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O artigo 19 do ato das disposições constitucionais transitórias

Por Rogério Tadeu Romano*

I – ESTABILIDADE E EFETIVIDADE

Por força do art. 37, inciso II, da CF, a investidura em cargo ou emprego públicos depende da prévia aprovação em concurso público, sendo inextensível a exceção prevista no art. 19 do ADCT. Precedentes: ADI nº 498, Rel. Min. Carlos Velloso , DJ de 9/8/96; ADI nº 208, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19/12/02; ADI nº 100, Rel. Min. Ellen Gracie , DJ de 1/10/04; ADI nº 88, Rel. Min. Moreira Alves , DJ de 8/9/2000; ADI nº 1.350/RO, Rel. Min. Celso de Mello , DJ de 1/12/06; ADI nº 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence , DJ de 16/3/07, entre outros.

O Supremo Tribunal Federal tem pacífica jurisprudência no sentido de que o princípio inscrito no art. 37, II, do texto constitucional, enquanto cláusula concretizadora dos postulados da isonomia e da impessoalidade, traduz-se em exigência inafastável de prévia aprovação em concurso público para efeito de legítima investidura em cargo ou emprego público.

Apenas a Lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem o ingresso no serviço públicos. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal, revestem-se de inconstitucionalidade, como ensinou José Celso de Mello Filho (Constituição Federal Anotada).

A Constituição Federal exige o concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público. Ademais é mister que haja pertinência nas disciplinas escolhidas para comporem as provas, assim como os títulos, a que se reconhecerá valor com a função a ser exercida.

Por sua vez, Adilson Dallari (Regime constitucional dos servidores públicos, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1990, pág. 36) define concurso público como sendo “um procedimento administrativo aberto a todo e qualquer interessado que preencha os requisitos estabelecidos em lei, destinado à seleção de pessoal, mediante a aferição de conhecimento, da aptidão e da experiência dos candidatos, por critérios objetivos, previamente estabelecidos no edital de abertura, de maneira a possibilitar uma classificação de todos os aprovados”.

A Constituição de 1988 utiliza a palavra investidura para designar o preenchimento de cargo ou emprego público. Como bem disse Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, volume III, tomo III, 1992, pág. 67), não se fala mais, como ocorreu, no passado, em primeira investidura, para deixar certo de que se cuida de todas as hipóteses em que se dá a condição de ingresso no quadro de servidores públicos. Assim a Constituição repudia aquelas modalidades de desvirtuamento da Constituição anterior criadas por práticas administrativas, que acabaram por custar o espírito do preceito. Exemplificou Celso Bastos com o que acontecia com o chamado instituto da transposição, que com a falsa justificativa de que o beneficiado já servidor público era, guindava-o para novos cargos e funções de muito maior envergadura e vencimentos que não nutriam, contudo, relação funcional com o cargo de origem, com o beneplácito da legalidade sob o fundamento de que primeira investidura já não era.

O artigo 41 da Constituição de 1988 confere a garantia da estabilidade apenas aos servidores nomeados mediante aprovação em concurso público, após dois anos de efetivo exercício. Cabe notar que o artigo 41 se refere apenas aos servidores da administração direta e autárquica, sujeitas a um regime jurídico único, de natureza estatutária, e, por conseguinte, titulares de cargo de provimento efetivo.

Não se confunda efetividade com estabilidade.

A esse respeito, Tito Costa (Estabilidade e efetividade no serviço público municipal, Boletim do Interior, 19/16), mostrou que efetividade e estabilidade são coisas diversas e inconfundíveis, descrevendo cada um dos institutos para revelar as distinções: “Efetividade: trata-se uma característica da nomeação, pois que pode haver, no serviço público, nomeação em comissão, em caráter vitalício, ou em caráter efetivo. O funcionário aprovado em concurso e nomeado para o cargo de provimento efetivo, passa, em seguida à sua nomeação e à posse, a ter efetividade sem ter estabilidade. Estabilidade: é o direito que adquire o funcionário nomeado por concurso, após dois anos de sua nomeação. O funcionário estável só poderá ser demitido em virtude de sentença judicial ou mediante processo administrativo no qual se tenha sido assegurado ampla defesa. Estabilidade diz respeito ao serviço público e não ao cargo. Assim pode a administração aproveitar um funcionário estável em outro cargo de igual padrão, de conformidade com as suas aptidões”.

Sobre a matéria já entendeu o STF:

ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO CÍVIL – PENSÃO POR MORTE – ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO – CONTRATO DE TRABALHO – CLT – ART. 19 DO ADCT – AQUISIÇÃO DE ESTABILIDADE – NÃO EFETIVIDADE – NÃO APLICAÇÃO DA LEI 8.112/90 – ART. 243, § 1º DA LEI 8.112.

Como lembraram Gustavo Henrique Justino de Oliveira e Wilson Accioly Filho(Reforma Administrativa e Estabilidade no Serviço Público: O Contrato Vitalício, in Consultor Jurídico, em 15.8.21), segundo o artigo 41 da Constituição, introduzido no cenário constitucional pela Emenda 19/1998, são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. Ainda prevê-se que o servidor público estável somente perderá o cargo: a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; b) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada a ampla defesa. Por fim, determina-se, como condição para a aquisição da estabilidade, a obrigatoriedade de uma avaliação especial de desempenho por comissão constituída para esta finalidade.

Entre as várias mudanças projetadas, certamente o fim da estabilidade para diversos cargos públicos é uma das mais polêmicas e controversas. Altera-se a principal garantia do funcionalismo público brasileiro e inclui no regime jurídico a noção privada de “vínculo de experiência”, de “cargo com prazo determinado” e de “avaliação periódica das metas de desempenho”.

Segundo a nova sistemática proposta pela reforma administrativa, somente adquirirá estabilidade o servidor que, após o término do vínculo de experiência, permanecer por um ano em efetivo exercício de cargo típico de Estado, com desempenho satisfatório, na forma da lei. Ainda, propõe-se que o servidor público estável ocupante de cargo típico de Estado somente perderá o cargo: a) em razão de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; b) mediante avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, assegurada a ampla defesa. Deixou-se, contudo, ao encargo do legislador infraconstitucional o ônus de detalhar os conceitos de: 1) gestão de desempenho; 2) condições de perda dos vínculos e dos cargos típicos. Ao fim, expressou-se na proposta a vedação do desligamento de servidores por motivação político-partidária.

Ainda segundo a Agência Câmara de Notícias, o texto envolve trechos da Constituição que tratam da administração pública em geral (artigos 37 e 37-A); dos servidores públicos (artigos 39, 39-A, 41, 40-A e 41-A); dos militares dos estados, do DF e dos territórios (artigos 42 e 48); das atribuições do presidente da República (artigo 84); dos ministérios (artigo 88); das Forças Armadas (artigo 142); do Orçamento da União (artigo 165); da Previdência Social (artigo 201); e de outras disposições gerais (artigo 247).

Em uma segunda parte, a PEC traz regras transitórias e prevê a eventual atuação dos entes federativos na regulamentação, já que alguns dispositivos – como exigência da criação de novos regimes jurídicos específicos para servidores –, se aprovados, dependerão de regulamentação posterior à promulgação das mudanças pelo Congresso Nacional.

Chamada pelo governo de PEC da Nova Administração Pública, a proposta altera 27 trechos da Constituição e introduz 87 novos, sendo quatro artigos inteiros. As principais medidas tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de pessoal, válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação das mudanças.

II – UMA FORMA DE ESTABILIDADE EXCEPCIONAL

Fala-se no artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que criou forma excepcional de estabilidade para servidores que entraram antes da promulgação da Constituição de 1988 sem concurso público.

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Na lição de Uadi Lammêgo Bulos ( Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 1469) a inserção do artigo 19 teve em vista a tutela daquelas situações específicas já consagradas desde o regime constitucional passado.

Disse ainda Uadi Lâmmego Bulos (obra citada):

“Todavia, saliente-se bem a aplicação desse artigo que tem dado margem a interpretações distorcidas, é limitadíssima só albergando os estritos termos de sua letra. Assim a regra é o pórtico alicerçado no art. 37, II< que exige concurso para a investidura em cargo ou emprego público, à exceção do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da Constituição da República de 1988 não pode ser reenquadrado em novo plano de cargos, carreiras e remuneração. A decisão foi tomada no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 1306505, com repercussão geral (Tema 1157), na sessão virtual encerrada em 25/3/22. O voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, foi acolhido de forma unânime.

