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(Re)existência e consciência negra: nossos passos vêm de longe!

Por Plúvia Oliveira*

Das memórias e lutas do Movimento Negro Unificado – MNU, o 20 de novembro enquanto Dia Nacional da Consciência Negra é fruto do acúmulo e construção das (re)existências do povo negro que se reafirmam cotidianamente. Na construção de uma alternativa de sociedade sem opressão de classe, raça e gênero, o horizonte aponta para as figuras de Dandara e Zumbi e a comunidade de Palmares, nessa data que remonta desde os anos de 1960, mas que tem como marco a assembleia do MNU realizada em 1978, em Salvador e traz consigo o significado da construção coletiva. Mesmo diante da falsa abolição do 13 de maio de 1888, que nos traz a negação de direitos mínimos para o povo negro sobreviver, a passividade nunca foi uma alternativa e os quilombos são provas dessas resistências.

Quando observamos o passado, desde os interesses do homem branco europeu em se projetar enquanto ser superior; os processos de colonização de exploração que o Brasil passou e nos afeta até o presente; o massacre dos povos indígenas; a escravização como meio para produção e acumulação de bens e a submissão de negros africanos enquanto objetos/mercadorias/força de trabalho; a utilização das mulheres escravizadas como Ama de leite e corpos para atender os interesses sexuais dos fazendeiros; é possível percebermos o quanto a sociedade brasileira é organizada a partir do racismo, patriarcado e das estruturas de classes. Lélia Gonzalez, em sua trajetória militante e intelectual, nos demonstra que, mesmo no pós-abolição, a população negra brasileira continuaria no lugar que a elite branca nacional considerava adequado: o lugar do emprego precarizado; o lugar da ausência de políticas públicas; o lugar de sofrer violência policial. Quando nos deparamos com os dados da população brasileira, o IBGE mostra que 56% da população se autodeclara preta ou parda em 2022. Ainda segundo o instituto, quando cruzamos os dados do mercado de trabalho e cargos de gerência, negros correspondem a 29,5% e brancos a 69%. Quando olhamos para quem vive na pobreza extrema com menos de R$10,00 por dia, 20,4% das pessoas são negras e 5% são brancas. Ao pensarmos sobre o trabalho doméstico no Brasil, esse modelo de trabalho que é impregnado pelas práticas coloniais e tão particular no nosso país, as mulheres representam 92% dos espaços ocupados pela categoria, das quais 65% são mulheres negras, segundo o Dieese (2022).

Com os governos progressistas do Partido das e dos Trabalhadores a nível federal, a agenda antirracista avançou no Brasil, à exemplo da Lei de Cotas para negros nos cursos de graduação das universidades e institutos federais e, mais recente, a adição da pós-graduação na lei. Além dessa, tivemos também a lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial em 2012; a lei que dispõe sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira nas instituições de ensino; a lei que dispõe sobre as cotas nos concursos públicos federais que designa 20% para pessoas negras; a tipificação da injúria racial como crime de racismo; a Política Nacional de Saúde Integral da População; além do Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida e programas voltados para a segurança alimentar. Políticas semelhantes foram estabelecidas no Rio Grande do Norte, principalmente após 2019, com a gestão da Governadora Fátima Bezerra (PT). A Lei de Cotas para acesso aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e a lei que estabelece 20% de cotas nos concursos públicos a nível estadual são exemplos, assim como a criação do Estatuto da Igualdade Étnico-racial do Rio Grande do Nortes, sendo essas duas últimas de autoria da Deputada Estadual Isolda Dantas, importante parceira da luta antirracista na Assembleia Legislativa do RN. Essas conquistas somente foram possíveis a partir da luta de Dandara, de Lélia Gonzalez, de Zumbi, de Abdias Nascimento, de Luiz Gama, de Marielle Franco, de Tereza de Benguela e de todo e toda militante negro(a) e do povo que (re)existe.

Mas é preciso avançar! É nesse sentimento de romper com os pactos e locais que a branquitude e elite nacional nos coloca, que a população negra ousa cada dia mais na construção de um Brasil que olhe para nós. Quando nós que construímos o movimento feminista dizemos que é preciso mudar o mundo para mudar a vida das mulheres e mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, também apontamos que é preciso romper com a lógica do sistema capitalista, racista e patriarcal, para que consigamos chegar na cidade, estado e país que queremos. Nesse sentido, disputar a política institucional também faz parte dessa construção. Foi com essa indignação que pessoas negras comprometidas com a luta antirracista, como Benedita da Silva, Renato de Freitas, Carol Dartora, Brisa Bracchi, Erika Hilton, Talíria Petrone, entre tantos outras e outros, disputaram os parlamentos municipal, estadual e federal e ocuparam as cadeiras de vereadores e deputados, para demonstrar que é preciso mudar para melhor e construir políticas para o povo negro e pobre brasileiro, pois já não mais nos atende ter apenas 26% de deputadas e deputados federais negros na câmara. Quando refletimos sobre a composição das câmaras municipais, negros correspondem cerca de 44,7% na atual legislatura; mas quantos estão comprometidos com um projeto de sociedade de equidade? Todas as políticas antirracistas criadas até aqui são extremamente importantes, mas será que são suficientes para romper com todas as amarras e violências que vivemos?

Quando olhamos a nível nacional, visualizamos uma disputa para a ocupação da cadeira do Supremo Tribunal Federal – STF. O Movimento negro e sociedade civil entrou, neste último período, em uma intensa campanha para que o Presidente Lula indique uma ministra negra e progressista para o STF, indicação extremamente necessária para o Brasil, no qual em mais de 132 anos de corte, nenhuma de nós estivemos nesse espaço e que, em sua maioria, apenas homens brancos e conservadores ocuparam. Essa pressão é essencial, pois como aponta a filósofa estadunidense Angela Davis, “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta”. Mas além de pensar as mudanças por cima, é necessário pensar as mudanças por baixo, a partir dos nossos locais de vivência: as nossas cidades. Aqui deixo a pergunta: até que ponto estamos comprometidos e comprometidas com o antirracismo? A composição da câmara de vereadores das cidades diz muito sobre a sociedade que queremos. Quando olhamos para Mossoró, quantos vereadores negros e negras temos? Quantos vereadores estão comprometidos com a promoção da igualdade étnico-racial? Quantas políticas públicas foram criadas para a população negra mossoroense? Com uma população de 264.557 habitantes, atualmente Mossoró conta com 23 vereadores e, mesmo com mais de 50% dos parlamentares se autodeclarando negros, não conseguimos observar essa representação se convertendo em debates, políticas públicas e ações antirracistas efetivas.

Refletir sobre a composição da Câmara Municipal de Mossoró é importante, diante que nós, negros e negras, não queremos apenas ser chamados para ações pontuais e construções mínimas das políticas públicas. Nós queremos construir a política institucional comprometida com as pessoas, no dia a dia da população mossoroense e ocupando as cadeiras do parlamento municipal. Nada de nós sem nós! É preciso construir uma política que priorize a vida da população negra e periférica de Mossoró. E será que estamos sendo prioridade, quando temos um transporte público precarizado e com poucas linhas disponíveis e horários reduzidos que estejam voltadas apenas para o centro comercial da cidade, mas que não facilite o acesso aos espaços de lazer ou dificulte a ida às escolas ou universidades? Será que somos prioridade na política de saúde, quando nos faltam os serviços básicos nas UBSs da cidade? Será que a segurança pública municipal é pensada para a vida das pessoas negras, especialmente para as mulheres negras e pessoas que moram nas periferias de Mossoró?

Percebemos que muito ainda nos falta, mas estamos reescrevendo a nossa história com a contribuição de cada um e cada uma que ocupa os espaços de construção das alternativas nos movimentos sociais, nas organizações das comunidades, nos becos, nas vielas e nos parlamentos. Nossa construção deve apontar para a transformação da vida da população negra que luta todos os dias para sobreviver, que pede dinheiro no semáforo, que ocupa o trabalho doméstico precário, que batalha para concluir a educação básica, que luta contra o extermínio da juventude negra e quer viver para conseguir terminar o curso superior. Que nós possamos ter as sabedorias dos quilombos, das mulheres negras e da coletividade como alternativa para construção de uma cidade mais justa.

