade.

Falar de Mariele quando se completam dois anos de sua morte não significa esquecer das outras duas.

Mulher é morta de forma violenta, mas não provoca comoção

Quem matou Valéria Patrícia? São quase três anos sem uma resposta

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Artigo

O mundo real e a verdade podem ser enfadonhos

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Por Renato Janine Ribeiro*

Fake news é uma expressão charmosa para o que sempre foi chamado de mentira. Só que há algo mais aqui. Podemos mentir mil vezes em coisas pontuais, mas as fake news fazem parte de um sistema, de uma estratégia. Uma mentira sozinha não é fake news. Só é fake news quando integra um sistema de mentiras, organizado para obter vantagens políticas e/ou econômicas.

Uma andorinha só não faz verão; nem fake news. Precisa haver organizações ou grupos, que podem ser visíveis (como um partido em campanha); escondidos, mas que depois são denunciados (a agora célebre Cambridge Analytica ou as equipes que, segundo ex-bolsonaristas, teriam atuado na eleição passada); ou ainda, e talvez para sempre, bem ocultos.

Fazer fake news é um empreendimento, é coisa de quem se organiza como empresa. Não é para amadores. Mas não sei se um dia sairá um manual para ensinar “engane bem com fake news”. O sucesso delas está em passar por verdade. A mentira só dá certo quando acreditam nela, quando pensam que não é o que é, e sim que é verdadeira.

Tudo indica que o paraíso das fake news é o WhatsApp. Por que ele, e não as outras redes sociais? Porque o Facebook, embora você possa configurá-lo para apenas poucas pessoas verem suas postagens, é, em princípio, público.

Já o WhatsApp se dirige estritamente a grupos fechados e, segundo alega, suas mensagens são protegidas de qualquer olhar, até de seu dono, Mark Zuckerberg, ou do governo americano. Não há como quebrar o sigilo do “zap”, submetê-lo às leis de proteção da honra, exigir direito de resposta. Não há contraditório, não há escrutínio público —elementos essenciais da informação veraz e da disputa democrática.

Mas a grande pergunta é: por que as fake news têm tanto sucesso? Por que seus conteúdos fascinam? Sustento que o maior sucesso no WhatsApp é quando se recorre ao entretenimento, em particular ao audiovisual. A assustadora reportagem do The New York Times sobre a campanha antivacina mostra que ela emplacou no Brasil graças a vídeos difundidos em grupos do aplicativo.

As imagens seduzem. Mais que isso, imagens dão uma impressão (um especialista diria talvez um efeito) de verdade, com o qual palavras não podem competir. Sabemos da facilidade de criar imagens ou mesmo filmes fakes. Há aplicativos que fazem isso. E o espectador acredita. Mais que isso, tem prazer.

Difícil competir com o prazer, com o entretenimento, quando ele toma o lugar da notícia, da análise. O mundo real e sua cobertura, jornalística ou acadêmica, são prosaicos. Podem ser enfadonhos. O Jornal Nacional só tem grande audiência, e mesmo assim abaixo da novela, porque trata o espectador como um Homer Simpson (na frase atribuída a William Bonner). Entretém.

Como enfrentar essa orgia de mentiras, que entre outros promoveu o sucesso do Brexit e de Trump? Como fazer a prosa jornalística e acadêmica vencer o entretenimento fantasiado de informação? Como fazer a palavra racional refutar imagens que mentem direto à emoção? A pergunta não é nova; o assunto já foi discutido por Platão, em “Banquete”, mais de 2.000 anos atrás; mas é o grande desafio hoje, sobretudo para a imprensa e para a democracia.

*É ex-ministro da Educação (2015, governo Dilma), professor de filosofia (USP e Unifesp) e autor de ‘A Pátria Educadora em Colapso’ (ed. Três Estrelas)