O entendimento vale, também, para beneficiados pela estabilidade excepcional do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A regra não prevê o direito à efetividade, garantia inerente aos servidores admitidos mediante concurso público.

Ao votar pelo provimento do recurso, o relator explicou que a Constituição Federal (artigo 37, inciso II) deixa claro que apenas é considerado estável o servidor que ingressar na administração pública mediante prévia aprovação em concurso público para cargo de provimento efetivo e após o cumprimento de três anos de exercício. Segundo o ministro, a jurisprudência do Supremo é firme no sentido de que as situações flagrantemente inconstitucionais não podem ser consolidadas pelo decurso do tempo.

Ele observou que nem mesmo os servidores que preenchem os requisitos do artigo 19 do ADCT têm direito aos benefícios conferidos aos que ingressaram na administração pública mediante concurso. Assim, com menos razão, não se pode cogitar a continuidade de situação em que servidor contratado pelo regime celetista, sem concurso público, sem estabilidade, usufrui de benefícios legalmente previstos apenas para servidores efetivos, como informado pelo portal de notícias do STF, em 29/3/22.

O ministro ressaltou, ainda, que a jurisprudência do STF diferencia a “estabilidade excepcional” do ADCT da efetividade. Essa diferença foi reforçada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3609, quando a Corte invalidou a Emenda Constitucional 38/2005 do Acre.

A tese de repercussão geral fixada é a seguinte: “É vedado o reenquadramento, em novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração, de servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo que beneficiado pela estabilidade excepcional do artigo 19 do ADCT, haja vista que esta regra transitória não prevê o direito à efetividade, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal e decisão proferida na ADI 3609”.

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, reafirmou sua jurisprudência de que servidores admitidos sem concurso público ou que tenham adquirido estabilidade com a Constituição Federal de 1988 devem se aposentar sob o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Portanto, não têm direito às vantagens privativas dos servidores concursados ocupantes de cargo efetivo, que se aposentam sob as regras do regime próprio de previdência social (RPPS).

A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1426306, que, em deliberação no Plenário Virtual, teve repercussão geral reconhecida e mérito julgado. A presidente do STF, ministra Rosa Weber, é a relatora do processo.

Em seu voto, a relatora levou em conta a jurisprudência do STF (ARE 1.069.876-AgR/SP; 2ª Turma e ADPF 573/PI) no sentido de que os servidores abrangidos pela estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT não se equiparam aos servidores efetivos e não possuem vantagens privativas desses servidores, o que afasta a possibilidade de participação no RPPS.

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “São admitidos no regime próprio de previdência social exclusivamente os servidores públicos civis detentores de cargo efetivo (art. 40, CF, na redação dada pela EC nº 20/98), o que exclui os estáveis na forma do art. 19 do ADCT e demais servidores admitidos sem concurso público”.

No julgamento do RE nº 716378, com repercussão geral reconhecida (tema 545), realizado na sessão extraordinária no dia 07/08/19, o Tribunal Pleno do STF, por maioria, nos termos do voto do Relator e Presidente da Suprema Corte, Ministro Dias Toffoli, decidiu que a estabilidade especial do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) não se aplica aos empregados das fundações públicas de direito privado.

A tese aprovada para fins de repercussão geral proposta tem a seguinte redação:

1 – A qualificação de uma fundação instituída pelo Estado como sujeita ao regime público ou privado depende: I – do estatuto de sua criação ou autorização; II – das atividades por ela prestadas. As atividades de conteúdo econômico e as passíveis de delegação, quando definidas como objetos de dada fundação, ainda que essa seja instituída ou mantida pelo Poder Público, podem se submeter ao regime jurídico de direito privado.

2 – A estabilidade especial do artigo 19 do ADCT não se estende aos empregados das fundações públicas de direito privado, aplicando-se tão somente aos servidores das pessoas jurídicas de direito público.

Destaco o que foi dito no julgamento da REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.426.306 TOCANTINS.

“6. A jurisprudência do STF é no sentido de que os beneficiados pela estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT não são detentores das vantagens privativas dos servidores ocupantes de cargo efetivo, o que afasta a possibilidade de participação no regime próprio de previdência social. A partir da EC nº 20/1998, o regime próprio é exclusivo para os detentores de cargo efetivo, os quais foram aprovados em concurso público. Precedentes . “

……

  1. Pedido julgado parcialmente procedente, com a fixação da seguinte tese: “1. É incompatível com a regra do concurso público (art. 37, II, CF) a transformação de servidores celetistas não concursados em estatutários, com exceção daqueles detentores da estabilidade excepcional (art. 19 do ADCT); 2. São admitidos no regime próprio de previdência social exclusivamente os servidores públicos civis detentores de cargo efetivo (art. 40, CF, na redação dada pela EC nº 20/98), o que exclui os estáveis na forma do art. 19 do ADCT e demais servidores admitidos sem concurso público”.” ( ADPF 573/PI, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 09.3.20).”

Essa diretriz tem sido reiterada em diversas decisões, em casos idênticos ao presente. Confira-se a propósito: ARE 1.364.531/TO, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 25.02.2022; ARE 1.381.190/TO, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 16.5.2022; RE 1.362.166/TO, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 21.02.2022; RE 1.364.524/TO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 11.5.2022; RE 1.364.535/TO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 02.3.2022; RE 1.369.863/TO, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 22.4.2022; RE 1.381.716/TO, da minha lavra, DJe 04.7.2022; RE 1.392.419/TO, Rel. Min. André Mendonça, RE 1.403.847/TO, Rel. Min. Nunes Marques, DJe 05.12.2022; RE 1.416.017/TO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 02.02.2023; RE 1.421.314/TO, Rel. Min. Luiz Fux , DJe 28.02.2023; DJe 10.4.2023.

Ainda foram colacionados os seguintes julgados:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. SERVIDORA PÚBLICA APOSENTADA. ESTABILIDADE DO ART. 19 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO ENTRE SERVIDORES ESTÁVEIS NÃO EFETIVOS E SERVIDORES EFETIVOS. VINCULAÇÃO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.” ( RE 1.375.560-AgR/TO, Red. p/ acórdão Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 04.7.2022)

“Agravo regimental em recurso extraordinário. Administrativo. Servidores públicos detentores da estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT. Inclusão no regime próprio de previdência social. Impossibilidade. Precedentes. 1. Os servidores abrangidos pela estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT não se equiparam aos servidores efetivos, os quais foram aprovados em concurso público. Aqueles possuem somente o direito de permanecer no serviço público nos cargos em que foram admitidos, não tendo direito aos benefícios privativos dos servidores efetivos. 2. Conforme consta do art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 42/03, pertencem ao regime próprio de previdência social tão somente os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclusive de suas autarquias e fundações. 3. Agravo regimental provido para se dar provimento ao recurso extraordinário, sem condenação ao pagamento de custas ou de honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.” ( RE 1.381.167-AgR/TO, Red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli , Primeira Turma, DJe 05.9.2022).

Tem-se, então, que os servidores admitidos sem concurso público até a promulgação da Constituição Federal de 1988 devem se vincular ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – administrado pelo INSS – e não sob as regras dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).

Os servidores abrangidos pela estabilidade excepcional prevista no art. 19 do ADCT não se equiparam aos servidores efetivos, os quais foram aprovados em concurso público. Aqueles possuem somente o direito de permanecer no serviço público nos cargos em que foram admitidos, não tendo direito aos benefícios privativos dos servidores efetivos.

Diga-se que as decisões do STF referenciadas sobre o tema de aposentadoria para aqueles servidores públicos sujeitos àquela estabilidade excepcional não lhes obrigam a ser aposentar com data certa. Isso somente existe para as chamadas aposentadorias compulsórias pelo limite de idade de 75 anos como previsto na Constituição. O prazo ali citado está vinculado ao que diz o próprio dispositivo constitucional previsto no artigo 19 do ADCT (em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição). .

III – OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ESTABELECIDOS

Estamos diante de limitações explícitas ou implícitas que a Constituição Federal apresenta aos Estados Membros, aos Municípios e ao Distrito Federal e que podem ser vedatórias ou mandatórias.