Clóvis Moura, intelectual negro, retrata como a população negra foi inserida no Brasil em um processo forçado e exploratório e aponta que esses sujeitos não silenciaram diante das diversas amarras e violências que sofreram, pois os negros se revoltaram, resistiram, se organizaram e construíram os quilombos enquanto ambiente de equidade. Moura desmonta a ideia do negro que era passivo a tudo que os fazendeiros queriam e traz para reflexão a história de (re)existência do nosso povo que jamais será silenciado. As ideias de harmonia entre as raças e democracia racial no Brasil formuladas por Gilberto Freyre, ainda estão bem presentes no cotidiano do país, mas a partir das contribuições de militantes, intelectuais e movimentos sociais, vamos desconstruindo e reconstruindo nossa história que é diversa, para não cairmos na história única dos colonizadores, dos exploradores e das elites, como alerta Chimamanda Ngozi Adichie, feminista e escritora nigeriana. Construiremos nossa história com novos horizontes, o mundo que queremos – que também passa pela ocupação das cadeiras de vereadores, de deputados, das reitorias das universidades, das lideranças das empresas, da presidência do Brasil e da composição do STF. Podemos esperançar, nunca sozinhas, sempre em coletivo e com centralidade nos nossos ancestrais. Esse momento é o agora!

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer” – Conceição Evaristo.

*É Gestora Ambiental pela UERN e militante da Marcha Mundial das Mulheres e do Coletivo Enegrecer.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Jaime Calado vai querer ou vai ceder em SGA?

Por João Paulo Jales dos Santos*

O rompimento com vice-prefeito não é novidade no sistema Maia-Calado. Zé Targino (então no PHS) foi eleito vice de Jaime Calado (então no PR, hoje no PSD) na municipal de 2008, veio a romper e se lançou à prefeitura na eleição de 2012. Poti Neto (a época no PMDB) foi eleito com Jaime em 2012, rompeu e se lançou a prefeito em 2016, sendo a principal força de oposição naquele pleito.

Eraldo Paiva (PT) se manteve aliado nas disputas de 2016 e 2020, quando disputou como vice de Paulo Emídio (PR, depois PROS), vindo a consagrar a ruptura com o sistema após a morte de Paulinho, como era conhecido Emídio.

O modo como se deu o afastamento de Paiva dos Calado é o cerne para se entender a problemática do elevado grau de rejeição que o prefeito desfruta em São Gonçalo do Amarante (SGA).

Ao assumir a Prefeitura num momento de desconsolação popular, advindo da morte de Paulinho, um prefeito bem avaliado, que vinha numa batalha contra o câncer, Paiva errou ao se afastar abruptamente do grupo que além de Paulinho, tem Jaime em alta benquerença popular.

Faltou maturidade política a Eraldo. O melhor para o prefeito era ter procurado coabitação com o grupo Calado, tirando proveito politicamente, visando chegar bem no pleito de 2024. Tanto Jaime, em 2012, quanto Paulinho, em 2020, foram reeleitos com votações recordes na cidade, demonstrando a força que o agrupamento tem em SGA. Um poder eleitoral desse não pode ser desprezado.

Ao agir na cólera contra o que via como ingerência administrativa do estafe Maia-Calado, Eraldo optou por enxotar o grupo, angariando profunda antipatia popular.

Ao melhor estilo PT radical das décadas de 80 e 90, o alcaide afastou com as vísceras o pessoal ligado a Jaime e Paulinho, ganhando a alcunha de ingrato pelas vias do município. E as massas veem ingratidão como a pior coisa do mundo. Um vice tendo assumido porque o titular morreu lutando contra um linfoma, fisicamente debilitado nos últimos meses de vida como estava Paulinho, dilacerando o administrativo deste titular, foi essa a imagem que Paiva passou para o povo.

Nas ruas da urbe, os gonçalenses dizem que votaram em Paulinho, não em Eraldo, avaliando que o outrora vice assumiu uma cadeira de prefeito que não lhe é legítima. A problemática da rejeição de Paiva é que ela tem fundamento emocional. Administrar uma rejeição dessa magnitude é difícil, porque sai de cena uma rejeição administrativa, que pode ser contornada, e entra uma ojeriza, que ataca os sentimentos, caracterizando-se numa alta tensão política, complicada de ser superada.

Eraldo enfrenta descontentamentos dentro do próprio PT, setores que reivindicam uma mudança na sua postura, prevendo uma reeleição com sérios desarranjos políticos, foram afastados pelo alcaide, sobrando somente aqueles que falam o que o petista quer ouvir. Lutando contra as pesquisas que mostram uma reeleição improvável, Eraldo por si mesmo joga mais areia numa cova que já está funda.

Recai sobre Jaime Calado o traçado da municipal que se avizinha. O secretário de Desenvolvimento Econômico já afirmou que o PSD terá candidato em 2024. Entretanto, ainda existe uma sanha dando conta dum possível acordo entre Calado e Eraldo, que passaria pela costuma da governadora Fátima Bezerra (PT).

Mas estaria Jaime disposto a ceder o poder em sua fortaleza política, numa arrumação visando 2026, já tendo experimentado a penhora do PT em 2022, quando foi lhe prometido uma eleição para deputado federal, com um desenlace amargo para seu grupo político?

O ex-prefeito não precisa montar uma megaestrutura para encarar o petismo, encargo que pertence ao governismo. Basta Jaime ter o apetite, e querer voltar ao Executivo. O ganho em São Gonçalo não é imprescindível para a reeleição de Zenaide Maia (PSD), mas é de suma importância para o amparo ao projeto senatorial de 2026.

Com São Gonçalo em mãos, os Maia-Calado pavimentam a organização do PSD na grande Natal, além de ampliar com mais eficiência a infraestrutura partidária no interior, onde a presença de Zenaide tem se tornado mais constante.

Uma aliança entre o petismo e os Calado tende a ser encarada como um acordão. E acordões geralmente não costumam angariar simpatia popular. O eleitorado veria como puro interesse um pacto de dois flancos vistos como inconjugáveis. E mesmo um WO para salvar o mandato de Eraldo, poderia atrair a atenção dos eleitores para uma postulação encarada pelas elites locais como despretensiosa. Não é incomum acordões estado afora levarem a vitórias que na largada eleitoral são dadas como improváveis.

Se o fechamento das urnas em 2022 foi o ponto de inflexão na estratégia do casal Calado, topar uma convenção pública com Paiva seria um erro de cálculo que pode lhes trazer rebaixamento político na estadual de 2026.

Num embate entre Jaime e Eraldo, estaria ao alcance do burgomestre a diminuição percentil contra o ex-prefeito. Nas esquinas e calçadas de SGA dá para compreender o porquê de a reeleição ser empreitada hercúlea para o petista. A ânsia política do gonçalense é ter Jaime de novo como prefeito. Na boca do povo o que corre é que o pessedista só não leva 2024 se não quiser.

*É cientista social e graduando em História pela UERN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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A guerra e seus limites

Por Rogério Tadeu Romano*

A guerra é todo conflito armado entre dois ou mais Estados durante um certo período de tempo e sob a direção dos seus respectivos governos, com a finalidade de forçar um dos adversários a satisfazer a (s) vontade (s) do (s) outro (s). Ela normalmente se inicia com uma declaração formal de guerra e termina com a conclusão de um Tratado de Paz ou outro capaz de pôr termo às hostilidades e findá-las por completo.

Ensinou Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 952) que a guerra é um ato de violência atualmente inadmitido no Direito Internacional Público.

