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O dia 29 de fevereiro de 2020 e o dia 1° de janeiro de 1989, qual a relação entre as datas com a chuva imensa e a prefeita Rosalba?

Por Tales Augusto*

Ontem, vimos de certa forma um “dilúvio” na cidade de Mossoró. Em pouco tempo superior a duas horas mais de 100 milímetros choveu na cidade e em alguns pontos até mais.

Perdas materiais, a cidade ficou desnuda das suas limitações, mostrando que somos uma cidade grande, faltando ainda sermos desenvolvida. Falta-nos gestores que tenham seriedade com a Res Publicas.

Culpar a população é errado, caso haja culpa é mínima e devolvo com uma pergunta: quais ações governamentais foram tomadas nas quatro gestões da Prefeita Rosalba em Mossoró relativas a evitar inundações e questões como as de ontem?

Do dia 1° de janeiro de 1989 para 31 de dezembro de 2020, teremos nos 31 anos no espaço/tempo, 16 anos com Rosalba sendo prefeita. Quando não era prefeita, apoiou alguns que se tornaram chefes do executivo mossoroense. Ainda esteve a frente do estado como governadora e senadora, o que ela fez por Mossoró nestes outro 8 anos?
Ou seja, nos 31 anos entre 1989 para o fim de 2020, Rosalba estará em cargos eletivos 24 anos.

Aonde fica A ROSA FEZ, A ROSA FAZ quando falamos do dia 29/02/2020 e as perdas que a cidade/população teve?

Para piorar, em 2016 completou os 10 anos do PLANO DIRETOR Rosalba não implantou um novo e nem vai implantar, pois ela está preocupada com uma possível reeleição. O PLANO DIRETOR que poderia e muito ter evitado tanta coisa que tivemos ontem.

Que esta chuva não nos faça só refletir o quanto frágil somos, mas que nossa casa, nossa cidade, nossa Mossoró abra os olhos para o que Rosalba não faz, governar de forma séria e preocupada com o maior bem que temos em Mossoró, o seu povo.

Se o problema fosse só a chuva de ontem, já era grave. Mas nas áreas da saúde, educação, segurança, meio ambiente, políticas públicas e outras, Rosalba falha e feio. Nem parece que ela foi antes de 2016, prefeita 3 vezes da cidade, governadora e senadora do Rio Grande do Norte.

Dizem que os “outros só são gigantes por estarmos de joelhos”, fiquemos de pé Mossoró e mudemos, temos a chance em outubro. Nomes não faltam, que a coragem também não!

*É Professor.

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Período Histórico e Evolução dos Direitos das Pessoas com Deficiência

Por Thiago Fernando de Queiroz*

Durante muitos anos, os pesquisadores de inclusão de pessoas com deficiência afirmam que a evolução histórica da pessoa com deficiência passou por quatro períodos, sendo eles: Exclusão, Segregação, Integração e inclusão. Esses períodos são delimitados desde quando o homem começou a se agrupar e formar pequenas sociedades, até a construção das primeiras pólis (cidades), e, dirimindo ´até os dias atuais.

Quando pesquisadores e especialistas em inclusão de pessoas com deficiência dizem que es-tamos no período da inclusão, confesso, fico estarrecido, com um pouco de angústia, pois, sinto na pele que faltam muitos anos ou séculos para que a inclusão de fato chegue. Alguns podem até dizer que estou sendo pessimista, mas, até mesmo alguns autores abordam que a inclusão é um objetivo, um sonho, e, que ainda não vivenciamos.

Assim, vou sintetizar os quatro períodos defendidos hoje, e, após essa prévia explanação, irei demonstrar minha visão. e, caso alguém queira continuar nessa teoria em pesquisas, estamos juntos. Vamos lá:

Exclusão

Nesse período, as pessoas com deficiência eram de fato excluídas da sociedade, visto que para algumas sociedades, a pessoa com deficiência não poderia colaborar com o grupo, não teria ações laborativas que propiciariam conseguir alimentos. Um dos exemplos mais citado por autores e pesquisadores da inclusão é a cidade de Esparta, contada no filme “300”, pois, o povo espartano matava suas crianças que nasciam com algum tipo de deficiência pelo fato delas não serem aptas as ações nos treinamentos de batalhas, isso porquê Esparta era reconhecida por seus exércitos fortes e deste-midos. Nesse período começa-se a expor que “a deficiência é culpa dos deuses ou uma maldição”.

Estudiosos e historiadores abordam que esse período vai entre 3.500 anos antes de cristo e 476 anos antes de cristo.

Segregação

Nesse período, as pessoas com deficiência não eram “mais excluídas”, deixadas às margens da sociedade. Começou-se a ter uma preocupação em não mata-las, porém, de igual modo, elas eram excluídas, pois, muitas delas eram aprisionadas, tratadas como animais, e, muitas famílias viam seus filhos com deficiência como uma “punição” dos deuses. Com a influência do cristianismo, foram criados muitos abrigos e instituições, muitas em sua maioria de cunho religioso, onde familiares depositavam as pessoas com deficiência como se fossem coisas, pois, rejeitavam ter uma pessoa com deficiência em casa. Resumindo, as pessoas com deficiência eram escondidas.

Alguns estudiosos e historiadores abordam que esse período vai entre 476 anos antes de cristo e 1492 anos depois de cristo.

Integração

Nesse período, a pessoa com deficiência começa a deixar de ser vista como uma maldição ou castigo de deuses, e, passa a ser vista em um conceito clínico, com aspectos em fatores biológicos. A partir daí, buscou-se tratamentos e adequações para as pessoas com deficiência. Nesse período foram criadas metodologias de ensino-aprendizagem, como o braille para as pessoas com deficiência visual, a língua de sinais para os surdos, cadeira de rodas para os deficientes físicos e clínicas psiquiátricas para cuidar das pessoas com deficiência intelectual e mental, conhecidas também como manicômios. Nesse período ainda as pessoas com deficiência foram sendo cada vez mais incluídas no mercado de trabalho, porém, não eram oportunizadas condições salubres e de oportunidades de condições para

desempenharem papéis de confiança.

A grande maioria dos estudiosos e historiadores abordam que esse período vai entre 1492 anos depois de cristo e finaliza por volta do ano 2000.

Inclusão

No período da inclusão, as barreiras existentes para as pessoas com deficiência começam a ser eliminadas, são dadas oportunidades igualitárias, e, para tentar amenizar os períodos históricos de exclusão e segregação vivenciadas pelas pessoas com deficiência, foram criadas diversas leis com o objetivo de incluir de fato as pessoas com deficiência na sociedade. Vale destacar que nesse período a sociedade começa a diminuir o preconceito e busca ações que primem pelo desenvolvimento social da pessoa. A deficiência não é só vista na vertente biológica, mas, em análise de fatores biopsicosso-cial.

A maior parte dos estudiosos e historiadores abordam que esse período vai entre o ano 2000 até os dias atuais.

Eu não acredito que estamos no período da inclusão, mas, adentrando em um período de Pré-Inclusão, pois, em minha visão, estamos saindo agora do período da Integração. Eu irei explicar claramente minha teoria nos seguintes artigos publicados neste blog, mas, para dar um gostinho, eu venho dividindo os períodos históricos da seguinte forma:

Exclusão: de 3.500 anos antes de cristo e 476 anos antes de cristo;

Segregação: de 476 anos antes de cristo e 1492 anos depois de cristo.

Pré-Integração: de 1492 à 1980;

Integração: de de 1980 até 2020;

Pré-Inclusão: Estamos entrando neste período;

Inclusão: Um sonho, um objetivo e uma meta.