São o que José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, ed. RT, 5ª edição, pág. 515) chama de princípios constitucionais estabelecidos.

São –como ensinou Raul Machado Horta (A Autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro, 1964, pág. 225) os que limitam a autonomia organizatória dos Estados, são aquelas regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama pesquisa no texto da Constituição.”

As limitações expressas ao Constituinte Estadual são consubstanciadas em dois tipos de regras: umas de natureza vedatória e outras mandatórias.

As primeiras proíbem explicitamente os Estados de adotar determinados atos e procedimentos.

As limitações de natureza mandatórias consistem em disposições que, de maneira explícita e direta, determinam aos Estados a observância de princípios de sorte que na sua organização administrativa hão de adotá-los. Aos Estados não mais resta que transcrever, em toda a sua essência, os princípios referenciados nos artigos 37 a 41 da Constituição Federal, tendo ainda que segui-los sob pena de uma atuação inconstitucional.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Uma medida provisória questionável

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O VETO PRESIDENCIAL

Com o veto o Presidente da República nega a aquiescência à formação da lei, por entendê-la inconstitucional ou por contrária ao interesse público.

Aliás, desde 1891 (Constituição Federal, artigo 37, § 1§), restringem-se os casos de veto: a) a inconstitucionalidade do projeto; b) a ofensa aos interesses nacionais.

Ensinou Paulino Ignácio Jacques (Curso de Direito Constitucional, 9ª edição, pág. 263) que é uma instituição própria do governo presidencial, que se desenvolveu e se aperfeiçoou nos Estados Unidos. Afasta-se o veto do modelo antigo romano, exercido pelos tribunos plebei, e com o qual invalidaram o senatus consultus.

Trata-se de poder e direito porque o seu exercício depende da vontade do Presidente da República, que é manifestada de acordo com a Constituição.

Historicamente, ainda ensinou Paulino Jacques (obra citada, pág. 264) foram conhecidos três espécies de veto: o absoluto, o suspensivo e o restitutório. O absoluto, vigente ao tempo do tribunato romano, consistia na oposição irrevogável dos tribunos aos decretos do Senado; o segundo, o suspensivo, foi fruto do constitucionalismo anglo-americano (1689 – 1776), suspendia a vigência da lei até nova deliberação; o restitutório, que foi inaugurado na República de Weimar, submetia ao povo, em plebiscito a solução da controvérsia.

Em Portugal, o veto de inconstitucionalidade pode ser superado por expurgação ou confirmação por maioria qualificada (artigo 279, º 2º).

No Brasil, o veto pode ser suprimido pelo Legislativo, por maioria absoluta de cada uma das Casas reunidas em sessão conjunta, no prazo de trinta dias, contados de seu recebimento pelo Presidente do Senado (artigo 66, § 4º). É caso de veto relativo e não de veto absoluto, como já observara Celso Ribeiro Bastos (Curso de direito constitucional, 11ª edição, pág. 314).

II – ADI 7232

O que dizer quando o Poder Executivo, ao desconhecer a derrubada do veto, criar nova norma jurídica em detrimento daquela decisão do Poder Legislativo?

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia para suspender os efeitos da Medida Provisória (MP) 1.135/2022, que alterou leis que davam apoio financeiro ao setor cultural e de eventos. A decisão se deu, na sessão virtual extraordinária realizada, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7232, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade.

A fim de ajudar o setor cultural em razão da pandemia da covid-19, o Congresso Nacional editou a Lei 14.148/2021 (que criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), a Lei Aldir Blanc 2 (Lei 14.399/2022) e a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195/2022). As normas foram vetadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e, após a derrubada dos vetos pelo Congresso, ele editou a MP.

Em seu voto pela manutenção da cautelar, a ministra Cármen Lúcia reiterou que a medida provisória esvaziou a eficácia das normas aprovadas pelo Legislativo.

A relatora observou ainda que a MP não atendeu aos requisitos de urgência e de relevância do tema. Segundo ela, as leis foram resultado de um longo processo legislativo, conduzido por quase um ano.

Outro ponto assinalado foi o desvio de finalidade na edição da MP. “O que se tem é um quadro no qual o presidente da República não aceita o vetor constitucional nem a atuação do Poder Legislativo e busca impor a sua escolha contra o que foi ditado pelo Parlamento, que é, no sistema jurídico vigente, quem dá a última palavra em processo legislativo”, afirmou.

Ao deferir a liminar, a ministra considerou que a medida provisória esvaziou a eficácia das normas aprovadas pelo Legislativo.

Ficam assim suspensos os efeitos da medida provisória em sua integralidade, desde o início da sua vigência, mas ela continuará a tramitar como projeto de lei no Congresso Nacional, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal. Ficam, assim, restauradas as leis anteriores.

Deve o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes, no caso da perda de vigência da MP.

A teor do parágrafo 11 do artigo 62 da Constituição, não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

III – NÃO TEM O PODER EXECUTIVO SUPERPODER PARA SUSPENDER DECISÃO DO CONGRESSO QUE DERRUBOU SEU VETO

Já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), em mais de uma ocasião ( ADI n.º 2.010; ADI n.º 7.232), que a “medida provisória não é desvio para se contornar a competência do Congresso Nacional”, sendo “inconstitucional a utilização deste instrumento excepcional para sobrepor-se a atuação presidencial à vontade legítima das Casas Legislativas”.

Quando o Congresso promulga a lei e o Executivo edita MP para desfazer o trabalho congressual, tem-se uma anomalia no sistema.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2010 – 2 – Distrito Federal (Medida Cautelar) deixou destacado:

“PRINCÍPIOS DA IRRETIBIBILIDADE DOS PROJETOS REJEITADOS NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA ( CF, ART. 67)– MEDIDA PROVISÓRIA REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONAL – POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI, PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA , NO INÍCIO DO ANO SEGUINTE EM QUE SE DEU A REJEIÇÃO PARLAMENTAR DA MEDIDA PROVISÓRIA”.

De toda sorte, não cabe ao Presidente da República ter uma espécie de superpoder para rever, quando bem entender, decisões tomadas por amplíssima maioria no Congresso Nacional, sobretudo quando por meio do exercício de derrubada de veto.

Em suas razões de voto, no julgamento daquela Ação Direta de Inconstitucionalidade aqui reportada, disse a ministra Cármen Lùcia: “O advento de medida provisória, alterando o que fora aprovado, vetado e superado pela promulgação da lei pelo Congresso Nacional impõe quatro níveis de questionamento sobre a validade jurídica do ato normativo: a) o primeiro, sobre a obediência aos requisitos de relevância e urgência para a expedição da medida; b) o segundo, a natureza provisória da medida (que, no caso, impõe a postergação do que fora determinado em lei); c) o terceiro, sobre a legitimidade constitucional de burla ao devido processo legislativo pela superação do que fora ultrapassado ao veto oposto. Deu-se novo tratamento do tema em via extraordinária, o que configura desvio de finalidade do exercício da competência conferida constitucionalmente ao Presidente da República; d) o quarto, se seria possível, constitucionalmente, alterar-se matéria cuidada em lei complementar (a Lei Complementar n. 195/2022), cujo processo legislativo é específico, com exigência de quórum qualificado, por medida provisória.”

Explicou o Ministro Celso de Mello que, “a possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apoia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipótese em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais” ( ADI 2.213-MC, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 23.4.2004).

IV – O CASO DE MP QUE TRATA DE DESONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS

Veja-se o caso da edição de medida provisória em flagrante oposição a derrubada de veto presidencial no caso das desonerações tributárias.

O governo editou uma medida provisória ( MP 1202/2023) que muda as regras da desoneração da folha de pagamento, promulgada, no dia 28.12.23, pelo Congresso Nacional, após a derrubada do veto do presidente Lula. O texto prevê alterações já a partir de abril: alíquota menor apenas para um salário mínimo por trabalhador e redução gradual de benefícios, como informou o portal da Rádio Senado.

O que se tem, assim, é quadro no qual o Presidente da República não aceita o vetor constitucional, nem a atuação do Poder Legislativo e busca impor a sua escolha contra o que ditado pelo Parlamento, que é, no sistema jurídico vigente, quem dá a última palavra em processo legislativo. E adota essa postura normativa pela edição da medida provisória expedida, assim, em desvio de finalidade que contamina aquele documento, maculando-o por inconstitucionalidade, como afirmado pelo autor da presente ação, como disse a ministra Cármen Lúcia em oportunidade anterior.