Falo dos chamados crimes de guerra por utilização de métodos proibidos. São eles: ataque excessivo e desproporcional (lançar ataque, ciente de sua aptidão de causar perdas acidentais de vidas humanas, lesões a civis, ou danos a bens civis ou danos extensos, duradouros e graves ao meio ambiente, manifestadamente excessivos em relação á vantagem militar concreta e direta pretendida, podendo a pena ser aumentada se a conduta resultar danos e ainda havendo uma modalidade qualificada, se da conduta resultar morte, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, debilidade, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, deformidade permanente, aborto, aceleração de parto, incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo), uso de veneno ou arma envenenada, gás asfixiante ou tóxico, ou material análogo (utilizar veneno ou arma envenenada, gás asfixiante, tóxico ou similar, ou liquido, material ou dispositivo análogo, capaz de causar morte ou grave dano à saúde de outrem), uso de projétil de fragmentação (utilizar projétil que se expanda ou se alastre facilmente no corpo humano, tal como bala de capa dura que não cubra totalmente a parte interior ou que tenha incisões, e outros projéteis proibidos por tratados dos quais o Brasil faça parte), uso de arma, projétil, material ou método de guerra proibido (utilizar arma, projétil, material ou método de guerra que, por sua própria natureza, cause dano supérfluo ou sofrimento desnecessário ou produza efeito indiscriminado, em violação a tratado que o Brasil faça parte), ataque a local não definido (atacar, por qualquer meio, cidades, vilas, aldeias, povoados, zonas desmilitarizadas, ou edificações que não estejam defendidas e que não sejam objetivos militares, na mesma pena, incorrendo quem lançar ataque contra obras ou instalações contendo forças perigosas, sabendo que esse ataque causará perdas de vidas humanas, ferimentos em civis ou danos em bens de caráter civil, que sejam excessivos nos termos do direito internacional humanitário), perfídia (obter vantagem do inimigo mediante perfídia). Constitui perfídia valer-se de boa-fé do inimigo, fazendo-o crer que tem o direito de receber ou a obrigação de assegurar a proteção prevista pelas regras de direito internacional aplicáveis a conflitos armados, tais como simular: intenção de negociar mediante uso de bandeira de trégua ou simular a rendição, incapacidade causada por ferimento ou enfermidade, condição de civil ou de não-combatente, condição de protegido, mediante o uso de sinal ou emblema internacionalmente reconhecido, ou uniforme, bandeira ou insígnia das Nações Unidas, de Estado neutro ou de outro Estado que não seja parte do conflito. Há modalidade qualificada de perfídia, se a conduta resultar morte, e as circunstâncias evidenciarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo.

Esses crimes listados são crimes de guerra quando praticados em tempo de conflito armado ou, após cessadas as hostilidades, enquanto a vítima continuar sob o domínio da parte beligerante. Ainda poderão ser considerados crimes de guerra os crimes contra a dignidade sexual, os crimes contra a liberdade individual e as lesões corporais contra pessoa protegidas.

Considera-se conflito armado internacional: a guerra declarada ou qualquer outro conflito armado que possa surgir entre dois ou mais Estados, ainda que o Estado de guerra não seja oficialmente reconhecido; a ocupação total ou parcial do território de um Estado, ainda que não encontre qualquer resistência militar; a luta dos povos contra a dominação colonial, a ocupação estrangeira e os regimes de segregação, no exercício de seu direito á autodeterminação, consagrado na Carta das Nações Unidas e na Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Referentes às Relações Amistosas e à Cooperação entre os Estados em Conformidade com a Carta das Nações Unidas, sem prejuízo de outros documentos internacionais a que o Brasil aderir. Se não estiver coberto nesse conceito o conflito é não-internacional.

São pessoas protegidas em conflitos armados internacionais:

  1. a) Os feridos, enfermos e náufragos e o pessoal sanitário ou religioso, protegidos pelas Convenções I e Ii de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 8 de junho de 1977;
  2. b) Os prisioneiros de guerra protegidos pela Convenção III de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 1977;
  3. c) A população civil e os civis protegidos pela Convenção IV de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo Protocolo Adicional I, de 8 de junho de 1977;
  4. d) As pessoas fora de combate e o pessoal da potência protetora e de seu substituto, protegidos pelas Convenções de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo seu Protocolo Adicional I, de 1977;
  5. e) Os parlamentares e as pessoas que os acompanhem, protegidos pela Convenção II de Haia, de 29 de julho de 1899;

São ainda protegidas em conflitos armados não-internacionais, as pessoas que não participem diretamente das hostilidades ou que não mais delas participem, incluídos os combatentes que tenham deposto as armas e as pessoas colocadas fora de combate por enfermidade, ferimento, detenção, ou por qualquer outra causa, protegidas pelo art. 3º comum às quatro Convenções de Genébra, de 12 de agosto de 1949, ou pelo seu Protocolo Adicional II, de 8 de junho de 1977.

Discute-se com relação as pessoas fora de combate e aos mercenários. As pessoas fora de combate são aquelas que se abstenham de atos de hostilidade, não tentem se evadir ou: estejam em poder de uma parte adversária; expressem claramente a intenção de se render ou tenham perdido os sentidos ou se encontrem, de qualquer outro modo, em estado de incapacidade, devido a ferimentos ou enfermidades e, dessa forma, sejam incapaz de se defender.

Dos crimes de guerra cuida ainda o artigo 8º do Estatuto de Roma. Segundo o parágrafo primeiro, desse dispositivo, o Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como prática em larga escala desse tipo de crimes.

Destaco reportagem do portal da revista Veja, em 15.11.23:

 “Estou horrorizado com as informações sobre operações militares no hospital al-Shifa de Gaza. A proteção dos recém-nascidos, pacientes, profissionais da saúde e de todos os civis deve ter precedência sobre todas as outras questões”, disse Martin Griffiths, diretor do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), em publicação no X, antigo Twitter.

A declaração foi endossada pelo diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que afirmou que as informações da incursão militar no hospital são “preocupantes” e disse que a instituição perdeu contato com os profissionais de saúde do complexo.”

Trago artigo de João Paulo Charleaux (Ambulâncias não podem ser atacadas mesmo que levem membros do Hamas, in Folha, em 7.11.23). Ali se disse:

“Para atacar, o comandante militar terá de se ater a três princípios. O primeiro é o da “distinção”, para o qual deve se fazer perguntas como: há formas de atingir os militares sem matar os civis? Posso usar armas e munições mais precisas e com menor poder de destruição neste contexto? Como posso evitar completamente ou minimizar ao máximo as mortes de civis?

O segundo é o princípio da “oportunidade”, determinado por questões como: há momento mais propício para efetuar os disparos, considerando o impacto que eu causarei sobre os civis? Eu poderia disparar depois que esses combatentes saíssem das ambulâncias e se afastassem dos civis?

Por fim, o princípio da “proporcionalidade”, no qual o comandante deve se questionar: o dano que causarei aos civis justifica o valor militar dos alvos que serão atingidos? Ou eu matarei dezenas de civis apenas para neutralizar um punhado de homens do Hamas que não me ofereciam risco iminente naquele momento?”

Para o caso cabe ao Tribunal Penal Internacional a correta análise desse grave precedente levantado à luz da defesa da aplicação das chamadas leis humanitárias.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Uma condenável censura 

Por Rogério Tadeu Romano*

Observo reportagem apresentada no portal do jornal O Globo, em 9.11.23:

“A secretaria de Educação de Santa Catarina, do governador bolsonarista Jorginho Mello (PL), mandou as escolas estaduais retirarem nove obras de circulação de suas bibliotecas.

O ofício enviado às instituições na terça-feira não traz as razões da determinação, mas diz que a gestão vai enviar novas orientações em breve. “Determinamos que as obras listadas abaixo sejam retiradas de circulação e armazenadas em local não acessível à comunidade escolar”, afirma a nota.

Entre os livros banidos estão “It: A coisa”, de Stephen King, “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, e “Exorcismo” de Thomas B Allen, três clássicos da literatura fantástica. Veja as outras obras colocadas na lista negra:

A química entre nós (Larry Young e Brian Alexander)

Coração satânico (William Hjortsberg)

Donnie Darko (Richard Kelly)

Ed Lorraine Warren: demonologistas – arquivos sobrenaturais (Gerald Brittle)

Exorcismo (Thomas B. Allen)

It: a coisa (Stephen King)

Laranja Mecânica (Anthony Burgess)

Os 13 porquês (Jay Ascher)

O diário do diabo: os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo (Robert K. Wittman e David Kinney).”

Não se pode falar em censura numa Democracia.

Os regimes democráticos estão filosoficamente calcados na concepção relativista, cujo princípio fundamental é o da tolerância.

A decisão ignora outros dispositivos constitucionais: o artigo 5º, IX, garantia à livre expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação; o artigo 218 garante a promoção e o incentivo à pesquisa; o artigo 220, por exemplo, veda qualquer restrição sobre a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação. Nenhuma ponderação a respeito dessas cláusulas constitucionais foi feita.

Ademais nega vigência aos termos do artigo 1º da Constituição que prega o princípio impositivo democrático.

Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e cientifica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).

O que há de imoral ou “ofensiva aos valores familiares” em obras como “Os Sertões”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ou “O castelo”? Tórridas descrições de relações sexuais ou coisa parecida? Nada disso. São livros que fazem pensar, que convidam à reflexão, só isto.

Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia. Ademais com relação a obras que são fundamentais na formação da sociedade brasileira.

Essa atitude lembra o nazismo.

Os nazistas procederam à queima de livros em praça pública.

Era 30 de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler subiu ao poder.

Alguns meses depois, integrantes do Partido Nazista protagonizaram a primeira queima de livros escritos por intelectuais não alemães, judeus e pessoas contrárias às medidas de extrema direita a irromper no horizonte.

Seriam algumas das práticas comuns no regime liderado por Hitler, que se iniciou com a queima de livros considerados “impuros” e “nocivos” e, já em fins da Segunda Guerra Mundial, queimou pessoas sob a mesma condição.

A queima de livros em praça pública fazia parte dos planos do Ministério da Propaganda, Joseph Goebbels.

Nunca dantes alguém proibiu livros de Machado de Assis, que está no pórtico de nossa literatura de língua portuguesa e é um escritor cultuado além fronteiras.

A censura a livros remete a países totalitários, como se vê na China, na Coreia do Norte, onde não há liberdade de pensamento.

São clássicos da literatura brasileira que são importantes para se entender a formação cultural do Brasil.

Essa conduta é reflexo do momento atual de radicalismo que polariza o país. Parece a conduta noticiada uma resposta positiva a grupos radicais.

Trata-se de odiosa censura.

O comportamento narrado agride a razoabilidade independentemente de afrontar a democracia, lembrando momentos tristes da história da humanidade.

Caberá ao Ministério Público de Santa Catarina tomar as devidas providências na defesa da ordem democrática.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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Fátima usa estratégia que deve reproduzir crises com o parlamento ainda que vença batalha do ICMS

A governadora Fátima Bezerra (PT) não tem aparecido em meio a crise institucional com o legislativo provocada pelo embate pela aprovação da manutenção da alíquota modal de 20% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A origem da crise não é culpa dela.

É fruto das medidas eleitoreiras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que bagunçaram o pacto federativo e feriram de morte o ICMS aqui no Rio Grande do Norte.

Qualquer pessoa medianamente bem-informada vai saber que alíquota modal de 20% e as recomposição das perdas feitas pelo Governo Federal foram insuficientes diante do rombo de R$ 1 bilhão entre julho de 2022 e outubro deste ano.

Mas a governadora peca em não fazer o dever de casa que o governante necessita para administrar no presidencialismo de coalizão.

Ela não divide poder.

Exerce um presidencialismo sem coalizão em que centraliza tudo em torno dela, o que afasta deputados que só são procurados quando o governo precisa. Fátima nunca chegou perto da maioria constitucional de 16 deputados no primeiro mandato, enfrentou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sem sentido e segue sem fazer o dever de casa.

Os deputados dão canseira na governadora que preferiu o enfrentamento.

Primeiro mobilizando alguns prefeitos que temem perdas de receitas em 2024, ano eleitoral em que muitos tentam a reeleição. Não colou, o projeto segue sem condições de passar no plenário. Agora a estratégia é chamar os servidores para a luta com o anúncio da suspensão das negociações para o reajuste e tratativas com o Ministério Público de Contas para o concurso público.

Com queda de receitas não dá para fazer nem uma coisa nem outra. Esse é o argumento.

Esse tipo de pressão em cima dos deputados pode surtir efeito, pode ter um efeito bumerangue contra a governadora com os sindicatos se sentido usados.

Mas em dando tudo certo para Fátima ela pode vencer a batalha agora, mas mais a frente pode encarar uma sucessão de crises com um parlamento ressentido pelo desgaste.

É hora de a governadora rever o método de relacionamento com os deputados para não enfrentar novas dificuldades lá na frente.

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2024 nem começou e a eleição em Mossoró já é histórica pela ausência de protagonismo dos Rosados

Por 72 anos os Rosados foram protagonistas na política de Mossoró. Foi um amplo domínio com a geração numerada dos filhos de Jerônimo que começou em 19848 com Dix-sept que saiu do Palácio da Resistência para o Governo do Estado após vencer as eleições de 1950 para uma curta passagem como governador encerrada em um trágico acidente aéreo.

O poder ainda foi exercido por Vingt (que depois de prefeito foi sete vezes deputado federal) e mais a frente Dix-huit, que além de senador governou Mossoró por três oportunidades. Tenho para mim que se não fosse a ditadura militar Dix-huit teria sido governador no voto, mas é só uma impressão.

Entre um e outro Rosado, alguns prepostos foram colocados no poder. Um deles, Antônio Rodrigues de Carvalho, prefeito nos anos 1950 com apoio da família faria uma curta interrupção do poder oligárquico em 1968 quando se juntou com Aluízio Alves e derrotou o mais ilustrado dos Rosados, Vingt-un, por 98 votos, na eleição mais apertada da história de Mossoró.

Depois os Rosados retomariam o poder para só perder em 2014 para Francisco José Junior numa eleição suplementar, retomar num curto e desgastante período com Rosalba Ciarlini e depois perder novamente em 2020.

Entre 1985 e 2016, os Rosados viraram governo e oposição com a divisão familiar. O assunto foi tema da minha dissertação de mestrado que depois converti no livro “Os Rosados Divididos”. Com a volta da democracia e com a geração dos netos de Jerônimo subindo houve uma crise de sucessão que gerou uma dissidência que interessava a oligarquia Maia, liderada por Tarcísio, pai de José Agripino, que desde o final dos anos 1970 vinha fomentando a crise familiar.

Carlos Augusto, herdeiro político de Dix-sept, ao perceber que Vingt iria impor o genro e sobrinho Laíre, como sucessor da família decidiu alçar voo próprio e depois de ser apelidado por Dix-huit de “elo fraco” viria a ser lado vitorioso da história.

Assim a política se dividiu entre os Rosados de Carlos Augusto e Rosalba Ciarlini (“Rosalbismo”) e o dos herdeiros de Vingt com Sandra e Laíre (“Rosadismo).

Entre 1988 e 2012, o “Rosalbismo” liderado por aquele ganharia o apelido de “Ravengar”, por suas mirabolâncias políticas, o bruxo da novela “Que Rei Sou Eu?”, venceria seis e só perderia uma, em 1992, para Dix-huit. O “elo fraco” era mais forte do que se imaginava.

Nos anos 2000, os Rosados estiveram no auge. Quando Wilma de Faria pensava em lançar o então secretário de desenvolvimento econômico Marcelo Rosado, o saudoso jornalista Nilo Santos cunhou uma frase lapidar: “Os Rosados são governo, oposição e agora também alternativa”.

Não era para menos.

Chegaram a ter três deputados estaduais e dois deputados federais simultaneamente. Em outro momento, mantiveram duas vagas na Assembleia e duas na Câmara Federal e estavam no Senado, depois este mesmo status só que com Rosalba trocando o Senado pelo Governo.

Desse auge uma abrupta decadência que tem como marco a tumultuada eleição de 2012, quando a candidata do Rosalbismo, Cláudia Regina, derrotou Larissa Rosado numa eleição tumultuada e marcada por irregularidades.

Cláudia terminou tendo 11 cassações confirmadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o grupo de Sandra perdeu força. Francisco José Junior quebrou o domínio dos Rosados na eleição suplementar em 2014, mas contou com o apoio velado de vários rosalbistas e os manteve na gestão.

Com o fim do governo de Rosalba ela voltou para Mossoró focada em voltar ao Palácio da Resistência e conseguiu fazer a maior mobilização oposicionista deste século na cidade. Francisco José Junior chegou a reeleição destruído e sequer levou a campanha até o final.

Rosalba daria seu último suspiro político e dos Rosados em 2016, já unida ao grupo de Sandra, vencendo Tião Couto por pouco mais de 15 mil votos de maioria. No quarto mandato ele fez disparada a sua pior gestão, não conseguiu fazer seu candidato ao governo (Carlos Eduardo Alves) ser o mais votado em Mossoró nos dois turnos em 2018 mesmo tendo filho Cadu como vice. Era o prenúncio da derrota em 2020.

Aconteceu.

Desgastada, com a imagem de quem não cumpre acordos, envolvida em polêmicas e com métodos ultrapassados Rosalba foi derrotada por Allyson Bezerra.

Em 2022, tanto o rosalbismo como o grupo de Sandra tiveram desempenhos pífios em Mossoró.