Assim divido o período histórico da pessoa com deficiência em minha visão, não sei se concordam ou discordam, mas, são estudos que venho realizando. Posso está errado nessas concepções, sim ou não, mas, coloco aqui para o debate.

Espero que esses artigos venham ajudando vocês a conhecerem mais sobre o aspecto dos direitos das pessoas com deficiência.

Vamos que vamos, e, na luta pela inclusão, juntos somos mais fortes!!!

*Pesquisador em Inclusão e nos Direitos das Pessoas com Deficiência.

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Uma eleição decisiva para o clã Rosado em Mossoró

Por Bruno Barreto*

O ano de 2020 pode marcar uma virada de chave na história política de Mossoró. Salvo duas curtas interrupções (Antônio Rodrigues de Carvalho em 1968 e Francisco José Junior na eleição suplementar de 2014) nos últimos 72 anos a capital do Oeste foi governada por alguém com sobrenome Rosado ou apoiado, quando a legislação não dava brechas, pelo clã político.

Após viver o auge de seu poderio político quando chegou a ter dois deputados federais, dois estaduais, senadora e depois governadora, além do comando de sempre na Prefeitura de Mossoró e representantes na Câmara Municipal a oligarquia está em declínio.

Se divididos conquistaram muito poder, agora com suas mais tradicionais facções ajuntadas, os Rosados nunca estiveram tão fragilizados.

Tudo fruto de uma disputa fraticida após a emblemática eleição de 2012 e pela pífia passagem de Rosalba Ciarlini pelo Governo do Estado. Os Rosados não conseguem cadeiras na Assembleia Legislativa há dez anos. A única vaga de deputado federal foi assegurada por meio de uma controversa disputa jurídica.

Outrora poderosa liderança política Sandra Rosado não consegue montar uma nominata de vereador no PSDB. Nem mesmo emplacar a filha Larissa Rosado como vice na chapa governista é uma realidade plausível.

A outra ponta do clã é liderada com mão de ferro por Carlos Augusto Rosado. Sua esposa Rosalba Ciarlini repete na quarta passagem pelo Palácio da Resistência o mau desempenho que teve no Governo do Estado. Sem uma situação econômica favorável e no auge da decadência da indústria petrolífera, Rosalba tem um acerto de contas com a história em 2020. Hoje paga como gestora o preço por não ter planejado, quando tinha condições para isso, alternativas para a economia local.

Não por acaso sua desaprovação é alta na capital do Oeste e seu principal trunfo é a fragmentação da heterogênea oposição local que hoje ostenta seis pré-candidatos, sendo três à direita e três à esquerda.

Se Mossoró tivesse segundo turno (prerrogativa para cidades com mais de 200 mil eleitores) cravaria que a mítica prefeita sofreria a primeira derrota de sua vitoriosa carreira política.

De toda forma o risco da derrota é real e pode significar o fim de uma das maiores dinastias políticas do Rio Grande do Norte.

*Artigo publicado no Jornal Agora RN.

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Por que homenagear Lenin é “elogiar genocida” e idolatrar Churchill não?

Indianos famintos quando o país era colônia britânica (foto: reprodução)

Por Cynara Menezes

Socialista Morena

Uma semana depois de o secretário de Cultura do governo Jair Bolsonaro cair por simpatizar com o nazismo, dois jornalistas do site The Intercept Brasil resolveram se unir à extrema direita para acusar a esquerda de “defender ditadores e genocidas”. No artigo, publicado nesta quarta-feira, o alvo principal era a deputada federal do PSOL Taliria Petrone, que “ousou” homenagear no twitter o líder da revolução russa Vladimir Lenin pela passagem dos 96 anos de sua morte.

 

Outro criticado pela dupla do Intercept foi o historiador marxista pernambucano Jones Manoel, que, afirma o texto, “não corou em falar publicamente que matar pessoas em uma revolução ‘é uma contingência que acontece’. Fuzilar uma família aqui, matar outros tantos milhões de fome ali, torturar e assassinar indiscriminadamente e promover o terror entre os dissidentes. Assim mesmo. É normal, efeito colateral”. Como se Jones não estivesse falando o óbvio: é óbvio que revoluções armadas resultam em mortes.

Igualando Lenin a Josef Stalin, sobre quem pesa inclusive a suspeita de ter envenenado o antecessor para tomar o poder, os autores do artigo defendem que homenagear o líder soviético é elogiar “ditadores”. Fazem o mesmo com Nicolás Maduro, da Venezuela: para eles, a esquerda não deve defender Maduro da sabotagem, da tentativa de intervenção e do bloqueio dos EUA ao país, porque isso seria idêntico a “apoiar ditadura”, uma atitude pouco “estratégica” no momento.

Eu sou de esquerda e abomino a figura de Stalin. Concordo inteiramente com o escritor cubano Leonardo Padura, para quem Koba era “um psicopata”. Stalin tem todas as características de um: paranoia, complexo de perseguição; era sanguinário, vingativo e cruel. Um genocida. Mas não consigo entender por que os “grandes líderes” do capitalismo na História, afagados e homenageados pela direita, também não são chamados assim.

Tomemos como exemplo Winston Churchill, o primeiro-ministro ídolo do conservadorismo, que “nunca escondeu sua crença na ‘supremacia branca’”, que “considerava os indianos uma ‘raça inferior’” e que “tinha visões antissemitas”, segundo matéria, vejam só, da BBC, a televisão estatal britânica. Churchill “defendeu o uso de ‘gás venenoso’ contra curdos, afegãos e ‘tribos não civilizadas’ –seus defensores dizem que ele se referia ao gás lacrimogêneo. Mas também defendeu o uso de gás mostarda contra tropas otomanas”, lembra a reportagem.

Em janeiro de 2019, Ross Greer, um membro nacionalista do Parlamento da Escócia, causou rebuliço no Reino Unido ao acusar Churchill de ser um “assassino em massa” cujas decisões políticas contribuíram para a “grande fome” que matou cerca de 3 milhões de pessoas na província de Bengala, na Índia, quando o território ainda era colônia britânica, em 1943. A Índia pertenceu à Inglaterra entre 1858 e 1947.

A “grande fome” de Holodomor, na Ucrânia, é reconhecida como “genocídio” por 16 países. Já a “grande fome” de Bengala, na Índia, que levou a um número similar de mortes, não. Stalin é chamado de “genocida”, mas Churchill é louvado como “estadista”

“De acordo com o autor do livro A Guerra Secreta de Churchill, Madhusree Mukerjee, o primeiro-ministro se recusou a atender aos pedidos da Índia por trigo e continuou a insistir para que a colônia fornecesse arroz e combustível para o esforço de guerra”, continua a reportagem da BBC, citando que Churchill disse: “Odeio indianos. São pessoas horríveis com uma religião horrível”. Ele teria culpado os próprios indianos pela fome, acusando-os de “se reproduzir como coelhos”, e questionado por que Gandhi continuava vivo se a situação era tão ruim.

A “grande fome” de Holodomor, na Ucrânia, em 1933, frequentemente utilizada pela extrema direita para equiparar nazismo e comunismo, é reconhecida como “genocídio” por 16 países. Já a “grande fome” de Bengala, que levou a um número similar de mortes, não. Embora tenham estado lado a lado na guerra contra os nazistas, Stalin é chamado de “genocida” pela direita. Mas Churchill é louvado como “estadista”.

Quantos milhões de vítimas o imperialismo britânico fez no total? A União Soviética pós-Stalin apoiou fortemente o Congresso Nacional Africano na oposição ao apartheid na África do Sul. Em 1990, pouco antes de a URSS acabar, Nelson Mandela foi condecorado com o Prêmio Lenin Internacional da Paz.