Caso seja exercida aquela competência para burlar a necessidade urgente sobre questão relevante pela edição de medida provisória, por exemplo, para sobrepor a decisão executiva ao que decidido e legislado pelas Casas Congressuais, está a se incorrer em inconstitucionalidade, por se desviar da finalidade a que se destina aquela atribuição.

Inexistem assim os pressupostos específicos para a edição da medida provisória: sua relevância e o perigo de demora (urgência).

O art. 62 da Constituição da República prevê: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”

Relevância é requisito que se remete ao fundamento que há de ser, motivadamente, havido como detendo realçada importância para o exercício extraordinário da competência executiva e que precisa ser objetivamente demonstrada para legitimar a prática. A relevância mencionada constitucionalmente refere-se ao interesse público qualificado, para além do ordinário, não sendo atendida essa condição aquela previsível e de trivial atendimento pelo desempenho legislativo normal, regular, atendido pelo regular trâmite que conduz à produção das leis. Para Clermerson Merlin Clève, “a relevância não é apenas um pressuposto relacionado com a matéria a ser veiculada na medida provisória, pois deve lastrear, igualmente, a situação ensejadora do provimento… a relevância demandante de sua adoção não comporta satisfação de interesses outros que não os da sociedade… a relevância autorizadora da deflagração da competência normativa do Presidente da República não se confunde com a ordinária, desafiadora do processo legislativo comum. Trata-se, antes, de relevância extraordinária, excepcional, especialmente qualificada, contaminada pela contingência, acidentabilidade, imprevisibilidade.” (CLÈVE, Clemerson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 69), como lembrou a ministra Cármen Lùcia, naquela decisão reportada.

A relevância constitucional autorizadora da medida provisória relaciona-se ao interesse público extraordinariamente realçado pela sua gravidade, pelo atendimento a ser assegurado em molde a não poder aguardar a tramitação regular de um projeto de lei, tendo repercussão de tal vulto que impõe entrega pronta e eficaz da norma para cumprir a exigência pública. 26. Urgência conjuga-se com o tempo, que impõe a edição da medida por não se dispor de dilação suficiente para a tramitação ordinária de projeto de lei.

Tenha-se em conta que a medida provisória não revoga lei anterior, mas apenas suspende seus efeitos no ordenamento jurídico, em face do seu caráter transitório e precário.

Lembre-se, na lição de Paulino Jacques (Curso de introdução à ciência do direito, 2ª edição, pág. 107) que “a lei posterior revoga a anterior em três casos: a) quando expressamente o declare; b) quando, seja com ela incompatível; c) quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. “

Todavia, quando a lei posterior (lei nova) estabelece disposições gerais ou especiais ao lado das já existentes, sem que haja incompatibilidade entre elas, não revoga, nem modifica a lei anterior (lei velha).

Como ainda ensinou Paulino Jacques (obra citada, pág. 108),”demais a lei revogada não se restaura quando a lei revogada perde a vigência. Como ainda nota Oscar Tenório, “o advento de uma lei resulta, às vezes, na morte de outra. Esta não ressuscita, mesmo quando a lei que a eliminou do mundo jurídico, também se extinguiu. Somente por disposição expressa do legislador, a lei morta ressuscita, volta a ocupar lugar no sistema jurídico do país”(in Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, Editor Borsói, Rio, 1955, 2ª edição, pág. 92, nº 140). Essa lei que ressuscita a lei morta, ou sem metáfora, que restaura expressamente a lei revogada, se denomina “lei repristinatória”, que restabelece o passado.”

Sendo assim, diante do fato aqui trazido à colação, tem-se que faltam àquela MP 1202/2023 os requisitos próprios para a sua edição.

Dir-se-ia que o caminho, pois, seria a sustação dos efeitos da medida com sua devolução pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo, para que este ofereça um projeto de lei, que, a seu tempo, deveria ser examinado pelo Congresso Nacional para aprovação ou não.

Saliente-se, entretanto, que a medida de desoneração da folha tem aspectos negativos no direito financeiro.

V – A DESONERAÇÃO DA FOLHA FERE A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Observe-se o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001) (Vide ADI 6357)

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

…..

Essa Lei de desoneração da folha fere o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Os efeitos das perdas de receita (chamadas de renúncias fiscais, no jargão) não estão contemplados nas projeções e nas metas fiscais para 2024, tampouco a nova lei trouxe medidas para neutralizar o custo contratado.

Felipe Salto (O cheque sem fundo do Congresso, in Estadão, 18.1.24) trouxe sobre a matéria importantes conclusões do ponto de vista fiscal:

“A desoneração da folha é uma medida sem efeito sobre o emprego, a renda e o crescimento econômico. Mesmo assim, o Congresso decidiu rejeitar o veto presidencial e impor ao País um custo de cerca de R$ 20 bilhões. Pior, não mostrou como a conta seria paga, em desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.

A Lei Orçamentária Anual não previa recursos para essas duas finalidades – a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores de atividade econômica e a redução da alíquota de contribuição previdenciária para um conjunto de municípios (aqueles que utilizam o regime geral da Previdência para seus servidores). O Congresso, depois de garfar R$ 53 bilhões em emendas, no processo orçamentário, deu ao governo mais esse presente de grego.”

E concluiu:

“A desoneração da folha é uma medida sem efeito sobre emprego, renda e crescimento. Mesmo assim, o Congresso decidiu impor ao País um custo de R$ 20 bi.”

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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RN, a imagem do elefante deitado

Por Ney Lopes*

Já batendo a porta de 2024, que será um ano de eleições.

Não se trata de pessimismo, mas olhar a realidade política e econômica do RN é constatar, que avanços, debates, inovações são palavras proibidas.

Os parlamentares, o governo estadual e municípios não são medidos por ações objetivas, através da criatividade de ações ousadas para a economia e área social.

Exceção à regra, apenas alguns empreendedores privados, que enfrentam dificuldades por pensarem com lucidez.

É hora de olhar pelo retrovisor para identificar acertos, erros cometidos e projetar o futuro.

O que se deseja para 2024 são os “atos” e “gestos” políticos voltados para o pensamento sério, soluções que tenham começo, meio e fim.

Jamais, o “toma lá, dá cá”, que garante “o apoio hoje” para ser “retribuído amanhã”.

O mais grave é que se faz essa troca de interesses em nome da ética dos partidos, num verdadeiro estupro aos valores morais e sociais.

A eleição de prefeitos e vereadores em Estado pequeno como o nosso, deve preceder cautelas quanto à confiabilidade e experiência para os cargos disputados.

Do contrário, o estado corre o risco de tornar-se menor, do que já é.

Infelizmente, o cenário de “artimanhas e jogadas” está pintado e quase emoldurado.

Para confirmar o óbvio é suficiente comparar o RN com estados vizinhos.

O Ceará investe mais de 5 milhões de euros com equipamentos tecnológicos de última geração para os laboratórios da sua rede de pesquisa científica.

A Paraíba atualiza o pensamento de Celso Furtado, de acordo com a Agenda 2030, da ONU, visando estimular inovações voltadas à melhoria do estado.

Participei na época que presidi o PARLATINO, da “IV Conferência da União Europeia com América Latina e Caribe”, realizada na Áustria com 60 chefes de Estado presentes dos dois continentes.

Desfrutei momentos de convivência com as personalidades presentes.

Era presidente do Parlamento Europeu o deputado espanhol Joseph Borell, hoje ministro das relações exteriores da União Europeia.

Sempre defendi um tratado comercial do Brasil com os países limítrofes no norte do pais, que seria o MERCONORTE.

Nestes países, vivem mais de 100 milhões de consumidores, que seria a porta de acesso para promover mudanças nos padrões de consumo.

Falei a ideia a Borell e ele se entusiasmou.

Disse que na Europa os países confrontantes formam essas áreas comerciais, imagine mais de cinco países, envolvendo a área amazônica.

“Malhei em ferro frio”.

No RN, governo, a classe política e empresarial fizeram ouvido de “mercador”.

Depois, lembrei que a ferrovia transnordestina, que integra o Nordeste, prossegue a construção, com a criminosa exclusão do RN.