O eleitor de Mossoró avisou que a chave virou, que os Rosados não apitam mais. Hoje não há nenhum oligarca com esse sobrenome com mandato.

Com Allyson com mais de 80% de aprovação e nomes como a deputada estadual Isolda Dantas (PT) e os vereadores Pablo Aires (PSB) e Tony Fernandes (SD) em ascensão no campo oposicionista, os Rosados estão rebaixados a condição de coadjuvantes.

A própria Rosalba sabe disso e anda sumida do noticiário. Sandra já anunciou que não disputará mais eleições e Larissa sonha com mandato de vereadora. Beto Rosado aceitou numa boa perder o PP para o deputado federal João Maia.

Ainda faltam 50 dias para para desejarmos feliz ano novo, mas 2024 já é histórico em Mossoró. Será a primeira eleição municipal na cidade em 76 anos em que velha oligarquia familiar não vai ser protagonista.

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Israel-Hamas:  risco do “circo pegar fogo”

Por Ney Lopes*

A cada dia se agrava o conflito entre judeus e palestinos, com inevitáveis repercussões sobre a economia global, principalmente o mercado financeiro.

Israel e Palestina são países de território relativamente pequeno e, juntos, não chegam a 15 milhões de habitantes.

Mas, a guerra poderá ser economicamente desastrosa para o planeta.

A região conflagrada é vizinha de grandes produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Catar.

Isso significa que os investidores devem embutir o risco da guerra nos preços da commodity.

Os EUA apoiam Israel incondicionalmente, apesar da retórica humanitária de Biden.

Tal fato poderá afetar os juros americanos e o provável aumento da dívida pública americana.

Os Estados Unidos prometeram apoio a Israel e isso pode significar a necessidade de ampliar os gastos militares, no momento em que o governo americano luta para convencer o Congresso a elevar, por mais tempo, o teto da sua dívida pública para garantir o pagamento de gastos.

Vale lembrar que os EUA já estão atuando no apoio militar à Ucrânia, na guerra contra a Rússia

Neste contexto, a maior preocupação é com o Irã, que arma e financia tanto o Hamas quanto o Hezbollah, e não aceita a existência de Israel.

A forte presença naval dos EUA no Mediterrâneo é um recado pela entrada do Hezbollah no conflito e certamente provocará uma retaliação de Israel e dos EUA.

O Hezbollah é uma organização política e paramilitar fundamentalista islâmica xiita, reunindo cidadãos armados com um suposto poder policial, instalada no Líbano e outros países.

As Forças de Defesa israelenses identificaram vários lançamentos de foguetes provenientes do sul do Líbano e atribuem a ataques do Hezbollah..

O mais grave é que Catar e Hamas, Irã e Hezbollah, Rússia e Síria poderão celebrar alianças, enfraquecendo Israel.

Em região marcada por diversos conflitos e guerras civis é comum a formação de alianças entre grupos terroristas e ditaduras.

Além das perdas militares, enxerga-se a possibilidade de deterioração da situação internacional, através do colapso da chamada “pax americana”, a unipolaridade (um único centro de poder), que surgiu após o fim da antiga União Soviética.

A China, como segunda potência econômica mundial, reabriu as possibilidades de diálogo direto com as nações, fazendo com que os instrumentos criados para isso, como a ONU, sejam ineficazes.

O complexo xadrez geopolítico paralisa e esvazia a ONU.

O conselho de segurança tornou-se irrelevante, como há muito o Brasil e outros países em desenvolvimento argumentam para propor sua reestruturação.

Há uma nova “guerra fria” entre EUA e Reino Unido, de um lado, e Rússia e China de outro, com a França entre o mar e o rochedo.

Não há outra conclusão sobre esse quadro de guerra, senão que, caso não haja uma ação que conduza à paz, existe o risco do “circo pegar fogo”.

Que Deus nos afaste dessa hipótese.

*É jornalista, advogado e ex-deputado federal – nl@neylopes.com.br.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Seria o semipresidencialismo uma solução?

Por Rogério Tadeu Romano*

Alguns anos atrás, em reportagem da Veja, colhia-se:

“Ministro do Supremo com maior atuação na seara política, Mendes retomou a defesa do semipresidencialismo em reuniões com parlamentares nas últimas semanas. Ele alega que o Brasil enfrenta crises de forma cíclica e que a instabilidade dos governos parece algo intrínseco ao regime presidencialista.”

Argumenta ainda que, após a redemocratização, dois dos quatro presidentes eleitos antes de Bolsonaro não chegaram ao fim do mandato: Dilma e Fenando Collor. Só esse dado seria suficiente para justificar o debate do tema.

Atualmente é visível o papel do Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Pautas como o marco temporal, supressão de poderes do STF, em que cada casa parlamentar é uma casa, se apresentam com um Legislativo que mais parece “uma locomotiva” em busca e obtenção de poder.

Tereza Cruvinel, em artigo para o portal 247, em 2.11.23, foi veemente.

Colho o que disse:

“Na terça-feira, 31, o senador Jacques Wagner, líder do Governo no Senado, cortou um dobrado na Comissão de Assuntos Econômicos para evitar que seus pares aprovassem um projeto estabelecendo como de execução obrigatória as emendas de comissões. Wagner conseguiu adiar mas não ainda barrar mais esse avanço do Congresso sobre o Orçamento da União. Em miúdos, o projeto era mais um passo para ampliar o poder do Legislativo e reduzir o poder do presidente da República.

O Brasil vem assistindo, com cara de paisagem, a uma marcha para a mudança do sistema de governo sem a realização de novo plebiscito ou a aprovação de uma PEC neste sentido, que alguns dizem não ser possível. Há quem entenda, inclusive no Supremo, que depois da confirmação do presidencialismo no plebiscito de 1993, só com outra consulta popular o sistema de governo pode ser alterado. Mas, na prática, isso vem acontecendo, com a adoção de um regime semi-presidencialista ou semi-parlamentarista, sem primeiro-ministro e desprovido de outros mecanismos do parlamentarismo, como a dissolução da Câmara e o chamado de novas eleições em determinadas situações de crise.”

É visível a atuação do Congresso na efetivação de um orçamento impositivo.

A legislação e a execução prática do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei orçamentária como uma “autorização para gastar”, e não como uma “obrigação de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.

A ideia de “orçamento impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.

“Orçamento impositivo” quer dizer que o gestor público é obrigado a executar a despesa que lhe foi confiada pelo Legislativo. Que apenas alguma coisa muito excepcional poderia liberá-lo desse dever.

O Congresso aprovou a Emenda Constitucional 86, que criou o instituto do Orçamento impositivo peculiar, pois em vez de aprovar uma norma que realmente obrigasse o Poder Executivo a cumprir as leis orçamentárias, foi aprovada uma emenda constitucional que obriga o Poder executivo a cumprir as emendas parlamentares, que se caracterizam como uma pequena parte do orçamento, e vinculada a interesses eleitorais dos próprios parlamentares.

Fala-se que hoje o orçamento não é mais autorizativo, mas impositivo.

A matéria foi discutida em PEC cujo objetivo não foi tornar obrigatório a execução de toda a despesa do orçamento.

A Emenda 86, promulgada em 17 de março de 2015, basicamente altera e insere alguns parágrafos e incisos nos artigos 165 e 166, referentes à vinculação de recursos para a execução de emendas parlamentares individuais, e altera o artigo 198 da Constituição Federal para estabelecer 15% de vinculação de recursos da União para os programas e ações de saúde.

Com as Emendas Constitucionais 100/ 2019 e 102/2019, tornou-se literalmente obrigatória a execução plena do Orçamento, e não apenas as provenientes de emendas parlamentares individuais ou de bancada. O novo § 10 do art. 165 impõe à Administração, sem se limitar às emendas, o dever de executar obrigatoriamente as programações orçamentárias, para garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade. Em seguida, o § 11 estabelece as exceções ao Orçamento impositivo, a fim de assegurar o equilíbrio fiscal.

O Orçamento público impositivo é um instrumento democrático e fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira, e a execução orçamentária em sua plenitude, ressalvadas as limitações legais, financeiras ou técnicas, é um imperativo para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Do contrário, teríamos um Orçamento que seria mera “obra de ficção”.