É sobre História mesmo que se trata esta disputa? Ou é sobre tentar criminalizar uma ideologia em favor de outras? À luz dos fatos e das circunstâncias, não é possível apontar o dedo para os crimes cometidos por governantes ditos comunistas se não for feito o mesmo com governantes capitalistas

Os britânicos, ao contrário, se utilizaram do regime racista sul-africano para espoliar o país de suas riquezas minerais. Considerado o maior diamante lapidado do mundo até 1985, o Cullinan I orna o cetro da rainha Elizabeth, que recebeu dezenas de diamantes sul-africanos de presente desde a juventude. Mas nunca vimos ninguém na direita cobrando a execração da monarca britânica, cujo neto é casado com uma negra, por “opressão ao povo africano”, “racismo” e até “roubo”.

Os britânicos também tiveram campos de concentração na África do Sul, embora muita gente pense que a prática se restringiu aos nazistas. Foram pioneiros, aliás: entre 1900 e 1902, 30 antes dos primeiros Gulags soviéticos, o Reino Unido confinou mulheres e crianças bôere, famílias inteiras deixadas para morrer lentamente de desnutrição ou vitimados por epidemias.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA também mantiveram ao redor de 120 mil pessoas, a maioria delas japonesas, mas com cidadania norte-americana, em campos de concentração, cercados com arame farpado e vigiados por guardas armados. Quem fugisse levava bala. Qualquer semelhança com o que outro ídolo da extrema direita, Donald Trump, faz hoje em dia com os imigrantes latinos não será mera coincidência.

O massacre perpetrado pelo rei belga Leopoldo II no Congo entre 1895 e 1908 continua desconhecido, talvez porque ele não era comunista. A população inteira do país foi subjugada e suas riquezas, roubadas. Alguém aí já viu recorrerem ao genocídio no Congo para atacar o capitalismo?

Tampouco a noção de “holocausto” se restringe historicamente ao que fizeram os nazistas contra os judeus. O massacre perpetrado pelo rei belga Leopoldo II no Congo entre 1895 e 1908 continua desconhecido, talvez porque ele não era comunista. A população inteira do país foi subjugada e suas riquezas, roubadas pelo monarca. Os “desobedientes” tiveram seus membros decepados ou foram mortos. Alguém aí já viu recorrerem ao genocídio no Congo para atacar o capitalismo?

Outro holocausto de que ninguém fala para questionar as brutalidades do capitalismo foi o genocídio armênio durante a Primeira Guerra Mundial, quando cerca de 1,5 milhão de pessoas foram exterminadas pelos turcos. A União Soviética foi um dos primeiros países a reconhecer o genocídio e inaugurou, em 1967, um memorial em homenagem às vítimas armênias. Já os Estados Unidos só reconheceram o massacre armênio como genocídio, por incrível que pareça, no ano passado.

É sobre História mesmo que se trata esta disputa? Ou é sobre tentar criminalizar uma ideologia em favor de outras? À luz dos fatos e das circunstâncias, não é possível apontar o dedo para os crimes cometidos por governantes ditos comunistas se não for feito o mesmo com governantes capitalistas. Não se pode apoiar a invasão do Irã pelos norte-americanos para “libertar os iranianos” se não se apoiar a invasão da Arábia saudita para “libertar os sauditas” –para a esquerda, em ambos os casos, são os sauditas e iranianos que devem decidir seu próprio destino, somos anti-intervencionistas, favoráveis à soberania dos povos, mas quando dizemos isso somos acusados de “defender o Irã”.

Obcecados pela ideia de parecer “isentos”, os dois jornalistas do Intercept defendem que, na “guerra de narrativas”, nossa estratégia seja não “elogiar ditadores”. Se não fizermos isso, sustentam, “continuaremos perdendo”. Ora, durante os anos em que permaneceu no poder, o PT fez exatamente isso: expulsou do partido as “alas radicais”, abriu mão de se definir como um partido socialista, e fez concessões à direita. Foi por “elogiar ditadores” que “perdemos” ou foi porque, pelo contrário, deixamos de encarar batalhas importantes por medo?

Uma “esquerda” que ataca a própria esquerda com argumentos falaciosos da direita é que municia a direita. E uma esquerda que municia os inimigos não me parece nada estratégica. O foco hoje deveria ser tirar o país das mãos dos fascistas, e não colaborar com a tentativa de criminalizar os comunistas. Justiça seja feita, de esmagar nazistas eles entendiam como ninguém.

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“Puxadinho”? PC do B não tem histórico de alinhamento com PT em Mossoró neste século

PC do B e PT juntos numa eleição. Coisa rara em Mossoró (Foto: Web/autor não identificado)

Um rótulo comum da política é se referir ao PC do B como um “puxadinho” do PT dado a histórica parceria entre os dois partidos no Brasil.

Mas não necessariamente o PC do B é sempre assim e Mossoró é uma prova cabal disto.

Em todas as eleições realizadas neste século o PC do B só reproduziu a parceria histórica em 2016 e ainda assim indicando a cabeça de chapa com Gutemberg Dias. Coube ao PT apresentar Rayane Andrade como vice.

A parceria foi bem sucedida com 11.152, a maior votação de um candidato de esquerda em Mossoró até agora.

Nas outras eleições os partidos estiveram apartados.

Em 2004, o PC do B apoiou Francisco José (na época no PSB) enquanto o PT lançou Crispiniano Neto. Já em 2008, o partido indicou Gutemberg Dias como vice de Renato Fernandes (que estava no PR, atual PL). O PT editou uma surpreendente parceria com o sandrismo indicando Tércio Pereira vice Larissa Rosado (na época no PSB).

Já em 2012 os dois partidos não formaram uma aliança direta, mas dividiram o palanque de cabendo ao PT indicar como vice Josivan Barbosa na chapa encabeçada por Larissa Rosado.

Em 2014, nas eleições suplementares, Gutemberg Dias se lançou candidato a prefeito pela primeira vez recebendo 2.265 votos ficando atrás de nomes como Cinquentinha (na época no PSOL) e Josué Moreira (na época no PSDC).

O pleito foi vencido por Francisco José Junior (na época no PSD) que tinha como vice o petista Luís Carlos Martins.

Alianças entre PT e PC do B em Mossoró se tornaram coisa rara neste século XXI.

Nota do Blog: o século atual começou no dia 1º de janeiro de 2001. Logo a primeira eleição para prefeito foi em 2004.

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Brasil: a herança perversa do colonialismo racista

Imagem: Mercado de escravos no Recife (PE), desenho de Zacharias Wagner (entre 1637 e 1644).

Por Fábio Konder Comparato*

Segundo estudo divulgado em outubro de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a crônica desigualdade social que marcou todo o curso de nossa história, desde que Cabral aqui aportou no dealbar do século 16, aumentou em 2018. O rendimento médio mensal do 1% mais rico do país foi quase 34 vezes maior do que o da metade mais pobre de toda nossa população.

Não é difícil perceber que tais dados escandalosos representam o fruto podre do capitalismo excludente e do racismo genocida, aqui implantados desde o início do processo colonizador.

Estima-se que em 1.500, quando os portugueses aqui chegaram, a população indígena em nosso território era de três milhões a quatro milhões de pessoas. Durante o período colonial, como reportam os historiadores, foram exterminados em média 1 milhão de índios em cada século. Ora, tal genocídio corre o sério risco de ser retomado com o atual desgoverno federal – o que levou o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e a Comissão Dom Paulo Evaristo Arns de Defesa dos Direitos Humanos, da qual tenho a honra de fazer parte, a encaminhar à Procuradora do Tribunal Penal Internacional uma comunicação, pela qual requerem a abertura de um procedimento preliminar sobre a incitação ao genocídio da população indígena, por parte do atual chefe do Poder Executivo federal.