Sugeri mobilização política.

Nada ocorreu.

A chegada das águas do São Francisco, até agora, uma miragem.

Pequeno RN sem sorte.

Com a forma geográfica de elefante, a sua imagem na chegada de 2024 é de um mamífero deitado e sem ação.

Fazer o que?

*É jornalista, advogado e ex-deputado federal.

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Algumas notas sobre o assédio eleitoral

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo o que foi narrado Agência Brasil , em 27.12.2023:

“A Justiça do Trabalho em Goiás condenou o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) ao pagamento de R$ 80 mil por danos morais. O parlamentar foi acusado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de assédio eleitoral em âmbito trabalhista durante o segundo turno das eleições de 2022.

De acordo com o MPT, Gayer realizou reuniões com funcionários de diversas empresas para promover “propaganda eleitoral irregular” para o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro. Em um dos casos, Gayer foi a uma padaria, a pedido do proprietário, e fez uma reunião com os colaboradores para falar sobre “as propostas dos candidatos à Presidência da República”.

No ano passado, após receber uma denúncia anônima, os procuradores entraram com uma liminar na Justiça do Trabalho para impedir a realização de novas reuniões durante o período eleitoral, e o pedido de suspensão foi aceito.

No último domingo (25), o juiz Celismar Coelho de Figueiredo, da 7ª Vara do Trabalho de Goiânia, proferiu sentença para condenar o deputado ao pagamento da indenização de R$ 80 mil.

“A prova documental, apresentada pelo MPT, deixa clara a prática de assédio moral eleitoral no ambiente de trabalho, perpetrada pelo requerido contra trabalhadores de diversas sociedades empresárias sediadas nesta capital, coagindo-os moralmente a votarem em um candidato específico como meio de manutenção e criação dos empregos, caso referido candidato fosse reeleito”, escreveu o juiz.”

Preocupa o que é narrado no site Consultor Jurídico em 12.12.2022:

“Em Pernambuco, uma integrante do departamento de recursos humanos da rede Ferreira Costa ameaçou demitir empregados que declarassem voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições. No Pará, um empresário foi multado em R$ 300 mil após prometer R$ 200 a cada trabalhador que não votasse no ex-presidente. No Rio Grande do Sul, a empresa de maquinários agrícolas Stara ameaçou reduzir seu quadro de empregados caso o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), não se reeleja. Por causa disso, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública pedindo o pagamento de R$ 10 milhões por dano moral coletivo.”

Há níveis altos de denúncias de assédio eleitoral no âmbito eleitoral nessas eleições.

À época foram registrados 169 casos. A região Sul tem o maior número de acusações, com 79 ocorrências, sendo 29 no Paraná, estado com maior quantidade de queixas. Na segunda posição está a região Sudeste, com 43 denúncias, seguida por Nordeste (23), Centro-Oeste (13) e Norte (11).

A resolução 23.610 do TSE, em seu artigo 20, prevê que   não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de …. (Lei nº 9.504/1997, art. 37, § 2º). Não se permite, assim, a distribuição ou exposição de propaganda eleitoral dentro das empresas, especialmente, com a exigência de uso de vestimentas em referência a algum candidato.

Trata-se de assédio eleitoral matéria que prioritariamente deve ser tratada no âmbito do Ministério Público do Trabalho.

O MPT divulgou a Recomendação 01/2022 com o intuito de orientar as empresas e empregadores sobre as consequências da prática do assédio eleitoral.

Foi divulgada também uma nota técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre a prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho

É espécie de assédio moral.

Ricardo Calcini, professor e coordenador editorial trabalhista, explica o que é assédio eleitoral no ambiente de laboral: “É o abuso de poder patronal para que o (a) trabalhador (a) seja coagido (a), intimidado (a), ameaçado (a) ou influenciado (a) em seu voto. Caso seja comprovada a denúncia, a empresa poderá responder uma ação civil pública e, assim, poderá suportar o pagamento de uma indenização por danos morais”.

Disse Nayana Shirado ( Disponível https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/5271/2015_shirado_assedio_eleitoral_ambiente.pdf?sequence=6&isAllowed=y):

“Para além da campanha eleitoral realizada no chão da fábrica ou no corpo a corpo do lado de fora, algumas candidaturas imbuídas do espírito de que para ser eleito vale tudo, lançam mão de condutas entre apoiadores e colaboradores, no ambiente de trabalho, que desequilibram a disputa eleitoral e beiram, no mínimo, à reprovação moral.

O Tribunal Superior do Trabalho, em oportuna iniciativa, apresentou à sociedade uma cartilha que é um instrumento importante contra essa conduta corrosiva que ocorre nos ambientes de trabalho. Ali se diz:

“Assédio moral é a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades. É uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho.”

O assédio moral é conceituado por especialistas como toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho”.

Disse ainda Pedro Paulo Teixeira Manus que na atividade empresarial há uma obrigação de fiscalizar os atos praticados pelos seus prepostos, pois estes agem em seu nome e, portanto, responsabilizam-na por prejuízos que venham a causar.

Há um dano moral.

Louve-me da lição de Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição revista e ampliada, São Paulo, Atlas, pág. 82) para quem se pode conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. Por essa razão, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral.

Trata-se da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho ou assédio político, como também é conhecido o fenômeno que, embora mereça maior atenção da comunidade jurídica, por tangenciar o direito eleitoral, o direito administrativo e o direito do trabalho, não ensejou produção legislativa ou literatura específica até o presente momento, havendo esparsas menções nas atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima”.

Sendo assim qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona à honra, constitui dano moral e é indenizável.

É a linha do pensamento trazido pelo Ministro Cézar Peluso, no julgamento do RE 447.584/RJ, DJ de 16 de março de 2007, onde se acolhe a proteção do dano moral como verdadeira tutela constitucional da dignidade da pessoa humana, considerando-a como um autêntico direito à integridade ou incolumidade moral, pertencente à classe dos direitos absolutos.

Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes(Assédio eleitoral nas relações de trabalho, in Consultor Jurídico, em 13 de outubro de 2022) disseram-nos que:

“Claro está, portanto, que a empresa deve adotar todas as medidas efetivas a fim de coibir a prática do assédio eleitoral, pois, uma vez configurado, justifica até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afinal, o empregador deve zelar por um meio ambiente do trabalho seguro e saudável, de sorte a promover, através de políticas internas, orientações para se evitar campanhas e propagandas políticas no local de trabalho.

Em arremate, impende destacar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, encontrando limitações, principalmente, quando colide com os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.”

Nas últimas eleições colombianas, surgiram casos de empresários que exerceram pressões indevidas sobre seus trabalhadores para que se abstenham de votar no candidato de esquerda, comportamento que a Missão de Observação Eleitoral qualificou de” criminoso “, como revelou importante reportagem do O Globo, em 20 de maio de 2022.

O exemplo mais notório foi o de Sergio Araújo Castro, um dos fundadores do Centro Democrático, atual partido no poder, juntamente com o ex-presidente Álvaro Uribe. Castro desencadeou uma discussão acalorada ao garantir, nas redes sociais, que pretende demitir os trabalhadores de suas empresas que apoiassem o candidato presidencial do Pacto Histórico, a heterogênea coalizão de esquerda que já obteve a maior bancada no Congresso no eleições legislativas de março:

“Um funcionário que vota no Petro não se encaixa no meu esquema de negócios e simplesmente precisa sair “, escreveu Castro.

No Brasil, como dito, o quadro não é diferente, infelizmente.

Como revelou site da CUT, em 2 de setembro de 2022, empresária Roseli Vitória Martelli D’Agostini Lins do setor agropecuário, divulgou um vídeo nas redes sociais estimulando seus colegas a demitir trabalhadores e trabalhadoras que forem votar no ex-presidente Lula (PT) nas eleições para presidente em 2 de outubro deste ano.

“Demitam sem dó”, diz a sócia da empresa baiana Imbuia Agropecuária LTDA, que produz soja no município de Luís Eduardo Magalhães.

“Eu queria falar algo para os nossos agricultores: façam um levantamento, quem vai votar no Lula e demitam. Demitam sem dó porque não é uma questão de política, é uma questão de sobrevivência. E você que trabalha com o agro e que defende o Lula, faça o favor, saia também”, afirmou a empresária no vídeo.