Sendo insuperável o impedimento apontado, o Poder Legislativo em 30 dias indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação orçamentária daquela verba (artigo 166, parágrafo 14, II), o qual deverá encaminhar esta reprogramação como projeto de lei em até 30 dias, ou até a data de 30 de setembro (artigo 166, parágrafo 14, III).

Disse ainda Tereza Cruvinel, naquela oportunidade, que “agora o Congresso quer tornar impositivas as emendas de comissão, quer criar as emendas de liderança (para cada partido) e ainda fixar um calendário para a liberação de todas elas. O governo sequer poderá fazer a liberação na hora da busca de votos.”

Afinal, como é o semipresidencialismo?

Semipresidencialismo é um sistema de governo em que o presidente partilha o poder executivo com um primeiro-ministro e um gabinete, sendo os dois últimos responsáveis perante a legislatura de um Estado. Ele difere de uma república parlamentar na medida em que tem um chefe de Estado eleito diretamente pela população e que é mais do que uma figura puramente cerimonial como no parlamentarismo. O sistema também difere do presidencialismo no gabinete, que, embora seja nomeado pelo presidente, é responsável perante o legislador, o que pode obrigar o gabinete a demitir-se através de uma moção de censura.

Enquanto a República de Weimar alemã (1919-1933) exemplificou o primeiro sistema semipresidencial, o termo “semipresidencial” teve origem em 1978 através do trabalho do cientista político Maurice Duverger para descrever a Quinta República Francesa (criada em 1958), que Duverger apelidou de régime semi-présidentiel.

Sob o sistema premiê-presidente, o primeiro-ministro e o gabinete são exclusivamente responsáveis perante o Parlamento. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas apenas o Parlamento pode removê-los do cargo. O presidente não tem o direito de demitir o primeiro-ministro ou o gabinete. No entanto, em alguns casos, o presidente pode contornar essa limitação, através do exercício do poder discricionário de dissolver a assembleia, o que obriga o primeiro-ministro e o gabinete a demitirem-se. Este subtipo é usado em Burkina Faso, Geórgia (desde 2013), Lituânia, Madagascar, Mali, Mongólia, Níger, Polônia, Portugal, França, Romênia, Senegal e Ucrânia (desde 2014; anteriormente, entre 2006 e 2010).

Sob o sistema de presidente-premiê, o primeiro-ministro e o gabinete são duplamente responsáveis perante o presidente e a maioria da assembleia. O presidente escolhe o primeiro-ministro e o gabinete, mas deve ter o apoio da maioria parlamentar para a sua escolha. Para remover um primeiro-ministro ou todo o gabinete do poder, o presidente pode demiti-los ou a maioria parlamentar pode removê-los. Esta forma de semipresidencialismo é muito mais próxima do presidencialismo puro e é usado na Armênia, Moçambique, Namíbia, Rússia, Sri Lanka e Taiwan. Também foi usado na Alemanha durante a República de Weimar.

Com o semipresidencialismo volta-se às lições de Maurice Duverger, que foram utilizadas, na França, em 1958, como solução para uma séria crise na França com o enfraquecimento do parlamentarismo.

Mas esse semipresidencialismo nasceu na França com um presidente forte, de caráter forte, como Charles de Gaulle, herói naquele país. Sobreviveu até hoje, passando por Georges Pompidou, Valèry Giscrd d´Estaing, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, até chegar a François Hollande, todos eles hábeis governantes. Em Portugal, temos hoje um premiê vinculado ao partido socialista e um presidente da República que não é do mesmo partido. Na França, o atual presidente Macron adota um modelo centrista, diante da derrota do modelo socialista anterior e da direita, nas últimas eleições presidenciais, e tem no Parlamento um evidente apoio conquistado nas últimas eleições.

Digo isso porque o semipresidencialismo não convive com um presidente inábil e fraco politicamente.

A Constituição de 1988 não fala num modelo próprio francês, a partir de 1958, semipresidencial (em que, na França, o Presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela política interna). É frequente o fenômeno da coabitação no qual o chefe de governo (Primeiro-ministro) e o chefe de Estado (Presidente) são eleitos separadamente num mecanismo de freios e contrapesos. Ficou, na França, o chamado sistema gaullista, com mais de quarenta anos de existência, que corresponde a um sistema semipresidencial, por o governo, livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser responsável politicamente perante o Parlamento. Ali o centro principal da decisão política tem residido desde o início, no Presidente da República, por virtude da autoatribuição de um “domínio reservado”, como revelou Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, 2003, pág. 105), em política externa e da defesa, da subalternização do Primeiro-Ministro, do apelo ao referendo e do exercício do poder de dissolução. Esse sistema se distancia do chamado semipresidencialismo português, em que o presidente preside, não governa, tendo poderes para dissolver o Parlamento, só com condicionamentos temporais, demitir o governo, quando o exija o regular funcionamento das instituições, decidir sobre a convocação dos referendos, exercer o poder de veto por inconstitucionalidade etc. Já, na França, o Presidente tem o poder de submeter a referendo projetos de lei relativos à organização dos poderes e à ratificação dos tratados (artigo 11 da Constituição de 1958) e o de assumir, embora com consulta prévia de outros órgãos, poderes excepcionais em caso de estado de necessidade (artigo 16).

Na França, junto com o sempresidencialismo há o sistema do ballottage.

É praticado atualmente na França, desde a instauração da Quinta República, com o breve interlúdio da lei nº 85-690, que instaurou o sistema proporcional para as eleições de 1985, sendo restaurado pela lei nº 86-825. De acordo com a lei francesa, a eleição de deputados ocorre em distritos uninominais em dois turnos. O candidato que obtiver maioria absoluta é considerado eleito. Não sendo alcançada a maioria absoluta, é convocado um segundo turno no qual participam os partidos que tenham alcançado um mínimo de 17% dos votos no distrito. Para o segundo turno não é necessário alcançar maioria absoluta, sendo considerado eleito o candidato ou a coligação mais votada. Segundo Sartori, a principal característica é que, ao contrário de outros sistemas, ele permite um segundo voto ao eleitor, tornando possível a sua mudança de preferências.

A adoção de parlamentarismo ou outro sistema de governo forma um debate que cresce sempre em épocas em que o Presidencialismo está em crise.

Na França, o semipresidencialismo é forte com um Presidente da República que está a frente da política externa e dos principais temas de governo. Em Portugal, o Presidente da República é o responsável por vetos às leis emanadas do Parlamento e tem poder de nomear o Primeiro-Ministro. Na Polônia, há um misto de semipresidencialismo e parlamentarismo, onde se fala, na experiência recente num parlamentarismo bicameral que quer propor ao país um modelo autocrático.

No presidencialismo o presidente é chefe de Estado e de Governo. No parlamentarismo o presidente é chefe de Estado deixando a tarefa de governar a um primeiro-ministro e seu conselho de ministros (modelo que tivemos na República, entre 1961 e 1963).

Aguardemos os passos que deverão ser dados pela classe política.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Ontem foi o dia do servidor público, mas por quais motivos alguns criticam o servidor público e tentam acabar com tal serviço?

Por Tales Augusto*

A Pandemia assolava o mundo. No Brasil, muitos servidores públicos estavam no combate ao Corona Vírus, na linha de frente, e até perderam suas vidas.

Enquanto isso, discussões e reuniões na surdina entre membros do governo Bolsonaro, fizeram com que fosse exposta uma reunião onde o Ministro da Economia Paulo Guedes proferiu que já tinham colocado uma granada no bolso do servidor público, dois anos sem aumento.

Também em meio a pandemia, vimos um servidor concursado denunciar a intenção de um esquema de ganho nas vacinas, seria um dólar por vacina, por ser servidor de carreira, concursado, não foi demitido. Mais recentemente, um delegado denunciou o Ministro de Bolsonaro, o Sales e advinha? Foi afastado do cargo, não foi demitido (exonerado), por ser concursado.

Não são recentes as críticas e perseguições aos servidores públicos, por trás de tais discursos, interesses dos mais variados. E pouco se conhece acerca do Serviço Público e sua importância no Brasil, as pessoas não pesquisam, apesar dos dados serem disponibilizados nos mais variados portais de transparência.

O 28 de outubro, DIA DO SERVIDOR PÚBLICO tem suas origens ainda no Governo Vargas. Antes, durante a República Velha, prevalecia a indicação e o clientelismo em praticamente todas as relações que envolviam o Estado e os que prestavam serviços à população. Concursos com o tempo surgiram e veio a Ditadura Militar (nada de Regime Militar, nada de passar pano). Os que não fossem conviventes com o sistema, eram demitidos, expulsos dos seus cargos.