Concomitantemente, o tráfico de escravos africanos para o continente Americano, organizado sobretudo por portugueses e brasileiros durante mais de três séculos e meio, foi a mais vasta e duradoura migração forçada de toda a história. Hoje, sabe-se com precisão que doze milhões e meio de escravos foram transportados da África para as Américas entre 1.500 e 1.867, sendo que desse total menos de onze milhões sobreviveram à travessia do Atlântico. Quase metade dessa vasta população cativa foi desembarcada em território brasileiro, sendo que 5% faleciam durante o processo de venda e transporte para os locais de trabalho; e outros 15%, nos três primeiros anos de cativeiro em nosso território.

O tráfico escravagista para o Brasil foi, por quase três séculos, a nossa mais lucrativa atividade comercial e os traficantes de escravos formaram, durante todo esse tempo, a camada mais abastada de nossa população. Aliás, os nossos fazendeiros sempre preferiram comprar escravos trazidos por traficantes do que utilizar os que já nasciam aqui, pois a expectativa de vida de um cativo nascido no Brasil, como constatado em 1872, era de apenas 18,3 anos, ao passo que o da média da população em geral chegava a 27,4 anos.

Em 13 de maio de 1.888, fomos o último país das Américas a abolir a escravidão, e o fizemos pacificamente, em razão de nosso “caráter cordial” como disseram alguns; mas também sem pagar um centavo de indenização aos alforriados. Os senhores de escravos, entre os quais sempre estiveram várias congregações da Igreja Católica, não se sentiam minimamente responsáveis pelas consequências do crime nefando, praticado durante quase quatro séculos.

A história da escravidão de africanos e afrodescendentes no Brasil recomeça agora a ser relatada por Laurentino Gomes, em sua monumental obra Escravidão, cujo primeiro dos três volumes já foi publicado. Alimento a esperança de que essa história execrável seja uma parte importante do currículo didático de nosso ensino fundamental.

*É integrante da Comissão Arns, advogado, doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, professor emérito da Faculdade de Direito da USP.

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A engenharia caminha com a história da humanidade

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Por Adriana Tozzi*

Em onze de dezembro comemora-se o Dia do Engenheiro, profissão regulamentada no Brasil nesta data, em 1933, mas que existe desde que o Australopithecus africanus desceu das árvores e se deparou com dois problemas que mudariam completamente a história da humanidade, há mais de dois milhões de anos atrás.

O primeiro deles era de ordem vital, no caso, a alimentação; e o segundo de ordem social, relacionado com a defesa do território. Essas talvez tenham sido as primeiras necessidades que motivaram a espécie a usar a criatividade para a manufatura, criando artefatos para solucionar seus problemas.

A partir de então, evoluímos. Surgiram comunidades, sociedades, grandes cidades e, com elas, problemas de ordem biológica, social e econômica delineando aos poucos o pensamento científico. Muitas mudanças envolvendo a física e astronomia surgiram da vontade de entender como o mundo funcionava e, assim, construímos uma visão moderna de tempo e espaço, até chegarmos na quarta revolução industrial, que traz para o cenário mundial novas preocupações com relação a nossa sobrevivência.

As novas diretrizes curriculares nacionais de engenharia, publicadas no primeiro semestre de 2019, trazem no seu corpo as expectativas de toda uma comunidade científica em formar agentes capazes de inovar e criar a partir de uma visão global. Um profissional que capte imagens e transforme-as em dados, que produza energia renovável, que faça bom uso do solo, que não contamine lençóis freáticos e que possibilite, de forma geral, que qualquer ser vivo utilize qualquer infraestrutura de forma segura.

A revolução, independente de época, é sempre humana, e já passou do tempo em que o desenvolvimento precisa ser encarado de forma menos mecanicista e mais sustentável. É com essa visão que, nos próximos anos, espera-se formar vários profissionais, ávidos por mudança, com acesso ao conhecimento e conscientes de que precisaremos de ar puro, água potável e solos férteis, e que incorporem nos processos todo o lixo que foi produzido por nós até aqui.

Tudo isso com uma tecnologia ainda não mensurável à disposição e com possibilidades inimagináveis. Mantenho a esperança de que os novos engenheiros, agora mais arrojados, nos tragam em breve soluções viáveis para que a profissão continue caminhando, como sempre caminhou, de mãos dadas com a história da humanidade.

*É coordenadora do curso de Engenharia Civil à distância do Centro Universitário Internacional Uninter. 

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Livro que conta a história da mulher na política potiguar será lançado em Mossoró e Natal

Mil mulheres e 1.400 mandatos estão reunidos na primeira obra totalmente dedicada à história da participação da mulher na política do Rio Grande do Norte. Intitulado Emancipação Política da Mulher Potiguar, de autoria da professora Maria Bezerra (in memorian) o livro será lançado na próxima sexta-feira (11), no Memorial da Resistência, em Mossoró, às 18h30. Em Natal o lançamento está previsto para o dia 23, 16h, no Centro de convivência da UFRN e dia 06 de novembro, na Assembleia Legislativa.

Antes de falecer, Maria Bezerra inventariou todas as mulheres eleitas no Rio Grande do Norte entre os anos de 1929 e 2000. A pesquisa revisita o pioneirismo da mulher potiguar rememorando o primeiro voto feminino por Celina Guimarães e a eleição de Alzira Soriano como a primeira prefeita eleita, em Lages, interior do estado.

“O livro de Maria Bezerra, Emancipação política da mulher potiguar vem preencher uma lacuna no que diz respeito à existência de material como fonte primária para eventuais pesquisas futuras. Sempre que nos chega material com essa espécie de conteúdo, exultamos, pois nossa História enriquece o cabedal de obras que sistematiza de maneira rigorosa o tema proposto”, declarou Márcio de Lima Dantas professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

O lançamento do livro é incentivado pela Organização Social Amigos da Pinacoteca e a Fundação Vingt-un Rosado.

Serviço:

Lançamento do livro Emancipação Política da Mulher Potiguar

Mossoró

Dia: 11/10/2019

Horário: 18h30

Local: Memorial da Resistência, em Mossoró.

Natal

Dia: 23/10

Horário: 16h

Local: Centro de Convivência da UFRN

Dia : 06/11

Horário: 09h

Local: Assembleia Legislativa

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Entrevista

Brasileiro abandonou ‘máscara’ de cordial e assumiu sua intolerância, diz Lilia Schwarcz

Bolsonaro durante assinatura de decreto que flexibiliza regras para porte de armas
Em novo livro, antropóloga traça longo histórico da violência, da corrupção, da intolerância e das questões de raça e gênero no país para discutir momento atual, que caracteriza como uma ‘guinada conservadora e reacionária’ (Foto: WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL)

Por 

As manifestações em 2013 e o impeachment da presidente Dilma Rousseff “abriram a tampa da democracia no Brasil e permitiram aflorar sentimentos que andavam um pouco reclusos”, diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz.

Para ela, até então o brasileiro zelava por uma imagem “de muito receptivo, muito aberto” que servia de verniz para uma intolerância e um autoritarismo que ficavam escondidos e que estavam enraizados na própria história do país – a característica mais marcante do “homem cordial” descrito em 1936 pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda.

O conceito, que dá nome ao capítulo mais célebre do livro Raízes do Brasil, foi muitas vezes mal interpretado como um elogio – quando queria expor, na verdade, “uma representação do que queríamos ser”, explica a historiadora.

A “cordialidade” que se manifesta, por exemplo, no uso de diminutivos ou na informalidade que marca a nossa cultura seria o expediente usado para misturar as relações públicas e privadas e guardar uma proximidade que, na verdade, disfarça as distâncias sociais. Algo que “evita as hierarquias para, no silêncio, reafirmá-las”.