“Nós, agricultores, temos que tomar posição. E não venham me dizer ‘ah, não, tem que [respeitar] o direito’. Não é direito, é questão de sobrevivência.”

Extrapolando o âmbito trabalhista há evidente ação escandalosa nos limites eleitorais de forma de captação de sufrágio que geralmente é aliada ao abuso de poder econômico e político.

A captação ilícita de sufrágio e o abuso do poder econômico, apesar de semelhantes, não se confundem. Ambos constituem ilícitos eleitorais que acarretam a cassação do registro ou do diploma do candidato em virtude do emprego de vantagens ou promessas a eleitores em troca de votos, apresentando, todavia, cada qual as suas particularidades, seja na fonte de previsão legal, seja no objeto que visam tutelar.

A compra de votos, espécie do gênero abuso do poder econômico, está prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 e assim deve ser identificada:

[…] doação, oferecimento, promessa, ou entrega, ao eleitor, pelo candidato, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufirs, e cassação do registro ou do diploma.

Tem-se o ilícito penal:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Trata-se de crime formal, instantâneo.

O tipo penal permite a prática da oferta de sursis processual e ainda de proposta de não persecução penal por parte do Parquet.

Na captação ilícita de sufrágio, ou compra de votos, o beneficiário da ação do candidato deve ser, necessariamente, o eleitor, caso contrário, não haverá perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto, não se configurando, portanto, o ilícito.

Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531) procura defini-lo como a “vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhe o voto”.

Na captação ilícita de sufrágio, ou compra de votos, o beneficiário da ação do candidato deve ser, necessariamente, o eleitor, caso contrário, não haverá perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto, não se configurando, portanto, o ilícito.

Dita o artigo 41- A da lei de eleicoes:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990 . (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

  • 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
  • 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).

Como explicou Adriano Soares da Costa (Instituições de Direito Eleitoral, 5ª edição, pá. 400) “a sanção prevista pelo art. 41-A, visando a fustigar os que cometerem a captação de sufrágio, é desdobrada em uma multa pecuniária e na poda do registro de candidatura ou diploma; “(….) sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma. Observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, prescreve o documento normativo.”

É certo que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, em diversos julgados, no sentido de que a cassação do registro por captação ilícita de sufrágio não induz a inelegibilidade, mas apenas a perda de condição de candidato.

Disse Adriano Soares da Costa (obra citada, pág. 492):

“Ora, se a norma do art. 41-A prevê como ilícita a conduta do candidato de apenas prometer uma vantagem pessoal de qualquer natureza, com a finalidade de obter do eleitor o voto, está claro que não se há de falar em relação de causalidade ou em gravidade do ato do candidato para se lhe infringir uma sanção. Havida a promessa – note-se, basta a promessa – consumado está o tipo da captação ilícita de sufrágio. Seja como for, parece-nos que tanto na hipótese do abuso de poder econômico, como na captação de sufrágio, se busca coibir a perturbação da livre manifestação popular, sendo essa joeira retórica utilizada naquele julgamento sem densidade alguma para servir de critério para apartar ambos os ilícitos eleitorais.

Quem oferece ou promete vantagem pessoal ao eleitor, com o fito de lhe obter o voto, está perturbando a livre manifestação popular, corrompendo assim a vontade a ser manifestada pelo eleitor.”

Situações como essas minam as relações trabalhistas e são péssimas para a democracia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Lula em um ano de resistência democrática

O desfecho de 2023 é o melhor possível para o presidente Lula (PT) dentro das possibilidades dadas ao governante. Ele iniciou a gestão enfrentando um golpe de estado que fracassou muito mais por falta de apoio externo do que por desinteresse da elite nacional.

Lula conseguiu reagrupar a institucionalidade oferecendo estabilidade e previsibilidade. Dialogou com militares, mercado, judiciário e parlamento.

Não venceu sempre, mas conseguiu muito para tamanho cenário hostil.

Lula resgatou o Brasil no cenário internacional após uma quadra histórica na condição “pária”.

O presidente encerra 2023 com arcabouço fiscal aprovado, reforma tributária tirada do papel após décadas, com inflação baixa, desemprego em queda, programas sociais retomados e a democracia preservada.

Impossível afirmar que o desempenho do presidente foi ruim. Isso é trabalho para bolsonarista fanático.

Só pela resistência democrática o ano de Lula já valeu a pena.

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Em 2023 a popularidade de Allyson foi resiliente, mas confusões e incoerências geraram uma massa crítica contra prefeito

O balanço do prefeito Allyson Bezerra (União) em 2023 é de resiliência da popularidade que se mantém acima dos 80% de aprovação, embora ele goste de inflar os números que já são estratosféricos nas suas redes sociais.

O prefeito se esforçou bastante para sofrer um “Efeito Silveira” que saiu de uma aprovação de 70% no final de 2014 para uma desaprovação recorde e irreversível na metade de 2015.

Allyson passou 2023 arrumando confusão e tendo atitudes incoerentes. Numa delas, o prefeito fez cobranças públicas a governadora Fátima Bezerra (PT) por dívidas que o Estado teria com o município sendo que a própria Prefeitura também é devedora da CAERN, sem contar que os dados apresentados são inconsistentes.

Chegou a mandar quatro secretários darem uma coletiva anunciando a possibilidade de atrasos salariais por causa de uma oscilação no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Tudo isso sendo o mesmo Allyson que ficou em silêncio quando Jair Bolsonaro (PL) era o presidente que mexeu em impostos de cima para baixo e provocou queda de arrecadação nos municípios.

Na mesma semana da coletiva, Allyson ficou em Mossoró para a inauguração de um supermercado enquanto os outros prefeitos estava em Natal protestando na Assembleia Legislativa e se reunindo com a bancada federal por mais recursos do FPM.

Outro problema foi com os servidores.

Allyson se recusou a cumprir a lei do piso nacional da educação e resolveu a greve apelando para a justiça, brigou com o Sindserpum e outros sindicatos.

Em junho, ofuscou um Cidade Junina bem-sucedido numa crise com sindicatos e funcionalismo com um pacotaço de retirada de direitos.

Ele descumpriu acordo com os guardas municipais e foi alvo de protestos e chegou a protagonizar uma cena patética em que reagiu a vaias com pulinhos na abertura da Ficro.

O prefeito rompeu a institucionalidade fazendo negociações paralelas, ignorando os sindicatos.

No fim do ano, ele protagonizou o aumento salarial dos vereadores, secretários, vice-prefeito e prefeito para 2025. Tentou jogar a culpa na Câmara sendo que ele mesmo já tinha defendido publicamente o aumento salarial dos secretários e foi a gestão dele quem fez o estudo de viabilidade econômica dos aumentos.

Fora isso, os problemas na saúde sempre abafados vieram à tona com a reprovação das contas de 2022 no Conselho Municipal de Saúde. Um fato que o prefeito deu de ombros.

Também partiu para o assédio judicial contra os poucos setores da imprensa que criticam a gestão e trazem pautas negativas. O principal alvo é o Portal Boca da Noite, sobrou até para esta página por ter repercutindo uma notícia usando apenas dados do Portal da Transparência.

As confusões e incoerências geraram uma massa crítica em relação ao prefeito até então inexistente nas redes sociais. É visível a quantidade de pessoas criticando e fazendo cobranças ao prefeito que tenta reverter com manifestações que mais parecem um campeonato de quem é o melhor puxa-saco de Allyson.

O prefeito se esforçou para a popularidade dele cair em 2023, mas ela se mostra resiliente. Mas essa lua de mel não é eterna.

Rosalba Ciarlini está aí para contar a história.

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Uma realidade política que permanentemente se renova e a mutação constitucional

Por Rogério Tadeu Romano*

Rudolph Smend, jurista alemão a que se deve a chamada teoria da integração, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, eminentemente social-democrática, dizia que “o Estado é uma permanente realidade que se renova com a participação e a adoção de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum e em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções”.

Dizia ele: “O Estado vive de um plebiscito que se repete todos os dias. Este fato da vida estatal é, por assim dizer, a sua substância medular, e é este fato que eu denomino integração”.

Ou seja: o governante deve se legitimar junto ao povo, todos os dias.

Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.

Com o termo integração, no estudo de uma democracia social, Smend indicou a adequação constantemente renovada pelos indivíduos e grupos, por meio de atos e funções, à ideia diretora da comunidade, aos valores ou às “imagens espirituais coletivas”.