Com a redemocratização, foi necessário criar segurança para aqueles que serviriam o público. Ao contrário do que muitos pensam, todo servidor público, seja ele concursado ou não, pode ser demitido, exonerado. Inclusive os que possuem cargos eletivos, alguns destes, com salários e regalias diversas, realidade distante da maioria dos Servidores Públicos, independente de qual ente da federação prestem serviços.

Atualmente, buscam levar ao Congresso Nacional uma Reforma Administrativa, tal ação pode levar a uma precarização dos serviços prestados e a indicação política prevalecer. Para piorar, tornar-se estável (não confundir com intocável), ficará mais e mais difícil.

Lembram das Reformas Previdenciária e Trabalhista que tiveram o atual Rogério Marinho à sua frente? Deixou vários grupos como intocáveis, incluindo os Militares das Forças Armadas.

E patrão é patrão, independente de quem for lutar pelos direitos dos Servidores Públicos é primordial. No caso do governo federal, até aqui, há uma proposta de 1% de aumento. Em relação a Lula já falei uma vez, tenho eterna gratidão, mas jamais em relação a qualquer político, devemos ter subserviência.

O Servidor Público ontem teve seu dia, temos o que comemorar? Sim! Mas é preciso valorizar o servidor e seu reconhecimento perpassa não só pela lembrança da data e o parabenizar. Que todo Servidor Público tenha condições de prestar seus serviços de forma digna e como a população necessita e que ganhe o que é justo, para a importância que ele representa!

*É Mestre em Ciências Sociais e Humanas, servidor público efetivo concursado do IFRN Campus Apodi. Autor do livro História do RN para Iniciantes, pesquisado do Êxito Escolar de pessoas Oriundas das Classes populares e sua Ascensão Social.

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As chamadas milícias

Por Rogério Tadeu Romano*

Era o ano de 2006 e uma pesquisa realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro mostrava que, em pelo menos noventa favelas daquela cidade, grupos armados cobram dinheiro dos moradores para manter a ordem.

São as chamadas milícias, verdadeiras quadrilhas, que ditam regras na comunidade, substituindo o Estado, na missão de segurança armada, fazendo o papel de ¨policiamento oficial¨, castigando quem comete, segundo eles, infringência às normas por eles elaboradas.

Milícia é a designação que se dá às organizações militares ou paramilitares compostas por cidadãos comuns, armados ou com poder de polícia.

Carlos Gilberto Martins Junior (A atuação das milícias e o impacto à segurança pública no Estado do Rio de Janeiro: uma análise crítica do modelo de segurança à luz da cidadania) nos disse:

“O dispositivo legal referente ao crime de Constituição de Milícia Privada (art. 288-A do Código Penal) ingressou no ordenamento jurídico através da Lei nº 12.720/2012. De acordo com a norma, “constituir, organizar, integrar, manter ou custear” quaisquer dos tipos de associação descritos como “organização paramilitar”, “milícia particular” “grupo” ou “esquadrão”, com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal, se enquadraria nesta conduta delituosa. A Lei nº 12.720/2012, além de tipificar um novo crime, trouxe também duas novas causas de aumento, uma para o crime de homicídio (art. 121, § 6º, do Código Penal), e outra para o crime de lesão corporal (art. 129, § 7º, Código Penal), elevando a reprovação do agente caso ele integre ou faça parte da milícia. A pena para tal delito é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão, e a ação penal é de iniciativa pública e incondicionada.”.

Como tal a milícia é crime contra a paz pública, que exige o dolo e é um crime de perigo.

Atualmente temos a Lei 12.720, de 2012.

Pelo texto, que foi objeto de sanção, há crime de reclusão de quatro a oito anos, para quem constitui, organiza, mantém ou custeia organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar crimes previstos no Código Penal. Tal punição poderá ser ainda maior se um crime de homicídio for cometido pelas milícias sob o pretexto de prestar serviço de segurança, sendo a pena aumentada de um terço até a metade.

Lembrou ainda Carlos Gilberto Martins Junior (obra citada) que, na lição de Bitencourt (Tratado de Direito Penal 4 – Parte Especial. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. E-book.), o bem jurídico tutelado por esta norma incriminadora seria, enfatizando-se o aspecto subjetivo de ordem ou paz pública, o sentimento coletivo de segurança na ordem e proteção pelo direito. Em outras palavras, o sentimento da população quanto ao medo e o risco da segurança social ser abalada, e não propriamente a paz pública (embora este crime esteja previsto no título atinente aos crimes contra a paz pública). Portanto, a própria existência desses grupos e a finalidade de cometer crimes (independentemente dos crimes que venham a cometer), já é capaz de produzir um sentimento de insegurança e medo

Luiz Regis Prado (. Tratado de Direito Penal Brasileiro – Parte Especial – Vol. 3. São Paulo: Grupo GEN, 2021. E-book) ensinou que organização paramilitar pode ser entendida como:(…) uma associação não oficial de pessoas, organizadas segundo uma estrutura paralela à militar, ou seja, que tem as características de uma tropa militar – hierarquizada como o exército, por exemplo –, sem que o seja do ponto de vista formal ou legalmente. Em outras palavras, a organização paramilitar assemelha-se às forças militares em estrutura (hierarquização de cargos, armamento, missões, ataques etc.), sempre à margem da lei. Milícia particular pode ser analisada como “uma corporação ou grupamento sujeitos à disciplina e à organização de matiz castrense.

No estudo da matéria, são encontrados casos de milícias, em organizações da administração pública terceirizada e que possuam estatuto militar, não pertençam às Forças Armadas de um país.

No Rio de Janeiro, foram encontrados exemplos de milícias que controlavam favelas. Eram formadas por policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, fora do serviço ou na ativa. A princípio, com a intenção de garantir a segurança contra traficantes, os milicianos passaram a intimidar e extorquir moradores e comerciantes, cobrando uma ¨taxa de proteção¨. Através do controle armado, esses grupos também controlavam o fornecimento de muitos serviços aos moradores, como atividades de transporte alternativo (que serve aos bairros da periferia), a distribuição de gás, a instalação clandestina de TV a cabo.

Segundo um levantamento do portal G1, grupos milicianos têm sob sua influência áreas de 11 municípios na região metropolitana do Rio, onde vive um total de 2 milhões de pessoas. Originalmente compostos por policiais civis e militares, bombeiros e agentes penitenciários, esses grupos armados controlam diversos negócios (como distribuição de água e gás), funcionando como um estado paralelo.

A maioria dos agentes da segurança pública envolvidos com esses grupos são policiais militares (RIO DE JANEIRO, 2008), portanto, agentes detentores do monopólio do uso da força, que não é usada para preservar a ordem, mas tão somente para garantir o domínio territorial e a exploração da comunidade.

Tornou-se a milícia uma parte do Estado.

Aliás, Carlos Gilberto Martins Junior (obra citada) realça:

“O poder conferido a essas corporações se tornou uma arma de dominação, um instrumento que favorece a criminalidade, ao invés de combatê-la. Sustenta-se o entendimento de que as milícias não se inserem em um contexto de Estado paralelo, ou de ausência de Estado, mas sim de um verdadeiro “desdobramento” dele próprio, pois o instrumento de poder e, invariavelmente, o legitimador da atuação abusiva e impositiva desses grupos é o próprio poder estatal, usado pelo agente de segurança (BRAMA, 2019, p. 8). Logo, tem-se que a presença do Estado foi fundamental para a formação das milícias cariocas, compondo-as através de seus agentes (BRAMA, 2019, p. 7).

…..

A conduta das milícias analisada a partir do contexto de exploração econômica da população das zonas periféricas, por agentes do Estado, sob o véu da segurança privada clandestina que resulta em domínio territorial, já foi largamente debatida em tópicos anteriores. Entretanto, este assunto é trazido novamente à baila, mas, com um objetivo diferente: será feita uma nova abordagem dos meios pelos quais a milícia consegue inverter o monopólio de poder conferido pelo Estado e como isso afetar (ainda mais) a segurança pública.”