Quase 80 anos depois, em um contexto de avanço do conservadorismo no mundo e de crise das democracias, esse homem “tira a máscara”.

“Com a crise, a recessão, o impeachment, acho que nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: ‘eu sou contra negro mesmo’, ‘acho que lugar de mulher é no fogão’, ‘acho que os trans são uma vergonha'”, diz ela.

Uma mudança que transformou a percepção que o mundo tinha sobre o país, diz a historiadora, que dá aulas na Universidade de São Paulo (USP) e na universidade americana de Princeton.

Lilia Moritz SchwarczMinha geração falhou por colocar todas as fichas na democracia e não lidar bem com a recessão, diz a autora de ‘Sobre o Autoristarismo Brasileiro’ (Foto: RENATO PARADA/DIVULGAÇÃO)

No recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), escrito entre outubro de 2018 e março deste ano, ela traça um longo histórico da violência, da corrupção, das desigualdades sociais, da intolerância e das questões de raça e gênero no país para discutir o momento atual, que caracteriza como uma “guinada conservadora e reacionária”.

Para ela, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 marca uma nova fase do autoritarismo brasileiro, referendado pelas urnas.

“Por mais que (o livro) tenha endereço certo, acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro, senão eu também faria o jogo do personalismo que eu quero evitar.”

O livro é uma tentativa de abrir mão dos rigores da academia para buscar um público maior e debater temas atuais, à semelhança de autores americanos como Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos da Universidade Harvard e autores de Como as Democracias Morrem, e Timothy Snyder, da Universidade Yale, que escreveu A Tirania e Na Contramão da Liberdade: A Guinada Autoritária nas Democracias Contemporâneas.

Nesse sentido, ela foi além: mantém uma conta no Instagram e um canal no YouTube em que aborda temas que vão de violência e racismo a ditadura e corrupção.

Se há alguns meses a antropóloga não sabia ainda que as respostas aos comentários no YouTube eram públicas ou que o Instagram não era lugar de “textão”, hoje ela admite que quer usar o espaço das redes sociais para “cutucar” aqueles que discordam de seus pontos de vista a fim de discutir “com argumentos”.

Leia, a seguir, trechos da entrevista à BBC News Brasil.

BBC News Brasil – Muita gente defende que Bolsonaro só existe como presidente por causa do PT. Em que medida corrupção e crise formam o alicerce desse, como a senhora classifica, novo período autoritário referendado nas urnas?

Lilia Schwarcz – O primeiro eleito nas urnas e o primeiro que usa as redes sociais, isso é muito importante. Eu acho que a gente tem que ser um pouco mais sério com o Bolsonaro. Fazer esse jogo do tipo “ele só ganhou porque”… Ele também ganhou. Mas dizer que só ganhou (por causa do PT) é minimizar um fenômeno que eu tento mostrar no livro que é de mais longo curso.

Ou seja, não é que os brasileiros viraram autoritários, eles sempre foram autoritários.

Acho que a gente também tem que entender o fenômeno Bolsonaro à luz do fenômeno do autoritarismo no mundo.

Porque se você pensar em EUA, Hungria, Polônia, Filipinas, Israel, Venezuela, estamos falando de governos populistas e autoritários.

Diferentes, mas governos, sobretudo os populistas autoritários mais à direita, que têm uma fórmula muito comum: esse repúdio à imprensa – você deve estar sentindo isso -, essa desautorização do discurso das minorias, essa tremenda desautorização do discurso da academia, o uso muito inteligente das redes.

Nicolás MaduroPopulismo autoritário também marca momento atual da Venezuela, diz Schwarcz (Foto: REUTERS)

Esse é o modelo internacional, grosso modo. Mas cada país carrega sua própria especificidade.

A do Brasil é essa que eu tentei tratar nesse livro: o fato de ter sido o último país a abolir a escravidão, de ter recebido quase metade dos africanos e africanas que saíram compulsoriamente de seu continente, de ter sido uma colônia de exploração, administrada por meio de mandonismos localizados, um país tremendamente violento, muito corrupto.

E eu tento mostrar como a corrupção é longa entre nós. A gente atribuir tudo ao PT…

O PT teve uma parte fundamental, e acho que meu capítulo da corrupção mostra o quão independente eu sou…

BBC News Brasil – Vou aproveitar então para emendar uma pergunta. Em alguns trechos, ainda que com ressalva, a sra. coloca argumentos que fazem parte do discurso do PT, especialmente o da perseguição política, como no trecho em que fala que “jogar todas as baterias contra apenas uma pessoa – e, assim, personalizar a questão ou transformar um único partido em bode expiatório – não dá conta do problema”. Não teme que seja interpretado como partidarismo e abra um flanco para críticas?

Schwarcz – Eu penso que o livro tem flanco pra todos os lados. Acho que os meus colegas do PT não vão gostar da análise que eu faço do Mensalão e da Lava Jato – e é esse mesmo capítulo.

Esse é o capítulo mais longo, salvo engano, e o mais difícil justamente porque eu tinha uma questão de mostrar a minha independência e a minha autonomia aí muito claras.

Quando você vai tratar da questão da corrupção, ninguém é favor da corrupção e ninguém é corrupto. Eu sou uma pessoa da academia que chego lá e digo com todas as palavras que a corrupção criou uma máquina de governar, não eximo o PT, não eximo o PSDB.

Essa sua pergunta poderia ser “Você não tá dando argumento pros ‘bolsominions’?”. Tô também – “até ela está mostrando como o PT foi corrupto”. Acho que, se a gente for pegar o livro nesse momento de polarizações afetivas que nós vivemos, a cada página você vai ter alguém de carteirinha contra ou a favor.

O que eu tentei fazer foi me valer muito dos dados, contar a história inteira, para só depois me dar ao luxo de opinar.

Dama em liteira, carregada por escravos, e suas acompanhantes], aquarela de Carlos Julião, último quarto do século 18. 35 x 45,5 cmHistoriadora liga tradição autoritária do Brasil a passado escravista (Imagem: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL)

BBC News Brasil – O livro está recheado de ironias e provocações. Há um momento em que a sra. se refere de forma indireta à ministra Damares Alves, quando diz, ao falar dos feminicídios, que “a princesa não casa com o príncipe”, há também uma crítica velada ao ministro Sergio Moro no trecho: “juízes que combateram a corrupção vigente, mas igualmente, usaram de seu poder de formas muitas vezes subjetiva e ao sabor dos afetos políticos”. Com que emoção a sra. escreveu?

Schwarcz – Eu fiz em pouco tempo, mas fiz muitas versões desse livro. Tive momentos claramente destemperados, né, e meus editores aqui falavam: “Beleza, mas agora vamos ponderar isso, aquilo”.

Eu tentei de alguma forma contrabalançar as opiniões, tentei bravamente.

Tem um lado que você pode falar que é muito meu, a parte dos feminicídios. Claro, vai ter que me aguentar. Pediu para uma mulher escrever, então vamos lá, né?

Essas são todas questões que me afetam no sentido de “afetar” da antropologia, porque o afeto é produtor. Porque, quando você se afeta, isso quer dizer que você se contamina do outro.

BBC News Brasil – Voltando ao seu comentário sobre o fato de o fenômeno de ascensão da direita ser global. Em que medida ela não se deve também a uma crise global das democracias liberais, que não estão conseguindo mais dar conta dos efeitos da globalização, aumento da desigualdade, da violência?

Schwarcz – Com certeza, eu digo no livro que corrupção, violência, insegurança não são sentimentos inventados por Bolsonaro.

Costumo dizer que a minha geração falhou. Colocou todas as fichas na democracia e não lidou muito bem com o que fazer com a nossa recessão, o que fazer com as populações que vão ascendendo e que não se espelham exatamente nesse momento.