Rudolf Smend via o Estado como integração.

Ensinou ele:

[…] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 62-63), como registrou

A “integração da realidade”, para Smend (obra citada, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”.

Como o próprio nome diz, a “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (Constitución y Derecho Constitucional. Traducción de José Maria Beneyto Pérez. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”, como bem resumiu André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11).

André Luiz Fernandes Fellet(Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores) afirmou que “num período de profunda crise política e econômica na Alemanha do Primeiro Pós-Guerra (VERDÚ, 1987, p. 31 e ss.), vinha à lume a obra fundamental de Rudolf Smend: “Constituição e Direito Constitucional” (Verfassung und Verfassungsrecht, Duncker & Humblot, München und Leipzig, 1928).

O autor considera que o objeto do Estado e do Direito Constitucional é o Estado como parte da “realidade espiritual”. De acordo com o último, as formas espirituais coletivas não são estáticas, sendo unidades de sentido da realidade espiritual em constante atualização funcional, em constante reprodução. Nas suas próprias palavras: […] o Estado não constitui como tal uma totalidade imóvel, cuja única expressão externa consiste em expedir leis, acordos diplomáticos, sentenças ou atos administrativos. Se o Estado existe, é unicamente graças a estas diversas manifestações, expressões de uma estrutura espiritual e, de um modo mais decisivo, através das transformações e renovações que tem como objeto imediato dita estrutura inteligível. O Estado existe e se desenvolve exclusivamente neste processo de contínua renovação e permanente revivescência; utilizando aqui a célebre caracterização da Nação de autoria de Renan, o Estado vive de um plebiscito que se renova a cada dia. Para esse processo, que é o núcleo substancial da dinâmica do Estado, propus já em outro lugar a denominação de integração. (SMEND, 1985, p. 62-63), como ainda ponderou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.

 A “integração da realidade”, para Smend (1985, p. 70), inclui três “momentos” ou processos e, “em todo caso, se caracteriza pelo predomínio de um ou outro”, denominados como de “integração pessoal”, “integração funcional” e “integração material”

A “integração pessoal” implica uma configuração da comunidade através das pessoas que a dirigem politicamente, seus “chefes” ou “caudilhos”, que devem “lograr afiançarem-se como chefe[s] daqueles a quem dirigem” (SMEND, 1985, p. 71-72), de modo a formarem uma “unidade política”, já que “não há vida do espírito sem um princípio reitor”.

A “integração funcional” se consubstancia nas “eleições”, “formações de governos”, “referendos”.

A “integração material” pressupõe o reconhecimento da dependência recíproca (já mencionada) entre os valores e a existência política de uma comunidade que os “vivencia” e a que estes “atualizam”: sem “comunidade”, não há “valores” e sem “valores”, não há “comunidade”, como lembrou André Luiz Fernandes Fallet, naquela obra.

Rudolf Smend apresentou o chamado método científico espiritual, que lida com a interpretação da norma constitucional a partir da ótica da ciência humana social. Esse método considera a Constituição como um tecido elástico tal qual a trama social, é necessária, portanto, a análise do espírito humano integrador dessa sociedade para compreender a norma constitucional.

A teoria de Smend nos traz à discussão a questão da mutação constitucional.

Para Dau-Lin (1998, p. 29-31), segundo André Luiz Fernandes Fellet (Rudolf Smend e os direitos fundamentais como “ordem objetiva de valores”, RIDB, Ano 1 (2012), nº 11) mutações constitucionais são “incongruência[s] que existe[m] entre as normas constitucionais por um lado e a realidade constitucional por outro”, ao que acrescenta: Se o problema da mutação da Constituição se lastreia na relação entre a Constituição escrita [texto constitucional] e a situação constitucional real, é dizer, entre normas e realidade no campo do direito constitucional – a mutação constitucional é a relação incorreta entre ambas – então se podem diferenciar quatro classes da mutação da Constituição: 1. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal que não viola formalmente a Constituição; 2. Mutação da Constituição mediante a impossibilidade de exercer certos direitos estatuídos constitucionalmente; [caso da “Constitucionalização Simbólica”, teorizada por Marcelo Neves.] 3. Mutação da Constituição mediante uma prática estatal contraditória com a Constituição; 4. Mutação da Constituição mediante sua interpretação.

Analisando o processo de integração, Smend cria todo um sistema de Direito que se denominou “integração jurídica”, procurando assentar as bases de uma nova teoria do Estado, como disse Miguel Reale(Teoria do Direito e do Estado, 5ª edição, pág. 45).

Acompanho a lição de Smend:

“Dessarte, o Estado não é um todo passivo que deixe escapar as diversas manifestações de vida, leis, atos diplomáticos, sentenças, medidas administrativas. O Estado encontra-se, contudo, sobretudo, em cada uma dessas manifestações de vida, enquanto são demonstrações de uma totalidade espiritual coerente, na qual verificam-se renovações e progressos cada vez mais importantes, tendo sempre como objetivo final essa mesma coerência”.

O Estado é, pois, um ser incessante, uma realidade espiritual que permanentemente se renova com a participação e adesão de todas as consciências, as quais, enquanto partícipes da finalidade comum em seu sentido orientadas, representam a própria realidade do Estado expressa em atos e funções.

Data vênia, com o devido respeito, a doutrina de Smend não faz descambar o Estado para o totalitarismo. Muito ao contrário.

Essa doutrina contribuiu para a assunção, pela Corte Constitucional, de “metodologia científico-espiritual de interpretação da Constituição”.

A partir da sentença proferida em 23 de outubro de 1952 (vale ressaltar que a Corte Constitucional alemã foi instalada no ano de 1951) sobre a proibição de um partido político, o Partido Socialista do Império (Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal (BVerfGE) (2,1)) em que o Tribunal enfrenta a vedação constitucional aos partidos contrários à “ordem liberal democrática” e entende que isso é uma referência aos “valores fundamentais supremos do Estado constitucional, baseados nas ideias de liberdade e democracia”, entre outras questões, é que se reconhece o rumo que a jurisprudência daquela Corte ia tomando nesse sentido, como disse André Luiz Fernandes Fellet(obra citada).

O Estado, pois, não é estático, é um movimento contínuo. O governo deve legitimar-se todos os dias junto à população sob pena de danos inestimáveis ao processo democrático.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Rosalba é a adversária dos sonhos de Allyson Bezerra

A ex-governadora Rosalba Ciarlini (PP) voltou a cena política com declarações a imprensa e aparições públicas após três reclusa e longe dos holofotes políticos.

A movimentação da “Rosa de Mossoró” agitou o noticiário. Decadência política à parte, trata-se de alguém que foi prefeita da cidade quatro vezes, senadora e governadora.

É um currículo invejável! Mas como já escrevi no sábado ela já não é a mesma (leia AQUI).

Mas como diria o gênio Belchior “o passado é uma roupa que não nos serve mais” e isso se aplica de forma magistral na política.

Na política a roupa que serve é a do momento!

A Rosalba dos anos 20 do século XXI não é a emergente dos anos 80 do século XX nem a liderança incontestável da virada de milênio e não há sinais da resiliência dos anos 2010 quando após uma passagem fracassada pelo Governo do Estado conseguiu reconquistar a Prefeitura de Mossoró.

Até porque Allyson não repete os erros de Francisco José Junior.

Allyson sabe de tudo isso e sonha que ela seja alçada como o nome da oposição. O cálculo político é simples: se com a máquina na mão ela perdeu para ele, como vai vencê-lo numa situação inversa com o atual prefeito com aprovação acima de 80% e mantendo status de novidade?

O que Allyson não quer é alguém que se equipare a ele em termos de roupa nova, colorida nas redes sociais e que possa confrontá-lo sem o peso do desgaste do passado.

Daí o cenário dos seus sonhos é uma nova polarização com uma “Rosa” com pétalas sem encanto.