Criada por policiais no início dos anos 2000 com o argumento de impedir a entrada do tráfico nas favelas onde moravam, a milícia incorporou a venda de drogas aos seus negócios em cerca de um terço de seus domínios na cidade do Rio. Já os traficantes importaram práticas de extorsão típicas de grupos paramilitares na maioria das favelas que controlam. É o que revela um estudo inédito feito por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), da Universidade de Chicago e da Escola de Administração, Finanças e Instituto Tecnológico da Colômbia, como revelou o portal Extra, em 28.6.22.

Sobre a matéria destacou o sociólogo José Cláudio de Souza Alves em entrevista recente a revista Exame, quando falava sobre a conduta dessas milícias e sua área de atuação:

“Estamos falando de uma região onde a atuação de grupos de extermínio vem do final dos anos 1970. Com a ditadura civil-militar, a polícia ganhou o status de força auxiliar repressora ostensiva, da forma que ela é até hoje. A partir desse momento surgem os esquadrões da morte na Baixada, financiados por empresários e comerciantes da região que usavam esses grupos para proteger seus interesses, resolver problemas locais. O apoio político para esses grupos operarem foi dado pela ditadura. Esse é o primórdio desses grupos que vão virar uma máquina de matar e explodir a partir dos anos 1970. Isso ganhou um novo patamar quando, nos anos 1990, vários desses matadores se elegem para cargos públicos, em Belford Roxo e em Duque de Caxias, por exemplo. Esses matadores fizeram uma espécie de lavagem de suas cidadanias ao se elegerem: se tornam políticos, não se envolvem mais com matanças, mas têm gente que mata por eles. Essa é a trajetória de vários homens na Baixada. O que as milícias fizeram foi dar continuidade a isso, mas incorporando uma dimensão de controle de negócios. Ou seja: o estado não foi corrompido, nem deturpado, nem sequestrado. Não é uma ausência de estado. O estado é o organizador. Prefeitos, vereadores, até o judiciário já esteve aqui dando carteirinha para os matadores, e depois as milícias, atuarem. É uma estrutura atuando desde a década de 1970 de maneira intocada. Com as milícias, tudo isso ganha uma sofisticação ainda maior.”.

A milícia é uma estrutura de poder paralelo, que pode, muitas vezes, se inserir na medula estatal, como um verdadeiro e sinistro Estado profundo, cujos tentáculos são profundamente ignóbeis, na medida em que traz o medo, a violência e o escárnio.

O Anteprojeto do Código Penal prevê, no artigo 256, o crime de organização criminosa onde se diz: ¨Organizarem-se três ou mais pessoas, de forma estável e permanente, para o fim específico de cometer crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos, mediante estrutura organizada e divisão de tarefas, com hierarquia definida e visando a auferir vantagem ilícita de qualquer natureza¨, com pena de prisão, de três a dez anos A pena aumenta-se até a metade se a organização criminosa é armada, se um ou mais de seus membros integra a Administração Pública, ou se os crimes visados pela organização tiverem caráter transnacional.

A milícia, para efeitos do Anteprojeto do Código Penal, em seu artigo 256, parágrafo segundo, é uma organização criminosa que se destina a exercer, mediante violência ou grave ameaça, domínio ilegítimo sobre o espaço territorial determinado, especialmente sobre os atos da comunidade ou moradores, mediante a exigência de entrega de um bem móvel ou imóvel, a qualquer título, ou de valor monetário periódico pela prestação de serviços de segurança privada, transporte alternativo, fornecimento de água, energia elétrica, venda de gás liquefeito de petróleo, ou qualquer outro serviço ou atividade não instituída ou autorizada pelo Poder Público, ou constrangendo a liberdade de voto. A pena proposta no Anteprojeto é de quatro anos a doze anos de prisão, sem prejuízo das penas relativas aos crimes cometidos pela organização miliciana e se a organização for integrada por agentes ou ex-agentes do sistema de segurança pública ou das forças armadas, ou por agentes políticos (circunstância qualificadora) a pena sobe de prisão de oito a vinte anos. A pena poderá ser aumentada, de um terço até metade, se a organização é armada; atua com violência ou grave ameaça sobre incapazes, pessoas com deficiência, ou idoso ou ainda praticar tortura ou outro meio cruel.

Fácil é ver a gravidade dessa espécie de delito, que está aí como exemplo.

No estudo do tema destacam-se os chamados grupos criminosos.

Segundo estudiosos do tema, quatro grupos criminosos controlam favelas do Rio de Janeiro. O mais antigo deles é o Comando Vermelho (CV). A facção surgiu na década de 70 no presídio da Ilha Grande, em Angra dos Reis, no Sul Fluminense, com o nome de Falange Vermelha, a partir do contato entre presos políticos e criminosos comuns.

Nos anos 80, o CV passou a ocupar morros na cidade, como o Juramento, em Vicente de Carvalho, na zona norte, reduto de José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, e atuar no tráfico de drogas. A base de atuação do grupo era o Complexo do Alemão.

Em 2010, as milícias, grupos criminosos formados por policiais militares e civis, bombeiros, agentes penitenciários, aposentados e da ativa, ocupam hoje mais territórios do que as grandes facções do narcotráfico no Rio de Janeiro. Na lista das 250 principais favelas pesquisadas (a estimativa é de que na capital são mais de mil), 100 são controladas pelas milícias, 84 pelo Comando Vermelho, 35 pelos Amigos dos Amigos e 31 pelo Terceiro Comando Puro.

O levantamento foi feito pelo pesquisador do Instituto de Ciências Policiais da Universidade Cândido Mendes Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e mestre em Antropologia.

Esses criminosos estão se espalhando pelo sistema presidiário e são uma ameaça à sociedade.

As organizações criminosas, com o passar dos anos, adaptaram-se às mudanças da sociedade e, segundo se relata, poderiam ter representantes na política.

Mas o que Maierovitch nos diz?

“Afirma ainda que facções criminosas têm interesse em se infiltrar no poder político para costurar acordos que reduzam a repressão policial em certas áreas. Segundo ele, um acordo desse tipo já vigora na periferia de São Paulo. ‘A polícia não vai à periferia, onde o PCC atua livre, leve e solto. Há uma lei do silêncio na periferia de São Paulo.’” (Fonte: BBC) (Acesso em 27 de fevereiro de 2018).

A isso se soma o fato de que o portal do jornal O Globo, em 24.10.23, falando sobre uma atuação da milícia em apavorar a população do Rio de Janeiro, descreveu que um grupo que foi criado na virada dos anos 2000 por policiais que moravam em Campo Grande e batizada como Liga da Justiça. Na época, os irmãos Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, e Natalino José Guimarães, inspetores da Polícia Civil e lideranças comunitárias locais, juntaram outros policiais que viviam na região — como o então PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman — e passaram a controlar o transporte alternativo e cobrar taxas da população a pretexto de enfrentar traficantes e ladrões.

E veja-se como essas milícias se infiltraram na política, consoante ainda aquela reportagem:

“Na época em que chefiavam a milícia, Jerominho e Natalino chegaram a ser eleitos: o primeiro foi vereador; o segundo, deputado estadual. Entre 2007 e 2008, com a mudança de rota no enfrentamento aos grupos paramilitares gerada pela CPI das Milícias, da Assembleia Legislativa do Rio, a dupla acabou presa — e o comando do grupo passou para as mãos de uma série de PMs, que se sucederam na chefia.

Entre 2008 e 2014, comandaram o grupo os policiais militares — que acabaram expulsos da corporação — Ricardo da Cruz, Toni Ângelo Souza de Aguiar e Marcos José de Lima Gomes, o Gão, um após o outro, sempre após a prisão do antecessor. O perfil da organização criminosa mudaria a partir da prisão de Gão, em 2014. Com todos os policiais do topo da hierarquia na cadeia, não havia substituto natural. Abriu-se, assim, uma guerra pelo controle do bando — que acabaria transformando a milícia do Rio.”

A milícia responsável pelo caos no Rio de Janeiro foi fundada por policiais.

O Projeto de Lei Complementar 15/2023, enviado pelo governo do estado, altera a lei que trata da nomeação de cargos da cúpula da Polícia Civil, inclusive o cargo de secretário da corporação.

Afasta-se o sistema do mérito no serviço público pela escolha para o cargo por “conveniências políticas”.

São alarmantes essas notícias. É a milícia, pasmem, orientando os rumos da segurança pública naquele Estado, que perdeu povo, território e está perdendo o governo e a autonomia.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

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