Como é que a gente pode valorizar a nossa Constituição, mas também mostrar as suas falácias? Quais são os nós que resolvemos não enfrentar e que vão aparecendo agora?

Você tem toda razão. Houve uma soberba, sobretudo no consórcio criado entre PT e PSDB. Uma cegueira. Nós não atendemos a uma parte da população que se sentiu atendida por Bolsonaro.

E não é possível caricaturar essa população. Eu, por exemplo, tenho como projeto entender mais as igrejas evangélicas. E no plural. Porque a gente ataca tanto as pessoas que fazem de nós um só…

Esse é um fenômeno fundamental para entender o Brasil, e eu nunca parei para estudar.

BBC News Brasil – Fazem sentido então críticas como a do cientista político Mark Lilla, de que a esquerda vem perdendo espaço porque se prende a pautas identitárias e não privilegia, por exemplo, pautas econômicas ou temas que falem com um público mais amplo?

Schwarcz – Eu gosto muito do Lilla, mas discordo que o discurso identitário seja só ruim. Há uma tese lá de que o discurso identitário enrijeceu esses famosos lugares de fala e jogou para fora parte da população que não sentia de modo algum representada por esses discursos.

Eu penso que o discurso dos direitos civis produziu esse discurso de identidade, um discurso que vai ter que se transformar em algo menos enrijecido, mas que tem um papel fundamental para pressionar para que o mundo mude.

Nós vivemos em um mundo muito branco, muito “europocêntrico”, muito colonial, que só vai mudar se for questionado.

BBC News Brasil – E a sra. vê a esquerda brasileira fazendo isso, se reinventando para abordar essas pautas de forma diferente, não se isolar?

Schwarcz – Eu digo no livro – e vai desagradar as esquerdas também – que a polarização é uma relação. Você só polariza de um lado se o outro lado polarizar também.

Acho que as esquerdas brasileiras são muitas. E vão ter que vivenciar esse luto, vão ter que se haver com o que aconteceu com o Partido dos Trabalhadores. Mas não só: também com o que aconteceu com esse projeto das esquerdas. Vão ter que se reinventar.

É difícil falar de todos, senão eu vou estar caricaturando, mas acho que uma parte das esquerdas tem ficado mais alerta e mais ciente sobre o que foi esse processo das eleições de 2018. Acho que a gente não tem que só demonizar o que foi, mas fazer um esforço de compreensão, até para fundar uma nova República.

BBC News Brasil – A sra. se refere a quais figuras, à corrente mais jovem, representada, por exemplo, pela deputada Tabata Amaral?

Schwarcz – Acho que houve um projeto de uma geração que se mostrou insuficiente.

E acho que existe aí um outro discurso, não só o discurso dos jovens, mas que carrega outros marcadores, um discurso feminista, negro, trans. Pessoas que vêm de outros locais. Um discurso religioso progressista.

Penso que a saída virá da formação de novas figuras. Não só de novas figuras, porque eu não gosto de “essencializar” a juventude. Juventude não é uma qualidade em si, é uma situação. Mas eu acho que a gente tem que encontrar novas saídas e novos repertórios. Nós estamos carentes de repertório mesmo.

BBC News Brasil – E consegue enxergar essa mudança?

Schwarcz – Eu penso que sim. Outro dia falei que era otimista e fui quase morta. Nós não estamos em um momento bom, estamos em uma crise de desemprego, temos essa questão pela frente da reforma, senão o Estado vai falir, estamos vivendo momento de grande intolerância.

Por todos os lados que você olhar não há motivo para otimismo. Mas, por exemplo: uma manifestação como a do dia 15 (contra os contingenciamentos na Educação) me faz otimista, porque você vê na rua que tem mais pessoas clamando por um Brasil mais justo, mais generoso.

Manifestações pela educaçãoManifestações contra contingenciamentos na Educação é sintoma de reação da sociedade civil ao momento atual (Foto: NELSON ALMEIDA/AFP/GETTY)

BBC News Brasil – Como vê as manifestações do último domingo, a favor do presidente?

Schwarcz – Foi um ato democrático como aquela do dia 15. Mas o esforço do governo de, ao mesmo tempo, afirmar que tudo era “espontâneo”, mas também “convocar a manifestação” representa mais um gesto populista.

Esse tipo de palavra de ordem serve mais para candidatura do que para mandato.

BBC News Brasil – A sra. não cita nominalmente o presidente em nenhum momento do livro. Foi proposital?

Schwarcz – Foi. E foi um esforço. Porque, por mais que tenha endereço certo, eu acho que de nada adianta apontar só para o Bolsonaro. Isso aí é, de alguma forma, perder a figura e o fundo.

A família aparece claramente no capítulo dos mandonismos, né.

Mas foi proposital, porque senão eu também vou fazer o jogo do personalismo que eu quero evitar. O meu problema não é pessoal, é com aquele que ocupa a chefia do Estado.

BBC News Brasil – Em mais de um trecho a senhora afirma que o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda não é um elogio ao brasileiro, pelo contrário. Próximo ao fim, parece chegar à conclusão de que essa figura não existe mais e tem dado lugar ao “homem da intransigência e da aversão à diferença”. Esse seria, então, um momento de inflexão?

Schwarcz – Eu tento mostrar aqui que nunca foi (cordial), né, que é uma representação do que queríamos ser.

BBC News Brasil – Isso, mas a tese do Sérgio Buarque é de que a gente ainda disfarçava…

Schwarcz – Eu penso que o tempo provou que o processo do impeachment da presidente Dilma de alguma maneira abriu a tampa da democracia e permitiu aflorar uma série de afetos e sentimentos que andavam um pouco reclusos porque “não ficavam bem”, porque o que era bom era dar sempre essa face – como nós brasileiros somos muito cordiais, muito receptivos, muito abertos.

O livro tenta provar que nunca fomos isso.

Senhora na liteira com dois escravos, c. 1860. Salvador, BAOs proprietários (de escravos) podiam ser publicamente chamados de ‘sinhô’, ‘nhonhô’, ‘ioiô’, mas jamais abriam mão da distância social’, diz a autora em trecho que ilustra a ‘cordialidade’ conceituada por Sérgio Buarque de Holanda (Direito de imagem: ACERVO IMS)

Mas eu acho que, a partir de 2013, com a crise, a recessão, o impeachment, nós avalizamos pessoas que não tinham a coragem de dizer coisas do tipo: “eu sou contra negro mesmo”, “acho que lugar de mulher é atrás do fogão”, “acho que os trans são uma vergonha”.

BBC News Brasil – Então o “homem cordial” agora tira de vez a máscara, é isso?

Schwarcz – Por isso um episódio como o da Marielle é pra mim muito significativo, porque nós tiramos a máscara não só nacionalmente, mas também internacionalmente.

Internacionalmente o Brasil não é mais visto (como um país receptivo e tolerante)… e isso eu sei porque há dez anos dou aula em Princeton e os meus cursos foram mudando sistematicamente. E não porque eu mudei.

As pessoas vinham em busca do Zé Carioca, do futebol, da capoeira, dessa “exotização” dos trópicos como paraíso dos costumes, dos hábitos. E cada vez mais as pessoas vêm pra falar de contravenção, violência, falta de lei, intolerância.

Você tem um governo como esse, ministros como esses, da Educação, das Relações Exteriores, da Agricultura. São ministros que não têm a mínima preocupação em professar valores que nós acreditávamos que eram nossos. Esse foi o tombo grande que as esquerdas tomaram também.