 

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Um perigoso tango  

Por Rogério Tadeu Romano*  

Como disse Rolf Kuntz (Aceno do liberalismo ao golpismo, in Estadão, em 26.11.23) “ultraliberal” foi como Javier Milei se identificou durante a disputa eleitoral. Para mostrar seu compromisso com o liberalismo, prometeu reduzir a interferência do Estado na economia e privatizar empresas controladas pelo setor público. Milei tem sido apresentado como simpatizante da chamada Escola Austríaca, formada por figuras importantes do pensamento econômico liberal, como Friedrich Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1974, Eugen von Böhm-Bawerk e Ludwig von Mises. Entre as principais figuras afinadas com esse grupo, nos Estados Unidos, destacou-se Milton Friedman, também premiado com o Nobel. Mas liberalismo significa, tradicionalmente, algo mais que a defesa do livre mercado e, portanto, dos preços formados sem intervenção estatal.”

Milei, como ainda lembrou Kuntz, naquele artigo, ao falar em extinção do Banco Central de seu país, já propôs a substituição do peso pelo dólar, moeda emitida pelo Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos Estados Unidos. Analistas logo se perguntaram quem cuidaria de outras funções da autoridade monetária, como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro, e se a economia argentina poderá operar, sem maiores problemas, se ficar dependente do Fed.

Esse radicalismo poderá ser desastroso para a Argentina e prejudicial aos vizinhos, incluído o Brasil, grande parceiro comercial.

Não há uma experiência passada que permita imaginar como seria um governo Milei. Muitas ideias dele nunca foram aplicadas na Argentina, como dolarizar a economia, fechar o Banco Central e acabar com as obras públicas”, diz o jornalista Juan Luis González. “Além disso, há a instabilidade de Milei, um personagem que fala com seu cachorro morto e pensa que os clones do animal lhe dão conselhos políticos. É muito difícil prever o que acontecerá”, resigna-se.

Sua vice, Victoria Villarruel, disse que a Argentina só conseguirá sair da crise “com uma tirania”.

Para o biógrafo de Milei, o discurso da dupla representa um risco concreto, que não deveria ser subestimado. “A democracia já está ameaçada na Argentina. O perigo é real”, adverte González.

No discurso de posse, Milei já deu o tom do que está por vir: “No hay plata” (“não tem dinheiro”).

São planos de Milei: 1) derrotar a disparada dos preços é sua maior missão; 2) não fará isso sem reduzir o gasto público; 3) o ajuste fiscal terá efeito recessivo; 4) é ilusão contar com aplausos depois do choque; 5) qualquer plano abrirá espaço à oposição.

O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, voltou ao tema e declarou: “O equilíbrio fiscal será rigorosamente respeitado”.

Esse tango pode trazer um futuro sombrio para o povo portenho.

Lembrou Merval Pereira, em artigo para o jornal O Globo, em 12.12.23, que tudo indica que esse projeto não dará certo. A situação no país vizinho é horrorosa.

Milei terá de encarar a tarefa nada trivial de encontrar apoio entre deputados e senadores. Seu partido e as adesões que conquistou até o momento não são suficientes para aprovar medidas no Parlamento com tranquilidade.

Depois da posse, Milei falou do lado de fora do Congresso, de frente para a população, mas de costas para o Parlamento. Isso é um típico exercício populista de um líder de extrema-direita.

Certamente Millei não terá o apoio político democrático necessário do Congresso argentino para concretizar seus ideais.

Lembremos o exemplo chileno de cunho tipicamente liberal consagrado quando da ditadura Pinochet.

É sabido que, durante a ditadura de Pinochet, no Chile, adoram-se as fórmulas e ensinamentos da chamada Escola de Chicago, liderada por Milton Friedman.

Torturas, assassinatos em massa e suspensão das liberdades democráticas não eram um problema para os defensores do liberalismo, desde que as “liberdades econômicas” fossem garantidas.

Hayek, um prócere do liberalismo econômico, chegou a declarar que o Chile era mais livre sob a ditadura de Pinochet do que em qualquer outro momento da história. Esse mesmo economista disse que, se tivesse que escolher entre a liberdade econômica e a liberdade política, não hesitaria em sacrificar a segunda para garantir a primeira (ele disse também que preferia uma ditadura com liberdade econômica do que uma democracia com forte presença do Estado).

O Chile foi o maior exemplar e observatório para essas experiências na América Latina.

No chamado Cone Sul, durante todo esse tempo, foram alardeados os medicamentos utilizados na prescrição apresentada por esses economistas, chamados neoliberais.

Essas políticas neoliberais acabam resultando em concentração de renda. Apenas um grupo movimenta a economia, enquanto você precisa de estímulo às outras classes consumirem. Após a ditadura militar, os governos passam a criar uma série de políticas socioeconômicas para reduzir essa desigualdade social, afirmou Guerrero Rojas, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná.

Privatizações, abertura ao mercado externo, reforma trabalhista e redução do gasto público e do papel do Estado em áreas-chave, como saúde e educação. As sementes da implementação dos itens dessa cartilha desestatizante foram plantadas pelos Estados Unidos duas décadas antes no Chile.

Essas as consequências: desigualdade crônica, em um país que ostentou a renda per capita mais alta da América Latina (mais de US$ 20 mil), um criticado sistema de pensões que aposentou a maioria da população com rendas inferiores ao salário mínimo (de uns US$ 400), elevados custos de saúde e educação e a constante pressão do mercado imobiliário, que torna impossível para muitos conseguir moradia própria, formaram uma força difícil de conter, segundo os analistas.

Em uma sociedade na qual os benefícios sociais são de mercado e a integração social se produz por meio do consumo, as pessoas precisam comprar para estarem inseridas na sociedade e para isso necessitam se endivida.

— É uma sociedade dividida em termos educacionais, de acesso à saúde e em termos territoriais, com uma elite com acesso ao mercado e uma grande massa da população que vive precariamente — afirmou Dante Contreras, professor de Economia da Universidade do Chile e diretor do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social.

A saúde foi um dos serviços com maiores queixas. A ditadura de Pinochet impôs uma contribuição obrigatória para assalariados e aposentados, que pode ir para o serviço público o upara seguros privados.

Há uma perigosa atração entre a ditadura e as ideias liberais.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Surge um ditador!

Por Ivanaldo Xavier*

Na terra que resistiu ao ataque de Lampião em 1927 e que foi denominada através de lei federal como a capital do Semiárido brasileiro, surge um ditador que não permite, pela censura, o surgimento de um movimento estudantil em uma das escolas do município. Mossoró tem uma história de resistência a zelar e não deixará que esse ditador prospere e ganhe força.

Aqui se libertou os escravos alguns anos antes da Lei Áurea; a primeira mulher adquiriu o direito de votar e nesse clima libertário, surge o ditador Alysson Bezerra, filiado ao União Brasil, que reprime estudantes da Escola Municipal Antonio Fagundes, impedindo-os de criarem um grêmio estudantil para lutar por melhorias nas instalações da unidade educacional e ainda manda demitir a professora que estava orientando os alunos, causando revolta em todo o corpo de docentes, pais e entre os próprios estudantes.

O ato foi classificado por todos como censura e o prefeito passou a ser considerado na escola como um ditador, uma vez que, seguindo orientação do gestor municipal ao receber o documento de criação da entidade representativa dos estudantes, a diretora rasgou a Ata na frente dos alunos e determinou que os estudantes que tentaram, com “insubordinação”, criar a entidade estudantil, a proibição de entrada na escola.

O ato de censura determinado pelo prefeito Alysson Bezerra, foi duramente criticado no meio estudantil e nas redes sociais do município, uma vez que o prefeito em sua campanha se apresentou como sindicalista, resultando, inclusive na organização de um ato de protesto dos alunos e seus familiares na frente da escola que depois saiu em caminhada até a Secretaria Municipal de Educação.

Os estudantes estão indignados com o comportamento da direção, que segue fielmente a orientação do prefeito, reprimindo qualquer ação de protesto dos estudantes, que estavam criando o grêmio para lutar por melhores condições de ensino na escola. Esse ato do gestor municipal segue a linha implementada por ele no trato com a educação, uma vez que não aceitou nenhuma negociação salarial com os professores.

Outra área bastante atingida pela administração de Alysson foi a Saúde, que teve sua prestação de contas rejeitadas pelo Conselho Municipal de Saúde, por ter sido constatadas muitas irregularidades, enquanto as filas para atendimento e consultas médicas crescem nas unidades de saúde do município. Esse estilo de administração segue a linha implantada pelo bolsonarismo, uma vez que ele é seguidor fiel do ex-presidente.

*É jornalista e servidor aposentado da UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.