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No fim do império, Brasil tentou substituir escravo negro por ‘semiescravo’ chinês

Por Ricardo Westin

Poder 360

Dois marcos das relações entre o Brasil e a China fazem aniversário. O rompimento dos laços diplomáticas completa 70 anos —em 1949, a revolução comunista liderada por Mao Tse-Tung levou o presidente Eurico Gaspar Dutra a cortar a ligação com o país asiático. O reatamento, por sua vez, completa 45 anos— em 1974, o presidente Ernesto Geisel passou por cima das divergências ideológicas e restabeleceu os contatos oficiais com Pequim.

Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que as relações entre os dois países remontam à época de dom Pedro II. Em 1880, o governo imperial enviou diplomatas ao outro lado do mundo para assinar um tratado bilateral por meio do qual o Brasil esperava substituir os escravos negros por “semiescravos” chineses.

Nesse momento, a escravidão dá claros sinais de que está com os dias contados. Desde 1850, a Lei Eusébio de Queirós proíbe o tráfico de africanos. Desde 1871, a Lei do Ventre Livre garante a liberdade aos bebês nascidos de escravas. Nesse contexto de mudança, os fazendeiros do Império, temendo que o encolhimento da mão de obra leve a lavoura de café ao colapso, pensam nos “chins” como solução.

“O trabalhador chim, além de ter força muscular, é sóbrio, laborioso, paciente, cuidadoso e inteligente mesmo”, argumenta no Senado, em 1879, o primeiro-ministro Cansanção de Sinimbu. “Por sua frugalidade e hábitos de poupança, é o trabalhador que pode exigir menor salário. Assim, deixa maior soma de lucros àquele que o tem a seu serviço. É essa precisamente uma das razões por que devemos desejá-lo para o nosso país”.

O primeiro-ministro tenta convencer os senadores a aprovar a liberação das verbas necessárias para o envio de uma missão diplomática à China para negociar o tratado. A escassez de braços na lavoura preocupa o governo porque o café para a exportação é a maior fonte de renda do Brasil.

Escravos negros em terreiro de café de fazenda no Vale do ParaíbaFoto: Marc Ferrez

A viagem que os diplomatas teriam que fazer seria bem longa, a bordo de um navio de guerra da Marinha, o que demandaria dos cofres imperiais 120 contos de réis. Não é pouco dinheiro. O valor é igual aos orçamentos somados da Biblioteca Pública, do Observatório Astronômico, do Liceu de Artes e Ofícios, da Imperial Academia de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para todo o ano de 1879.

Os chineses, como avisa Sinimbu, seriam assalariados. Na prática, contudo, o que os fazendeiros brasileiros desejam é reproduzir a experiência de países como Estados Unidos, Cuba e Peru, que vêm explorando os chineses de uma forma tal — com pagamentos irrisórios, jornadas extenuantes, ambientes insalubres e castigos físicos — que os trabalhadores ficam na tênue fronteira entre a liberdade e a escravidão.

Levas de trabalhadores abandonam o império chinês, entre outras razões, por causa da superpopulação (370 milhões de habitantes, contra 10 milhões no Brasil), da escassez de alimentos e da crise decorrente da derrota nas Guerras do Ópio.

No Brasil, nem todos recebem bem a ideia da imigração chinesa. Parte da sociedade sente temor e repulsa diante da possibilidade de encontrar homens de olhos puxados, cabelos trançados a partir da nuca e roupas exóticas transitando pela fazendas e cidades do Império.

Reverberando o pensamento desse grupo, há senadores e deputados que se manifestam contra a celebração do tratado com a China. O Arquivo do Senado preserva os discursos proferidos a esse respeito no Parlamento. Muitos deles são abertamente racistas e xenófobos.

Camponês do norte da Chinafoto: Library of Congress

“Senhores, não sei que fatalidade persegue este Império, digno de melhor sorte: ou há ter africanos, ou há de ter chins?”, critica o senador Dantas (AL). “Li numa memória acerca da colonização chim que diz ser essa uma raça porca que muda de roupa só duas vezes ao ano. Pois, quando as nossas leis estabelecem prêmios àqueles que trouxerem para o Império boas raças de animais, tratam de mandar buscar rabichos e caricaturas de humanidade?”.

“Depois de tantos anos de independência e de estarmos mais ilustrados a respeito da marcha dos negócios do mundo, havemos agora de voltar atrás e introduzir nova raça, cheia de vícios, de físico amesquinhado, de moral abatido, que não tem nada de comum aqui e não tem em vista formar uma pátria e um futuro? Havemos de introduzir semelhante raça somente para termos daqui a alguns anos um pouco mais de café?”, questiona o senador Junqueira (BA).

“Venham muitos chins, para morrerem aos centos, aos milhares”, ironiza o senador Escragnolle Taunay (SC). “Deles, ficará apenas o trabalho explorado pelos espertalhões. É um trabalho que se funda na miséria de quem o pratica e no abuso de quem o desfruta. Que erro colossal! Que cegueira!”.

Para Taunay, é difícil que os fazendeiros consigam se adaptar aos asiáticos: “Acostumado à convivência branda e amistosa dos antigos escravos brasileiros, fazendeiro nenhum será capaz de suportar o contato dos chins. Seus vícios se exacerbam com o uso detestável e enervante do ópio. Só o cheiro que os chins exalam bastará para afugentar o fazendeiro mais recalcitrante”.

Trabalhadores chineses da região da Manchúriafoto: Library of Congress

Nessa época, estão em voga no mundo ideias racistas disfarçadas de teorias científicas. Segundo o racismo pseudocientífico, os brancos formam a raça superior e os negros, a raça inferior. No meio deles, como raça intermediária, surgem os amarelos ou orientais. Entre os teóricos da hierarquização das raças, estão Arthur de Gobineau, Ernest Renan e Gustave Le Bon. Gobineau, diplomata francês que serviu no Rio de Janeiro, concluiu que o Brasil era um país atrasado por causa da miscigenação entre brancos e negros.

“A ciência da biologia ensina que, nesses cruzamentos de raças tão diferentes, o elemento inferior vicia e faz degenerar o superior”, diz o senador Visconde do Rio Branco (MT), alertando os colegas para o “perigo amarelo”.

De acordo com o historiador Rogério Dezem, professor do Departamento de História e Cultura Brasileira da Universidade de Osaka, no Japão, o preconceito dos brasileiros tinha origem nos Estados Unidos, onde os trabalhadores chineses haviam chegado décadas antes e eram odiados — mas não por questões de raça, e sim de mercado de trabalho:

“Na construção de ferrovias nos Estados Unidos, por exemplo, sempre que os imigrantes europeus faziam greve exigindo melhores salários e condições de trabalho, os patrões recorriam aos chineses, que aceitavam pagamentos mais baixos para dar continuidade ao serviço interrompido. Era uma espécie de concorrência desleal. Os chineses, então, começaram a ser odiados, e surgiu a história de que eram sub-raça, degenerados, perigosos. O governo americano, diante das pressões, chegou a proibir a entrada de novas levas de imigrantes chineses. Esse mesmo ódio acabou chegando ao Brasil, principalmente por meio da imprensa, e aqui eles logo passaram a ser vistos como sujos, ladrões de galinha, viciados em ópio. Foi uma visão deturpada que se instalou no inconsciente coletivo dos brasileiros”.

Revista reforça imagem negativa de imigrantes chinesesimagem: Biblioteca Nacional

Em 1878, o governo brasileiro organiza o Congresso Agrícola, no Rio de Janeiro, para discutir os rumos da cafeicultura diante do iminente fim da escravidão. O sonho dos fazendeiros é substituir os escravos negros por trabalhadores originários da Europa. As equivocadas teorias racistas levam à crença de que, para o bem do país, é necessário “embranquecer” a população brasileira.

“Formar uma raça que seja varonil e tenha grande desenvolvimento e expansão é hoje uma questão que está ocupando os estadistas em toda parte do mundo. Devemos, pois, garantir o futuro do país por meio do trabalho de raças inteligentes, robustas e cristãs”, afirma, no Senado, o senador Junqueira.

Até mesmo o deputado Joaquim Nabuco (PE), expoente da luta pela abolição da escravidão negra, usa a tribuna da Câmara para apontar os inúmeros “defeitos” que fazem dos chineses uma raça inconveniente para o Brasil. Nabuco diz temer a “mongolização” do país e uma “segunda edição da escravatura, pior que a primeira”.

A lavoura não poderia passar a ser cultivada por camponeses brasileiros, em vez de se recorrer a imigrantes europeus ou chineses? Segundo Kamila Czepula, historiadora e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), os cafeicultores descartaram a mão de obra nacional logo de cara:

“A respeito dos brasileiros brancos, corria a ideia de que eram preguiçosos, pouco propensos ao trabalho. Também se dizia que cobrariam valores altos demais para o trabalho na lavoura. Os negros livres, os mestiços e os índios também estavam fora de cogitação porque eram sinônimo de atraso e de inferioridade racial. Os imigrantes europeus eram tidos como os tipos ideais. Além de serem brancos e católicos, considerava-se que eles já estavam preparados para o trabalho assalariado”.

Charges retratam chineses: no campo, ameaça à lavoura; na cidade, ladrões de galinhaimagens: Biblioteca Nacional

Italianos, espanhóis e portugueses, contudo, não se animam a se mudar para o Brasil. Eles temem o calor sufocante dos trópicos e o chicote dos feitores das fazendas. Além disso, desejam possuir terra própria, o que a estrutura fundiária do Império não permite. Assim, preferem migrar para os Estados Unidos e a Argentina.

Diante da dificuldade de trazer braços da Europa, o Congresso Agrícola traça um plano B: espalhar “semiescravos” chineses pelas plantações de café. A ideia é que sejam utilizados provisoriamente, até os europeus mudarem de ideia e começarem a vir para o Brasil.

Um dos primeiros parlamentares a defender a contratação dos chineses para substituir os escravos de origem africana, ainda na década de 1850, é o senador Visconde de Albuquerque (PE). Ele discursa:

“Se queremos nos desembaraçar dos escravos, por que havemos de rejeitar homens industriosos que não têm o orgulho europeu, que podem facilitar esse salto entre a escravidão e a liberdade? Senhores, já estive na China e conheço bem os chins. Dizem que são porcos, e eu não conheço povo mais asseado. Eles poderão estar com as suas vestes sujas, mas o seu corpo é lavado e esfregado todos os dias”.

Chineses que participaram da construção da Ferrovia Transcontinental, nos EUAfoto: Amon Carter Museum of American Art

Até mesmo os defensores da imigração asiática acabam recorrendo a argumentos pouco lisonjeiros para os chineses. O senador Visconde de Albuquerque prossegue:

“Dizem que os chins vêm amesquinhar a nossa raça, mas não estão aí os nossos índios? Qual de nós não gosta muito de ter um desses índios para o seu serviço? E isso piora a nossa raça? Vejam que tememos raça chim e não tememos a raça preta! Os chins não nos vêm perturbar a ordem doméstica. Pelo contrário, são muito humildes, servem muito, trabalham. São até excelentes cozinheiros. Não são revolucionários, não têm pretensões. Acho que é uma boa importação”.

O senador Cândido Mendes de Almeida (MA) acrescenta: “São sóbrios, infatigáveis e econômicos. Sendo materialistas, só visam o lucro. Além de materialistas, são educados sob o regime autoritário o mais severo que lhes impõe desde o nascer. É com esse espírito de ordem que trabalham”.

Em discurso no Senado, o primeiro-ministro Cansanção de Sinimbu procura tranquilizar o Império garantindo que não há risco de “abastardamento das raças” do Brasil porque os chineses não ficarão para sempre aqui:

“Ainda que venha grande número de trabalhadores asiáticos, é manifesto que eles nutrem sempre a intenção de voltar para o seu país. Eles levam tão longe o amor ao solo da pátria, que nos contratos que costumam celebrar até estipulam que os seus cadáveres serão remetidos para a terra natal. Isso prova que não é de prever que queiram fixar-se definitivamente entre nós”.

Após muitas discussões, o Senado e a Câmara aprovam em 1879 a liberação dos 120 contos de réis para que a missão diplomática vá à China. Em 1880, pela primeira vez, um navio brasileiro chega ao outro lado do mundo e, meses depois, retorna ao Rio de Janeiro e completa a volta no planeta.

Primeira vez que navio brasileiro faz volta ao mundoDivulgação/Agência Senado

Na cidade de Tientsin (hoje Tianjin), nos arredores de Pequim, os diplomatas brasileiros negociam com o vice-rei Li Hung Chang. Quando ouve que o Brasil tem apenas 58 anos como nação independente, ele demonstra assombro e conta que seu império existe há 4 mil anos.

O grande empecilho para a migração de chineses para o Brasil é uma lei local que os proíbe de deixar o seu país sem o consentimento do imperador. Como quem não quer nada, os diplomatas brasileiros incluem na minuta de tratado um genérico artigo que dá aos “chins” o direito de viajarem livremente para o Brasil. Durante as negociações, os enviados de dom Pedro II nunca vão revelar suas verdeiras intenções. Eles juram que buscam apenas a amizade do império asiático.

Traumatizado pelo histórico de violências sofridas pelos súditos chineses nas Américas, o vice-rei reluta em assinar o acordo com o Brasil, mas acaba cedendo. Após vários meses de negociação, a versão final do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação é finalmente assinada em 1881, garantindo o livre trânsito de cidadãos entre os dois impérios. É uma vitória da diplomacia brasileira. Um consulado se instala em Xangai.

O vice-rei Li Hung Chang, que firmou o acordofoto: Russell & Sons

No início de 1882, dom Pedro II profere a fala do trono (discurso que abre os trabalhos do Senado e da Câmara) sem fazer nenhuma menção ao tratado com a China. Os fazendeiros entendem a mensagem: o governo não gastará mais nenhum centavo; se quiserem os “chins”, que os busquem com seu próprio dinheiro.

Um comerciante chinês chega a desembarcar no Rio de Janeiro para tratar do transporte dos trabalhadores, mas vai embora sem fechar nenhum negócio. A maledicência contra os orientais acabou deixando muitos fazendeiros com um pé atrás. Além disso, a própria China não tem interesse em mandar gente para o Brasil. Logo em seguida, começa a imigração italiana. A solução chinesa é, assim, abandonada sem que os trabalhadores de fato venham para o Brasil.

Em 1884, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Soares Brandão, vai ao Senado para informar a quantas anda a execução do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação assinado três anos antes. Não há muito a dizer. Constrangido, ele afirma: “Pela primeira vez, um navio de guerra brasileiro penetrou nos mares da China e do Japão, mostrando nossa gloriosa bandeira aos governos e povos daquelas regiões”.

Um senador quer saber o que tem feito o recém-nomeado cônsul em Xangai. O ministro responde: “Mas que serviço prestar na China? Quero crer que no futuro possa haver relações que venham demonstrar que não são de todo destituídos de vantagem e conveniência os serviços de um cônsul na China”.

Ele nem imagina que, mais de um século depois, a China se transformará numa potência econômica mundial e será o maior investidor estrangeiro no Brasil.

Reportagem e edição: Ricardo Westin
Pesquisa histórica: Arquivo do Senado
Edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Edição de fotografia: Pillar Pedreira
Infográfico: Aguinaldo Abreu
Foto da Capa: Library of Congress
Fonte: Agência Senado